CASO RELATIVO ÀS QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE MONTREAL DE 1971 RESULTANTE DO INCIDENTE AÉREO DE LOCKERBIE (GRANDE JAMAHIRIYA ÁRABE POPULAR SOCIALISTA DA LÍBIA v. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA) (1992-) (MEDIDAS CAUTELARES) Decisão de 14 de abril de 1992 Em uma decisão referente ao caso das Questões de Interpretação e Aplicação da Convenção de Montreal de 1971 Resultantes do Incidente Aéreo de Lockerbie (Líbia v. Estados Unidos da América), a Corte decidiu, por 11 votos a 5, que as circunstâncias do caso não exigiam o exercício de seu poder de indicar medidas cautelares em virtude do artigo 41 do Estatuto. A composição da Corte era a seguinte: Vice-Presidente Oda, Presidente em exercício; Presidente Sir Robert Jennings; Juízes Lachs, Ago, Schwebel, Bedjaoui, Ni, Evensen, Tarassov, Guillaume, Shahabuddeen, Aguilar Mawdsley, Weeremantry, Ranjeva, e Ajibola; Juiz ad hoc El-Kosheri. A votação da decisão da Corte relativa à demanda de indicação de medidas cautelares feita pela Líbia no caso foi a seguinte: A FAVOR: Vice-Presidente Oda, Presidente em exercício; Presidente Sir Robert Jennings; Juízes Lachs, Ago, Schwebel, Ni, Evensen, Tarassov, Guillaume, Shahabuddeen e Aguilar Mawdsley; CONTRA: Juízes Bedjaoui, Weeremantry, Ranjeva, Ajibola; Juiz ad hoc El-Kosheri. O Presidente em exercício Oda e o Juiz Ni anexaram cada um uma declaração à decisão da Corte; os Juízes Evensen, Tarassov, Guillaume e Aguilar Mawdsley anexaram uma declaração conjunta. Os Juízes Lachs e Shahabudeen anexaram opiniões individuais; e os Juízes Bedjaoui, Weeramantry, Ranjeva e Ajibola e o Juiz ad hoc El-Kosheri, anexaram opiniões dissidentes à decisão. Nesta decisão, a Corte relembrou que em 3 de março de 1992, a Líbia instaurou um processo contra os Estados Unidos da América em relação a "uma disputa... entre a Líbia e os Estados Unidos da América sobre a interpretação e aplicação da Convenção de Montreal" de 23 de setembro de 1971. A disputa surgiu do incidente aéreo que ocorreu sobre Lockerbie, Escócia, em 21 de dezembro de 1988, após o qual o Tribunal Federal de Primeira Instância do Distrito de Columbia indiciou, em 14 de novembro de 1991, dois nacionais líbios por terem, inter alia, "colocado uma bomba a bordo [do vôo Pan Am, 103]..., bomba cuja explosão causou a queda da aeronave". A Corte, então, relatou a história do caso. Ela se referiu às alegações e conclusões feitas pela Líbia em sua demanda na qual pedia à Corte que julgasse e declarasse: "a) que a Líbia cumpriu completamente todas as suas obrigações em relação à Convenção de Montreal; b) que os Estados Unidos da América violaram, e continuam violando, suas obrigações jurídicas para com a Líbia estipuladas nos artigos 5 (2), 5 (3), 7, 8 (2) e 11 da Convenção de Montreal; e c) que o Reino Unido está juridicamente obrigado a pôr fim e a renunciar imediatamente a tais violações e ao uso de toda e qualquer força ou ameaça contra a Líbia, incluindo a ameaça de recorrer ao uso da força contra a Líbia, bem como a quaisquer violações da soberania, da integridade territorial, e da independência política da Líbia." A Corte também se referiu à demanda líbia (depositada, como a demanda que instaurou o processo, em 3 de março de 1992, porém mais tarde no dia) para a indicação das seguintes medidas cautelares: "a) Proibir que os Estados Unidos da América pratiquem qualquer ação contra a Líbia visando coagir ou obrigar esta a entregar os indivíduos acusados a uma autoridade judicial, qualquer que seja, fora da Líbia; e b) Assegurar que nenhuma medida seja tomada de maneira a prejudicar, de qualquer forma, os direitos da Líbia em relação aos procedimentos jurídicos que são o objeto de sua demanda." A Corte ainda se referiu às observações orais e às conclusões apresentadas pela Líbia e pelos Estados Unidos da América nas audiências públicas da demanda para a indicação de medidas cautelares ocorridas entre 26 e 28 de março de 1992. A Corte então considerou a declaração conjunta emitida em 27 de novembro de 1991 pelos Estados Unidos da América e o Reino Unido dando prosseguimento às acusações levantadas pelo Grande Júri do Tribunal de Primeira Instância do Distrito de Columbia contra os dois nacionais líbios relacionadas com a destruição da aeronave que realizava o vôo Pan Am 103. A declaração conjunta dispõe: "Os governos britânico e americano