TUTELA ANTECIPADA NO PROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:
ACERTOS E DESACERTOS
MIRNA CIANCI*
Chave: Projeto do Código de Processo Civil. Tutela Antecipada. Satisfativa e Cautelar.
Evidência e Urgência. Principais Inovações. Acertos e Desacertos.
Para quem se aventure com prazer no direito processual
civil, não existe melhor passeio do que viajar nas obras do eterno Professor Ovídio
Baptista da Silva, que deixou um valoroso legado. Essa medida torna honroso participar
de coletânea em sua homenagem, ainda mais em tema que foi por ele tratado de maneira
definitiva e, mais que isso, visionária.
O capítulo que trata da tutela antecipada no Projeto do
Código de Processo Civil revela-se como um dos mais profundamente modificados em
sua estrutura, com importantes alterações, várias delas oportunas e adequadas, e outras,
todavia, a merecer sérias reflexões, para que não venham a tomar teleologia inadequada.
Considerações Gerais
O artigo 295 do Projeto indica que “a tutela antecipada
pode: I. ser satisfativa ou cautelar”. Portanto, a partir desse texto, a tutela antecipada
passou a gênero, do qual as tutelas satisfativa e cautelares são espécie.
Da forma como colocado, fica claro que o texto processual
teve em vista situar a tutela cautelar em contraponto com a satisfativa, dando por certo
que aquela não tem por escopo esgotar por completo a jurisdição, mas apenas assegurar
o resultado útil do processo. Isso porque, como bem ressalta a doutrina 1, na tutela
cautelar o objeto da cognição não coincide com o do processo de conhecimento, mas
abrange apenas elementos conexos entre ambas as tutelas, limitando a atividade judicial.
A provisoriedade própria das liminares concedidas em
processos cognitivos viabilizam o que a doutrina denomina entrega provisória e
antecipada do pedido e já são decisão satisfativa de direito, embora precária 2, o que não
ocorre com as cautelares, que têm por objeto apenas assegurar esse mesmo resultado e
sua execução.
*Procuradora do Estado em São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP. Coordenadora e
Professora da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado São Paulo. Membro do IBDP.
1
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Perfil Dogmático da Tutela de Urgência, Academia Brasileira de
Direito Processual Civil.www.abdpc.org.br> Acesso em 8.3.2013.
2
Humberto Theodoro Junior, Processo Cautelar, BH:EUD, pg. 67
São, portanto, características do processo cautelar a
provisoriedade e a revogabilidade, posto que vigente enquanto sobreviva o risco que se
coloca ao direito sob tutela; entregue este, desaparece sua função à frente da
definitividade da tutela satisfativa, revelando-se, nesse sentido, uma relação de
dependência e acessoriedade, ainda que preservada sua autonomia.
Exatamente por estar despido de satisfatividade que, ao
invés de compor a lide, como sói ocorrer nos processos de execução e cognição, o
processo cautelar objetiva tutelar o processo. A antecipação da execução satisfaz a
pretensão, diversamente da simples segurança buscada na cautela 3
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda
que de modo inadequado e sob a égide do atual CPC, considerou possível o manejo da
cautelar satisfativa (e utiliza esse termo frequentemente), ora exigindo a expressa
previsão legal, por tratar-se de excepcionalidade; ora admitindo a medida dessa natureza
desde que reversível, mas sempre afastando a necessidade da propositura da ação
principal, dado esse caráter, tendo, por exemplo, decidido expressamente que “(..)esta
Corte considera que "a natureza satisfativa da medida cautelar torna desnecessária a
postulação de pedido em caráter principal". 4
Assim procedendo, na verdade, está a considerar como
cautelar ação que não tem essa categoria, posto que refoge de modo completo à sua
teleologia, ou seja, embora denominadas cautelares tais ações e no diploma anterior
algumas delas tenham sido inclusive topologicamente plantadas no capítulo destinado
às cautelares, são de natureza diversa, verdadeiro processo cognitivo, a ponto de delas
ser dispensada a providência de indicação da lide e seu fundamento e da propositura da
ação principal, o que apenas se justifica diante da inexistência, àquele tempo, da tutela
antecipada que veio a ser consagrada em reforma processual posterior.
A tutela antecipada pode ser concedida nos procedimentos
especiais, independente dos requisitos específicos e desde que presentes os indicativos
dos artigos 295 e seguintes deste Capítulo do Projeto. 5
Vigora também de modo diferenciado o princípio da
adstrição (que restringe a decisão aos limites da causa de pedir e do pedido) nos casos
de tutela antecipada satisfativa e de tutela antecipada cautelar. No primeiro caso (tutela
antecipada), encontra-se o juiz absolutamente vinculado, não podendo, de modo algum,
antecipar mais ou diferente do que está descrito na inicial; no segundo (cautelar), por se
tratar de cautela, que pode inclusive ser concedida ex officio, pode o juiz tomar todas as
medidas que julgar necessárias a evitar o perecimento do direito. 6
3
Pontes de Miranda, CPC Comentado, RJ:Forense, 1975, p. 3669
AgRg no AREsp 112.823/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/09/2012, DJe 14/09/2012
5
Nesse sentido José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas
Sumárias e de Urgência. São Paulo:Malheiros, 4ª Ed. 2006, p. 333
6
José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de
Urgência. São Paulo:Malheiros, 4ª Ed. 2006, p. 386
4
Nesse tema, evoluiu de modo favorável o novo texto,
dando tratamento adequado aos institutos da tutela satisfativa e cautelar, de acordo com
o conceito legal.
Fungibilidade da tutela antecipada – satisfativa e cautelar
Consagrando esse novo tratamento classificativo, o artigo
307, parágrafo único do Projeto previu regra de fungibilidade procedimental genérica,
de sorte que, requerida como medida cautelar, mas tendo caráter satisfativo, o rito deixa
de atender a esse dispositivo, para automaticamente submeter-se àquele previsto para as
tutelas satisfativas.
A regra inversa tem aqui plena aplicabilidade, ou seja,
requerida como tutela satisfativa a cautelar, aquela será recebida como esta, sujeitandose ao rito apropriado e previsto nos artigos 307 e seguintes do Projeto, uma vez que não
mais pairam os problemas de inadaptabilidade de procedimento, ausente no Projeto o
óbice constituído com a contemplação de medidas típicas, que têm requisitos
específicos, além de prever o referido dispositivo o câmbio de procedimentos nesse
caso.
O novo texto não deixa clara essa opção, dando margem à
renovação do debate doutrinário e jurisprudencial, mas, tendo em conta o teor dessas
discussões que foram travadas sob a égide do ordenamento atual, resulta conhecido o
desfecho no sentido de se admitir a denominada fungibilidade de mão dupla.
Também não mais vigora a respeito a vedação de
fungibilidade pela aferição da intensidade do direito reclamado, antes considerado de
menor grau o exigido para as tutelas cautelares e de maior semelhança (a denominada
verossimilhança) para as tutelas agora denominadas satisfativas, uma vez que o artigo
301 do Projeto generalizou tais requisitos para ambas as situações, dispondo que, nas
duas hipóteses, será aferida a probabilidade do direito e o perigo na demora, sendo
mais correto mencionar que, nos casos de tutela cautelar, essa probabilidade será aferida
em relação ao risco do direito e não a este em si.
A toda evidência que a aplicação do dispositivo não carece
da avaliação dos requisitos apropriados a cada medida, para ser reconhecida a
fungibilidade e deferida a antecipação.
