1 ¶ UMA HISTORIA ~ DAS EQUAC » OES POLINOMIAIS 1 ~ EQUAC » OES DO PRIMEIRO GRAU ² N~ao tem uma hist¶oria propriamente dita. ² A simbologia moderna s¶o come»cou a surgir no s¶eculo 18. Do ponto de vista elementar, equa»c~oes s~ao problemas do seguinte tipo: Determine certos valores desconhecidos, sabendo que quando esses valores s~ao manipulados algebricamente, de uma certa maneira, s~ao obtidos certos valores dados. Primeiras equa»c~oes na forma escrita: 3000 anos a.C. ~ EQUAC » OES DO 1o GRAU NO EGITO ANTIGO A maior parte da matem¶atica eg¶³pcia antiga, ou seja, do 3o mil^enio a.C., encontrada em alguns poucos papiros famosos, ¶e um comp^endio de t¶abelas e algoritmos aritm¶eticos, visando a resolu»c~ao de problemas u¶teis, tais como problemas de medi»c~ao de ¯guras geom¶etricas. No Papiro Rhind, encontramos as primeiras equa»c~oes do primeiro grau, na forma de problemas \aha". Aha signi¯cava quantidade. 2 PROBLEMAS aha DO PAPIRO RHIND ² (Problema 24) Uma quantidade e seu s¶etimo, somadas juntas, d~ao 19. Qual ¶e a quantidade? ² (Problema 25) Uma quantidade e sua metade, somadas juntas, resultam 16. Qual ¶e a quantidade? ² (Problema 26) Uma quantidade e 2=3 dela s~ao somadas. Subtraindo-se, desta soma, 1=3 dela, restam 10. Qual ¶e a quantidade? Em linguagem moderna, temos ²x+ ² ² x = 19 7 x + x2 = 16 (x + 23 ¢ x) ¡ 13 (x + 2 3 ¢ x) = 10 O m¶ etodo da falsa posi»c~ ao Para problemas desse tipo, os eg¶³pcios empregavam o m¶etodo da falsa posi»c~ao, exempli¯cado na resolu»c~ao do problema 1. Resolu»c~ ao do problema 1 Escolhemos, ao acaso, uma quantidade inteira divis¶³vel por 7, digamos 7. Um s¶etimo de 7 ¶e 1. Somando 7 a 17 de 7 obtemos 8. Agora empregamos uma regra de tr^es simples: 3 x x + = 19 7 quantidade 7 x resultado 8 19 Portanto, 8 7 = ) 8x = 7 ¢ 19 x 19 5 133 ) x = 16 ) 8x = 133 ) x = 8 6 2 ~ EQUAC » OES DO SEGUNDO GRAU ^ ¶ DIOFANTO DA ANTIGA BABILONIA ATE Os antigos babil^onios (ou babil^onicos) (c. 1800 a.C.), habitantes do sul da antiga Mesopot^amia (parte do atual Iraque), j¶a resolviam o problema de encontrar dois n¶umeros x e y cuja soma ¶e p e cujo produto ¶e q. O m¶etodo empregado pelos babil^onios, traduzido para nossas nota»c~oes modernas, ¶e basicamente o seguinte: A priori, x e y s~ao representados na forma p p x= +a e y = ¡a 2 2 4 dado que x + y = p. Tem-se ent~ao p p p2 xy = ( + a)( ¡ a) = ¡ a2 = q 2 2 4 do que se deduz 2 2 p ¡ 4q p 2 ¡q = a = 4 4 Daqui, se deduz s a= p2 ¡ 4q 4 (os n¶umeros negativos n~ao haviam sido inventados). Assim, x e y acabam sendo expressos como s s p p2 ¡ 4q p2 ¡ 4q p x= + e y= ¡ 2 4 2 4 Cerca de dois mil^enios depois (em torno do ano 250 da era crist~a), este mesmo m¶etodo aparece no tratado Arithmetica do grego Diofanto, um conjunto de 13 livros sobre solu»c~oes racionais de equa»c~oes alg¶ebricas. 