declararam, então, que o governo líbio deve: - entregar para julgamento os acusados do crime e assumir a inteira responsabilidade pelas ações dos oficiais líbios; - divulgar todos os seus conhecimentos acerca deste crime, incluindo o nome de todos os responsáveis, e permitir o livre acesso a todas as testemunhas, documentos e outras provas materiais, incluindo todos os timers; - pagar a compensação apropriada. Nós esperamos que a Líbia o cumpra prontamente e sem reservas." A Corte também considerou o fato de que a matéria desta declaração foi posteriormente analisada pelo Conselho de Segurança da ONU que, em 21 de janeiro de 1992, adotou a Resolução 731 (1992), da qual a Corte citou, inter alia, as seguintes passagens: "Profundamente preocupado com o resultado das investigações que implicam oficiais do governo líbio e que foi mencionado nos documentos do Conselho de Segurança que incluem demandas endereçadas às autoridades líbias pela França, Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, e pelos Estados Unidos da América... [S/23308], ... em conexão com os procedimentos judiciais relacionados aos atentados perpetrados contra os vôos 103 da Pan American e vôo 772 da Union de Transports Aériens; ... 2. Deplora profundamente o fato de que o governo líbio ainda não respondeu efetivamente ao pedido acima de cooperação plena para o estabelecimento da responsabilidade pelos atos terroristas acima referidos contra os vôos 103 da Pan American e 772 da Union de Transports Aériens; 3. Demanda ao governo líbio que providencie imediatamente uma resposta completa e efetiva a estas demandas visando contribuir para a eliminação do terrorismo internacional." A Corte notou, posteriormente, que em 31 de março de 1992 (três dias depois do encerramento das audiências) o Conselho de Segurança adotou a Resolução 748 (1992), alegando, inter alia, que o Conselho de Segurança: ".... Profundamente preocupado com o governo líbio que ainda não forneceu uma resposta completa e efetiva às demandas contidas na Resolução 731 (1992), de 21 de janeiro de 1992, Convencido de que a eliminação de atos de terrorismo internacional, incluindo aqueles em que os Estados estão direta ou indiretamente envolvidos, é essencial para a manutenção da paz e segurança internacionais, ... Constatou, neste contexto, que a falha do governo líbio em demonstrar, através de ações concretas a sua renúncia ao terrorismo e, em particular, a sua falha contínua em responder completa e efetivamente às demandas da Resolução 731 (1992), constituem uma ameaça para a paz e segurança internacionais, ... Agindo em virtude do capítulo VII da Carta, 1. Decide, que o governo líbio deve agora atender, sem nenhuma demora, ao parágrafo 3º da Resolução 731 (1992) no que diz respeito às demandas contidas nos documentos S/23306, S/23308, e S/23309; 2. Decide também, que o governo líbio deve se comprometer definitivamente em encerrar todas as formas de ação terrorista e toda assistência a grupos terroristas e deve, prontamente e através de ações concretas, demonstrar sua renúncia ao terrorismo; 3. Decide, que em 15 de abril de 1992 todos os Estados devem adotar as medidas abaixo estabelecidas, que devem ser aplicadas até que o Conselho de Segurança entenda que o governo líbio tenha concordado com os parágrafos 1º e 2º acima; ... 7. Demanda, a todos os Estados, incluindo os Estados não-membros da ONU, e a todas as organizações internacionais, a agirem em estrito acordo com o disposto na presente Resolução, não obstante a existência de quaisquer direitos ou obrigações conferidas ou impostas por quaisquer acordos internacionais ou qualquer contrato acordado ou qualquer licença ou permissão garantida antes de 15 de abril de 1992." A Corte observou que as demandas feitas pelo Reino Unido e Estados Unidos da América em sua declaração conjunta de 27 de novembro de 1991, citada acima, figuravam no documento S/23308 que foi mencionado na Resolução 784 (1992). Depois de ter-se referido às observações relativas à Resolução 748 (1992) do Conselho de Segurança que, por convite da Corte, foram apresentadas por ambas as partes, (bem como pelo Agente dos Estados Unidos em uma comunicação anterior), a Corte prosseguiu e concluiu nos termos seguintes: "Considerando que a Corte, no contexto do presente processo concernente a uma demanda por medidas cautelares, deve, de acordo com o artigo 41 do