Tutela Antecipada de Urgência – Requisitos
A tutela antecipada de urgência, nos termos do artigo 301
do Projeto, será concedida quando presentes a probabilidade do direito e o perigo na
demora da prestação jurisdicional.
Com essa nova formulação, o Projeto uniformizou os
requisitos de admissibilidade da antecipação das tutelas de urgência, tornando inócua a
discussão acerca do maior ou menor grau de intensidade do direito, quando diante de
tutela satisfativa ou cautelar.
Isso porque, no dicionário, verossímil será tudo o que tem
aparência de verdade e provável, aquilo que tem aspecto de verdade 7, o que coloca as
expressões como praticamente sinônimas, como sempre foram.
Não significa dizer, portanto, que tenha sido reduzida essa
mesma aferição, ao trocar o vocábulo verossimilhança por probabilidade, mas apenas
que, como sempre, a prova pré-constituída oferecida ao juízo deverá ser convincente o
suficiente do direito e da situação de risco, para ordenar a sua imediata execução, em
desfavor da situação contrária.
O Projeto ainda contempla a reversibilidade como
requisito da tutela antecipada, de todo modo, consoante vasta jurisprudência do STJ,
esse mesmo dispositivo do atual CPC vem sendo constantemente mitigado em favor do
cotejo de valores em questão, ou seja, presente irreversibilidade para ambas as partes,
deverá ser aferida a de maior impacto.
O Projeto poderia, para evitar a renovação do debate, ter
disciplinado a conduta no caso de confronto de irreversibilidades, contemplando
exceção à regra da impossibilidade de concessão nesses casos..
Ainda, o Projeto sujeitou a tutela antecipada às normas
referentes ao cumprimento de sentença (art, 298, único), de sorte que poderá ser exigida
caução real ou fidejussória, bem como qualquer outro tipo de contracautela, já que o
artigo 298, caput, do Projeto, admite a adoção de todas as medidas que o juiz considerar
adequadas, a título de contracautela, tendo decidido o STJ, ainda no sistema anterior,
que “(..)a revogação do art. 588 do CPC, pela Lei nº 11.232/2005, não leva à perda de
eficácia da remissão feita a ele pelo art. 273, §3º do CPC. A revogação desse dispositivo
foi meramente formal, já que a regra nele contida, do ponto de vista substancial,
continua presente no art. 475-O do Código, com redação quase idêntica. Assim, a
interpretação teleológica do CPC recomenda que remissão feita a um dispositivo, seja
lida como se indicasse o outro. Não há incompatibilidade entre o procedimento da
antecipação de efeitos da tutela, e a exigência de caução. Apesar de o art. 475-O
mencionar, apenas, a execução provisória do julgado, sua proteção deve ser estendida,
'no que couber', aos provimentos antecipatórios.” 8
Há ainda a exigência expressa de fundamentação da
decisão acerca da tutela antecipada, que, a rigor, nem seria necessária, ante o disposto
no artigo 93,X da Constituição Federal. Ocorre que o artigo 299 do Projeto manteve, ao
especificar a necessidade de justificação, de modo claro e preciso, das razões do
convencimento judicial, impedindo que sejam proferidas decisões, como
costumeiramente se verifica, onde há apenas superficial alusão à presença dos requisitos
legais, sem o indispensável confronto entre estes e a realidade fática trazida com a
inicial, a ponto de o relato do autor, acompanhado das razões judiciais, coincidir com as
condições exigidas pela norma.
7
http://www.priberam.pt> Acesso em 5.3.2013.
REsp 952.646/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/11/2008,
DJe 04/08/2009
8
Assim se verifica no atual ordenamento, sem que, contudo,
tenha sido modificada a conduta judicial, no sentido de evitar decisões genéricas e
comprometedoras da ampla defesa. De toda sorte, uma vez demonstrado que a
generalização coloca em risco essa garantia constitucional, cabível o inconformismo.
Concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública
A concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública
agora vem regrada também no texto do Projeto, artigo 1.069, segundo o qual aplica-se
à tutela antecipada (satisfativa ou cautelar) o disposto nos arts. 1o, 2º, 3o e 4o da Lei nº
8.437, de 30 de junho de 1992, bem como o disposto no § 2o do art. 7o da Lei nº
12.016, de 7 de agosto de 2009.
O Projeto revigora, portanto, a regra de vigência da Lei
8.437/1992, mantendo incabível a concessão de medida liminar toda vez que a mesma
providência não puder ser concedida em ações de mandado de segurança (art. 1º).
Mantém-se também a vedação de medida liminar satisfativa, assim considerada a que
esgote, total ou parcialmente, o objeto da ação (parágrafo 3º). O parágrafo 5º do mesmo
artigo prevê ainda que “não será cabível medida liminar que defira compensação de
créditos tributários ou previdenciários.”
Também não será competente o juízo de primeiro grau
para a concessão de medida liminar nos casos de competência originária de tribunal,
exceto nos casos de ação popular ou ação civil pública (parágrafos 1º e 2º do art. 1º).
Será cabível a medida liminar contra a Fazenda Pública no
mandado de segurança e na ação civil pública e nesses casos, será necessária a
intimação do representante judicial do órgão ou entidade, para manifestação no prazo de
72 horas (artigo 2º da Lei 8.437/1992).
Vigente a mesma sistemática do modelo atual, há que ser
considerada como atual a jurisprudência existente a respeito, no STJ, que admite a tutela
antecipada contra a Fazenda Pública em matéria previdenciária 9 em atendimento à
Súmula 729 do STF, segundo a qual “a decisão na ação direta de constitucionalidade 4
não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária”, reafirmando
que não cabe emprestar ao parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 8.437/992 exegese estranha a
esse sistema, que trata apenas de vencimentos e vantagens de servidores, conferindo-lhe
em decorrência, autonomia normativa a fazê-lo incidir sobre cautelar ou antecipação de
tutela de qualquer matéria.
A jurisprudência admite, portanto, a antecipação de tutela
em desfavor da Fazenda Pública, desde que a situação não esteja inserida nas hipóteses
do art. 1º da Lei n. 9.494/1997, que são as que versem sobre reclassificação,
equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens de servidores públicos 10.
9
AgRg no REsp 1317522/RS, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA
TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 23/11/2012
10
AgRg no Ag 481.205/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado
em 11/04/2006, DJ 26/06/2006, p. 224
Apesar do novo sistema de eficácia, foi expressamente
mantido o disposto no art. 3º da Lei 8.437/1992, ao dispor que “O recurso voluntário ou
ex officio, interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa
jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de
vencimentos ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo”, revelando exceção
legal.
O tema – suspensão de segurança -,merece digressão
apenas no que se refere aos dispositivos que tratam da antecipação de tutela, por sua
vinculação ao tema sob estudo. Foi reafirmada a possibilidade da suspensão de
segurança prevista no artigo 4º, a propósito de “(..) execução da liminar nas ações
movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público
ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse
público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas.”, aplicável à sentença proferida em processo de ação
cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não
transitada em julgado. 11
Nesses casos, poderá ser ouvido o Autor e o Ministério
Público, em setenta e duas horas e, do despacho que conceder ou negar a suspensão
caberá agravo, no prazo de cinco dias, ainda que esse recurso não mais esteja
contemplado na atual sistemática processual, que somente o contempla sob a forma de
instrumento.
Mantida ou restabelecida a decisão que se pretende
suspender, será cabível novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente
para conhecimento do recurso especial ou extraordinário.
A interposição do agravo de instrumento contra liminar
concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem
condiciona o julgamento do pedido de suspensão.
