PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL: O IMPASSE ENTRE A GARANTIA DE DIREITOS E A VISÃO DE BENEFÍCIOS. Luzia Magalhães Cardoso (Coordenação do Projeto) Mestre em Serviço Social. Professora Auxiliar no Curso de Serviço Social da UNISUAM Leopoldina de Araújo Cardoso Assistente Social do IASERJ. Aluna do curso de Pós-graduação da UNISUAM: O Serviço Social e o Trabalho com Famílias Daniele G. Monteiro Aluna do 6o período do curso de Serviço Social da UNISUAM Márcia Guimarães Viana Aluna do 7o período do curso de Serviço Social da UNISUAM Sara Danielle L. de Mell Aluna do 6o período do curso de Serviço Social da UNISUAM Sônia Helena P. M. Quintas Aluna do 4o período do curso de Serviço Social da UNISUAM 1 RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar a Política de Assistência Social vigente no Brasil: seus princípios, diretrizes, financiamento, organização e estrutura. Introduz a discussão sobre a aparente dualidade da referida política, que transita entre a concepção de proteção social enquanto um direito de cidadania e enquanto um benefício do Estado e/ou da sociedade àqueles que dela necessitam. Palavras-chave: assistência social; proteção social; direitos. Abstract The present article has the objective to present the Brazilian Politics of Social Welfare Work: its principles, lines of direction, financing, organization and structure. It introduces the debate on the apparent duality of the related politics that transites in the conception of social protection while a citizenship’s right and while a State’s benefit and/or society to them need. Keywords: those who social assistance; social protection; rights. 1- APRESENTAÇÃO Considerando a função social de unidades de ensino e pesquisa, o Curso de Serviço Social da UNISUAM, por meio da Coordenação de Extensão Universitária, no ano de seu trigésimo aniversário, explicita seu compromisso ético-político na construção das condições necessárias para assegurar direitos sociais e, assim, vem apresentar o Projeto de Acompanhamento do Processo de Implantação e Execução da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) no Estado do Rio de Janeiro, que tem como um dos objetivos construir instrumentos que viabilizem o acesso às informações sobre o os serviços, programas e sobre a organização do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e disponibilizá-las à população e aos profissionais executores, por meio de um catálogo de recursos. A fim de colaborar com o debate acerca da direção ideopolítica da Assistência Social, o presente artigo se propõe a apresentar a PNAS, seus objetivos, seus princípios, suas diretrizes e financiamento. Como resultado inicial do projeto será disponibilizado no site da UNISUAM o “Manual de Recursos da Rede de Proteção Social Básica da Região Metropolitana 2 do Estado do Rio de Janeiro”, visando contribuir para a divulgação e para o acesso da população aos equipamentos da PNAS. Dessa forma, os endereços dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) 1 foram organizados por municípios, a fim de disponibilizá-los à população. Como as bases materiais da referida Política ainda estão em construção, incluímos também os endereços das Secretarias de Assistência Social responsáveis pela coordenação municipal e os endereços de outras unidades públicas que a executam, como os Núcleos de Atendimento à Família (NAF). 2 - ORIGENS DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A incorporação da Assistência Social como política social pública é muito recente na história brasileira, apesar de a mesma vir sendo tratada no interior das outras políticas sociais desde a década de 30. Contudo, apenas no final dos anos 80, com a promulgação da nova Carta Constitucional, é que a Assistência Social ganhou estatuto de política, já que o Artigo 194 a integra à Seguridade Social, ou seja, passa a ser assumida como uma responsabilidade do Estado e materializa-se juridicamente como um direito social que, conforme o Artigo 203, “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. Apesar de ser um direito que independe de contribuição, ela é financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, visto que uma das fontes é o Tesouro Nacional, com recursos provenientes das três esferas de governo: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Evidentemente que compõem também tais recursos os impostos embutidos nos transportes, vestuários, alimentos, dentre outras. Nesse sentido, o cidadão assistido pela Política de Assistência Social também contribui para o seu financiamento. As seqüelas da questão social, como a exclusão social, a violência, a evasão escolar, o abandono de crianças, adolescentes e idosos etc., por muito tempo, foram 1 Os CRAS são unidades públicas estatais que funcionam como porta de entrada para o SUAS e são as instituições responsáveis pela oferta de programas e serviços para viabilizar a proteção social. 