Estatuto, examinar se as circunstâncias levadas à sua atenção exigem a indicação de tais medidas, mas não está habilitada a concluir definitivamente sobre os fatos e o direito, e que sua decisão deve deixar intactos os direitos das partes de contestar os fatos e fazer valer seus argumentos sobre o mérito; Considerando que a Líbia e os Estados Unidos da América, enquanto membros das Nações Unidas, estão obrigados a aceitar e a aplicar as decisões do Conselho de Segurança de acordo com o artigo 25 da Carta; que a Corte, que neste estágio do processo de demanda por medidas cautelares, considera, prima facie, que esta obrigação se estende à decisão contida na Resolução 748 (1992); e que, de acordo com o artigo 103 da Carta, as obrigações das partes a este respeito prevalecem sobre suas obrigações provenientes de quaisquer outros tratados internacionais, incluindo a Convenção de Montreal; Considerando, enquanto ainda não solicitada a se pronunciar definitivamente sobre os efeitos jurídicos da Resolução 748 (1992) do Conselho de Segurança, que qualquer que fosse a situação anterior à adoção desta Resolução, os direitos que a Líbia afirmava terem advindo da Convenção de Montreal não poderiam ser considerados, agora, como direitos que deveriam ser protegidos pela indicação de medidas cautelares; Considerando, ainda, que uma indicação das medidas demandadas pela Líbia poderia vir a prejudicar os direitos que a Resolução 748 (1992) do Conselho de Segurança parecia, prima facie, ter conferido aos Estados Unidos da América; Considerando que, para se pronunciar sobre a presente demanda de indicação de medidas cautelares, a Corte não foi solicitada a decidir sobre nenhuma das outras questões levantadas no presente processo, incluindo a questão relativa à sua competência para conhecer do mérito; e considerando que uma decisão proferida nestes procedimentos, de forma alguma, pré-julgava qualquer destas questões, e deixava intacto o direito do governo da Líbia e do governo dos Estados Unidos da América de fazer valer seus argumentos em relação a qualquer uma destas questões. Por estas razões, A Corte, Por 11 votos a 5, Entende que as circunstâncias do caso não eram tais que exigissem o exercício de seu poder de indicar medidas cautelares em virtude do artigo 41 do Estatuto.” (EXCEÇÕES PRELIMINARES) Julgamento de 27 de fevereiro de 1998 Recordando o processo e a exposição dos pedidos (parágrafo 1º ao 16) A Corte começou relembrando que em 3 de março de 1992, a Líbia depositou na Secretaria da Corte um pedido de instauração de processo contra os Estados Unidos da América sobre uma "controvérsia entre a Líbia e os Estados Unidos da América concernente à interpretação ou à aplicação da Convenção de Montreal" de 23 de setembro de 1971 para Repressão de Atos Ilícitos Dirigidos contra a Segurança da Aviação Civil (doravante denominada "Convenção de Montreal"). No pedido, fez-se referência à destruição, em 21 de dezembro de 1988, sobre a cidade de Lockerbie (Escócia), da aeronave que fazia o vôo 103 da Pan Am, bem como às acusações pronunciadas em novembro de 1991 por um Grand Jury dos Estados Unidos contra dois nacionais líbios suspeitos de terem colocado a bordo da aeronave uma bomba que, explodindo, a teria destruído. O pedido invocava como base de competência o parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal. Em 3 de março de 1992, logo após depositar seu pedido, a Líbia apresentou uma demanda de indicação de medidas cautelares em virtude do artigo 41 do Estatuto. Por decisão datada de 14 de abril de 1992, a Corte, após ter ouvido as partes, declarou que as circunstâncias do caso em tela não eram tais que exigissem o exercício de seu poder de indicar medidas cautelares. A Líbia depositou um memorial sobre o mérito no prazo prescrito para tanto. Neste, a Líbia requereu à Corte que declarasse e julgasse: "a) que a Convenção de Montreal se aplica ao presente litígio; b) que a Líbia cumpriu plenamente todas as suas obrigações com relação à Convenção de Montreal e está habilitada a exercer a competência penal prevista por essa Convenção; c) que os Estados Unidos da América violaram, e continuam violando, suas obrigações jurídicas em face da Líbia estipuladas nos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º, no artigo 7º, no parágrafo 3º do artigo 8º, e no artigo 11 da Convenção de Montreal; d) que os Estados Unidos