Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL RELATOR : RECORRENTE : ADVOGADOS : ADVOGADA RECORRIDO ADVOGADOS : : : INTERES. : ADVOGADO INTERES. ADVOGADO : : : Nº 1.200.850 - SP (2009/0051930-0) MINISTRO MASSAMI UYEDA JESUS ADIB ABI CHEDID E OUTRO RAQUEL BEZERRA CÂNDIDO AMARAL LEITÃO NELSON NERY JÚNIOR E OUTRO(S) PATRICIA PITALUGA PERET MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA ORLANDO BERTONI GEORGIA NATACCI DE SOUZA MARINHO ENSATUR EMPRESA NOSSA SENHORA APARECIDA DE TURISMO LTDA CLODOALDO RIBEIRO MACHADO E OUTRO(S) ERNANDES PEREIRA DOS SANTOS SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS EMENTA RECURSO ESPECIAL - NEGATIVAÇÃO DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA NÃO VERIFICAÇÃO MOTIVAÇÃO UTILIZADA NA SENTENÇA QUE TRANSITOU EM JULGADO - NÃO INCIDÊNCIA DO EFEITO DA IMUTABILIDADE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS VERIFICAÇÃO REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICA-PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. I- Sobre a norma jurídica concreta, inserida na parte dispositiva da sentença, que decide a pretensão, é que recairá o efeito da imutabilidade, inerente à coisa julgada. Enquanto nos embargos de terceiro discutiu-se a licitude ou não de uma constrição judicial sobre determinados bens dos sócios, na qualidade de terceiros, na execução do julgado, em sede de agravo de instrumento, controverte-se sobre a legitimidade destes em responderem com seus bens, indistintamente, pelo débito reconhecido judicialmente; II - A responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica). Faz-se necessário para tanto, ainda, ou a demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica), ou a demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 1 de 15 Superior Tribunal de Justiça pessoas jurídicas; III - O Tribunal de origem, estribado nos elementos probatórios reunidos nos autos, consignou que as cisões, a primeira operada em 1991 e a segunda ocorrida em 1995, que ensejaram a criação das sociedades Tiptur e Lana, respectivamente, com substancial reversão patrimonial para estas, nas quais figuraram como sócios os próprios recorrentes (na primeira) e pessoas do mesmo núcleo familiar (na segunda), encontram-se intrinsecamente relacionadas, tendo por propósito comum obstar, por meio de diluição patrimonial, o pagamento do débito exeqüendo. Nos dizeres do Tribunal de origem: "Restaram demonstrados os estratagemas do grupo familiar Abi Chedid para dissipar o patrimônio da devedora Ensatur, ora agravada"; IV - Vê-se que, além das razões recursais prenderem-se a uma perspectiva de reexame de matéria de fato e prova, providência inadmissível na via eleita, o desfecho conferido pelo Tribunal de origem à moldura fática delineada, imutável nesta via, afigura-se escorreita; V - Recurso Especial improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 04 de novembro de 2010(data do julgamento) MINISTRO MASSAMI UYEDA Relator Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 2 de 15 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.200.850 - SP (2009/0051930-0) RELATOR RECORRENTE ADVOGADOS ADVOGADA RECORRIDO ADVOGADO INTERES. ADVOGADO INTERES. ADVOGADO : MINISTRO MASSAMI UYEDA : JESUS ADIB ABI CHEDID E OUTRO : RAQUEL BEZERRA CÂNDIDO AMARAL LEITÃO NELSON NERY JÚNIOR E OUTRO(S) : PATRICIA PITALUGA PERET : MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA : ORLANDO BERTONI : ENSATUR EMPRESA NOSSA SENHORA APARECIDA DE TURISMO LTDA : CLODOALDO RIBEIRO MACHADO E OUTRO(S) : ERNANDES PEREIRA DOS SANTOS : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por JESUS ADIB ABI CHEDID e MARILIS REGINATO ABI CHEDID, fundamentado no artigo 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 47, 333, I, 472 e 535 do Código de Processo Civil; 6º da Lei de Introdução ao Código Civil; 50 e 1001 do Código Civil, além de dissenso jurisprudencial. Os elementos dos autos dão conta de que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória prolatada na ação de reparação de danos promovida por MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA, ora recorrida, contra ENSATUR EMPRESA NOSSA SENHORA APARECIDA DE TURISMO LTDA, em novembro de 1995, aquela deu início à execução do julgado. Citada, a empresa-executada nomeou à penhora, em julho de 1996, um terreno e prédio nele existente, localizados na