O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito
suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e
a urgência na concessão da medida. As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser
suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos
da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido
original e a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em
julgado da decisão de mérito na ação principal.
Finalmente, embora a antecipação de tutela conceda ao
requerente, desde logo, o direito almejado, com seu caráter de provisoriedade, não está a
decisão sujeita a reexame necessário, pois, “(..)não há falar-se em necessidade da
remessa ex officio da decisão que antecipou a tutela jurisdicional, visto que aplicável
somente às sentenças terminativas, com apreciação do mérito, proferidas em desfavor
da Fazenda Pública.” 12
11
RMS .190/SP, Rel. Ministro ARMANDO ROLEMBERG, PRIMEIRA TURMA, julgado em
04/06/1990, DJ 20/08/1990, p. 7956
12
AgRg no Ag 481.205/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado
em 11/04/2006, DJ 26/06/2006, p. 224
Concessão de tutela antecipada cautelar de oficio e casos excepcionais ou previstos
em lei
Mantendo o sistema atual, o Projeto prevê, apenas para as
tutelas antecipadas cautelares a possibilidade de concessão ex officio e somente em
casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, fundado no poder geral de
cautela do juiz (artigo 302), devendo, nos casos de tutela satisfativa, haver requerimento
expresso (artigo 301), certo que a doutrina já anuía com essa condição, porque a tutela
antecipada não se destina a dar apoio ao processo e ao exercício da jurisdição, mas
apenas em favor de uma das partes 13
Tem entendido a doutrina que o preceito não entra em rota
de colisão com a indisponibilidade do direito, posto que a cautelar, agora ainda mais,
tem lugar apenas para a cobertura dos riscos do processo, revelando-se interesse de
ordem pública e sendo dessa natureza todos aqueles que convergem para o processo
civil 14, como ocorre, por exemplo, nos casos do artigo 315 do Projeto, onde será
facultado ao juiz ordenar atos urgentes durante o período de suspensão do processo.
A jurisprudência do STJ tem considerado que o poder
geral de cautela atende ao escopo da jurisdição, sendo necessário e inerente à atividade
jurisdicional 15 e, portanto, resguardam o interesse público, daí poderem ser
determinadas de ofício, sempre que presentes os pressupostos legais.
Bom destacar que, agora com maior ênfase, face ao
disposto no artigo 299 do Projeto, deverá o juiz fundamentar de modo adequado a
decisão, explicitando os aspectos para os quais considera tenha concorrido essa
antecipação, em especial a excepcionalidade, quando tratar-se de situação não
contemplada expressamente por lei.
Cabe aqui levar em conta a discricionariedade como
atributo da conduta judicial na concessão de liminares antecipatórias. Há grande debate
sobre o tema na doutrina 16, sendo claro buscar fundamentos na teoria do direito
administrativo, onde se considera cabível a atuação na liberdade de escolha entre as
diversas opções legislativas, mediante apreciação subjetiva, mas de modo fundamentado
quanto ao exercício dessa opção, demonstrando os motivos de sua superioridade em
relação às demais. 17
Na jurisprudência tem sido admitida a discricionariedade
no exercício do poder geral de cautela, conectando essa atividade à de aferição dos
13
Candido Rangel Dinamarco, Nova era no processo civil, São Paulo:Malheiros Editores, 2ª Ed., 2007,
ps. 88-9
14
Eduardo Melo Mesquita, As Tutelas Cautelar e Antecipada, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002, p.
222
15
REsp 1241509/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
09/08/2011, DJe 01/02/2012
16
Teresa Arruda Alvim Wambier, Da Liberdade do Juiz na concessão de liminares e a tutela
antecipatória. Aspectos polêmicos da antecipação de Tutela. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1997,
passim
17
José Manuel de Arruda Alvim, A argüição de relevância no recurso extraordinário, São Paulo:Revista
dos Tribunais, 1988, p.16
requisitos legais necessários, tendo decidido o STJ que “(..)o poder cautelar do juiz,
conquanto não arbitrário, encerra significativo grau de discricionariedade, que se
materializa na verificação do atendimento aos requisitos do "fumus boni iuris" e do
"periculum in mora"..". 18
Quanto ao tema do cumprimento das obrigações da fazer
oportuno mencionar que o artigo 550 do Projeto, segundo o qual, “para cumprimento da
sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção
de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à
satisfação do exeqüente” e o artigo 551 admite que “a multa periódica independe de
pedido da parte e poderá ser concedida na fase de conhecimento, em tutela antecipada
ou sentença, ou na execução em, desde que seja suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo razoável para o cumprimento do preceito”.
O cumprimento da obrigação de pagar também no Projeto
não comporta tutela antecipada, não só por falta de previsão legal, como porque tem
regramento próprio, diverso daquele destinado às obrigações de fazer, não fazer e dar,
tendo decidido o STJ que “(..)o pronto pagamento da indenização pretendida pelos
recorrentes não pode ser efetuado pela Administração, pois há um procedimento
constitucional para o adimplemento das obrigações de pagar decorrentes de sentença
judicial (artigo 100 da CF).” 19
Eficácia (pendência e suspensão do processo)
A tutela antecipada – satisfativa ou cautelar – conserva sua
eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou
modificada, em decisão fundamentada, dispõe o artigo 297 do Projeto e, nos termos do
parágrafo único do mesmo dispositivo, conservará a eficácia durante o período de
suspensão do processo.
Com isso, a interposição de recurso recebido em qualquer
efeito, não terá o condão de retirar a eficácia natural da tutela antecipada, satisfativa ou
cautelar 20, dependendo de revogação expressa. 21
A doutrina ainda reforça o argumento, sob a
inconveniência de conferir instabilidade a essa antecipação, uma vez concedida 22, tendo
em conta que eventual resultado do recurso implicará, de modo automático, nessa
reversão.
18
RMS 4.035/DF, rel. Ministro Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, julgado em 19/09/1994, DJ
10/10/1994, p. 27104
19
REsp 1126912/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2011,
DJe 30/06/2011
20
REsp 768.363/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado
em 14/02/2008, DJe 05/03/2008
21
Nesse sentido, João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, SP:Revista dos
Tribunais, 2007, p. 95
22
Cf Araken de Assis, Antecipação de Tutela, Wambier, Teresa Arruda Alvim (coord), Aspectos
Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo:Revista dos Tribunais, 1997, p. 31
Ocorre que esse raciocínio aplica-se apenas quando
procedente a demanda, tendo o STJ decidido que “(..) a improcedência da demanda
implica a revogação da medida antecipatória com eficácia imediata e ex tunc. Já vinha
sendo aplicada no processo de conhecimento, por analogia, o enunciado da Súmula
405/STF, de seguinte teor: "denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no
julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo
os efeitos da decisão contrária" 23 e perdeu o legislador a oportunidade de regulamentar
essa condição.
Essa exegese revela-se correta, na medida em que a
improcedência do pedido, uma vez reconhecida, retira importante fundamento da
medida antes concedida, qual seja, o da probabilidade do direito, sem o qual, não pode
prevalecer.
Pode ainda ser concedida a tutela de urgência em grau de
recurso, sob os mesmos fundamentos da antecipação de tutela inicial ou durante o curso
do processo, conforme previsto no artigo 300, parágrafo único do Projeto, sendo nesse
caso competente o órgão designado para julgar o mérito recursal, sendo incumbência do
relator, nos termos do artigo 945,II do mesmo Projeto, apreciar o pedido de tutela
antecipada nos recursos, e, nos termos do artigo 1.032, em cinco dias, (inciso I) poderá
atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou
parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.