3 tratadas por instituições filantrópicas, numa visão de benemerência, apesar de serem subsidiadas pelo Estado. Nesse sentido, os programas e projetos dirigidos às classes populares eram executados por meio de práticas sociais assistencialistas 2 , já que o amparo social brasileiro sempre fora apresentado como um ato de benevolência, seja dos governantes ou de setores mais abastados da sociedade. 3 A partir da análise da trajetória da Assistência Social no Brasil, pode-se localizar a origem da terminologia adotada na classificação de alguns programas e serviços atualmente oferecidos à população, como a denominação de um dos programas de transferência de renda da PNAS: o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Embora seja um programa de transferência de renda, instituído pelo Artigo 203, alínea V, da Constituição Federal, ao ser denominado “benefício” explicita a compreensão, ainda presente em setores da sociedade, de que a Assistência Social é um “serviço ou um bem que se faz gratuitamente; um favor; algo que é ofertado de graça” (FERREIRA, 1975). O dever do Estado de garantir o amparo social aos segmentos e grupos da sociedade que não conseguem sobreviver às custas dos rendimentos provenientes do próprio trabalho ainda não é um entendimento hegemônico na sociedade brasileira. Não é à toa que alguns grupos pertencentes aos setores economicamente dominantes, por meio da mídia 4 , vêm se manifestando contra os custos da Assistência Social e da Previdência Social, com ataques constantes aos tributos pagos pelo patronato brasileiro. Ao mesmo tempo, tais reportagens contribuem para a construção de imensos fantasmas sobre a provável tendência à acomodação das pessoas que se inserem nos Programas de Transferência de Renda (BPC e Bolsa Família), veiculando-se a idéia de que esses Programas criam “parasitas” que viverão às custas daqueles que trabalham. 2 Compreende-se como prática assistencialista a direção político-ideológica embutida na mesma e que reforça a relação de dominação entre segmentos da sociedade, mantendo o cidadão assistido no lugar de beneficiário. 3 Entende-se por assistencialismo a direção político-ideológica das práticas assistenciais que reforçam a dominação de classes e que são apresentadas aos assistidos como um ato de bondade daqueles que têm uma melhor condição econômica-social, para com aqueles que passam por situação de privação. 4 Como exemplo pode ser citada a série de reportagens sobre o Trabalho Informal no Brasil, apresentada pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, durante a semana de 31 de abril a 04 de maio do corrente ano, onde ocorreram críticas sobre os gastos do governo na Assistência Social Previdência Social. 4 Trata-se de uma ideologia que tem como objetivo manter o afastamento do Estado das diversas áreas da sociedade, mantendo-o mínimo, inoperante e, assim, transformando-o em instrumento dos interesses dos grupos dominantes. Ao mesmo tempo, essa ideologia contribui para negar o fato de que o modo de produção capitalista da atualidade é ainda mais excludente, visto que a proposta de acumulação e concentração de riquezas não prevê o aumento de postos de trabalho no mercado central 5 e muito menos consente o aumento do valor do trabalho assalariado. Esse conjunto de idéias acerca do amparo social nega também o fato de que milhares de trabalhadores (de todo o mundo) beneficiaram a vida de mordomias de uma pequeníssima parcela da sociedade nacional e internacional. Nesse sentido, a crítica ao processo de responsabilização do Estado pelas políticas sociais visa também o bloqueio dos avanços sociais. Toda essa realidade talvez contribua para explicar o fato de a Assistência Social brasileira ter sido alçada ao nível de política apenas em 1988, ter sua Lei Orgânica (Lei No. 8.742), sancionada no apagar das luzes do ano de 1993 e apresentar suas bases organizacionais em 2004/2005, quando da promulgação da PNAS e da apresentação da NOB/SUAS. Ou seja, dezessete anos foram precisos transcorrer para serem garantidas “as condições políticas e institucionais” necessárias para a execução da Política de Assistência Social brasileira, como um direito de cidadania (MDAS, 2005). A apresentação de um direito, no plano legal, por si só não garante que o mesmo seja respeitado e assegurado, tendo em vista os avanços e os retrocessos dos direitos previdenciários e trabalhistas, vide a atual tendência do mercado à “flexibilização do trabalho”, que têm como um dos objetivos diminuir o número de trabalhadores centrais, substituindo-os por “uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos” (Antunes, 2000:52). Ao ser sancionada, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) apresenta os princípios e as diretrizes da Política de Assistência Social, dentre estas a divulgação de 5 Segundo Antunes (2000), entende-se como mercado central os postos de trabalho que mantém os direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores, oferecendo oportunidade de ascensão, conseqüentemente, uma relativa estabilidade. 