cidade de Sorocaba/SP (fls. 147/151), que restaram recusados pela exeqüente (fls. 152/153). Diante das informações exaradas pelo Sr. Oficial de Justiça no sentido de que a empresa ENSATUR não mais pertenceria a JESUS ADIB ABI CHEDID e MARILIS REGINATO ABI CHEDID, a ora recorrida, MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA, requereu a citação destes, bem como o arresto de seus bens (estes identificados por meio da expedição de ofícios autorizados pelo r. Juízo da Quarta Vara Cível da Comarca de Campinas/SP - fls. 158/165, 166/234, 245/248 e 250/252). O r. Juízo a quo determinou que fossem "arrestados os bens imóveis de fls. 1325/1355, conforme requerido no item '3', a fls. 1.512, bem como os saldos das contas bancárias, pleiteadas no item '4'" (fl. 253 e 257/263). Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 3 de 15 Superior Tribunal de Justiça Decisum, que ensejou a oposição de embargos de terceiro por parte de JESUS ADIB ABI CHEDID e MARILIS REGINATO ABI CHEDID (fls. 271/293). O r. Juízo a quo, após assentar em sua fundamentação a ausência dos requisitos para desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada, julgou a demanda procedente para desconstituir as penhoras sobre os bens particulares dos embargantes (fls. 294/297). Esta decisão, segundo informam os ora recorrentes, transitou em julgado. Em 24 de novembro de 2005, nos autos da execução do julgado, MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA, ao argumento de ter bem demonstrado que as cisões da sociedade executada deram-se de forma fraudulenta, encontrando-se em estado de insolvência, requereu a declaração da fraude à execução, com a ineficácia da venda do imóvel indicado à penhora e de outro situado em Campinas, bem como a determinação da desconsideração da personalidade jurídica da executada, de forma a permitir que a execução recaia sobre os bens dos sócios (fls. 299/305). O r. Juízo da Quarta Vara Cível da Comarca de Campinas/SP indeferiu a desconsideração da personalidade jurídica da executada "pelas razões expostas na decisão proferida nos embargos de terceiros, cuja cópia se encontra às fls. 1679/1682, em especial ante a ausência de elementos comprobatórios de fraudes perpetradas pelos antigos sócios da ré" (fl. 320). Irresignada, MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA interpôs agravo de instrumento. O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, após determinar a realização de diligências e com base nos elementos produzidos nestes autos, conferiu-lhe provimento para reconhecer a fraude à execução, engendrada desde a fase cognitiva, e declarar a desconstituição da personalidade jurídica da executada e das cisões, com dação em pagamento, tornando ineficazes, quanto à agravante, todos os atos de transmissão dos imóveis da executada, legitimando-se a constrição sobre os bens dos (ex-) sócios (fls. 536/547). O acórdão do julgado recebeu a seguinte ementa: "Fraude à execução. Oferta de bem à penhora. Recusa. Alteração social no curso da ação. Saída de sócio. Esvaziamento patrimonial da devedora. Penhora em bens de ex-sócios. Embargos de Terceiro procedentes. Desconsideração da personalidade jurídica. Responsabilidade retroativa. Possibilidade. Art. 1032 C. Civil. Transferência de patrimônio da agravada para nova empresa de ex-sócios. Fraude reconhecida. Multa. Art. 601 do CPC. Penhora de bens de ex-sócio. Possibilidade. Presunção de insolvência. Prova contrária ausente. Ônus da prova dos sócios. Decisão reformada. Recurso provido." Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 4 de 15 Superior Tribunal de Justiça Buscam os recorrentes, JESUS ADIB ABI CHEDID e MARILIS REGINATO ABI CHEDID, a reforma do r. Decisum sustentando, em síntese que a cisão parcial, de 31.12.1991, não extinguiu, nem descapitalizou a empresa-executada ENSATUR, que continuou existindo, com bens mais que suficientes para a satisfação integral da presente execução. Ressaltam, outrossim, que, na referida data, sequer havia sentença condenatória que dera lastro à presente execução. Afirmam inexistir, portanto, qualquer ato de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, mas, apenas, simples alteração no quadro social da empresa, autorizada por lei. Alegam, também, que o bem nomeado à penhora pela ENSATUR, a despeito de possuir valor suficiente para a satisfação da dívida