Ensinando com qualidade
Tânia Zagury (*)
Quase todo comportamento humano é aprendido, ao contrário do que ocorre em
outras espécies animais, nas quais o filhote já nasce sabendo quase tudo o que necessita para
sobreviver. No homem, apenas pequena parte é instintiva ou reflexa, como sugar o leite e
respirar ao nascer. Essa constatação só demonstra a importância da aprendizagem.
No entanto, aprender pode não ser tão fácil como parece, até porque só se considera
que houve aprendizagem quando, em decorrência, ocorre uma mudança de comportamento que
se mantém de forma relativamente permanente. Em décadas passadas, pensava-se, até com
certa ingenuidade, da seguinte forma: Se preparei uma aula adequada, só não aprendeu quem
não quis. Sabemos hoje que muitos outros fatores entram em jogo, além, evidentemente, do
domínio do conteúdo pelo professor e da ação técnica adequada.
Um ponto relevante a ser considerado é o fato de que o que se aprende não é
diretamente observável, exatamente por se tratar de modificação interna. Como tal, o que se
pode avaliar é tão somente o desempenho - esse sim, externo. É preciso ter em mente, portanto,
que ensinar é um processo e aprender, outro. O grande desafio docente consiste em justamente
relacionar, o mais perfeitamente possível, ensino e aprendizagem. Tarefa nada fácil - como
sabem os que militam nas salas de aula.
Nem todo ensino produz aprendizagem porque muitas são as variáveis que interferem
no processo. Relaciono, a seguir, alguns fatores que tornam bem mais provável se atingir os
objetivos educacionais.
1) Haver adequação do processo de comunicação por parte de quem ensina e de
quem aprende.
2) O nível técnico-pedagógico do professor precisa ser alto, mas é preciso que ele o
utilize de forma adequada ao conteúdo e à clientela.
3) Tal nível técnico-pedagógico
desenvolvido.
deve ocorrer em relação ao conteúdo a ser
4) Aluno e professor precisam estar sintonizados, isto é, deve haver interesse e
motivação em todas as etapas do processo, não somente em um dia ou outro.
5) As experiências anteriores em relação ao conteúdo específico (carga emocional
positiva ou negativa) interferem diretamente na produtividade e no desempenho.
6) O ambiente de aprendizagem também pode ajudar ou comprometer: sala de aula à
beira de rua barulhenta por si só pode constituir barreira à aprendizagem.
7) Expectativas do aluno em relação ao professor e à matéria (e vice-versa) também
influenciam o processo.
O professor que tem consciência da influência desses elementos sobre a situação de
aprendizagem - e utiliza esse saber no planejamento de suas aulas para evitar ou minimizar
desvios – terá, logicamente, maior possibilidade de sucesso do que os que os ignoram. Esse
sucesso possibilita o aperfeiçoamento constante que o olhar atento a esses quesitos permite.
Por exemplo: pessoas que têm acesso imediato aos resultados de seus esforços tendem a se
tornar efetivamente interessadas em superar os avanços alcançados. Isto é, quando o aluno é
informado de seus progressos com rapidez, ocorre um incremento no seu desejo de melhoria.
Portanto, se o docente trouxer e analisar com seus alunos - em no máximo duas aulas após
terem sido feitos - os trabalhos, provas e exercícios corrigidos, terá maior possibilidade de
provocar em seus alunos o desejo de superação.
Outro exemplo: o ser humano é "movido a amor". Quer dizer, o que impulsiona as
pessoas, em última instância, é o desejo de ser amado, traduzido, na maioria das vezes, em
desejo de aprovação. Uma palavra de estímulo na hora certa provoca mudanças significativas
no centro cerebral do prazer (resposta fisiológica), incrementando a tendência a repetir a
atitude que propiciou esse bem-estar.
Esses e outros elementos entram em cena diuturnamente na situação ensinoaprendizagem. Em uma época em que a desmotivação e o desinteresse pelo aprender são
queixas primordiais dos professores (fato levantado em estudo de campo que publiquei sob
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forma de livro ) torna-se importantíssimo capitalizar conhecimentos técnicos que permitam
minimizar o problema. Se o docente quer incrementar o desempenho de seus alunos, não
pode, de forma alguma, ignorar que tem em mãos ferramentas poderosas que por vezes não
utiliza por desconhecer o seu potencial.
A motivação do aluno, por exemplo, é exteriorizada de três formas: a) como
dinamizadora do comportamento, conduzindo à ação; b) como pista do motivo oculto,
explicitando causas de certas atitudes relacionadas ao nível de tensão (roer unhas ou agredir
alguém, por exemplo); e c) como necessidade a ser satisfeita, determinando o tipo de ação que
desencadeia. Interpretar o desempenho ou a atitude dos alunos como sinais exteriores de um
motivo desencadeador (motivação) é um desafio, mas é também uma forma eficiente de
encontrar repostas e, a partir delas, soluções para atitudes que, à primeira vista, podem
parecer sem sentido, agressivas ou estranhas.
Há, enfim, uma sequência de ações que, quando desencadeadas, tornam factível a
aprendizagem: incentivo/motivação/adesão/desempenho. O papel do professor é criar
incentivos (estímulos externos) para que surja a motivação (estado dinâmico interno).
Havendo motivação, o aluno tem mais probabilidade de aderir ao processo - e aluno que adere
à escola e(ou) ao docente aprende melhor e mais rápido. A forma mais eficiente de conseguir
adesão é criar uma identidade pessoal e institucional que congregue todos os participantes do
processo.
O que expus representa somente pequena parcela dos saberes que compõem a
complexa relação ensino-aprendizagem, um mundo de conhecimentos instigantes, essenciais
aos que desejam melhorar sua performance docente e, em decorrência, incrementar a
qualidade do aprendizado de seus alunos.
(*) Filósofa; Mestre em Educação; Professora Adjunta da UFRJ; Escritora e Conferencista.
O resultado da pesquisa citada encontra-se publicado in Zagury, T. O professor refém: porque fracassa
a educação no Brasil. RJ: Record, 2006.
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