da América estão juridicamente obrigados a respeitar o direito da Líbia para que essa Convenção não seja descartada por meios que estariam em contradição com os princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional geral de caráter imperativo que proíbem a utilização da força e a violação da soberania, da integridade territorial, da igualdade soberana dos Estados e de sua independência política." No prazo fixado para o depósito de seu contra-memorial, os Estados Unidos da América depositaram exceções preliminares à competência da Corte e à admissibilidade do pedido. A Líbia, por sua vez, apresentou tempestivamente uma exposição escrita contendo suas observações e conclusões sobre as exceções preliminares. Audiências públicas foram realizadas entre 13 e 22 de outubro de 1997. Em audiência, os Estados Unidos da América apresentaram as seguintes conclusões finais: "Os Estados Unidos da América requerem à Corte que acolha as exceções à competência da Corte apresentadas por eles e que recuse conhecer do Caso Relativo às Questões de Interpretação e Aplicação da Convenção de Montreal de 1971 Resultantes do Incidente Aéreo de Lockerbie (Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia v. Estados Unidos da América).” As conclusões finais da Líbia foram as seguintes: "A Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia demanda à Corte que declare e julgue: -que as exceções preliminares apresentadas pelos... Estados Unidos da América devem ser rejeitadas e que, em conseqüência: a) a Corte é competente para decidir sobre o pedido líbio, b) esse pedido é admissível; -que a Corte deve prosseguir ao mérito da controvérsia." Competência da Corte (parágrafo 16 ao 38) A Corte examinou, em primeiro lugar, a exceção levantada pelos Estados Unidos da América concernente à sua competência. A Líbia sustentou que a Corte é competente com base no parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal, que dispõe que: "Toda controvérsia entre Estados contratantes concernente à interpretação ou à aplicação da presente Convenção que não puder ser solucionada por via de negociação deverá, à requisição de um deles, ser submetida à arbitragem. Se, dentro de seis meses a partir da data da demanda de arbitragem, as partes não chegarem a um acordo sobre a organização da arbitragem, qualquer delas pode submeter a controvérsia à Corte Internacional de Justiça, depositando um pedido conforme o Estatuto da Corte." As partes concordaram que a Convenção de Montreal estava vigorava entre elas e que ela já o estava, quando da destruição da aeronave da Pan Am sobre Lockerbie, em 21 de dezembro de 1988, e no momento do depósito do pedido, em 3 de março de 1992. Todavia, a parte demandada contesta a competência da Corte sob alegação de que, segundo ela, não estariam satisfeitas, no presente caso, todas as exigências enunciadas no parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal. Os Estados Unidos da América contestaram a competência da Corte alegando principalmente que a Líbia não estabeleceu, em primeiro lugar, que existe uma controvérsia jurídica entre as partes e, em segundo lugar, que tal controvérsia concerniria a interpretação ou a aplicação da Convenção de Montreal e entraria, conseqüentemente nas previsões do parágrafo 1º do artigo 14 dessa Convenção. Todavia, em audiência, os Estados Unidos se referiram, incidentalmente, aos argumentos que haviam levantado, quando da fase do procedimento relativa às medidas cautelares, sobre o ponto de saber se a controvérsia que, de acordo com a Líbia, existiria entre as partes não poderia ser solucionada por via de negociação, se a Líbia tivesse apresentado uma demanda de arbitragem na devida forma e se ela tivesse respeitado o prazo de seis meses prescrito pelo parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção. Após ter procedido a um exame do histórico da controvérsia que existiria entre as partes, a Corte chegou à conclusão de que essa controvérsia não poderia ser resolvida por negociação nem submetida à arbitragem, em aplicação da Convenção de Montreal, e que a recusa do demandado de ser parte em uma arbitragem para solucionar essa controvérsia exoneraria a Líbia de qualquer obrigação, nos termos do parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção, de observar um prazo de seis meses a contar da demanda de arbitragem antes de recorrer à