exeqüenda, foi recusado pela requerida, o que denota, de forma incontroversa, o estado de solvência daquela. Anotam que, caso tenha havido esvaziamento patrimonial quando da segunda cisão da empresa ENSATUR, momento em que já não mais pertenciam aos quadros societários da empresa, o tratamento jurídico a ser conferido à hipótese seria o da fraude à execução e não o da desconsideração da personalidade jurídica. Aduzem, ainda, que o Tribunal de origem, ao atingir os seus patrimônios, desrespeitou a autoridade da coisa julgada, na medida em que a sentença que julgou procedente os embargos de terceiro, reconhecendo a ausência dos requisitos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, transitou em julgado. Apontam violação do artigo 47 do CPC, pois o Tribunal de origem, ao desconsiderar a personalidade jurídica da empresa TIPUR, deixou de determinar, como deveria, a formação de litisconsórcio necessário. Anotam, por fim, que a ora recorrida não se desincumbiu do ônus de provar a existência de fraude na administração ou abuso, como seria de rigor (fls. 579/585). A recorrida apresentou contrarrazões às fls. 735/743. O recurso especial, não obstante o juízo negativo de admissibilidade proferido pelo Tribunal de origem, ascendeu a esta Corte em razão do provimento do Agravo de Instrumento n. 1.167381/SP. Acrescenta-se que, vinculada ao presente recurso especial, os ora recorrentes promoveram a Medida Cautelar n. 16.121/SP, objetivando atribuir-lhe efeito suspensivo, no que não obtiveram êxito. É o relatório. Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 5 de 15 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.200.850 - SP (2009/0051930-0) EMENTA RECURSO ESPECIAL - NEGATIVAÇÃO DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA - NÃO VERIFICAÇÃO - MOTIVAÇÃO UTILIZADA NA SENTENÇA QUE TRANSITOU EM JULGADO - NÃO INCIDÊNCIA DO EFEITO DA IMUTABILIDADE - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - VERIFICAÇÃO - REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICA-PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. I- Sobre a norma jurídica concreta, inserida na parte dispositiva da sentença, que decide a pretensão, é que recairá o efeito da imutabilidade, inerente à coisa julgada. Enquanto nos embargos de terceiro discutiu-se a licitude ou não de uma constrição judicial sobre determinados bens dos sócios, na qualidade de terceiros, na execução do julgado, em sede de agravo de instrumento, controverte-se sobre a legitimidade destes em responderem com seus bens, indistintamente, pelo débito reconhecido judicialmente; II - A responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica). Faz-se necessário para tanto, ainda, ou a demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica), ou a demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas; III - O Tribunal de origem, estribado nos elementos probatórios reunidos nos autos, consignou que as cisões, a primeira operada em 1991 e a segunda ocorrida em 1995, que ensejaram a criação das sociedades Tiptur e Lana, respectivamente, com substancial reversão patrimonial para estas, nas quais figuraram como sócios os próprios recorrentes (na primeira) e pessoas do mesmo núcleo familiar (na segunda), encontram-se intrinsecamente relacionadas, tendo por propósito comum obstar, por meio de diluição patrimonial, o pagamento do débito exeqüendo. Nos dizeres do Tribunal de origem: "Restaram demonstrados os estratagemas do grupo familiar Abi Chedid para dissipar o patrimônio da devedora Ensatur, ora agravada"; IV - Vê-se que, além das razões recursais prenderem-se a uma perspectiva de reexame de matéria de fato e prova, providência inadmissível na via eleita, o desfecho conferido pelo Tribunal de origem à moldura fática delineada, imutável nesta via, afigura-se escorreita; Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 6 de 15 Superior Tribunal de Justiça V - Recurso Especial improvido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): O inconformismo recursal não merece prosperar. Com efeito. Preliminarmente, anota-se inexistir ofensa ao artigo 535, II, do CPC, pois todas as questões suscitadas pelos recorrentes foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada ao caso concreto. É entendimento assente que o órgão judicial, para expressar sua convicção, não precisa mencionar todos os argumentos