38a42.qxd 05-03-2008 18:00 Page 38 OPINIÃO A Entidade Reguladora para a Comunicação Social errou gravemente na monitorização das notícias do 24horas sobre a campanha eleitoral de 2007 para a Câmara Municipal de Lisboa Por Pedro Tadeu Director do 24 horas N a sequência da Deliberação 1/PLU/2007 da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), onde se fez o balanço da cobertura jornalística das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa (2007), resolveu a direcção do 24horas efectuar uma verificação da qualidade da monitorização feita a este jornal pela ERC. O resultado confirmou as nossas suspeitas: a ERC errou gravemente nesse trabalho e é presumível que o tenha feito com outros órgãos de comunciaçã social. Começámos então por proceder a um levantamento da cobertura eleitoral do 24horas às eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, no mesmo período que a ERC analisou, de 14 de Maio a 13 de Julho, o que inclui o período oficial de campanha eleitoral, de 6 a 13 de Julho. No relatório da ERC sobre este tema não se descreve detalhadamente a metodologia seguida por essa entidade, explica-se de forma pouco clara e/ou pouco objectiva os critérios de selecção e classificação das peças/artigos monitorizados e não se publicam em anexo as tabelas com a totalidade das peças e/ou referências à campanha eleitoral de cada jornal o que, aliás, retira valor científico ao traba38 |Jan/Mar 2008|JJ lho em causa, pois todos as boas práticas básicas internacionais e académicas sobre a matéria recomendam que estudos deste tipo sejam publicados de forma a poderem ser reproduzíveis, verificáveis e repetíveis em outras situações e por outros protagonistas. Torna-se por isso impossível ao 24horas “refazer” o trabalho efectuado pela ERC e, assim, obter uma comparação absolutamente fiável entre os dois levantamentos. Resolveu-se então adoptar um método simples: medir em centímetros quadrados cada artigo/referência publicado pelo 24horas sobre a campanha eleitoral no período e 14 de Maio a 13 de Julho de 2007, identificar se cada um desses artigos tinha ou não fotografia (cujo espaço ocupado é contado na medição anterior), medir o espaço eventualmente ocupado na capa do jornal, referenciar a data e a página de publicação de cada um dos artigos. Será um método incompleto e discutível mas serve o único propósito deste trabalho: indiciar se existem, ou não, erros na monitorização da ERC ao 24horas. O levantamento, com este método, foi realizado pelo jornalista do 24horas, Ricardo Vilhena. Eis os resultados genéricos. 38a42.qxd 05-03-2008 18:01 Page 39 COBERTURA NOTICIOSA NO PERÍODO OFICIAL DE CAMPANHA ELEITORAL COBERTURA NOTICIOSA DURANTE O PERÍODO DE PRÉ-CAMPANHA COBERTURA NOTICIOSA DURANTE TODO O PERÍODO ANALISADO PELA ERC JJ|Jan/Mar 2008|39 38a42.qxd 05-03-2008 18:01 OPINIÃO Page 40 Pe d r o Ta d e u OS ERROS DA ANÁLISE DA ERC AO 24HORAS E ncontrámos assim inúmeros erros objectivos na monitorização da ERC que, por isso, fez uma apreciação ao trabalho do 24horas totalmente desfasada da realidade e, em consequência, injusta e lesiva da imagem pública do jornal. Aliás, bastava haver um único erro para, por efeito dominó, todo o relatório ficar errado. Essa apreciação da ERC foi enviada à Comissão Nacional de Eleições que, por sua vez, e levando também em conta esse documento, além de outros aspectos, decidiu instaurar um processo de contra-ordenação ao jornal 24horas. Vamos aos factos. Todas as citações atribuídas à ERC referem-se à deliberação supra citada. A ERC afirma que, no período analisado por ela, o 24horas fez 294 artigos/peças e/ou referências( conforme, indiscriminadamente ao longo do relatório, a ERC os classifica, o que estabele desde logo a confusão sobre os critérios seguidos para este levantamento) sobre a campanha eleitoral. Não é verdade, fez 303. A ERC afirma que no período oficial de campanha eleitoral o 24horas fez 61 peças/referências sobre o assunto. Não é verdade, fez 67. A ERC diz: “No Correio da Manhã e no 24 Horas, em especial neste último, a candidatura de Carmona Rodrigues distinguiu-se claramente das restantes em termos de referências na primeira página, em ambos os períodos”. Não é verdade. Eis a lista de chamadas de primeira página a candidatos em todo o período analisado