5 Diofanto ¶e considerado o pai da ¶algebra no sentido de ter sido o primeiro a empregar nota»c~oes simb¶olicas para express~oes alg¶ebricas. Suas nota»c~oes eram bem diferentes das empregadas hoje. Os tratados de matem¶atica dos precursores de Diofanto eram escritos no estilo ret¶orico, isto ¶e, sem nenhum emprego de s¶³mbolos. ~ EQUAC » OES DO SEGUNDO GRAU, ^ DOS BABILONIOS A DIOFANTO Como exemplos dos primeiros problemas de equa»c~oes do segundo grau, encontrados nas t¶abuas de argila dos antigos babil^onios, bem como no livro Arithmetica de Diofanto, resolvidos pelo m¶etodo acima descrito, temos os seguintes: 1. (Babil^onios, 1800 a.C.) Encontre dois n¶umeros cuja soma ¶e 14 e cujo produto ¶e 45. 2. (Diofanto, em Arithmetica) Encontre dois n¶umeros cuja soma ¶e 20 e cuja soma de seus quadrados ¶e 208. Resolu»c~ao do problema 1 S~ao procurados dois n¶umeros x e y satisfazendo x + y = 14 e x ¢ y = 45 Segundo o m¶etodo acima descrito, fazemos x=7¡a e y =7+a 6 Teremos ent~ao que a equa»c~ao xy = 45 torna-se (7 ¡ a)(7 + a) = 45, ou seja, 72 ¡ a2 = 45, do que a2 = 4, e portanto a = §2. Os babil^onios, bem como Diofanto, consideravam apenas a solu»c~ao positiva a = 2. Os n¶umeros negativos parecem ter surgido no s¶eculo 7, com o astr^onomo hindu Bramagupta. Assim sendo, tomando a = 2, teremos x = 5 e y = 9. Se tomarmos a = ¡2, teremos x = 9 e y = 5. Portanto os n¶umeros procurados s~ao 5 e 9. Resolu»c~ ao do problema 2 S~ao procurados dois n¶umeros satisfazendo x + y = 20 e x2 + y 2 = 208 Novamente, assumimos, com base na soma dada dos n¶umeros procurados, x = 10 ¡ a e y = 10 + a A equa»c~ao x2 + y 2 torna-se ent~ao (10 ¡ a)2 + (10 + a)2 = 208 ou seja (100 ¡ 20a + a2) + (100 + 20a + a2) = 208 e portanto 200 + 2a2 = 208 ) 2a2 = 8 ) a2 = 4 ) a = §2 Somente a solu»c~ao positiva a = 2 era admitida. Assim sendo, os n¶umeros procurados s~ao 10 ¡ 2 = 8 e 10 + 2 = 12. 7 AL-KHWARIZMI O primeiro tratado a abordar equa»c~oes do 2o grau e suas solu»c~oes foi Os Elementos de Euclides (s¶ec. 3 a.C.). Em Os Elementos, Euclides d¶a solu»c~oes geom¶etricas da equa»c~ao do segundo grau. Os m¶etodos n~ao s~ao pr¶aticos. No in¶³cio do s¶eculo 9, o Califa Al Mamum, recebeu atrav¶es de um sonho, no qual teria sido visitado por Arist¶oteles, a instru»c~ao de fundar um centro de pesquisa e divulga»c~ao cient¶³¯ca. Assim foi fundada a Casa de Sabedoria, em Bagd¶a, hoje capital do Iraque, µas margens do Rio Tigre. A convite do Califa, nela estabeleceu-se Al-Khwarizmi, juntamente com outros ¯l¶osofos e matem¶aticos do mundo ¶arabe. Al-Khwarizmi escreveu um tratado popular sobre a ci^encia das equa»c~oes, chamado Hisab al-jabr wa'l muqabalah, ou seja, o Livro da Restaura»c~ao e Balanceamento. Al-Khwarizmi introduziu simpli¯ca»c~oes que simpli¯caram a ¶algebra das equa»c~oes do 2o grau. Seu m¶etodo de resolu»c~ao da equa»c~ao do 2o grau ¶e inspirado na interpreta»c~ao de n¶umeros por segmentos, introduzida por Euclides. 