MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva EXMA. SENHORA DESEMBARGADORA GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO RELATORA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 003817862.2013.8.19.0000 DA 8ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, nos autos do Recurso em epígrafe, em que são Agravados o MUNICÍPÍO DO RIO DE JANEIRO E OUTROS, inconformado, data venia, com a decisão monocrática da Relatora de fls. 257/260, que reconsiderou a decisão monocrática anterior da Exma Desembargadora do Plantão Judiciário Noturno que deferiu a suspensão do pregão presencial municipal para transferir recursos públicos para o atendimento de saúde da Jornada Mundial da Juventude, vem, tempestivamente, com fundamento nos artigos 200 e seguintes do Regimento Interno deste E. Tribunal e no art. 188 do Código de Processo Civil, interpor o presente AGRAVO REGIMENTAL, pelo que requer a V. Exa. o seu processamento e a juntada das suas Razões em anexo. P. Deferimento. Rio de Janeiro, 17 de julho de 2013. PEDRO ELIAS ERTHAL SANGLARD Procurador de Justiça de Tutela Coletiva 1 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva 8ª CÂMARA CÍVEL DO TJRJ AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0038178-62.2013.8.19.0000 AGRAVO REGIMENTAL AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO AGRAVADOS: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE RIO DE JANEIRO DREAM FACTORY COMUNICAÇÃO E EVENTOS LTDA BEM GUANABARA EMERGÊNCIAS MÉDICAS SAVIOR MEDICAL SERVICE LTDA SISTEMA DE EMERGÊNCIA MÉDICA MÓVEL DO RJ LTDA – VIDA SRCOM PROMOÇÕES CULTURAIS LTDA SRCOM PRODUÇÕES E MARKETING LTDA. RELATORA: DES. GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO RAZÕES DO MP EGRÉGIO TRIBUNAL, COLENDA CÂMARA, DOUTO PROCURADOR, I – A ESPÉCIE Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público contra a decisão do Juízo da 5ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital na sua Ação Civil Pública (PROCESSO ELETRÔNICO Nº 0235877-58.2013.8.19.0001) em face dos 8 Agravados supra para declarar a nulidade do pregão presencial do município nº 396/2013 e obrigar a prestação de assistência médica pelos organizadores do evento privado Jornada Mundial da Juventude, na cidade do Rio de Janeiro, nos dias 23 a 28 de julho de 2013 (fls. 175/237), que indeferiu os pedidos de antecipação de tutela por entender ausentes os requisitos para sua concessão (fls. 160/165). 2 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva Decisão da Exma. Desembargadora REGINA LÚCIA PASSOS do Plantão Judiciário Noturno do dia 11/07/2013 concedendo liminar para a realização do pregão impugnado mediante caução no valor de R$ 8.000.000,00 oferecida pela Mitra Arquipiescopal do Rio de Janeiro e o Instituto 2º Agravado, para garantir eventual prejuízo ao erário municipal, mas sem a abertura das propostas até decisão do futuro Relator do recurso (fls. 239/243). Petição do 2º Agravado Instituto, oferecendo em caução o imóvel constituído por um edifício garagem de propriedade da Mitra, no centro da cidade (fls. 246/249). Decisão monocrática de ofício da Relatora, com base no artigo 527, parágrafo único, do CPC, reconsiderando a decisão da Desembargadora do plantão judiciário noturno para restabelecer a decisão liminar do Juízo que indeferiu a suspensão do edital do pregão presencial 396/2013 (fls. 257/260). Por lealdade processual, o MP informa que foi publicada na terça-feira, dia 16 de julho de 2013, no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro (cópia em anexo), às fls. 63, a adjudicação do objeto do pregão presencial nº 396/3013 (processo 09/003498/2013), nos seguintes moldes: “COORDENADORIA DE LICITAÇÕES E AQUISIÇÕES PREGÃO PRESENCIAL: 396/2013 PROCESSO: 09/003498/2013 OBJETO: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE - ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR FIXO (PHF) E MÓVEL, VISANDO ATENDER AO EVENTO “JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE RIO 2013 – ATOS CENTRAIS”. À VISTA DA HABILITAÇÃO FORAM ADJUDICADOS: LOTE Empresa Valor Total (R$) 01-Copacabana SAVIOR SERVICE LTDA MEDICAL 3.890.000,00 02-Vias de Peregrinação SAVIOR SERVICE LTDA MEDICAL 667.500,00 03-Guaratiba Campus Fidei SISTEMA DE EMERGÊNCIA MÉDICA MÓVEL DO RIO DE JANEIRO LTDA 3 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 3.000.000,00 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva 04-Evento Angelus SAVIOR SERVICE LTDA MEDICAL 170.000,00” II – DA DECISÃO RECORRIDA A decisão da Relatora que reconsiderou, de ofício, a decisão anterior da Desembargadora do plantão judiciário noturno sobre o caso, deve ser reformada pelos seguintes fatos e fundamentos. 