pela ERC, sendo que em três dias as chamadas foram feitas a conjuntos de candidatos: António Costa, 5 vezes. Carmona Rodrigues, 5 vezes. Helena Roseta, 5 vezes. Sá Fernandes, 5 vezes. Fernando Negrão, 4 vezes. Ruben Carvalho, 4 vezes. Telmo Correia, 4 vezes. Garcia Pereira, 4 vezes. Gonçalo da Câmara Pereira, 4 vezes. Manuel Monteiro, 3 vezes. Quartin Graça, 3 vezes. E quanto ao somatório de espaço que cada um dos candidatos ocupou na primeira página ao longo do período em análise, veja-se a tabela que se segue: 40 |Jan/Mar 2008|JJ A ERC diz: “Tal como no Diário de Notícias e no Público, também no Jornal de Notícias e no 24 horas os dias com maior volume de peças publicadas e monitorizadas ocorre já no período oficial de campanha. O Jornal de Notícias apresenta o maior número de artigos a 9 e 12 de Julho (11 artigos) e o 24 horas no último dia de campanha e de análise, 13 de Julho (11 artigos).” Não é verdade. O dia em que sairam mais artigos no 24horas sobre a campanha eleitoral foi a 7 de Julho (17 artigos). No dia 13 sairam 14 e não 11. E no dia 25 de Junho, muito antes da campanha eleitoral, sairam 14 artigos, o mesmo que o segundo dia do período de campanha eleitoral com mais notícias sobre este assunto. A ERC diz: “No 24 horas – 10 das 12 candidaturas estão presentes ou são referidas em artigos de opinião: António Costa; Carmona Rodrigues e Sá Fernandes (na mesma posição); Helena Roseta; Fernando Negrão; Ruben de Carvalho; Telmo Correia, Manuel Monteiro, Garcia Pereira e Gonçalo da Câmara (na mesma posição). As candidaturas de Quartin Graça e Pinto Coelho não são referidas.” Não é verdade. Quartin Graça (como todos os outros candidatos, excepto Pinto Coelho) escreveu ele próprio no 24horas, no dia 8 de Julho de 2007, um artigo de opinião na página 2 do jornal, do mesmo tamanho (285 cm2) que o de todos os outros candidatos em outros dias. A ERC afirma que “A candidatura de António Costa obteve, em termos globais e considerando todo o período eleitoral – pré-campanha e campanha eleitoral –, o maior destaque em todos os diários, sendo a segunda posição detida alternadamente pela candidatura de Carmona Rodrigues, com maior destaque no 24 horas, no Jornal de Notícias e no Correio da Manhã, e pela candidatura de Fernando Negrão no Jornal de Notícias, no 24 horas e no Diário de Notícias”. Não é verdade. Durante todo o período analisado, António Costa teve 18,60% do espaço dado pelo 24horas à campanha, seguiu-se Carmona Rodrigues com 14,38%. Sá Fernandes aparece com 11,66% antes de Fernando Negrão, que tem 11,13%. Como é que a ERC pode dizer que Negrão esteve em segundo lugar no 24horas!? A ERC afirma: “Contudo, no período da campanha oficial, a candidatura de António Costa apenas ocupa a primeira posição no Correio da Manhã, no Diário de Notícias e no Público. A de Carmona Rodrigues, que no período global surge em terceiro lugar no Jornal de Notícias e em segundo no 24 Horas, passa, no período oficial da campanha, a ser a mais referida nestes dois jornais, ainda que a diferença entre ela e a de António Costa seja mínima nos dois diários”. Não é verdade. A candidatura com mais espaço no 24horas durante este período é a de Fernando Negrão com 38a42.qxd 05-03-2008 18:01 Page 41 11,98% do espaço total, seguindo-se António Costa e Manuel Monteiro, ambos com 11,80%, com ligeira vantagem para o primeiro. A ERC diz: “As candidaturas de Sá Fernandes, Ruben de Carvalho e Telmo Correia obtiveram cobertura equivalente em todos os diários, quer no período da campanha quer no da précampanha, ligeiramente inferior à de Helena Roseta,tendo esta, em termos gerais, perdido destaque no período da campanha oficial, embora continuando na quarta posição”. Como se vê pelas tabelas acima, esta análise nada tem a ver com a realidade do 24horas. Em ambos os períodos, Sá Fernandes teve mais espaço que Helena Roseta, Ruben de Carvalho e Telmo Correia. No período de campanha eleitoral, estes três candidatos são mesmo os menos noticiados pelo 24horas, enquanto Sá Fernandes é o quinto mais noticiado. A ERC diz: “Todos os diários conferiram muito menor cobertura em ambos os períodos às candidaturas de Manuel Monteiro, Garcia Pereira, Quartin Graça, Pinto Coelho e Câmara Pereira, relativamente às sete restantes”. Em relação ao 24horas, no