8 Al-Khwarizmi tamb¶em popularizou o sistema de representa»c~ao decimal posicional dos n¶umeros inteiros, criado pelos hindus, hoje de uso corrente. De Al-Khwarizmi derivam-se as palavras algarismo e algoritmo, ambas latiniza»c~oes de Al-Khwarizmi. Do termo al-jabr, que signi¯ca restaura»c~ao, deriva-se a palavra ¶algebra ! O termo al-muqabalah, que signi¯ca oposi»c~ao ou balanceamento, ¶e o que hoje entendemos como cancelamento. Por exemplo, dada a equa»c~ao x2 + 3x ¡ 2 = 3x + 4 a al-jabr nos d¶a x2 + 3x = 3x + 4 + 2 enquanto que a muqabalah cancela o termo 3x, nos dando x2 = 6 Al-Khwarizmi apresenta dois m¶etodos geom¶etricos de solu»c~ao da equa»c~ao do 2o grau. Al-Khwarizmi n~ao fazia uso de nota»c~oes simb¶olicas em seu tratado. Suas equa»c~oes s~ao escritas no estilo ret¶orico, isto ¶e, sem o emprego de s¶³mbolos. 9 Al-Khwarizmi e equa»c~ oes do 2o grau 1o m¶ etodo de Al-Khwarizmi x2 + 10x = 39 Primeiramente, a equa»c~ao ¶e escrita na forma 5 x2 + 4 ¢ ¢ x = 39 2 O completamento do quadrado ¶e realizado, resultando na equa»c~ao equivalente µ ¶2 µ ¶2 5 5 5 x2 + 4 ¢ x + 4 ¢ = 39 + 4 ¢ 2 2 2 10 Algebricamente, µ ¶2 µ ¶ µ ¶2 5 5 5 2 x+4¢ x +4¢ = 39 + 4 ¢ 2 2 2 por¶em geometricamente, (x + 5)2 = 39 + 25 = 64 da¶³, Al-Khwarizmi deduz que p x + 5 = 64 = 8 Chega-se ent~ao µa solu»c~ao x = 8 ¡ 5 = 3. Para AlKhwarizmi, quantidades negativas careciam de sentido. No seu m¶etodo, a solu»c~ao x = ¡8 ¡ 5 = ¡13 n~ao vem µa tona. Podemos, no entanto, usar o m¶etodo geom¶etrico de Al-Khwarizmi como um guia no completamento de quadrados e, ao ¯nal, \esquec^e-lo", deduzindo tamb¶em eventuais solu»c~oes negativas da equa»c~ao. 11 2o m¶ etodo de Al-Khwarizmi Neste m¶etodo mais simples, a equa»c~ao ¶e escrita na forma x2 + 5x + 5x = 39 Completando ent~ao essa soma de ¶areas com a ¶area de um quadrado de lado 5, portanto de ¶area 25, obt¶em-se x2 + 5x + 5x + 52 = 39 + 52 logo (x + 5)2 = 39 + 25 = 64 Daqui ent~ao x + 5 = 8, ou seja, x = 3. 12 3 ~ EQUAC » OES DO TERCEIRO GRAU ARQUIMEDES, NOVAMENTE Num tratado sobre esferas e cilindros, Arquimedes estudou o seguinte problema, que deu origem a uma das primeiras equa»c~oes do 3o grau da hist¶oria: Cortar uma esfera por um plano de modo que uma das partes resultantes tenha o dobro do volume da outra parte. O volume do segmento esf¶erico de altura h ¶e dado por V = 13 ¼h2(3r ¡ h). Sendo h=r = y, se o segmento inferior da esfera tem o dobro do volume do superior, ent~ao y 3 ¡ 3y 2 = ¡4=3, ou x3 ¡ 3x ¡ 2=3 = 0 (y = x + 1) 13 ¶ A BUSCA PELA FORMULA GERAL DA ¶ CUBICA Por muitos s¶eculos, desde o per¶³odo ¶aureo da Gr¶ecia antiga, matem¶aticos tentaram em v~ao deduzir um m¶etodo geral de solu»c~ao da equa»c~ao do 3o grau ou equa»c~ao c¶ubica ax3 + bx2 + cx + d = 0 Procurava-se uma f¶ormula geral da solu»c~ao da c¶ubica, isto ¶e, uma f¶ormula que desse suas solu»c~oes em termos de express~oes alg¶ebricas envolvendo os coe¯cientes a; b; c e d. A conhecida f¶ormula de Bhaskara, creditada assim ao matem¶atico hindu Bhaskara, do s¶eculo 12, nos d¶a as soluc~oes da equa»c~ao quadr¶atica ax2 +bx+c = 0, como express~oes alg¶ebricas dos coe¯cientes a; b e c, a saber p ¡b § b2 ¡ 4ac x= 2a 14 DEL FERRO, TARTAGLIA E CARDANO. ¶ UMA TRAGICOMEDIA DE DISPUTAS, ~ CONQUISTAS E DECEPC » OES O primeiro matem¶atico