2.1- PRELIMINARMENTE: DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INÉRCIA DA JURISDIÇÃO DO ART. 2º DO CPC E DO RITO DO AGRAVO DO ART. 527, INCISOS II, III E § ÚNICO DO CPC. A decisão recorrida da Relatora foi fundamentada no artigo 527, parágrafo único do CPC. Dispõem os artigos 2º e 527, incisos II, III e § único do CPC sobre a jurisdição e a reconsideração de decisão monocrática em agravo que: “Art. 2º - Nenhum JUIZ PRESTARÁ A TUTELA JURISDICIONAL SENÃO QUANDO A PARTE OU O INTERESSADO A REQUERER, NOS CASOS E FORMAS LEGAIS. Art. 527- Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído incontinente, o RELATOR: II – CONVERTERÁ O AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AGRAVO RETIDO (...) III – PODERÁ ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO (ART. 588) OU DEFERIR, EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, TOTAL OU PARCIALMENTE, A PRETENSÃO RECURSAL, comunicando ao juiz sua decisão; Parágrafo único – A DECISÃO LIMINAR PROFERIDA NOS CASOS DOS INCISOS II E III DO CAPUT DESTE ARTIGO, SOMENTE É PASSÍVEL DE REFORMA no momento do julgamento do 4 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva agravo, SALVO SE O PRÓPRIO RELATOR A RECONSIDERAR.” (destacamos) Ocorre que só pode ser reconsiderada uma decisão pelo próprio magistrado que a prolatou, por ser um ato personalíssimo a reconsideração, enquanto um juízo de retratação. De acordo com Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o verbo reconsiderar, de re+considerar, significa considerar ou ponderar novamente, tomar nova resolução, arrepender-se de resolução tomada, pensar melhor ou desdizer-se. Segundo o Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica de Iêdo Batista Neves, APM Editora, reconsideração é o ato de reconsiderar. Diz-se, assim, do ato pelo qual o juiz, ou outra autoridade judiciária ou administrativa, reforma um despacho seu ou suspende resolução que tomara. Bem como reconsiderar é suspender ou alterar a resolução tomada e declarada anteriormente ou proferir o juiz um novo despacho, reformando ou desfazendo certo ato seu anterior, voluntariamente ou em razão de agravo ou de pedido de reconsideração. In casu, a Relatora reconsiderou decisão de outro Desembargador, de ofício e sem qualquer provação das partes, violando o princípio da inércia da jurisdição do art. 2º do CPC e sem observar o rito processual estabelecido no art. 527 do CPC transcritos acima. Assim sendo, tal reconsideração é nula. Primeiro, porque só se pode reconsiderar a própria decisão e não de outro magistrado em sede de agravo de instrumento. Segundo, porque a reconsideração de ofício do parágrafo único do art. 527 do CPC supra, somente cabe nos casos de conversão de agravo de instrumento em retido (inciso II) e de efeito suspensivo ou antecipação de tutela no agravo (inciso III), que não são as hipóteses em questão. Terceiro porque foi o próprio Instituto Agravado que voluntariamente ofereceu um imóvel em caução para garantir eventuais prejuízos ao erário municipal, não havendo qualquer interesse dele em recorrer ou de pedir a reconsideração da decisão que aceitou tal garantia para a realização do atendimento médico pela Prefeitura a sua Jornada privada. 5 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva Portanto, a decisão recorrida é nula de pleno direito por violação do princípio da inércia da jurisdição e do rito processual do instituto jurídico da reconsideração no recurso de agravo. Isto posto, requer a V. Exa. o acolhimento da preliminar de nulidade da decisão recorrida. 2.2- NO MÉRITO: DA NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO PARA GARANTIR O RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS AO ERÁRIO MUNICIPAL. Caso ultrapassada a preliminar de nulidade da decisão recorrida, ela deve ser reformada para garantir-se o ressarcimento de quase R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) de prejuízo ao erário municipal, com o restabelecimento parcial da decisão reconsiderada, tendo em vista que já houve a adjudicação do pregão a 5ª e 6ª Agravadas, SAVIOR e SISTEMA DE EMERGÊNCIA MÉDICA MÓVEL. Andou bem a Desembargadora de plantão ao garantir a realização da Jornada Mundial da Juventude, na cidade do Rio de Janeiro, mas determinar, de forma primorosa, a caução para ressarcimento dos prejuízos com a assistência médica de emergência nos locais do evento, a ser prestada desnecessariamente e ilegalmente pelo Município, nos seguintes termos (fls. 241/242): “(...) A bem da verdade, não há justificativas plausíveis para somente na undécima hora o Município do Rio de Janeiro resolveu abrir procedimento licitatório para contratar sociedades empresárias da área de saúde com o fito de prover os locais dos eventos com todas as estruturas de postos de saúde, ambulância, pessoal qualificado e insumos, realizando o denominado atendimento hospitalar prévio, na forma fixa ou móvel, que, sabidamente, a rede pública municipal de saúde é carecedora de toda sorte de itens para o seu mínimo funcionamento. Em que pese a grandiosidade do evento, bem como a honra da realização da jornada em território carioca, assim como o fato de sua Santidade, o Papa Francisco, representar o Estado do Vaticano, merecedor de toda a nossa admiração e empenho, não se justifica, no entanto, que o munícipes sejam 6 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva mais ainda sacrificados com o aporte de dinheiro público, além do que já se está sendo gasto para a realização do evento. Ademais, há indícios de violação às regras de