levantados pelas partes, mas, tão-somente, explicitar os motivos que entendeu serem suficientes à composição do litígio. Constata-se, in casu, que o Tribunal de origem, em análise global dos fatos e evidências reunidos nos autos, inclusive, com determinação de diligências, considerou que os ora recorrentes, por meio de modificações societárias, com paulatino esvaziamento patrimonial da empresa Ensatur, sem a respectiva recomposição, revertendo bens para outras empresas (cujos sócios, ora eram os próprios recorrentes, ora seus parentes), utilizaram-se indevidamente da personalidade jurídica com o escopo de frustrar o pagamento do valor judicialmente reconhecido como devido à embargada. Restou reconhecido, também, inexistir ofensa à coisa julgada, na medida em que a motivação da sentença que julgou procedente os embargos de terceiro, transitada em julgado, não constitui óbice para o reconhecimento, em outra ação, dos requisitos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica. Insubsistente, portanto, a alegação de negativa de prestação jurisdicional. Afigura-se, também, sem respaldo legal a alegação de que o Tribunal de origem, ao atingir o patrimônio dos ora recorrentes, teria desrespeitado a autoridade da coisa julgada, sob o argumento de que a sentença que julgou procedente os embargos de terceiro, reconhecendo a ausência dos requisitos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, transitou em julgado. Ao contrário do sustentado pelos ora recorrentes, é certo que a delimitação objetiva da coisa julgada material compreende a norma jurídica individualizada, concreta, criada pelo Poder Judiciário e constante no dispositivo da sentença. Será, portanto, sobre esta norma jurídica concreta, inserida na parte Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 7 de 15 Superior Tribunal de Justiça dispositiva da sentença, que decide a pretensão, que recairá o efeito da imutabilidade, inerente à coisa julgada. O efeito da imutabilidade, entretanto, não incide sobre a fundamentação exarada no decisum, como quer fazer crer os ora recorrentes. Veja-se, aliás, que autorizada doutrina, referindo-se ao escólio do Prof. José Carlos Barbosa Moreira, sobre o tema, assim se manifesta: "Somente se submete à coisa julgada material a norma jurídica concreta, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido (a questão principal, conforme o art. 468, CPC). A solução das questões na fundamentação (incluindo a análise das provas) não fica indiscutível pela coisa julgada (art. 469, CPC), pois se trata de decisão sobre questões incidentes. [...] No art. 468, reproduziu, sem distorções, a regra carneluttiana, para dispor que: 'A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem a força de lei nos limites da lei e das questões decididas'. Perceba-se, prescreve o texto normativo que a sentença tem força de lei nos limites da lide decidida. A lide decidida é aquela levada a juízo através de um pedido da parte, colocado como questão principal. Logo, resta evidente que, de acordo com esse artigo, a autoridade da coisa julgada só recai sobre a parte da decisão que julga o pedido (a questão principal, a lide), ou seja, sobre a norma jurídica concreta contida no seu dispositivo" (Didier, Fredie Jr.; Cunha, Leornardo José Carneiro da; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael; Curso de Direito Processual Civil - Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela - Vol. 2 - 4ª Edição, p. 417/418, Ed. Jus Podvm 2009). Em observância a tais postulados, convém perscrutar, na hipótese dos autos, quais foram as pretensões perseguidas nos embargos de terceiro e na ação de execução e o que, efetivamente, fez coisa julgada material em relação às partes envolvidas naquela primeira ação. Veja-se que os embargos de terceiro consubstanciam medida processual destinada àquele que, não sendo parte no processo, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial determinada naqueles autos (art. 1.046, CPC). Desta feita, a pretensão, o pedido constante da ação de embargos de terceiro consiste na desconstituição da constrição judicial incidente sobre bem que esteja na posse do autor dos embargos, determinada em outro processo no qual o embargante não é parte, ressalte-se. No caso dos autos, os embargos de terceiro foram julgados procedentes para desconstituir as penhoras realizadas no