a desenvolver um m¶etodo para resolver equa»c~oes c¶ubicas da forma x3 + ax + b = 0 foi Scipione del Ferro, professor da Universidade de Bolonha, It¶alia, na passagem do s¶eculo 15 ao s¶eculo 16. Antes de morrer, revelou seu m¶etodo, que mantivera em segredo, a Antonio Fiore. Nicollo Tartaglia nasceu em Brescia, It¶alia, em 1499. Conta-se que era t~ao pobre quando crian»ca que estudava matem¶atica escrevendo nas l¶apides de um cemit¶erio. Em 1535 foi desa¯ado por Antonio Fiore a uma competi»c~ao matem¶atica. Na ¶epoca, disputas acad^emicas eram comuns, muitas vezes premiando o ganhador com o emprego do perdedor. Tartaglia sabia resolver as equa»c~oes c¶ubicas de del Ferro, mas tinha descoberto tamb¶em um m¶etodo para resolver c¶ubicas da forma x3 + ax2 + b = 0 De posse deste conhecimento, foi o vencedor na competi»c~ao. 15 Os u¶ltimos anos de Tartaglia foram amargurados por uma briga com Girolamo Cardano (1501{1576), um matem¶atico italiano que, al¶em de m¶edico famoso em Mil~ao, foi tamb¶em astr^onomo. Cardano ¶e tido como o fundador da teoria das probabilidades, a qual estudou por interesses pessoais (jogatina). Em 1570, Cardano foi preso por heresia, por ter escrito um hor¶oscopo de Jesus Cristo. Em 1539, em sua casa em Mil~ao, Cardano persuadiu Tartaglia a contar-lhe seu m¶etodo secreto de solu»c~ao das c¶ubicas, sob o juramento de jamais divulg¶a-lo. Anos mais tarde, por¶em, Cardano soube que parte do m¶etodo constava de uma publica»c~ao p¶ostuma de del Ferro. Resolveu ent~ao publicar um estudo completo das equa»c~oes c¶ubicas em seu tratado Ars Magna (1545), um trabalho que superou todos os livros de ¶algebra publicados at¶e ent~ao. Em Ars Magna, Cardano exp~oe um m¶etodo para resolver a equa»c~ao c¶ubica baseado em argumentos geom¶etricos. 16 Em Ars Magna, Cardano tamb¶em exp~oe a solu»c~ao geral da equa»c~ao qu¶artica ou equa»c~ao do quarto grau ax4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0 descoberta por Ludovico Ferrari (1522{1565), discipulo de Cardano, que parece ter superado o mestre na ¶algebra das equa»c~oes polinomiais. Em 1548, Tartaglia desa¯ou Cardano para uma competi»c~ao matem¶atica, a ser realizada em Mil~ao. Cardano n~ao compareceu, tendo enviado Ferrari para represent¶a-lo. Parece que Ferrari venceu a disputa, o que causou a Tartaglia desemprego e morte na pobreza nove anos mais tarde. ¶ A FORMULA DE CARDANO PARA A ~ CUBICA ¶ EQUAC » AO O m¶etodo de Cardano para resolver equa»c~oes c¶ubicas, ¶e essencialmente o seguinte: Consideremos a equa»c~ao c¶ubica z 3 + az 2 + bz + c = 0 A substitui»c~ao a z =x¡ 3 transforma a equa»c~ao dada em uma equa»c~ao c¶ubica na forma reduzida: x3 + px + q = 0 17 Cardano ent~ao \tenta" obter uma soluc~ao na forma x=u+v Ele nota que (u + v)3 = u3 + 3u2v + 3uv 2 + v 3 ou seja, (u + v)3 ¡ 3uv(u + v) ¡ (u3 + v 3) = 0 Cardano observa que para que x = u + v seja solu»c~ao da c¶ubica x3 + px + q = 0 ¶e su¯ciente encontrar u e v satisfazendo 3uv = ¡p e u3 + v 3 = ¡q ou seja, 3 p u3v3 = ¡ e u3 + v 3 = ¡q 27 Ao estilo de Diofanto, fazendo ent~ao q q 3 3 u =¡ +® e v =¡ ¡® 2 2 teremos µ ¶2 2 3 q p q ¡ ®2 = ¡ ®2 = ¡ u3 v 3 = 2 4 27 Logo, q2 p3 ® = + 4 27 2 18 Se q2 4 + p3 27 ¸ 0, deduzimos ent~ao s p q2 p3 ®=§ + =§ D 4 27 2 3 p em que D = q4 + 27 ¶e o assim chamado discriminante da c¶ubica reduzida x3 + px + q = 0. Finalmente, assumindo que D ¸ 0, teremos, para p ® = D, q p q p 3 3 u =¡ + De v =¡ ¡ D 2 2 e entao r r p q q p 3 3 x=u+v = ¡ + D+ ¡ ¡ D 2 2 ou seja v v s s u u u u q q q2 q2 p3 p3 3 3 t t x= ¡ + + + ¡ ¡ + 2 4 27 2 4 27 O mesmo presultado ¶e obtido quando consideramos ® = ¡ D (veri¯que), assumindo que a ra¶³zes c¶ubicas calculadas s~ao as ra¶³zes c¶ubicas reais de n¶umeros reais. 19 ¶ BOMBELLI, CRIADOR DOS NUMEROS COMPLEXOS O primeiro algebrista a formular regras elementares das opera»c~oes dos n¶umeros complexos foi o engenheiro hidr¶aulico italiano Rafael Bombelli, em seu tratado L'Algebra (1572), quase trinta anos depois da publica»c~ao de Ars Magna por Cardano. Bombelli notou que a equa»c~ao x3 ¡ 15x ¡ 4 = 0 tem uma solu»c~ao real positiva, a saber x = 4. Notou tamb¶emp que as demais solu»c~oes dessa equa»c~ao, ¡2 § 3, s~ao tamb¶em reais, sendo elas as ra¶³zes do polin^omio do 2o grau x2 + 4x + 1, obtido como quociente da divis~ao de x3 ¡ 15x ¡ 4 por x ¡ 4. No entanto, notou Bombelli, a f¶ormula de Cardano n~ao se aplica µa c¶ubica em quest~ao, pois nesse caso 2 p3 D = q4 + 27 = ¡121 < 0. Um not¶avel paradoxo surgiu ent~ao: a c¶ubica x3 ¡ 15x ¡ 4 = 0 tem suas tr^es ra¶³zes reais e, no entanto, a formula de Cardano, quando a ela aplicada, produzia uma express~ao num¶erica que carecia de sentido: q q p p 3 3 x = 2 + ¡121 + 2 ¡ ¡121 Por conta disso, Bombelli p^os-se a estudar essa nova esp¶ecie de n¶umeros, mais tarde denominados n¶umeros complexos. 20 Com a f¶ ormula de Cardano, todo cuidado ¶ e pouco! Mesmo quando D > 0, a f¶ormula de Cardano mostra-se pouco pr¶atica, pois pode ocultar solu»c~oes racionais de uma c¶ubica sob a apar^encia de express~oes que parecem irracionais. Por exemplo, a c¶ubica x3 +3x¡4 = 0 tem x = 1 como solu»c~ao. Dividindo-se x3 + 3x ¡ 4 por x ¡ 1, obtemos x2 + x + p 4, que tem como ra¶³zes os n¶umeros complexos (¡1 § 15i)=2, as outras duas soluc~oes da c¶ubica dada. No entanto, a aplica»c~ao da f¶ormula de Cardano a essa c¶ubica nos d¶a a solu»c~ao real q q p p 3 3 x= 2+ 5+ 2¡ 5 que ¶e, na verdade x = 1. µ ¶ FRANC » OIS VIETE: UM METODO PARA O ¶ ¶ CASO INDESEJAVEL DA FORMULA DE CARDANO Fran»cois Viµete (1540{1603) foi um advogado franc^es, membro do parlamento, com grande voca»c~ao matem¶atica. Em seu tratado In artem analyticem Isagoge, Viµete aplica ¶algebra ao estudo de geometria, quando at¶e ent~ao, a pr¶atica tinha sido sempre a de aplicar geometria µa ¶algebra. 