licitação constantes da lei 8666/95, no Decreto Municipal 30538/2009, além de Resoluções do CREMERJ 187/2003 e SESDEC 80/2007, (...) Na medida em que os valores que serão gastos pelo Município, apenas para o atendimento de saúde avançada, em torno de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), são representativos, melhor será a utilização da cautela e suspender os efeitos requeridos pelo MP, no item I, página 8, no que toca ao pregão presencial nº 0396/2013, marcado para daqui algumas horas (...) Vale ressaltar que, que por volta das 330 hs, os dignos patronos da Arquidiocese do Rio de Janeiro (Mitra) e seu Instituto, vieram oferecer caução adequada aos valores em debate, na forma de imóveis, a fim de que a liminar ora concedida seja modulada e garantindo que não haja qualquer prejuízo ao erário (...) podendo, daí ser realizado o pregão, sem contudo, abertura das eventuais propostas até ulterior deliberação... “ (destacamos) Desta forma, esta decisão salomônica e ponderada deve ser restaurada em parte, pois além de permitir o importante evento internacional, também garante o ressarcimento dos prejuízos ao erário municipal, através da caução oferecida pelo Instituto Agravado e pela Mitra, como interessada. Data venia, ao contrário do entendimento do Juízo de 1º grau, utilizado como fundamento para a reconsideração pela Relatora, estão presentes os requisitos legais para a concessão da tutela antecipada do art. 273, inciso I e não se aplica ao caso a contracautela do § 2º do CPC verbis: “Art. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: 7 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou; § 2º - Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. “ A caução é perfeitamente cabível e necessária para garantir a reparação dos prejuízos ao erário municipal . A uma porque a prova é robusta e inequívoca, consoante os 3 (três) volumes de documentos do Inquérito Civil do MP nº 2013.00479152 em apenso, que instruiu a inicial da ação civil pública, bem como as peças do agravo, as quais não foram detidamente analisadas pela decisão recorrida. A duas, porque há verossimilhança nas alegações de ilegalidade e irregularidade no surpreendente e meteórico pregão presencial da prefeitura nº 390/2013 para prestar assistência médica aos peregrinos da Jornada Mundial da Juventude, enquanto um evento privado, conforme já reconhecido na decisão da Desembargadora do plantão judiciário transcrita acima. A três, porque há fundado receio de difícil reparação do dano de quase R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) ao erário municipal pela adjudicação da licitação desnecessária e ilegal as 2 empresas de assistência médica, 5ª e 6ª Agravadas, já contratadas e pagas pelo Instituto Agravado para o mesmo serviço. A quatro, porque não se aplica ao caso o periculum in mora inverso do art. 273, § 2º, do CPC, já que não há perigo de irreversibilidade da tutela concedida que aceitou a prestação de caução em imóvel para garantir o ressarcimento dos prejuízos aos cofres municipais. A cinco, porque seria desarrazoado dispensar caução oferecida pelo Instituto Agravado e pela Mitra, em procedimento licitatório eivado de irregularidades, impondo, dessarte, de maneira transversa que o ente público venha a ressarcir eventuais danos causados, fazendo com que a população seja submetida a um bis in idem no seu sofrimento, tanto convivendo com burlas escancaradas ao processo de licitação, que visa a resguardar os princípios da moralidade e impessoalidade, quanto com o pagamento, mesmo que indireto, através dos cofres públicos de eventos privados. 8 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª Procuradoria de Justiça de Tutela Coletiva Nesse particular, aliás, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a exigência da irreversibilidade inserta no § 2º. do art. 273 do CPC não pode ser levada a extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina” (STJ, 2ª. T., REsp 144656/ES, rel. Min. Adhemar Maciel, v.u., DJU27/10/1997, p.54.778). Assim, reiteramos as Razões e os pedidos do Agravo de Instrumento do MP de fls.2/42 dos autos. Por oportuno, para efeito de prequestionamento, requer o MP a V. Exª. manifestação expressa também sobre a violação dos arts. 2º, 273 e 527 do CPC, além dos artigos constitucionais e legais requeridos às fls. 39 do Agravo de Instrumento. III- CONCLUSÃO Isto posto, esta Procuradoria de Justiça Especializada requer a V. Exa. a reconsideração da decisão recorrida ou a remessa ao Órgão Colegiado para julgamento deste Agravo Regimental, esperando o seu provimento, com a reforma da decisão, para restabelecer parcialmente a decisão reconsiderada, com a manutenção da caução em imóvel oferecida por um dos Agravados e a Mitra interessada, para garantir o ressarcimento dos prejuízos causados ao erário municipal com a adjudicação do pregão 396/2013 às 2 empresas Agravadas, no valor de quase R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais). Rio de Janeiro, 17 de julho de 2013. PEDRO ELIAS ERTHAL SANGLARD Procurador de Justiça de Tutela Coletiva 9 Processo nº 0038178-62.2013.8.19.0000