Corte. Existência de uma controvérsia jurídica de natureza geral concernente à Convenção (parágrafos 21 ao 24) Em seu pedido e em seu memorial, a Líbia sustentou que a Convenção de Montreal é o único instrumento aplicável à destruição da aeronave da Pan Am sobre Lockerbie. Os Estados Unidos da América não negaram que os fatos da causa possam se enquadrar nas previsões da Convenção de Montreal. Todavia, ressaltaram que no caso em tela, desde que a Líbia invocou a Convenção de Montreal, eles sustentaram que esta questão não era tão relevante já que a questão a resolver não era relativa a "divergências bilaterais” mas “sim àquela de uma ameaça à paz e à segurança internacionais resultante de um terrorismo apoiado por um Estado”. A Corte constatou que assim as partes se opõem sobre a questão de saber se a destruição da aeronave da Pan Am sobre Lockerbie é regulada pela Convenção de Montreal. Existia então uma controvérsia entre as partes sobre o regime jurídico aplicável a esse evento. Tal controvérsia é concernente, na opinião da Corte, à interpretação e aplicação da Convenção de Montreal, e, conforme o parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção, cabe à Corte dirimí-lo. Existência de uma controvérsia específica concernente ao artigo 7º da Convenção (parágrafo 25 ao 28) A Corte constatou que tendo em vista as posições das partes quanto aos direitos e obrigações que decorreriam para elas dos artigos 1º, 5º, 6º, 7º e 8º da Convenção de Montreal, existia entre elas não somente uma controvérsia de natureza geral tal como definida acima, mas também uma controvérsia específica que concerne à interpretação e aplicação do artigo 7º - lido conjuntamente com os artigos 1º, 5º, 6º e 8º - da Convenção; conforme o parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção, cabe à Corte dirimir essa controvérsia. O artigo 7º dispõe: "Artigo 7º O Estado contratante, em cujo território o autor presumido de uma das infrações for descoberto, se não o extraditar, submeterá o caso, sem nenhuma exceção, tendo sido ou não a infração cometida em seu território, às suas autoridades competentes para o exercício da ação penal. Essas autoridades tomarão sua decisão nas mesmas condições que tomariam para qualquer infração de direito comum de natureza grave, conforme as leis desse Estado." Existência de uma controvérsia específica concernente ao artigo 11 da Convenção (parágrafo 29 ao 32) Ademais, considerando as posições das partes quanto às obrigações impostas pelo artigo 11 da Convenção de Montreal, a Corte concluiu que existe igualmente entre elas uma controvérsia concernente à interpretação e aplicação dessa disposição; conforme o parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção, cabe à Corte dirimir essa controvérsia. O artigo 11 dispõe: "Artigo 11 1. Os Estados contratantes deverão proporcionar uns aos outros a maior ajuda judiciária possível em todo processo penal relativo às infrações. Em todos os casos, a lei aplicável para a execução de um pedido de auxílio será aquela do Estado requisitante. 2. Todavia, as disposições do parágrafo 1º do presente artigo não afetam as obrigações decorrentes das disposições de qualquer outro tratado de caráter bilateral ou multilateral que regula ou regulará, no todo ou em parte, o domínio do auxílio judicial em matéria penal." Licitude das ações do demandado (parágrafo 33 ao 35) No que concerne ao último pedido da Líbia (ver acima, conclusão d) do memorial), os Estados Unidos da América sustentaram que não cabe à Corte, com base no parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal, se pronunciar sobre a licitude das ações, conforme o direito internacional, tomadas pelo demandado tendo em vista obter a entrega dos dois autores presumidos da infração. Deduz-se que a Corte não tem competência para conhecer das conclusões apresentadas sobre esse ponto pela Líbia. A Corte indicou que não pode acolher a linha de argumentação assim formulada. Com efeito, parecelhe cabível julgar, com base no parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal, pela licitude das ações criticadas pela Líbia, na medida em que essas ações seriam contrárias às disposições da Convenção de Montreal. Efeito das Resoluções do Conselho de Segurança (parágrafos 36 e 37) No presente caso, os Estados Unidos da América afirmaram, contudo, que mesmo quando a Convenção de Montreal conferir à Líbia