primeiro período analisado isso é verdade, no segundo, na época oficial de campanha eleitoral, é totalmente falso. No período de campanha eleitoral, Manuel Monteiro, Gonçalo da Câmara Pereira, Quartin Graça e Garcia Pereira tiveram mais espaço que Ruben de Carvalho, Helena Roseta e Telmo Correia. Monteiro e Câmara Pereira tiveram mesmo mais espaço que Sá Fernandes. A ERC diz: “No 24 horas – dos 142 artigos com imagens/fotografias das candidaturas com mais visibilidade, 21,13% representam graficamente a candidatura do PS.” Não é verdade. A tabela de fotografias publicadas pelo 24horas em todo este período é a que se segue e nela António Costa não tem apenas 21,13% de espaço, como diz a ERC, tem 24,49%. A quantidade de erros factuais da análise da ERC ao 24horas é pois enorme e ultrapassa o que seria eventualmente admissível pelas diferenças de metodologia ou de interpretação que existem entre o levantamento da ERC e o que agora foi feito pelo 24horas. Será que se passou o mesmo com outros órgãos de comunicação social? Mesmo que existam alguns erros ou se constatem decisões de critério discutível nesta análise realizada pelo 24horas, a evidência é esta: é demasiado grande e incontestável a gravidade dos erros factuais do trabalho da ERC, até porque assumiu publicamente a responsabilidade pela qualidade científica desta monitorização, enquanto o 24horas realizou apenas um levantamento superficial por as conclusões da ERC soarem estranhas aos olhos dos responsáveis editoriais do jornal sendo, por isso, necessário um confronto entre o que a consciência dos jornalistas do 24horas dizia a respeito do acompanhamento que fizeram às eleições intercalares no município de Lisboa e os números que a ERC tornou públicos acerca desse mesmo trabalho. Bastou esse olhar superficial para ficar demonstrada a sustentação dessa desconfiança. De resto, são em maior número os erros comprováveis, factuais e de análise da ERC inscritos na Deliberação 1/PLU/2007. O 24horas poderia não ficar por aqui mas torna-se fastidioso prosseguir... A verdade é esta: a ERC faltou ao dever de relatar os factos com rigor e exactidão e atingiu assim o bom nome do jornal 24horas. A ANÁLISE AO TOM/VALÊNCIA DO NOTICIÁRIO R esta referir um último aspecto. A ERC diz: “Na maioria dos artigos analisados o tom /valência associado às candidaturas é favorável, equilibrado ou neutro, qualquer que seja o período considerado”. A explicação da ERC para encontrar o tom/valência dos artigos é dado por este critério: “Classifica-se uma peça/artigo como favorável quando, no contexto em que surge, a candidatura ou o candidato são associados a situações de sucesso, resolução de problemas, etc. São classificadas como desfavoráveis as peças/artigos que apresentam a candidatura ou o candidato associado a situações de insucesso, quebra de compromissos, envolvimento em situações polémicas, etc. São classificadas como Equilibradas/Neutras as peças/artigos essencialmente factuais, em que a candidatura ou o candidato é associado a situações em que as valorações favoráveis e desfavoráveis se equilibram ou são inexistentes.” Segue-se depois uma longa apreciação do tom/valência dos artigos publicados pelo 24horas que, à partida, está inquinada pela má qualidade da monitorização feita, como atrás ficou demonstrado. Mas mesmo que assim não fosse, mesmo que o trabalho tivesse sido bem feito, esta análise tom/valência é inaceitável numa entidade estatal que, precisamente por representar o Estado, não pode, em minha opinião, nesta matéria impor uma interpretação das notícias como se essa fosse a interpretação do Estado. Todo este tipo de apreciações, além de ser perigosaJJ|Jan/Mar 2008|41 38a42.qxd 05-03-2008 18:01 OPINIÃO Page 42 Pe d r o Ta d e u mente disparatado, segue um raciocínio que parece vindo de uma mente totalitária, pois presume que a esmagadora maioria dos 8 milhões de leitores de imprensa interpretam os artigos como os analistas da ERC, representantes do Estado, os interpretam o que é, simplesmente, impossível. Dando um exemplo: Um artigo onde um candidato apareça, sozinho e sem contraditório, a dizer que com 20 milhões de euros vai resolver de vez o problema de trânsito em Lisboa poderá ser, para uma parte dos leitores (e segundo o critério acima exposto, é-o certamente