bojo da ação de execução do julgado sobre determinados bens (fls. 430/433). Este, portanto, é o comando imutável. Na execução do julgado, por sua vez, em que se pretende a satisfação Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 8 de 15 Superior Tribunal de Justiça da obrigação reconhecida judicialmente pelos então sócios da empresa ENSATUR, estes, em virtude do acolhimento da tese da desconsideração da personalidade jurídica da empresa ENSATUR, passaram a integrar a presente relação jurídico-processual não como terceiro, mas sim como parte. Nessa linha de raciocínio, enquanto nos embargos de terceiro discutiu-se a licitude ou não de uma constrição judicial sobre determinados bens dos sócios, na qualidade de terceiros, restando, nesta ação, afastada a constrição judicial sobre determinados bens, na ação de execução do julgado, em sede de agravo de instrumento, controverte-se sobre a legitimidade destes em responderem com seus bens, indistintamente, pelo débito reconhecido judicialmente. Veja-se, portanto, que a motivação exarada no julgado dos embargos de terceiro, consistente no não reconhecimento, naquela oportunidade, do requisitos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica, não contém o atributo da imutabilidade inerente à coisa julgada e, por isso, não impede que, em outra ação (com partes e objeto distintos, ressalte-se), reste reconhecido os apontados requisitos. Assim, não se entrevê a sobredita inobservância da coisa julgada. Verifica-se, ainda, que a argumentação exarada nas razões de recurso especial pelos ora recorrentes, nos termos relatados, centra-se, também, na alegação fática de que não praticaram qualquer ato de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, uma vez que a cisão parcial da empresa-executada, ENSATUR, de 31.12.1991, e que originou a empresa TIPUR, não extinguiu, nem descapitalizou, a qual continuou existindo, com bens mais que suficientes para a satisfação integral da presente execução. Nesse ínterim, assinala-se, por oportuno, que o artigo 50 do Código Civil encerra, em sua redação, a chamada Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica. Vale dizer, a responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica). Faz-se necessário para tanto, ainda, ou a demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica), ou a demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas (ut Resp n. 279.273/SP, Relatora p/ acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJ. 29.3.2004). Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 9 de 15 Superior Tribunal de Justiça Na espécie, constata-se que JESUS ADIB ABI CHEDID e MARILIS REGINATO ABI CHEDID, nos termos consignados pelo Tribunal de origem, quando da primeira cisão (1991) da Ensatur procederam à alteração do quadro societário, ocasião em que se retiraram da sociedade e verteram consideravelmente o acervo patrimonial para outra sociedade da qual passaram a ser sócios, sem o correspondente acréscimo financeiro naquela. Na segunda cisão da empresa Ensatur, ocorrida em 1995, com reversão patrimonial à empresa Lana, passaram a figurar como sócios, não os ora recorrentes, mas pessoas do mesmo núcleo familiar destes, o que corroborou, juntamente com outros elementos, segundo a convicção do Tribunal a quo, à conclusão de que houve a indevida utilização da personalidade jurídica da empresa Ensatur para frustrar o adimplemento do crédito discutido nos autos, o que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. É o que se denota do seguinte excerto, do esclarecedor acórdão recorrido: "Os elementos dos autos autorizam a desconsideração da personalidade jurídica, das diversas cisões e transferências de bens entre as empresas, além do reconhecimento da má-fé dos sócios Jesus Adib Abi Chedid e sua mulher, Marilis Reginato Abi Chedid que deverão responder também com seus bens pelo débito de sua ex-empresa. [...] No interregno, em 31-12-1991, o sócio Jesus formalizou os instrumentos sociais de fls. 139/159, através dos quais promoveu a cisão da agravada Ensatur para constituição de nova sociedade em seu nome e de sua mulher Marilis (Tiptur), com dobra do capital e drástica redução no mesmo instrumento, inclusão e retirada de pessoas estranhas do quadro societário que, até então, era composto por membros da família Abi Chedid. As alterações de capital se deram sem