os direitos que ela reivindica, esses não poderão ser exercidos neste caso, uma vez que eles teriam sido suplantados pelas Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança que, em virtude dos artigos 25 e 103 da Carta das Nações Unidas, prevalecem sobre todos os direitos e obrigações criados pela Convenção de Montreal. O demandado afirmou ainda que, pelo fato da adoção dessas Resoluções, a única controvérsia que existiria, a partir de então, oporia a Líbia ao Conselho de Segurança; ora, tratar-se-ia, evidentemente, de uma controvérsia que não entraria nas previsões do parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal e da qual a Corte não poderia, assim, conhecer. A Corte indicou que não poderia acolher essa argumentação. As Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança, com efeito, foram adotadas após o depósito do pedido de 3 de março de 1992. Conforme jurisprudência consolidada, se a Corte é competente à essa data, ela o continuará sendo para o caso; a intervenção ulterior das Resoluções acima mencionadas não poderia afetar uma competência já estabelecida. Tendo em vista o precedente, a Corte concluiu que a exceção de incompetência levantada pelos Estados Unidos da América fundada na alegada ausência de disputa entre as partes concernente à interpretação ou aplicação da Convenção de Montreal deve ser rejeitada, e que ela tem competência para conhecer das disputas que opõem a Líbia aos Estados Unidos da América no que concerne à interpretação ou aplicação das disposições dessa Convenção. A admissibilidade do pedido líbio (parágrafo 39 ao 44) A Corte passou, em seguida, ao exame da exceção dos Estados Unidos da América segundo a qual o pedido líbio não é admissível. Os Estados Unidos ressaltaram que as medidas às quais se opõe a Líbia são aquelas tomadas pelo Conselho de Segurança nos termos das Resoluções 731 (1992), 748 (1992) e 883 (1993). Segundo os Estados Unidos, a Líbia estaria visando, ao submeter o caso à Corte, “não cumprir as decisões do Conselho”. Eles observaram que, mesmo se a Líbia pudesse apresentar demandas válidas em virtude da Convenção de Montreal, estas seriam “suplantadas” pelas decisões aplicáveis tomadas pelo Conselho de Segurança em virtude do Capítulo VII da Carta, que impõem obrigações diferentes. As ditas decisões teriam ainda estabelecido regras que regeriam a controvérsia entre a Líbia e os Estados Unidos; e as pretensões líbias fundadas na Convenção seriam, portanto, inadmissíveis. A Líbia sustentou que, nos termos das Resoluções 731 (1992), 748 (1992) e 883 (1993), o Conselho de Segurança jamais exigiu que ela entregasse seus nacionais ao Reino Unido ou aos Estados Unidos; em audiência, ela indicou que essa seria sempre "a tese principal da Líbia". Ela acrescentou que convém à Corte interpretar as referidas Resoluções "em conformidade com a Carta, que determina sua validade" e que a Carta proíbe o Conselho de obrigar a Líbia a entregar seus nacionais ao Reino Unido ou aos Estados Unidos. A Líbia concluiu que seu pedido é admissível "uma vez que a Corte pode utilmente se pronunciar quanto à interpretação e aplicação da Convenção de Montreal ... independentemente dos efeitos jurídicos das Resoluções 748 (1992) e 883 (1993)". Ainda, a Líbia chamou a atenção da Corte para o princípio segundo o qual "a data crítica a ser considerada para determinar a admissibilidade de um pedido é aquela de seu depósito". Na opinião da Corte, deve ser admitida essa última conclusão da Líbia. A data de 3 de março de 1992, na qual a Líbia depositou seu pedido é a única data pertinente a fim de apreciar a admissibilidade deste. As Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança não podem ser tomadas em consideração para tanto, posto que as mesmas foram adotadas em uma data posterior. Quanto à Resolução 731 (1992) do Conselho de Segurança, adotada antes do depósito do pedido, esta não poderia constituir um obstáculo jurídico para a admissibilidade deste, pois se trata de uma simples recomendação sem efeito vinculante, como o reconhece, aliás, os Estados Unidos da América. A Corte considerou que o pedido líbio não pode ser declarado inadmissível por esses motivos. Visto o que precede, a Corte concluiu que deve rejeitar a exceção de inadmissibilidade levantada pelos Estados Unidos da América, com base nas Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança, e que