para a ERC), um artigo favorável a esse candidato. Mas é quase certo que para uma outra parte dos leitores esse é um artigo onde se mostra o retrato de um político demagogo que faz promessas impossíveis. Nessa perspectiva, o artigo passa a ser desfavorável a esse candidato. Ora esta situação acontece em todo o tipo de notícias, entrevistas, artigos e opiniões: para os mesmos textos haverá necessariamente múltiplas interpretações dos leitores sobre o seu tom/valência. Mais, os autores dos textos, os jornalistas, (que nem foram ouvidos pela ERC acerca do que pensam do tom/valência do que eles próprios escreveram) terão naturalmente a sua interpretação sobre as suas peças e, legitimamente, como autores, poderiam arrogar-se o direito de serem eles os únicos capazes de interpretar correctamente o tom/valência do que escreveram. Mas, como o bom senso aconselha, nenhum jornalista terá essa posição porque nenhum jornalista é capaz de assegurar que o tom/valência daquilo que ele próprio escreveu será interpretado pela generalidade dos leitores da mesma forma que ele interpretou quando produziu a peça... E que, às vezes, até difere do que ele passou a pensar quando, no dia seguinte, leu a sua própria peça publicada. C omo é que a ERC, em nome do Estado, pode assim pretender sobrepor-se ao pensamento e à capacidade de análise diversificada dos cidadãos, dos autores dos textos e dos seus leitores, e decidir que cada texto tem, apenas, uma leitura, a leitura da ERC, a leitura do Estado? Por outro lado, como pode a ERC, em nome do Estado, classificar de “neutras” as peças de noticiário de campanha eleitoral, dado que todas elas, directa ou indirectamente, publicitam candidatos, as suas ideias, propostas, opiniões, cultura ou carácter e, por isso, são tipicamente e por definição, “não neutras”? Essa análise valorativa que a ERC pretendeu fazer é, portanto, impossível de ser feita em nome do Estado sem comprometer esse mesmo Estado com uma ati- 42 |Jan/Mar 2008|JJ tude de “pensamento único”, claramente inconstitucional e antidemocrática. Este é um perigo que deveria ser afastado, independentemente do óbvio interesse público em fazer análises de conteúdo à imprensa. Esse interesse, ao ser conflitual com o papel democrático do Estado na sociedade, ou tem de ser sacrificado ou tem de ser conseguido de outra maneira. D e resto, mesmo a nível universitário ou empresarial, quem tenta fazer este tipo de trabalho incorre, necessariamente, no pecado da manipulação, pois a sua análise está ensombrada pela necessidade de interpretar as notícias e vê, por essa via, esse trabalho infectado pelos “vírus” que decorrem dos objectivos, da ideologia, cultura e opções ético-morais do analista, sempre discutíveis e subjectivas, representativas do próprio analista mas nunca da sociedade no seu todo, apesar de, funcionalmente, essa análise poder vir a ter alguma utilidade pedagógica, comercial ou até científica. Mas nunca poderá representar uma leitura do Estado das notícias. Nunca. Ainda outro problema desta análise é a lei eleitoral classificar as candidaturas por “listas” (sejam partidárias ou independentes) e não por “candidatos” ou “cabeças de lista”. Esta distinção de conceitos não é casuística, advém directamente do pensamento do Estado sobre a matéria. A intencionalidade do legislador, o Estado, é assim traída pelo próprio Estado, através da ERC, seu representante, que procura e analisa as notícias dos “candidatos” e não das “listas”. Não é situação aceitável, mesmo que toda a imprensa prefira escrever sobre candidatos e não sobre listas. Por isso, a direcção do 24horas não fará sobre o seu próprio trabalho este tipo de análise e contesta veementemente a que foi efectuada pela ERC, independentemente da honestidade e boa intenção (o que não está em causa) com que tenha sido feita. Em minha opinião, pelas razões expostas, em futuras campanhas eleitorais, a ERC deveria considerar não efectuar este tipo de apreciação ao tom/valência dos artigos de imprensa. JJ N.R. - No próximo número da JJ, Estrela Serrano, membro do Conselho Regulador da ERC, responderá às questões colocadas por Pedro Tadeu sobre os critérios e a metodologia de analise da cobertura jornalística das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa feita pela ERC.