Sendo certo que o artigo 1048 do Projeto prevê que “os
recursos, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso, não impedem a
eficácia da decisão” e o parágrafo único dispõe que “A eficácia da decisão recorrida
poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos
houver risco de dano gravo, de difícil ou impossível reparação e ficar demonstrada a
probabilidade de provimento do recurso.” inexiste no sistema projetado qualquer
diferenciação, sendo aplicável esse método a todo e qualquer recurso, o que retira de
foco a possibilidade de interposição do mandado de segurança para essa mesma
finalidade, pois esse remédio somente era prescrito para as hipóteses de omissão
legislativa.
Também a medida cautelar, frequentemente utilizada para
conferir efeito suspensivo a recursos, com a redação dada ao artigo 300, parágrafo único
do Projeto, perde a utilidade, pois, de acordo com esse dispositivo, poderá ser requerida
tutela antecipada de modo autônomo, desde que dirigida ao órgão competente para o
exame do mérito recursal, revelando-se despicienda a providência pela via cautelar,
frequentemente utilizada quando ainda não esgotada a admissibilidade do recurso 24
Medidas de efetivação e procedimento. Responsabilidade civil.
23
MS 11.812/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2006, DJ
27/11/2006, p. 222
24
AgRg na MC 19.514/PA, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA,
julgado em 16/08/2012, DJe 21/08/2012
O artigo 298, parágrafo único do Projeto, a exemplo do
texto atual, manteve o termo efetivação e não execução, da tutela antecipada, ao
relacionar a sua consecução às regras do cumprimento provisório de sentença.
A doutrina consagra essa técnica, por considerar que
execução é providência ligada à execução forçada das obrigações de pagar e efetivação
compreende as formas de execução indireta e imprópria, mediante executoriedade
imediata ou expedição de ordem 25, sendo que, a utilização desse termo traduz a
inexigibilidade de título executivo líquido e certo, sendo portanto inaplicável o principio
nulla executio sine titulo e o procedimento previsto para a defesa do executado, exceto
na via recursal.
A técnica de antecipação de tutela condenatória, nada mais
representa do que a antecipação dessa própria execução, mas sob a forma
procedimental de efetivação, como vem acentuando a doutrina 26. Na sede declaratória e
constitutiva, ainda paira resistência doutrinária 27, sendo certo que tem sido admitida,
ainda nesses casos, a cura dos efeitos marginais do processo, que para alguns tem sido
considerada antecipação dos efeitos da tutela satisfativa e, mais correto, apenas a
garantia do resultado útil do processo, portanto, com natureza cautelar.
Releva notar ainda a respeito que o artigo 9º do Projeto
dispõe que “não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta
seja previamente ouvida, salvo nos casos de tutela antecipada de evidência previstos no
parágrafo único do art. 306 e nos de tutela antecipada de urgência.”, restando claro que
o atual sistema consagra, em sede de tutela antecipada satisfativa ou cautelar, o
contraditório diferido.
Andou mal o Projeto ao manter esse sistema, pois a
concessão de tutela antecipada inaudita altera pars somente se justifica nos casos em
que, ouvida a parte contrária, esta puder frustrar a efetivação da medida; nos demais
casos, salutar a oitiva da parte contrária, ainda que mediante curtíssimo prazo para
manifestação, pois pode trazer subsídios importantes à melhor análise da antecipatória,
que pode ser grave para o desfavorecido e representar comprometimento da garantia
constitucional da ampla defesa, já que o contraditório exercido a posteriori nem sempre
se revela suficiente e adequado.
O artigo 298 do Projeto prevê que o juiz poderá
determinar as medidas que julgar adequadas para a efetivação da tutela antecipada. Esse
dispositivo acompanha a atual sistemática processual, antes inaugurada na sede das
obrigações de dar, fazer e não fazer, estas também objeto da tutela antecipada, que
confere ao juiz poderes para atuar a decisão, sendo de há muito aplicadas ao antigo
artigo 273 do CPC em vigor, que cuida da antecipação de tutela, as disposições do
artigo 461 do CPC, por serem consideradas figuras do mesmo microssistema de tutelas,
25
Athos Gusmão Carneiro, Da Antecipação de Tutela, Rio de Janeiro:Forense, 6ª Ed., 2005, p. 7
Luiz Guilherme Marinoni, A Antecipação da Tutela, São Paulo:Revista dos Tribunais, 5ª edição, p. 37
27
João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, SP:Revista dos Tribunais,
2007.,p.56 e ss; Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Perfil Dogmático da Tutela de Urgência, Academia
Brasileira de Direito Processual Civil.www.abdpc.org.br> Acesso em 8.3.2013.
26
e sendo cambiáveis tais moldes, como no caso de imposição das astreintes, aplicando-se
integralmente, portanto, o regime dos artigos 830 a 839 do Projeto. 28
Também convém registrar que fica vedado ao
jurisdicionado criar embaraços à efetivação da tutela antecipada (art. 77, inciso IV do
Projeto), configurando ato atentatório ao exercício da jurisdição (parágrafo 1º), devendo
o juiz aplicar ao responsável multa fixada de acordo com a gravidade da conduta e não
superior a vinte por cento do valor da causa, sem prejuízo das sanções criminais, civis e
processuais cabíveis (parágrafo 2º), sendo essa penalidade diversa da conseqüência
indenizatória e, portanto, cumuláveis.
No caso da tutela antecipada satisfativa, a efetivação
seguirá o rito previsto para o cumprimento provisório de sentença, onde, da mesma
forma, está prevista a reparação dos danos causados pela execução antecipada, nos
mesmos autos (artigo 534, incisos I a IV do Projeto), sujeito à iniciativa da parte, além
da exigência de caução em casos específicos, carregados dos efeitos da
irreversibilidade. Aplica-se ainda à exigência de caução as hipóteses de dispensa
previstas no artigo 535, incisos I a III e parágrafos 1º e 2º, certo que a doutrina já vinha
defendendo, na vigência do sistema atual, que a reparação do dano (via caução ou
qualquer espécie de contracautela) viria a preencher o requisito da reversibilidade. 29
Bom destacar que, embora o artigo 298 do Projeto remeta,
no que couber, às regras do cumprimento provisório de sentença, no que se refere à
exigência de caução não está sujeita às limitações do artigo 534,IV do Projeto (que
exige caução apenas para: (i) o levantamento de depósito em dinheiro, (ii) a prática de
atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro
direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado), porque há disposição
especifica no artigo 301, parágrafo 1º do Projeto, segundo o qual “para concessão da
tutela de urgência, o juiz poderá, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória
idônea para ressarcir os danos que o réu possa vir a sofrer, ressalvada a impossibilidade
da parte economicamente hipossuficiente”, deixando claro que, em qualquer situação
antecipatória (e não apenas naquelas do artigo 534,IV do Projeto), será cabível a
exigência, visando prevenir a reparação do dano.
De todo modo, o parágrafo 3º do art. 301 do Projeto prevê
expressamente que a tutela antecipada não será concedida se houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão, ao menos em regra 30, ou seja, quando suas
consequências forem irreversíveis 31, apenas mencionando, agora com maior correção,
alusão a efeitos e não à tutela, como aliás já vinha alertando a jurisprudência, ao
mencionar que “(..) o Código de Processo Civil alude à irreversibilidade, ele se refere
aos efeitos da tutela antecipada, não ao provimento final em si, pois o objeto de
antecipação não é o próprio provimento jurisdicional, mas os efeitos desse provimento”.