acréscimo financeiro, mediante utilização de reserva de capital pela correção monetária no balanço; foram extintas as ações remanescentes da Ensatur e houve transferência de todo o acervo patrimonial desta para Tiptur, dissipando, assim todos os bens daquela devedora. Assim é que a agravada em 15/07/1996 ofertara à penhora o imóvel de Sorocaba que já não lhe pertencia. É o que se verifica da matrícula n. 721 do 2º Registro de Imóveis de Sorocaba referente ao imóvel sito à Av. Dr. Armando Pannunzio, n. 1.803. Pelos instrumentos particulares de Cisão Parcial e Alteração do Contrato Social e ainda pelos de Constituição de Sociedade por Quotas de Responsabilidade Ltda, firmados em 31 de dezembro de 1991 e registrados na Junta Comercial em 05 de agosto de 1992, o imóvel fora vertido para o patrimônio da Tiptur, cujos sócios eram Jusus e sua mulher Marilis (fls. 425/427). Depois, à fls. 334 o sócio Jesus insistiu na penhora de bens da agravada Ensatur, apresentando balanço, acervo patrimonial e laudo sobre o imóvel da Rua Amilar (Amílcar) Alves, 595, em Campinas, Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 1 0 de 15 Superior Tribunal de Justiça ressaltando o seu valor expressivo, hábil a garantir a dívida. Ocorre que, mesmo à época da oferta à penhora daquele bem de Sorocaba (15-07-1196), este imóvel de Campinas também já não mais pertencia à Ensatur, por cisão parcial de seu patrimônio, formalizada em 31-12-1995. O bem foi incorporado ao patrimônio da nova empresa Lana, já sediada neste imóvel. E disso o sócio Jesus tinha ciência, uma vez que os sócios desta, Marco Antônio e Raquel Abi Chedid, são do seu núcleo familiar. A prova do fato está na averbação n. 5 da matrícula 69750 do 3º Registro de Imóveis de Campinas (fls. 410/411). [...] O imóvel de Sorocaba passa a integrar o patrimônio da Tiptur e o de Campinas o da empresa Lana. Posteriormente, em 28-12-2001, a empresa Lana (já dissolvida) por dação em pagamento, transmite ao sócio Marco Antonio Nassif Abi Chedid o imóvel da Rua Amilar Alves, 595 e este, na mesma data, por conferência de bens, transmitiu o bem à empresa Plana Administração e Participação Ltda (fls. 411 vº). Ademais, o documento de fls. 325/327 noticia que o sócio Jesus que inicialmente detinha quotas da empresa Ensatur no valor de R$ 690.000,000, remanesce com participação de R$ 250.000,00, no cargo de administrador e assinando pela empresa. Verifica-se também às fls. 328/329 que a empresa Lana, constituída por cisão da executada Ensatur, com capital de R$ 3.200.000,00, é holding de instituições não financeiras e tem como sócios, Marco Antonio e Raquel Abi Chedid, do mesmo núcleo familiar que o sócio Jesus. Os fortes indícios apontados pela agravante foram demonstrados documentalmente e levam à presunção de insolvência da agravada, representando motivo bastante de convicção para a decretação da fraude e desconsideração da personalidade jurídica." (ut fls. 675/685). Veja-se, assim, que as cisões, a primeira operada em 1991 e a segunda ocorrida em 1995, que ensejaram a criação das sociedades Tiptur e Lana, respectivamente, com substancial reversão patrimonial para estas, nas quais figuraram como sócios os próprios recorrentes (na primeira) e pessoas do mesmo núcleo familiar (na segunda), encontram-se intrinsecamente relacionadas, tendo por propósito comum obstar, por meio de diluição patrimonial, o pagamento do débito exeqüendo. Nos dizeres do Tribunal de origem: "Restaram demonstrados os estratagemas do grupo familiar Abi Chedid para dissipar o patrimônio da devedora Ensatur, ora agravada" (fls. 681). É de se constatar, inclusive, que o estado de insolvência da empresa Ensatur, decorrente, ressalte-se, das cisões intrinsecamente relacionadas, com o correspondente esvaziamento patrimonial daquela, restou devidamente demonstrado nos autos, conforme deixou assente o Tribunal de origem, inclusive, quando dos julgamento dos embargos de declaração, conforme se denota do seguinte excerto: "Todos os atos defensivos, à exceção Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 da contestação, foram Página 1 1 de 15 Superior Tribunal de Justiça praticados pelos embargantes que alegam, sem provar, a existência de bens remanescentes em nome da Ensatur. O documento de fls. 355/367 indica os bens, direitos e obrigações que foram vertidos para Tipitur, incluído o imóvel de