o pedido da Líbia é admissível. Exceção por falta de objeto nos pedidos do demandante (parágrafo 45 ao 50) A Corte passou a examinar a terceira exceção levantada pelos Estados Unidos. Segundo essa exceção não mais caberia estatuir sobre as demandas da Líbia em virtude das Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança as terem privado de qualquer objeto; qualquer sentença que a Corte pudesse proferir sobre as ditas demandas seria dessa forma condenada a ser desprovida de efeito prático. A Corte salientou que já reconheceu em diversas oportunidades no passado que eventos posteriores à introdução de um pedido podem "priva[r] o pedido de seu objeto" e "que não há, então, o que decidir". No caso em tela, os Estados Unidos da América desenvolveram uma exceção que tende a obter da Corte uma decisão de não proceder ao julgamento do mérito, tal exceção deverá ser examinada à luz dessa jurisprudência. A Corte deve se assegurar de que tal exceção recai nas previsões do artigo 79 do Regulamento, invocado pelos Estados Unidos da América. Esse artigo visa, em seu parágrafo 1º, "toda exceção à competência da Corte ou à admissibilidade do pedido ou qualquer outra exceção" (grifo da Corte); seu campo de aplicação ratione materiae não está, dessa forma, limitado às únicas exceções de incompetência ou de inadmissibilidade. Mas, para estar coberta pelo artigo 79, uma exceção deve também revestir-se de um caráter "preliminar". O parágrafo 1º do artigo 79 do Regulamento qualifica como "preliminar" uma exceção "sobre a qual o demandado requisita uma decisão antes que o procedimento sobre o mérito prossiga". A Corte considerou a esse respeito que, na medida em que a exceção por falta de objeto nos pedidos do demandante sustentada pelos Estados Unidos da América tem por objeto impedir in limine qualquer exame do mérito do caso, em que seu "efeito, se ela fosse acolhida pela Corte, seria de pôr fim ao processo" e "conviria, por conseguinte, para a Corte se ocupar [desta] antes de examinar o mérito", essa exceção possui um caráter preliminar e recai nas previsões do artigo 79 do Regulamento. Ela ressaltou, ainda, que a referida exceção foi devidamente apresentada segundo os moldes prescritos no artigo 79. A Líbia não contestou nenhum desses pontos. O que a Líbia sustentou é que a referida exceção – como a exceção de inadmissibilidade levantada pelos Estados Unidos, e por esses mesmos motivos - pertence à categoria das que o parágrafo 7º do artigo 79 do Regulamento qualifica como exceções "não te[ndo], nas circunstâncias específicas, um caráter exclusivamente preliminar". O Estados Unidos da América consideraram, ao contrário, que a presente exceção possui um "caráter exclusivamente preliminar" no sentido dessa mesma disposição; eles sustentaram, em apoio à sua tese, que essa exceção não exige “pronunciamento sobre os fatos contestados ou o exame dos elementos de prova. A Corte constatou que é sobre a questão do caráter "exclusivamente" ou "não exclusivamente" preliminar da exceção aqui examinada que as partes se opõem; e ela deduz que deve pesquisar no caso específico se a exceção que os Estados Unidos da América aqui considerada comporta ou não "aspectos preliminares e de mérito". A Corte expôs que essa exceção se liga a múltiplos aspectos do litígio. Sustentando que as Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança privaram as demandas da Líbia de qualquer objeto, os Estados Unidos da América tentam obter da Corte uma decisão de não proceder ao julgamento do mérito, o que colocaria imediatamente fim ao processo. No entanto, solicitando tal decisão, os Estados Unidos da América solicitam, na realidade, ao menos duas outras, que o pronunciamento de não proceder ao julgamento do mérito necessariamente postularia: por um lado uma decisão estabelecendo que os direitos reivindicados pela Líbia nos termos da Convenção de Montreal são incompatíveis com as obrigações decorrentes das resoluções do Conselho de Segurança; e de outro lado uma decisão de que essas obrigações prevaleceriam sobre esses direitos, como aduzem os artigos 25 e 103 da Carta. Não há dúvida para a Corte de que os direitos da Líbia no mérito seriam não somente atingidos por uma decisão de não proceder ao julgamento do mérito tomada nesse ponto do processo, mas constituiriam o próprio objeto dessa decisão. A exceção levantada pelos Estados Unidos da