28
Candido Rangel Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, 5ª Ed. São Paulo:Malheiros,
1997, p. 140
29
José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de
Urgência. São Paulo:Malheiros, 4ª Ed. 2006, p. 353
30
AgRg no AREsp 150.954/GO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 20/09/2012, DJe 28/09/2012
31
Athos Gusmão Carneiro, Da Antecipação de Tutela.Rio de Janeiro:Forense 2004, 5ª Ed,. P.19
E, estando presente essa condição desde o direito anterior,
receberá da jurisprudência a mesma interpretação, ou seja, de que, havendo confronto
de irreversibilidades, prevalece a de maior importância, ou “quando o mal irreversível
for maior” 32, ou ainda, que “o perigo da irreversibilidade, como circunstância
impeditiva da antecipação dos efeitos da tutela, deve ser entendido cum grano salis,
pois, não sendo assim, enquanto não ultrapassado o prazo legal para o exercício da ação
rescisória, não poderia nenhuma sentença ser executada de forma definitiva, dada a
impossibilidade de sua desconstituição 33, aplicando-se, na letra da doutrina, o princípio
da proporcionalidade 34.
Essa condição não tem aplicabilidade no campo da tutela
de evidência, não apenas porque topologicamente inserido no capítulo das tutelas de
urgência, como porque de natureza diversa, já que a exacerbação do grau de
probabilidade diminui ou praticamente anula a possibilidade de irreversibilidade,
porque, como considera a jurisprudência, “é sob a ótica de probabilidade de êxito do
autor quanto ao provimento jurisdicional definitivo que o julgador deve conceder ou
não a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional” 35
A efetivação da tutela antecipada
correrá por
responsabilidade do exeqüente, com caráter objetivo 36 (Art. 304, parágrafo 2º, do
Projeto), tendo em vista o efeito ex tunc da revogação da liminar, conforme
jurisprudência que também admite a modulação desse efeito, para adaptação à realidade
fática instaurada, ou ainda, deixa de aplicar o mesmo princípio, quando envolvidos
direitos fundamentais, como o direito à saúde, à vida, etc 37
A jurisprudência tem admitido também nesses casos de
antecipação de tutela satisfativa, como objetiva a responsabilidade do exeqüente, pelo
simples fato da sucumbência e sem indagação de culpa, tendo o STJ decidido que “(..) a
obrigação de indenizar o dano causado ao adversário, pela execução de tutela
antecipada posteriormente revogada, é consequência natural da improcedência do
pedido, decorrência ex lege da sentença e da inexistência do direito anteriormente
acautelado” 38, mas não foram estendidas às demais hipóteses, previstas na cautelar, para
o rol das situações sujeitas à indenizabilidade, sendo fato que caso será de reparação
apenas quando ao final negado o direito, pois não está prevista a cessação da eficácia da
medida em outras circunstâncias, como no caso de não efetivação da liminar ou da
citação.
32
REsp 801.600/CE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe
18/12/2009
33
REsp 737.047/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2006,
DJ 13/03/2006, p. 321
34
Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil, vol.II, 8ª Ed., vol.II, BA:Lúmen Juris,2013, p. 555
35
REsp 737.047/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2006,
DJ 13/03/2006, p. 321
36
Cf Fábio Luis Gomes, Responsabilidade Objetiva e Antecipação de Tutela, São Paulo:Editora Revista
dos Tribunais, pg 199
37
REsp 274.602/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe
29/10/2012
38
REsp 1191262/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
25/09/2012, DJe 16/10/2012
Merece relevo registrar que o artigo 298, parágrafo único
do Projeto ordena a integração das regras do cumprimento de sentença no que couber,
merecendo a necessária adaptação, como ocorre no direito atual.
A jurisprudência não admite ainda a utilização dessa via
pelo terceiro prejudicado pela efetivação da medida liminar, ou seja, não tem ele direito
de ingresso nos autos para liquidação de danos, sendo o direito, todavia, exercitável em
ação autônoma.
No caso da cautelar, aplica-se o disposto no artigo 304 do
Projeto, de acordo com o qual “o autor responde ao réu pelo prejuízo que lhe causar a
efetivação da tutela antecipada cautelar, se (I) a sentença lhe for desfavorável (definitiva
ou terminativa e em qualquer grau de jurisdição); (II) obtida liminarmente em caráter
antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido dentro de 5
dias; (III) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer dos casos legais; (IV) o
juiz acolher a alegação de decadência ou de prescrição, tudo sem prejuízo da apuração
de dano processual, de natureza diversa.
Ou seja, nos casos dos incisos I, e IV, corre a
responsabilidade pelo simples fato da sucumbência e, nos casos dos incisos II e III, pela
caducidade da medida ou cessação de sua eficácia (falta de propositura da ação
principal; falta de efetivação da liminar no prazo legal), sendo que nestas, tratando-se de
conduta omissiva (descumprimento do dever legal de agir), tem caráter de ilícito
(rectius culpa), que deve ser avaliada, conforme entendimento doutrinário 39, exceto no
caso do artigo 311,inciso III do Projeto, onde mais uma vez faz referência ao fato da
sucumbência, com ou sem resolução de mérito, sendo neste caso hipótese de
responsabilidade objetiva, ou seja, sem apuração de culpa.
E, havendo reconhecimento da prescrição ou da
decadência, por força do dispositivo legal, será devida a indenização ainda que, mesmo
podendo, não tenha o juiz decretado de oficio tais impeditivos.
Em se tratando de cautelar antecedente, há na doutrina
debate sobre a decisão na qual será aferida a sucumbência a que se refere, havendo
divergência doutrinária a respeito, mas sendo orientação jurisprudencial a aferição na
sentença da ação principal, certo que, não raro, têm sido emitidas as decisões da cautelar
e da ação principal em um único ato.
Assim, ocorrida qualquer dessas situações, cujo rol
apresenta-se taxativo, será apurada, pela via da liquidação e nos mesmos autos, o dano
causado pela antecipação da cautela, fixando-se o valor reparatório, sendo certo que fazse necessário o prévio título judicial, sendo por isso requisito o reconhecimento do
evento na sentença, caso contrário, apenas por ação autônoma será possível o debate
acerca do direito indenizatório. 40
39
Lucio Palma da Fonseca, Tutela Cautelar – Responsabilidade Civil pelo Manejo de Liminares,
RJ:Forense, 2004, pg. 82 e ss
40
A propósito, Lucio Palma da Fonseca, Responsabilidade Civil pelo Manejo de Liminares, RJ:Forense,
2004.,p. 103
Convém salientar, embora matéria atinente ao direito
material, mas intrinsecamente ligada a este terreno, que o atual Código Civil (art. 186)
prevê o ilícito de dano, de sorte que apenas nos casos de dano efetivo a ser apurado em
liquidação, poderá ser determinada a ressarcibilidade, sendo de todo inviável a
reparação nos casos de liquidação negativa.
Destaque-se que, nos moldes da jurisprudência, ainda
quando concedida ex officio, a tutela antecipada cautelar será objeto de responsabilidade
pelo beneficiário da medida e não pelo Estado-Juiz, uma vez que o Projeto, artigo 303,
contém disposição expressa a respeito, não fazendo distinção para os casos de
requerimento da parte ou concessão de ofício.
Recurso cabível
O Projeto prevê, no artigo 1.022, que não comportando
agravo de instrumento por indicação legal expressa, as questões deverão ser suscitadas
apenas no recurso de apelação.