5 informações sobre os programas, serviços e recursos, como também a criação de espaços para o controle social. 3 – A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A PNAS é a expressão material do artigo constitucional que garante o direito de Assistência Social a todos que dela necessitarem. Em consonância com o Art. 1º da LOAS, trata-se de uma “Política de Seguridade Social não contributiva que provê os mínimos sociais e é realizada através de um conjunto integrado de iniciativas públicas e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (Lei No. 8.742, In, CRESS 7ª RA). A PNAS, aprovada em reunião do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em 22 de setembro de 2004, preconiza a “supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica”, assim como a universalização dos direitos sociais, o respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a programas e serviços de qualidade (MDS, Op. Cit.). Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), estruturado em Secretarias, entre elas, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), coordenar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e gerir o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). O FNAS, instituído pela LOAS, em 1993, objetiva proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar serviços, programas e projetos de Assistência Social. Compete ao MDS coordenar a PNAS e administrar o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), sob a orientação e o controle do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) que teve e tem um importante papel na história da Assistência Social do país 6 . Os Conselhos de Assistência Social são órgãos de controle social, de composição paritária, composto por representantes do Estado e da sociedade civil. Conforme o Artigo 16º da LOAS, tratam-se de instâncias deliberativas, instituídos pela União (Conselho Nacional), Estados (Conselhos Estaduais), Distrito Federal e 6 Sobre o poder de organização, mobilização e luta do CNAS, ver Mestriner (2001). 6 Municípios (Conselhos Municipais). Ou seja, devem ser organizados nos três níveis de governo, visto as diretrizes de descentralização e participação popular. Dentre as competências do CNAS estão: aprovar a Política Nacional de Assistência Social; normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública e privada; estabelecer procedimentos para a concessão de registros e certificados de entidade beneficente de Assistência Social; apreciar a proposta orçamentária; aprovar critérios de transferência de recursos para os Estados, Municípios e Distrito Federal; convocar ordinariamente, a cada quatro anos, a Conferência Nacional de Assistência Social. As Conferências Nacionais de Assistência Social, articuladas pelo CNAS, serviram de base para a conquista de espaço político em diferentes conjunturas do país, pois, conforme Mestriner (2001), a luta do CNAS foi fundamental para a realização da I e II Conferência Nacional de Assistência Social (1995 e 1997, respectivamente). Apesar do pouco apoio do governo federal do período, aquela composição de conselheiros demonstrou capacidade de mobilização e poder multiplicador na organização da área da Assistência Social em todo território nacional, no período de 1993 a 1997. A partir de um movimento de luta articulado nacionalmente, a Assistência Social, alçada à condição de política pública, na Constituição de 1988, foi a última política a ser regulamentada, entre as três que constituem o sistema de Seguridade Social no Brasil (Saúde, Previdência Social e Assistência Social). A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), sancionada sob o nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, teve como protagonistas trabalhadores da área da Assistência Social, principalmente de Assistentes Sociais e dirigentes de organizações da sociedade civil. Os Assistentes Sociais, inseridos em unidades acadêmicas ou em instituições executoras da política social, tiveram participação relevante no processo de regulamentação da LOAS. A Assistência Social é um direito do cidadão e dever do Estado, tendo por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, além da garantia de um salário