21 Durante uma guerra contra a Espanha, Viµete serviu ao rei franc^es Henri IV, decifrando o c¶odigo usado pelos espanh¶ois em suas correspond^encias militares. Usando trigonometria, ¶area da matem¶atica elementar onde descobriu muitas de suas conhecidas rela»c~oes, Viµete desenvolveu um m¶etodo para calcular as tr^es ra¶³zes reais da c¶ubica x3 + px + q = 0 no caso em que a f¶ormula de Cardano \falha," isto ¶e, no caso q2 p3 em que o discriminante D = 4 + 27 ¶e negativo. O m¶ etodo de Viµ ete Consideremos a equa»c~ao c¶ubica x3 + px + q = 0 onde suporemos que os coe¯cientes p e q s~ao n¶umeros reais n~ao nulos. No seu m¶etodo, Viµete tenta buscar uma solu»c~ao real para essa c¶ubica, escrevendo-a na forma x = k cos µ; com k > 0 Note que o caso k = 0 ocorre quando x = 0 ¶e uma solu»c~ao da c¶ubica. Nesse caso, q = 0 e as outras duas ra¶³zes s~ao as solu»c~oes complexas da equa»c~ao x2 = ¡p. Usando a rela»c~ao trigonom¶etrica cos 3µ = 4 cos3 µ ¡ 3 cos µ 22 temos entao 4 cos3 µ ¡ 3 cos µ ¡ cos 3µ = 0 A substitui»c~ao de x = k cos µ na c¶ubica x3 + px + q = 0 nos d¶a k3 cos3 µ + pk cos µ + q = 0 express~ao que, multiplicada por 4=k3 em ambos os lados, passa a ser 4p 4q 3 4 cos µ + 2 cos µ + 3 = 0 k k Comparando esta u¶ltima equa»c~ao com a identidade trigonom¶etrica 4 cos3 µ ¡ 3 cos µ ¡ cos 3µ = 0 Viµete ent~ao observa que x = k cos µ ser¶a solu»c~ao da c¶ubica dada desde que se tenha 4p 4q = ¡3 e ¡ cos 3µ = 3 2 k k ou, equivalentemente, 4p 4q 2 k =¡ e cos 3µ = ¡ 3 3 k Estas duas u¶ltimas equa»c~oes (em k e µ) ter~ao solu»c~ao se, e somente se, tivermos ¯ 4q ¯ ¯ ¯ p < 0 e ¯ 3¯ · 1 k 23 ou, equivalentemente 16q 2 ·1 p<0 e 6 k Como k2 = ¡ 4p , esta u¶ltima condi»c~ao equivale a 3 q2 p3 D= + ·0 4 27 (note que, sendo q 6 = 0, ent~ao D · 0 ) p < 0) Sendo ent~ao D · 0, o m¶etodo de Viµete nos d¶a tr^es solu»c~oes reais da c¶ubica: q ¡ 4p e ent~ao Primeiramente calculamos k = 3 procuramos os tr^es valores de µ, compreendidos en. Sendo ^eles tre 0 e 360± satisfazendo cos 3µ = ¡ 4q k3 µ1; µ2 e µ3, teremos as tr^es solu»c~oes da c¶ubicas dadas por x1 = k cos µ1; x2 = k cos µ2; x3 = k cos µ3 No c¶alculo dos tr^es valores de µ, podemos tomar ¶ µ 1 4q µ1 = arc cos ¡ 3 3 k e ent~ao µ2 = µ1 + 120± e µ3 = µ1 + 240± 24 LUDOVICO FERRARI ~ E AS EQUAC » OES DO 4o GRAU. A equa»c~ao qu¶artica geral tem a forma x4 + ax3 + bx2 + cx + d = 0 Ludovico Ferrari, disc¶³pulo de Cardano, criou o seguinte m¶etodo para resolver a qu¶artica geral. Primeiramente, escrevemos x4 + ax3 = ¡bx2 ¡ cx ¡ d: Em seguida, completamos o quadrado do primeiro membro: µ ¶2 1 1 x2 + ax = x4 + ax3 + a2x2: 2 4 Teremos ent~ao a equa»c~ao equivalente µa qu¶artica dada: µ ¶2 1 1 2 2 2 2 x + ax = ¡bx ¡ cx ¡ d + a x 2 4 ¶ µ 1 2 = ¡b + a x2 ¡ cx ¡ d 4 Na tentativa de obter quadrados perfeitos em ambos os membros, somamos um par^ametro t µa express~ao dentro dos par^enteses do primeiro membro: 25 ¶2 µ 1 x2 + ax + t 2 µ µ ¶2 ¶ 1 1 = x2 + ax + 2 x2 + ax t + t2 2 ¶ 2 ¶ µ µ 1 2 1 = ¡b + a x2 ¡ cx ¡ d + 2 x2 + ax t + t2 4 2 µ ¶ 1 = ¡b + a2 + 2t x2 + (¡c + at)x + (¡d + t2 ) 4 A express~ao ¯nal, do segundo membro, ser¶a § um quadrado perfeito desde que tenhamos seu discriminante ¢ igual a zero. Esta condi»c~ao (¢ = 0) nos leva a uma equa»c~ao do 3± grau em t. Uma solu»c~ao real t0, dessa equa»c~ao, nos levar¶a a uma igualdade de quadrados de polin^omios do segundo grau, como uma equa»c~ao equivalente µa qu¶artica original dada. Para ilustrar o m¶etodo, tomaremos o seguinte exemplo. 