América sobre esse ponto tem a natureza de uma defesa de mérito. A Corte ressaltou que os Estados Unidos da América abordaram inúmeros problemas de mérito nos seus pedidos orais e escritos nessa fase, e que ele salientou que esses problemas faziam parte de debates exaustivos perante esta; esse governo, assim, reconheceu implicitamente a existência entre a exceção e o mérito de uma "conexão ... íntima". Conseqüentemente a Corte constatou que se ela devia decidir sobre essa exceção, ela decidiria então obrigatoriamente sobre o mérito; invocando o benefício das disposições do artigo 79 do Regulamento, os Estados Unidos da América empregou um procedimento que visa precisamente impedir a Corte de fazê-lo. A Corte concluiu do que precede que a exceção dos Estados Unidos da América segundo a qual as demandas líbias seriam privadas de qualquer objeto não tem um "caráter exclusivamente preliminar" no sentido desse artigo. Tendo estabelecido sua competência e concluído pela admissibilidade do pedido, a Corte poderá conhecer dessa exceção durante o exame do mérito. Por fim, os Estados Unidos solicitaram à Corte, a título subsidiário, no caso de, em detrimento de suas exceções, essa se declarar competente e julgar o requerimento admissível, que ela “analise o mérito do caso prontamente” decidindo, a título preliminar, que não pode ser dado seguimento às medidas demandadas pela Líbia. Como a Corte já relembrou, foi o demandado que invocou no caso o benefício das disposições do artigo 79 do Regulamento. Levantando exceções preliminares, o demandado fez uma escolha procedimental da qual o efeito é, segundo os termos expressos do parágrafo 3º do artigo 79, suspender o julgamento do mérito. A Corte não poderia, portanto, acolher a demanda dos Estados Unidos. A Corte declarou enfim que, conforme o parágrafo 7º do artigo 79 de seu Regulamento, fixará posteriormente os prazos para o prosseguimento do processo. O texto do dispositivo é o seguinte: "Por esses motivos, A CORTE, 1) a) por treze votos a dois, rejeita a exceção de incompetência levantada pelos Estados Unidos da América de ausência alegada de controvérsia entre as partes concernente à interpretação ou aplicação da Convenção de Montreal de 23 de setembro de 1971; A FAVOR: Vice-Presidente Weeramantry, Presidente em exercício; Juízes Bedjaoui, Guillaume, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Parra-Aranguren, Kooijmans, Rezek; Juiz ad hoc El-Kosheri; CONTRA: Presidente Schwebel e Juiz Oda; b) por treze votos a dois, declara que tem competência, com base no parágrafo 1º do artigo 14 da Convenção de Montreal de 23 de setembro de 1971, para conhecer das controvérsias que opõem a Líbia aos Estados Unidos da América no que concerne a interpretação ou aplicação das disposições dessa Convenção; A FAVOR: Vice-Presidente Weeramantry, Presidente em exercício; Juízes Bedjaoui, Guillaume, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Parra-Aranguren, Kooijmans, Rezek, e Juiz ad hoc El-Kosheri; CONTRA: Presidente Schwebel e Juiz Oda; 2) a) por doze votos a três, rejeita a exceção de inadmissibilidade levantada pelos Estados Unidos da América com base nas Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança; A FAVOR: Vice-Presidente Weeramantry, Presidente em exercício; Juízes Bedjaoui, Guillaume, Ranjeva, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Parra-Aranguren, Kooijmans, Rezek; Juiz ad hoc ElKosheri; CONTRA: Presidente Schwebel; Juízes Oda e Herczegh; b) por doze votos a três, declara que o pedido depositado pela Líbia em 3 de março de 1992 é admissível; A FAVOR: Vice-Presidente Weeramantry, Presidente em exercício; Juízes Bedjaoui, Guillaume, Ranjeva, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Parra-Aranguren, Kooijmans, Rezek; Juiz ad hoc ElKosheri; CONTRA: Presidente Schwebel; Juízes Oda e Herczegh; 3) por dez votos a cinco, declara que a exceção dos Estados Unidos da América, segundo a qual as Resoluções 748 (1992) e 883 (1993) do Conselho de Segurança teriam privado as demandas da Líbia de qualquer objeto, não tem, nas circunstâncias do caso em tela, um caráter exclusivamente preliminar. A FAVOR: Vice-Presidente Weeramantry, Presidente em exercício; Juízes Bedjaoui, Ranjeva, Shi, Koroma, Vereshchetin, Parra-Aranguren, Kooijmans, Rezek; Juiz ad hoc El-Kosheri; CONTRA: Presidente Schwebel; Juízes Oda, Guillaume, Herczegh, Fleischhauer.