mínimo mensal à 7 pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. A Política de Assistência Social atualmente se estrutura no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), resultado de um considerável pacto federativo entre os gestores da Assistência Social, das três esferas de governo (União, Estados e Municípios) e a sociedade civil. Promove a descentralização na gestão, no monitoramento e no financiamento dos serviços sob um modelo de gestão descentralizada e participativa. Nesse sentido, a PNAS nasce como resultante de um processo de organização e mobilização materializando-se na IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no ano de 2003, em Brasília. Em virtude disso, em reunião extraordinária, realizada no período de 11 a 15 de julho de 2005, o CNAS aprovou a Norma Operacional Básica da Assistência Social, NOB/SUAS, que apresenta “os eixos estruturantes para a realização de um acordo a ser efetivado entre os três entes federados e as instâncias de articulação, pactuação e deliberação, visando a implementação e a consolidação do SUAS no Brasil” (MDS:Idem). O SUAS determina as competências e o âmbito de atuação federal, estadual e municipal, mudando a lógica anterior na forma como vinha sendo tratada a Assistência Social no Brasil, cujas ações eram imediatistas e focais, realizadas por meio de instituições filantrópicas subsidiadas pelo Estado, havendo superposição no processo de gerenciamento e administração de programas, tornando o campo da assistência um espaço de luta de influências (Yasbeck, 1996; Mestriner, Op. Cit.). 4 - A PROTEÇÃO SOCIAL O SUAS afiança a proteção social 7 para os cidadãos que dela venham necessitar. Em consonância com a proposta, a PNAS/SUAS aponta níveis de proteção social 7 Segundo a NOB/SUAS, “A proteção social de Assistência Social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação efetiva, biológica e relacional” (MDS, Idem). 8 (básica e especial), tendo como “direção o desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania” (MDS, Ibidem). A Proteção Social Básica (PSB) tem um caráter preventivo, visando evitar situações de risco, desenvolvendo potencialidades e aquisições dos usuários e fortalecendo os vínculos familiares e comunitários. A mencionada Proteção destina-se à população que vive em “situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (...), e/ ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (...)” (MDS, Idem). O SUAS se estrutura tendo como conceitos norteadores a vulnerabilidade e o risco. Dessa forma, prevê a classificação dos demandatários em “situação de vulnerabilidade social” e “situação de risco social”, tendo como parâmetro às conseqüências da pobreza, da privação e da falta de acesso aos serviços existentes sobre a vida, a aquisição de potencialidades e os vínculos sociais e familiares do cidadão. Nesse sentido, a execução da proteção social se materializa nas unidades públicas estatais denominadas de Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especial da Assistência Social (CREAS). Os serviços de Proteção Social Básica 8 serão executados nos CRAS – Centros de Referência da Assistência Social - que são unidades públicas estatais de base territorial, devendo ser localizados em áreas de vulnerabilidade social, podendo abranger até 1.000 famílias/ano (MDS, Idem). Os CRAS têm como função executar os Serviços de Proteção Social Básica, organizar e coordenar a rede de serviços sócio-assistenciais locais da política de Assistência Social, objetivando a orientação e o convívio sócio-familiar e comunitário das pessoas e famílias assistidas. 8 Segundo a PNAS, “A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, 9 Além dos CRAS, os Serviços de Proteção Social Básica poderão ser executados indiretamente por entidades filantrópicas e organizações sociais de Assistência Social, situados na área de abrangência dos primeiros. A Proteção Social Especial (PSE) se configura em uma “modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social” (MDS, Idem), decorrentes de situações de abandono, violência, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil etc. A execução dos serviços ligados à Proteção Social Especial requer acompanhamento individual e a construção de soluções protetivas, utilizando serviços de abrigamento, como: albergues; família substituta etc. Nesse sentido, a Proteção Social Especial está estruturada em Média e Alta Complexidade, prevendo-se a criação de Centros de Referência Especial da Assistência Social (CREAS). 