Os artigos 299, parágrafo único e 1.028, inciso I do
Projeto, prevêem expressamente o cabimento do recurso de agravo de instrumento a
propósito da decisão que conceder, negar ou revogar a tutela antecipada, certamente por
estar intrínseco em tais atos a incompatibilidade com a espera do resultado do recurso
cabível para as decisões definitivas.
Caso concedida, revogada ou negada a medida liminar de
antecipação de tutela, de qualquer natureza, apenas na sentença, o ato será impugnável
no recurso de apelação, nos termos do artigo 1.025 do Projeto.
E, consoante o parágrafo 2º, inciso V, do mesmo artigo
1.025, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação, a sentença que
confirma, concede ou revoga a tutela antecipada 41
Rito e Estabilização da tutela antecipada satisfativa
O Projeto admite a concessão de tutela antecipada
satisfativa ou cautelar em caráter antecedente ou incidental (art. 295,II).
O rito a ser adotado, no primeiro caso, será o previsto no
artigo 304, caput, parágrafo 1º, incisos I e II e parágrafos 2º a 6º do Projeto .
De acordo com o artigo 304, caput do Projeto, poderá o
Autor da demanda requerer, em face da urgência, tão-somente a antecipação da tutela
satisfativa, indicando o pedido de tutela final e a exposição sumária da lide, além da
demonstração do perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional, bem como o
valor da causa (304,II,parágrafo 4º).
41
REsp 267.540/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado
em 21/11/2006, DJ 12/03/2007, p. 217
Concedida a tutela antecipada satisfativa, será aditada a
inicial, sem novas custas e nos mesmos autos (304,II, parágrafo 3º) com o acréscimo de
fatos e argumentos necessários, juntada de novos documentos e ratificação do pleito, no
prazo de 15 dias ou em outro prazo que o juiz considerar suficiente ao caso (304,I).
Negada a antecipação, será o Autor intimado a emendar a inicial em 5 dias, pena de
extinção sem resolução de mérito (304,II, parágrafo 6º do Projeto).
Bom anotar que o dispositivo indica o termo “novos
documentos” e não “documentos novos”, o que significa dizer que podem ser eles
existentes ao tempo do pleito inicial, embora não juntados desde logo.
Ainda a respeito, o juiz poderá conceder prazo superior ou
inferior ao de 15 dias, conforme entenda suficiente ao caso, sempre de modo
fundamentado.
A citação do réu será expedida imediatamente ao pedido
inicial, mas o prazo de defesa somente terá curso a partir da intimação do aditamento
(304, parágrafo 1º II, do Projeto) e também o do recurso a propósito da decisão
antecipatória, já que somente após o aditamento tem o réu pleno conhecimento da causa
e entendimento diverso levaria ao comprometimento do contraditório e da ampla defesa,
assegurados constitucionalmente.
Da lei consta “intimação”, de sorte que o ato segue as
regras dos artigos 274 e 275 do Projeto, segundo os quais, não havendo disposição em
contrário, serão feitas as intimações pelo correio ou pela via eletrônica e por Oficial de
Justiça, se frustradas as tentativas anteriores.
Não feito o aditamento a que se refere a lei, o processo
será extinto, sem resolução de mérito e, no caso da tutela antecipada satisfativa
antecedente, concedida torna-se estável, na ausência de recurso e o processo será
julgado extinto (art. 305 e parágrafo 1º do Projeto). A partir daí, qualquer das partes
poderá demandar a outra, com o intuito de discutir a tutela satisfativa estabilizada
(parágrafo 2º), podendo requerer o desarquivamento dos autos (parágrafo 4º) e esta
conservará seus efeitos, enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de
mérito proferida na ação de que trata o parágrafo 2º (parágrafo 3º).
O direito de desfazer a tutela antecipada previsto no
parágrafo 2º do artigo 305 extingue-se após dois anos contados da decisão que extinguiu
o processo, conforme disposto no parágrafo 1º, sendo decadencial a natureza desse
prazo 42.
Significa dizer que, concedida a tutela antecipada, e contra
ela não tendo sido tirado recurso, aperfeiçoa-se a tutela, que, ainda quando não aditada a
inicial e julgado extinto o processo, permanecendo em vigor e podendo ser debatida
pelas partes em ação própria, no prazo legal.
42
Cf Humberto Theodoro Junior, A Autonomização e a Estabilização da Tutela de Urgência no Projeto
do CPC, Revista de Processo 206, p. 13 e Talamini, Tutela de Urgência no Projeto de Novo Código de
Processo Civil: A estabilização da medida urgente e a “monitorização” do processo civil brasileiro.
Revista de Processo 209,p. 16 – jul/2012
Essa sistemática, a pretexto de abreviar o rito, na verdade,
revela-se causadora de inúmeros percalços e resulta na multiplicação de recursos. A
primeira dificuldade fica por conta do ônus da prova: se o Réu assumir a condição de
autor, terá a seu cargo a reversão desse ônus, passando a ter que se desincumbir daquilo
que originalmente seria a contraprova a respeito do fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito, contrariando o artigo 380, II do Projeto?
A possibilidade de distribuição dinâmica do ônus da
prova, encampada pelo Projeto, não incide sobre essa hipótese, posto que tem
pressuposto próprio, de demonstração de dificuldades ou impossibilidade de
cumprimento do encargo, em contraponto com a maior facilidade da parte contrário
(Projeto, art. 380, parágrafo 1º), pressuposto que em nada coincide com a inversão de
papéis proporcionada pela estabilização da tutela antecipada.
Essa fórmula tem sido denominada na doutrina de técnica
monitória 43 e gera o contraditório diferido (mas não ausente, ou seria inconstitucional).
Mas fica mais uma dúvida: A decisão estabilizada gera a coisa julgada? Na redação
anterior do Projeto, havia dispositivo a respeito, que foi retirada da atual versão, levando
a crer que não surtiria essa imutabilidade após o biênio.
Mas a instabilidade não se conforma à segurança jurídica
e, a se admitir esse aperfeiçoamento, fica sem resposta a situação criada na decisão
proferida contra a Fazenda Pública, nos casos em que sujeita a decisão ao reexame
necessário. A doutrina considera que a coisa julgada não guarda compatibilidade com a
provisoriedade da tutela antecipada, ainda que estabilizada 44.
Mais um problema: Durante o biênio decadencial pode
eventualmente operar-se a prescrição antes de escoado esse prazo. Estaria ele estendido
por força da previsão de prazo para estabilização? É de recear que não, porque inexiste
previsão legal expressa de suspensão e/ou interrupção desse lapso durante o período
previsto para a propositura da ação.
A falta de impugnação da tutela antecipada diz respeito
expressamente à atividade recursal e não à contestação, tendo sido expresso o Projeto
nesse sentido, ao proclamar, no caput do artigo 305, a estabilização da tutela nesse caso
de omissão de recurso. Ou seja, se aditada a inicial e citado o réu, não tem aplicação o
rito da estabilização de tutela, seguindo o processo o rito ordinário, independente da
apresentação de contestação
Aqui reside a real expectativa da proliferação de recursos:
Em casos nos quais ordinariamente não eram manejados recursos, agora, apenas para
43
Assim já considerava Ovídio Baptista da Silva, a considerar as liminares antecipatórias como
modalidade do procedimento monitório genérico, in Reforma do CPC, A Antecipação de tutela na recente
reforma processual, coord. Sávio de Figueiredo Teixeira, São Paulo:Saraiva 1996, n.8. Eduardo
Talamini, Tutela de Urgência no Projeto de Novo Código de Processo Civil: A estabilização da medida
urgente e a “monitorização” do processo civil brasileiro. Revista de Processo 209, p.13 – jul/2012
44
Cf Humberto Theodoro Junior, A Autonomização e a Estabilização da Tutela de Urgência no Projeto
do CPC, Revista de Processo 206, p. 13 e Talamini, Tutela de Urgência no Projeto de Novo Código de
Processo Civil: A estabilização da medida urgente e a “monitorização” do processo civil brasileiro.