26 A qu¶artica dada ¶e x4 + 2x3 ¡ 13x2 + 2x + 1 = 0 Usando o truque de Ferrari, podemos mostrar que ela ¶e equivalente µa equa»c~ao ¡ 2 ¢2 x + x + 1 = 16x2 ou seja, x2 + x + 1 = § 4x Cada uma das duas equa»c~oes do segundo grau nos prov^e duas ra¶³zes. As quatro ra¶³zes ser~ao ent~ao p p (3 § 5)=2 e (¡5 § 21)=2 ~ ¶ EQUAC » OES DO 4o GRAU E ALEM. ALGUMAS POUCAS PALAVRAS. A f¶ormula de Ludovico Ferrari, publicada por Cardano em Ars Magna, exprime algebricamente as solu»c~oes da equa»c~ao qu¶artica x4 + ax3 + bx2 + cx + d = 0 em termos dos coe¯cientes a; b; c e d, utilizando somente as quatro opera»c~oes aritm¶eticas elementares e extra»c~ao de ra¶³zes. Uma solu»c~ao desse tipo ¶e chamada solu»c~ao por radicais. Nos 250 anos que se seguiram, todos os esfor»cos para resolver a equa»c~ao geral de 5o grau falharam. 27 Em 1786, E.S. Bring mostrou que a equa»c~ao geral do 5o grau pode ser reduzida, por transforma»c~oes alg¶ebricas, µa equa»c~ao x5 ¡ x ¡ A = 0. Embora uma tal redu»c~ao parecesse um grande passo em dire»c~ao µa solu»c~ao geral da equa»c~ao qu¶³ntica por radicais, Paolo Ru±ni mostrou, em 1799, que uma solu»c~ao geral da equa»c~ao qu¶³ntica por radicais era imposs¶³vel. A demonstra»c~ao desse fato, feita por Ru±ni, foi considerada insatisfat¶oria µa ¶epoca. Entretanto, em 1826, Niels Abel publicou uma prova satisfat¶oria desse fato, fato repetido com a teoria mais geral ulteriormente desenvolvida por Evariste Galois, em 1831. ¶ O Teorema Fundamental da Algebra Os n¶umeros complexos foram criados para suprir solu»c~oes de equa»c~oes polinomiais. Mas h¶a alguma equa»c~ao polinomial de coe¯cientes reais ou complexos que n~ao possui nenhuma solu»c~ao complexa? A resposta ¶ nos ¶e dada pelo Teorema Fundamental da Algebra: Toda equa»c~ao polinomial de grau ¸ 1, com coe¯cientes reais ou complexos, possui uma solu»c~ao complexa. Esse teorema foi enunciado, sem demonstra»c~ao, por Albert Girard em 1629. Os matem¶aticos Jean D'Alembert, em 1746, e Carl Friedrich Gauss, em 1799, publicaram demonstra»c~oes desse teorema. 28 1. Anglin, W.S. Mathematics: A Concise History and Philosophy Springer, New York, 1994. 2. Boyer, C.B. Hist¶oria da Matem¶atica Editora Edgard BlÄucher, S~ao Paulo, 1968. 3. Bunt, L.N.H. et alii The Historical Roots of Elementary Mathematics Dover, New York, 1988. 4. Kleiner, I. Thinking the Unthinkable: The Story of Complex Numbers (with a Moral) Mathematics Teacher 81, Oct., 1988, 583-592. 5. Smith, D.E. History of Mathematics, vol. II Dover, New York, 1953. 6. Stillwell, J. Mathematics and Its History Springer-Verlag, New York, 1989. 7. van der Waerden, B.L. Geometry and Algebra in Ancient Civilizations Springer-Verlag, New York, 1983 8. van der Waerden, B.L. A History of Algebra Springer-Verlag, New York, 1985