3 - FINANCIAMENTO A Política Nacional de Assistência Social é financiada pelos Fundos de Assistência Social (FNAS), constituído por recursos provenientes das três esferas de governo. Há a previsão de contribuições sociais, assegurando a participação direta da sociedade no financiamento do Sistema 9 . No âmbito federal, o Fundo Nacional (FNAS), instituído pela LOAS, objetiva "proporcionar recursos e meios para financiar o benefício de prestação continuada e apoiar serviços, programas e projetos de assistência social" (Art. 1º, do Decreto nº 1.605/95). O custeio dos benefícios acontece de maneira direta aos seus destinatários e o repasse de recursos para os projetos e programas da PNAS em cada esfera de governo, ocorre de acordo com critérios de partilha e elegibilidade de municípios, Estado e/ou fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras)” (MDS, (Ibidem). 9 Os recursos para o financiamento da Assistência Social terão como fontes: a participação direta e indireta da sociedade, o orçamento das três esferas de governos, as contribuições sociais de empregadores, empresas e entidades correlatas. 10 regiões e Distrito Federal, convencionados nas comissões intergestoras 10 e deliberados nos Conselhos de Assistência Social. O valor do financiamento deverá basear-se nos diagnósticos socioterritoriais apontados pelo Sistema Nacional de Informações de Assistência Social, respeitando as necessidades específicas, de acordo com as diversidades de cada região. Além disso, a capacidade de gestão, atendimento e de arrecadação de cada município também é fator preponderante para o financiamento dos projetos e programas da política em questão. A proposta orçamentária do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) aponta para um volume de recursos do orçamento da Seguridade Social para a Assistência Social. Tal órgão reconhece a exigência da destinação de recursos para a área e aponta como para que Estados e Municípios 11 invistam, no mínimo, 5% de seus orçamentos para a Assistência Social. 4 - GESTÃO A gestão da PNAS é descentralizada e cada gestor deverá observar as necessidades e especificidades de sua região para traçar as prioridades de aplicação dos recursos. Nesse sentido, cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) a coordenação e a normatização geral da PNAS, ficando aos gestores municipais (Secretários estaduais e municipais da Assistência Social) a coordenação e a execução dos programas em suas esferas de poder. Segundo a PNAS, 10 A PNAS aponta para a organização de comissões Intergestora tripartite _ CIT (União, Estados e Municípios) e bipartites – CIB (Estados e Municípios). Essas comissões constituem-se em espaços de interlocução entre os gestores da Política de Assistência Social. 11 Os municípios são classificados conforme o número de CRAS criados e o número de famílias referenciadas atendidas. São quatro as classificações previstas para os municípios: Pequeno Porte 1 (mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas); Pequeno Porte II (mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas); Médio Porte (mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas); Grande Porte (mínimo de 4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas); Metrópoles (mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas). Além disso, a NOB/SUA classifica a gestão dos municípios em três níveis: inicial, básica e plena. Os municípios que não se habilitarem na gestão básica ou plena receberão recursos da União. Na Gestão Básica o município assume a gestão da proteção social básica, visando a prevenção de “situação de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições”. Na Gestão Plena o município assume a 11 “(...) cabe a cada esfera de governo, em seu âmbito de atuação, respeitando os princípios e diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Assistência social, coordenar, formular e cofinanciar, além de monitorar, avaliar, capacitar e sistematizar as informações” ( MDS, Idem). A PNAS aponta para a matricialidade sociofamiliar, compreendendo que a família é uma instituição mediadora “das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida” (MDS, Idem). Nesse sentido, os programas e serviços deverão ser direcionados para o atendimento à família, reforçando-a enquanto um dos pilares da rede de proteção social. 