Revista de Processo 209, p.6 – jul/2012
evitar a temida estabilização e suas conseqüências para o réu, será interposto o agravo
de instrumento.
Finalmente, mais uma questão que certamente trará novos
problemas: A doutrina admite que, sendo parcial a antecipação da tutela e transitada em
julgado a decisão, considera-se que teria havido renúncia tácita aos demais pleitos não
antecipados 45, todavia, genericamente a jurisprudência não admite, em sede de renúncia,
a falta de pedido expresso 46, de sorte que, apresentado o pedido e deferida a tutela
antecipada parcial que venha a se estabilizar, com relação ao restante, somente por meio
de ação autônoma e dentro do prazo prescricional, poderia ser novamente pleiteado o
bem da vida, inclusive porque a ação a que se refere o artigo 305, parágrafo 2º do
Projeto, não poderá ter outra amplitude que não a delimitada pelo objeto da tutela
estabilizada, numa multiplicação de demandas..
No caso de litisconsórcio, a impugnação apresentada por
um, a todos aproveita, por força do disposto no artigo 117 do Projeto, segundo o qual os
atos benéficos estendem-se aos demais e no art. 1.018, de acordo com o qual o recurso
do litisconsorte também comunica, da mesma forma.
Havendo mais de uma tutela antecipatória ou sendo ela
fracionada, no caso de mais de uma medida urgente ou de medida divisível,
respectivamente, a estabilização será sempre individual, caso apenas uma delas sofra a
providência recursal, sendo independentes entre si, situação que igualmente atrairá
grande confusão no rito procedimental.
A estabilização de tutela não tem aplicabilidade nos casos
de tutela antecipada incidental e também nas concedidas posteriormente, como tutela de
evidência, por falta de previsão no Projeto.
Tocante à Fazenda Pública, bom asseverar que,
considerando as similaridades do tema com a técnica monitória e tendo em conta que
por longo tempo discutiu-se a aplicabilidade desta ao caso, fácil antever que será
admitida a providência também nesse caso. Todavia, bom asseverar que o
reconhecimento da coisa julgada com o advento do biênio sem a propositura de
demanda pelas partes implica em sujeição da decisão ao reexame necessário, nos termos
do artigo 507 e incisos do Projeto, como antes mencionado..
A doutrina tem também afastado a possibilidade de
estabilização da tutela nas ações declaratórias e constitutivas, por ser indispensável,
nesses casos, a produção da coisa julgada, sendo de todo incompatível com a regra que
induz a precariedade 47
45
José Roberto dos Santos Bedaque, Estabilização das tutelas de urgência, Estudos em homenagem a Ada
Pellegrini Grinover, São Paulo:DPJ Editora, 2005, p. 667
46
REsp 1124420/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 29/02/2012, DJe 14/03/2012
47
Cf Talamini, Tutela de Urgência no Projeto de Novo Código de Processo Civil: A estabilização da
medida urgente e a “monitorização” do processo civil brasileiro. Revista de Processo 209, p.16 – jul/2012
Rito da Tutela Antecipada Cautelar
Já no caso das cautelares, aplica-se o procedimento dos
artigos 307 a 311 do Projeto, sendo que, nos termos do artigo 300, caput, em ambos os
casos a competência da antecedente será a mesma da ação principal, ressalvando-se, nos
termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, as ações de competência originária
dos tribunais e, nos recursos, onde a tutela antecipada será requerida perante o órgão
competente para apreciar o mérito.
O artigo 307, caput, do Projeto, prevê a cautelar
antecedente, em cuja inicial deve constar a indicação da lide, seu fundamento e a
exposição sumária do direito que visa assegurar, além do perigo na demora da prestação
da tutela jurisdicional.
Em resumo, deve constar a descrição do risco como
ameaça ao direito e a urgência, bem como antecipar o fundamento da lide principal, tal
qual o sistema atual, sendo certo que permanece a obrigação de propositura da demanda
principal no prazo de 30 dias (artigo 310 do Projeto), todavia, sua apresentação será nos
mesmos autos em que veiculado o pedido de tutela cautelar e não mais em apenso,
ficando ainda isento do pagamento de novas custas processuais, bem como podendo ser
aditada a causa de pedir (parágrafo 2º), tudo sob o crivo do contraditório.
Assim, conquanto o parágrafo 3º contenha previsão de,
apresentado o pedido principal, ser desnecessária nova citação, está previsto o direito de
apresentação de contestação à ação principal, no prazo do artigo 336 do Projeto, ou seja,
em quinze dias contados da audiência conciliatória, quando não houver acordo ou da
data do pedido de cancelamento da audiência, por desinteresse e, não sendo designada,
no rito comum do artigo 231 do mesmo Projeto.
O Artigo 311 do Projeto prevê a caducidade da medida
concedida de modo antecedente, na falta da propositura da ação principal (inciso I); na
falta de efetivação da medida no prazo de 30 dias (inciso II) ou no caso de
improcedência do pedido principal ou extinção sem resolução de mérito, situação em
que fica vedada, salvo novo fundamento, a renovação do pedido cautelar (parágrafo
único).
Sendo independentes teleologicamente as tutelas cautelar e
satisfativa, o indeferimento da cautelar não obsta a ação principal, salvo nos casos de
reconhecimento de prescrição e decadência, referindo-se ao objeto da demanda
principal.
O parágrafo 1º prevê ainda a possibilidade de pedido
incidental da tutela cautelar, podendo, portanto, ser desde logo deduzido em conjunto
com a ação principal, no bojo do qual será ofertada, também do mesmo modo, a defesa
do réu, inclusive quanto à cautela perseguida.
O tema das condições de admissibilidade sempre revelouse tormentoso em sede cautelar. Tendo em vista o objeto da cautelar, de prevenir o risco
ao direito, este – o risco -, deve ser desde logo demonstrado, sendo a respeito dele que
exige-se o requisito da probabilidade, mas, por certo que o direito a que se refere deve
vir delineado de tal forma que também revele-se convincente, perante o juiz, a
necessidade de ser garantida a sua eficácia futura, pois a um direito que desde logo se
mostra indevido, não vale a pena a atuação da jurisdição em sua garantia.
Na sistemática do Projeto, onde apenas operam como
condições de admissibilidade a legitimidade e o interesse processual, temos que os
requisitos específicos da cautelar, quais sejam, a probabilidade (do risco) e a urgência,
revelam-se como matéria de mérito no bojo estrito da cautela, ainda que antes
enquadrados como situações capazes de se submeter à avaliação do interesse de agir e
da possibilidade jurídica do pedido, hoje inexistentes 48, sendo apenas a sua utilização
inadequada (falta de interesse processual) ou incoação por pessoa que não seja o titular
do objeto litigioso, aspectos capazes de resultar no afastamento formal do pedido, à
parte as exigências específicas de propositura da ação principal no prazo legal e de
efetivação da medida.
A decisão em sede de processo cautelar não produz coisa
julgada, ainda mais na sistemática do Projeto, onde a ação principal não mais se coloca
em separado, sendo esta sim sujeita à definitividade operada pelo trânsito em julgado.