Sorocaba, com a cisão da Ensatur (fl. 425/427 e fl. 434). Não há nos autos prova da titularidade da Ensatur sobre qualquer daqueles bens sem identificação, constantes do balanço geral de 31.12.1991 à 335/340. Também o imóvel de Campinas indicado à penhora como sendo da Ensatur (fls. 334 e 430/431) já pertencia a terceira empresa (Lana) em 31.12.1995 (fls. 330/332). Não se mantém a afirmação de desconhecerem as atividades da Ensatur após as cisões, pois até encomendou laudo avaliatório de bem da agravada (fls. 341/354) Nesse ínterim, impende deixar assente afigurar-se temerária a afirmação feita pelos ora recorrentes no sentido de que, quando se retiraram dos quadros societários, a empresa Ensatur possuía o bem situado em Campinas, suficiente para honrar o crédito discutido nos autos. Isso porque referido bem, como visto, em virtude das transformações societárias imbricadas entre si, tidas por espúrias, pelo Tribunal de origem, não mais pertence àquela. Aliás, anota-se, de passagem, que referido bem só poderá vir a ser atingido justamente em razão do reconhecimento de que as cisões societárias ocorreram ao sopro do intento fraudulento de abuso da personalidade jurídica. Bem de ver, assim, que, além das razões recursais prenderem-se a uma perspectiva de reexame de matéria de fato e prova, providência inadmissível na via presente via especial, o desfecho conferido pelo Tribunal de origem à moldura fática delineada que reconheceu a presença dos requisitos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica afigura-se, na espécie, escorreita . Para efeitos práticos, nos termos reconhecidos pelo Tribunal de origem, em razão das manobras societárias, reputadas fraudulentas, a recorrida, após mais de vinte anos do acidente causado pela empresa Ensatur de que foi vítima, não obteve o correspondente ressarcimento dos danos suportados, reconhecidos judicialmente. Por consectário lógico, é de se consignar, ainda, que, ao contrário do ora alegado, a recorrida desincumbiu-se de demonstrar o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica (desvio de finalidade), afigurando-se infundada a alegada violação ao artigo 333, I, do CPC. Quanto à alegada violação ao artigo 47 do CPC, além da questão sequer encontrar-se prequestionada, consigna-se que o Tribunal de origem em momento algum determinou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 1 2 de 15 Superior Tribunal de Justiça Tiptur, mas sim a desconstituição da própria cisão, o que denota, no ponto deficiência da argumentação, fazendo incidir, no ponto, o Enunciado n. 284/STF. Por fim, no tocante à admissibilidade do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional, esta Corte tem decidido, iterativamente, que, para a correta demonstração da divergência jurisprudencial, deve haver o cotejo analítico, expondo-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, a fim de demonstrar a perfeita similitude fática entre o acórdão impugnado e os paradigmas colacionados, procedimento não adotado pelos ora recorrentes. Nega-se, pois, provimento ao recurso especial. É o voto. MINISTRO MASSAMI UYEDA Relator Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 1 3 de 15 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2009/0051930-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.200.850 / SP Números Origem: 71364780 7136478003 PAUTA: 04/11/2010 JULGADO: 04/11/2010 Relator Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE ADVOGADOS ADVOGADA RECORRIDO ADVOGADO INTERES. ADVOGADO INTERES. ADVOGADO : JESUS ADIB ABI CHEDID E OUTRO : RAQUEL BEZERRA CÂNDIDO AMARAL LEITÃO NELSON NERY JÚNIOR E OUTRO(S) : PATRICIA PITALUGA PERET : MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA : ORLANDO BERTONI : ENSATUR EMPRESA NOSSA SENHORA APARECIDA DE TURISMO LTDA : CLODOALDO RIBEIRO MACHADO E OUTRO(S) : ERNANDES PEREIRA DOS SANTOS : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil SUSTENTAÇÃO ORAL Dr(a). GEORGIA NATACCI DE SOUZA(Protestará por Juntada) , pela parte RECORRIDA: MARIA LÚCIA FREITAS BARBOSA CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 1 4 de 15 Superior Tribunal de Justiça A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 04 de novembro de 2010 MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA Secretária Documento: 1018637 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2010 Página 1 5 de 15