6 - CONCLUSÃO O padrão histórico de exploração da força de trabalho adotado pelas elites industriais e agro-exportadoras brasileiras levou a um crescente processo de espoliação e exclusão dos segmentos populares e trabalhadores. Embora, no período compreendido entre 30 a 80, tenha ocorrido um jogo de forças políticas garantindo a constituição de um sistema de proteção social, em que os custos com a manutenção, formação e reprodução da classe trabalhadora ficasse, de certa forma, também sob a responsabilidade do empresariado, nas décadas seguintes ocorreu um importante retrocesso, conseqüência do modelo social, econômico e político impostos pelas ideais neoliberais. Nesse sentido, nos anos 90 acentuaram-se a precarização nas relações de trabalho e nas condições de vida da maior parte da população brasileira e o Estado não apresentava suporte por meio das políticas sociais para atender às necessidades de um grande contingente que demandava por amparo social. Atualmente os direitos trabalhistas e previdenciários, garantidos pelos movimentos sindicais, não vêm sendo respeitados, tendo em vista o processo de terceirizações, cooperativação e trabalho em tempo parcial, dentre outros modelos de responsabilidade de organizar a proteção social básica e a proteção social especial, devendo também, 12 subempregos adotados, os quais não oficializam a relação entre trabalhador e patronato, deixando para o primeiro todo o ônus para com a sua manutenção e de sua família. Diante do quadro social brasileiro, novos movimentos sociais surgidos apontaram para a necessidade de responsabilização do Estado para com as seqüelas sociais geradas pelo padrão acumulativo capitalista e todas as legislações que definem a estrutura e a execução da Política de Assistência Social da atualidade refletem as conquistas desses movimentos sociais. Nesse sentido, na atualidade o Brasil conta com um conjunto de legislação que avançam na concepção de proteção social, apresentando, inclusive, a necessidade de uma política de transferência de renda àqueles setores sociais que, por si próprios, não tem alcançado as condições necessárias para arcar com os custos das mercadorias necessárias à sobrevivência, ou seja, com os custos da alimentação, habitação, transporte, vestuário etc. Por esse motivo, as legislações da Assistência Social garantem a proteção social como um direito de cidadania, direcionando a Política Social específica para o provimento de mínimos sociais àqueles que vierem a necessitar. Contudo, percebe-se alguns resquícios do modelo de benemerência que vinha sendo adotado no Brasil, até recentemente, 12 principalmente na redação dos textos da LOAS, PNAS e SUAS, quando insiste-se em tratar os programas de transferência de renda como benefícios (BPC e benefícios eventuais), bem como quando parece haver uma relação entre o direito ao BPC e a comprovada incapacidade para a vida laborativa 13 , como também pelo fato desse programa vir sendo administrado pela INSS, órgão do Ministério da Previdência Social. Essa apresentação do BPC, nos textos legais, bem como o local aonde vinha sendo gerenciado 14 contribuiu para a exclusão de famílias de crianças e adolescentes proteger as situações de violação de direitos dos cidadãos (NOB/SUAS, 2005) Como o modelo adotado pelo Programa Comunidade Solidária apresentando no governo de Fernando Henrique Cardoso. 13 Conforme o Art. 20 da Lei 8.742, de 1993 “O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, e ao idoso com 65 (sessenta e Cinco) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-las provida por sua família”. 14 Conforme direcionamento do SUAS, o acesso ao BPC vem sendo passado, gradativamente, para os Centros de Referência da Assistência Social. 12 13 que, embora portadores de deficiências ou doenças crônicas degenerativas e com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, encontram-se na faixa etária que a própria legislação trabalhista os proíbe do exercício do trabalho. Nesse sentido, muitas vezes esse segmento da população fora impedido de realizar a inscrição no BPC e obter a avaliação, pelos técnicos responsáveis, para o acesso a programa. 15 Há uma certa dualidade na concepção e na execução da Política de Assistência Social brasileira que parece transitar entre a definição de direito e benemerência, denotando haver uma certa resistência de setores da sociedade quanto à necessidade de se amparar àqueles que foram alijados do processo produtivo e que apresentam seqüelas emocionais, sociais e cognitivas que, talvez, os impossibilitem de retorno ao mercado de trabalho. BIBLIOGRAFIA ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. 7a ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da universidade Estadual de Campinas, 2000. CRESS 7ª RA – RJ. Lei Orgânica da Assistência Social. In, Assistentes Sociais: ética e direitos. Coletânea de Leis e Resoluções. 2ª ed. 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São Paulo: SCIELO BRASIL: abr./jun. 2004. (Disponível em www.scielo.br) Presidência da República. Decreto 1.605. Brasília, de 25 de agosto de 1995. SILVA, Maria Ozanira da Silva et alli. A Política social Brasileira no Século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. Sào Paulo: Cortez, 2004. YASBECK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez,1993. 15