Assim, qualquer matéria debatida em sede cautelar, pode
perfeitamente ser renovada e discutida em sua abrangência tocante ao pedido principal,
situação que tem sido reconhecida na jurisprudência, sendo certo, todavia, que tem sido
vedada, inclusive reforçada no Projeto, a possibilidade de renovação do pedido cautelar
sem novo fundamento, mas não sob esse enquadramento e sim, pela evidência da
ausência dos requisitos específicos da cautela (probabilidade do direito e perigo na
demora), conforme asserto jurisprudencial 49
Tutela de evidência
O artigo 305 do Projeto cuida da antecipação de tutela de
evidência, nos casos de (I) abuso do direito de defesa ou manifesto protelatório do réu;
(II) evidência documental sem oposição eficiente do réu; (III) prova exclusivamente
documental acompanhada de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante e (IV) pedido reipersecutório fundado em prova documental
adequada (contrato de depósito) para entrega do bem custodiado, situações em que
considera exacerbada a probabilidade exigida nos demais casos de antecipação de tutela.
O parágrafo único dispõe – e nem precisaria -, que apenas
nos casos dos incisos III e IV será concedida a tutela antecipada liminarmente, o que se
afigura evidente, diante da necessidade, nos demais casos (incisos I e II), da aferição da
conduta do réu para o aperfeiçoamento da evidência.
As situações previstas nos incisos I e II, diversamente do
que tratou a doutrina , não têm caráter sancionatório, pois, também com base no dizer
50
48
Cf Humberto Theodoro Junior, Processo Cautelar, São Paulo:LEUD 2000, p. 73
AgRg na MC 15.637/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
18/08/2009, DJe 31/08/2009
50
Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Tutela Antecipada Sancionatória, São Paulo:Malheiros, 2006,
passim
49
da doutrina, se de sanção se tratasse, teria que sobreviver ao decreto de improcedência
do pedido, certo que não se poderia admitir esse ato como anistia à improbidade
processual 51
Além disso, não poderia ser cumulada com outras sanções,
como as da litigância de má-fé (Projeto, art. 77). Trata-se apenas de situação na qual o
grau de probabilidade do direito pretendido eleva-se, pela conduta do réu, ao ponto de
tornar-se suficiente a ser desde logo proporcionado o gozo do direito, por evidenciado.
É, portanto, apenas espécie de tutela antecipada e não de sanção e pode, ocorrendo a
coincidência de eventos, ser cumulada a antecipação com a imposição de multa prevista
para a espécie.
De todo modo, a doutrina tem considerado, para enquadrar
a atitude do réu à espécie, que se busque coincidência com a definição legal de
litigância de má-fé (artigo 80, incisos I a VII do Projeto). 52
Em caso de litisconsórcio, haverá algumas nuances: se for
comum, pode haver antecipação de tutela em relação a um deles e não em relação aos
demais; se for unitário, essa possibilidade fica prejudicada, porque não é possível a
antecipação individual, já que a solução deve ser idêntica para todos, não sendo lícito
punir quem não agiu deslealmente, além de a defesa leal aproveitar aos demais.
A versão final do Projeto abandonou, como tutela de
evidência, a situação de incontrovérsia, parcial ou total, que passou a ser objeto não
mais de tutela antecipada, mas sim, de julgamento antecipado parcial de mérito (artigo
363,I do Projeto), do que exsurgem duas situações: (i) se ao invés de apresentada defesa
inconsistente, for omitida defesa, resultará em incontrovérsia capaz de, ou determinar o
julgamento antecipado da lide ou, considerando o juiz que há necessidade de dilação
probatória, examinar antes a possibilidade, diante da realidade do caso, de antecipação
da tutela; (ii) se houver omissão relativa ao documento capaz de assegurar a evidência
(e não apenas contraprova), poderá também nesse caso ser considerado evidente o
direito a que se reporta.
Foi ainda contemplada a hipótese de prova documental
inconteste, mercê da qual, evidenciado o direito, contra ele nada foi produzido capaz de
lhe retirar a presunção em grau máximo, e de traduzir, do mesmo modo, evidência a
favor do autor da demanda.
Esse conceito, na lição da doutrina, pode ainda abarcar
situações outras, como aquelas decorrentes da notoriedade, para a qual o direito civil
dispensa prova, ou ao menos inverte o ônus de sua produção; a prova emprestada, ou
seja, aquela produzida em outro processo, mas sob o crivo do contraditório entre as
mesmas partes; questão prejudicial ocorrida em outro processo e posta como premissa
daquele onde aferida a evidência; provas produzidas antecipadamente, entre outros. 53
51
Eduardo José da Fonseca Costa, O Futuro do Processo Civil no Brasil, Tutela de Evidência no Projeto
do Novo CPC, BH:Fórum 2011, p. 173
52
Marcelo Lima Guerra, Estudos sobre o processo cautelar. 1ª Ed.,2ª tiragem, São Paulo:Malheiros
Editores, 1997, os. 100-1
53
Eduardo José Fonseca da Costa, O Futuro do Processo Civil no Brasil, Tutela de Evidência no Projeto
do Novo CPC, BH:Fórum 2011, p. 175
O Projeto classifica a tutela de evidência a par da tutela de
urgência, demonstrando, estreme de dúvida, que a urgência, no sentido estrito do termo,
não se apresenta como requisito à antecipação, sendo certo que sob o atual direito, o
STJ chegou a decidir que a evidência não seria suficiente à antecipação, exigindo a
demonstração do perigo na demora (....). Ocorre aí apenas um incremento à
probabilidade afirmada na inicial, que revela mais uma vez o grau máximo, tornando de
todo despicienda a espera, como tem admitido a doutrina, ao mencionar que a razão de
ser não coincide com o perigo de dano 54
No caso do inciso III, não tem relevo a atuação da parte
contrária, sendo suficiente a possibilidade de aliar a prova documental a questões que já
se encontram pacificadas, seja em sede de recursos repetitivos, seja por força de súmula
vinculante.
O inciso IV prevê situação de presunção em grau máximo,
decorrente da prova da existência de contrato de depósito hábil à perseguição do bem
custodiado. Trata-se do que a doutrina denomina como “presunção legal de evidência
do direito” 55 capaz de revelar-se limitadora da atuação discricionária do juiz, uma vez
que não deixa liberdade de arbítrio, diante da ocorrência fática documentada.
O Projeto contempla a classificação das tutelas
antecipadas em satisfativas ou cautelares, podendo ser fundamentadas em urgência ou
em evidência, sendo por isso plausível, como vem admitindo a jurisprudência, a tutela
cautelar de evidência (...) e não apenas nos casos de tutela satisfativa.
Conclusão
Em conclusão, genericamente pode-se
•
•
•
•
•
considerar positiva a mudança projetada, na parte que trata a tutela antecipada
com melhor técnica, permitindo que as consequências de sua aplicabilidade
sejam medidas em razão de sua natureza jurídica.
Houve omissão no tratamento dos casos do confronto de irreversibilidades e a
solução adequada;
Houve ainda omissão nos casos de revogação automática da tutela antecipada
em caso de improcedência da demanda;
Deveria ter sido previsto o contraditório, exceto nos casos em que esse exercício
pudesse comprometer a sua efetividade.
A inovação mais problemática fica por conta da previsão de concessão
preparatória de tutela antecipada e sua estabilização que, ao contrário de abreviar
o rito, revela-se prenhe de incidentes, capazes de traduzir a multiplicação de
recursos.
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tese 72 – autora – mirna cianci