Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Em que medida a literatura sobre aprendizagem organizacional adopta uma visão de substância ou de processo Guilherme de Oliveira Dutra Fundamentos de Gestão Mestrado em Gestão de Informação Porto, Abril 2004 1. Introdução O presente trabalho tem por objectivo discutir em que medida a literatura sobre aprendizagem organizacional adopta uma visão de substância ou de processo. Em primeiro lugar será feito um confronto entre os pontos de vista de substância e de processo, baseado no material de apoio da disciplina de Fundamentos de Gestão. Em seguida será apresentada a definição de aprendizagem organizacional. Posteriormente é feita uma análise de alguns dos principais autores ligados ao assunto, são eles: Peter Senge, David A. Kolb, Thomas A. Stewart, Karl Erik Sveiby, I. Nonaka, H. Takeuchi e Chun Wei Choo. 2. Substância vs. Processo Substância e Processo são duas maneiras antagónicas de encarar as organizações. A visão de substância (Strong Thinking) enfatiza a ordem. Traduz uma abordagem de contentores, ou seja, parte-se da premissa de que é possível delimitar cada elemento, inclusive o ambiente. Foca permanência, estabilidade, categorias, divisões. Objectiva a certeza, a previsibilidade e o controlo. Sua essência é a sistematização da organização. De acordo com a analogia de cérebros, substância reflecte-se em razão, pensamento sequencial e rotinas ordenadas. Na maioria das vezes, consegue fazer apenas uma análise superficial, baseada somente em resultados e coisas acabadas. Segundo a visão substancialista as organizações são coisas concretas, tangíveis, que existem e devem ser divididas em partes funcionais, como departamentos, cargos, etc. Na mesma linha as estruturas podem ser mensuradas (positivismo), inclusive o conhecimento e os indivíduos, os quais são tratados como unidades auto-contidas. Aqui tem-se um sistema com fronteiras claras e bem definidas. A visão de processo (Weak Thinking) enfatiza as relações, interacções, associações. Exprime o respeito às diferenças. Produz ambiguidade, paradoxo, contradição. Reflecte mudança, transformação, refinamento. As Organizações são vistas como processos invisíveis, intangíveis, que acontecem, aonde não existem peças (pessoas) iguais. Segundo a analogia de cérebros, processo reflecte intuição, emoção, criatividade, detalhe, processamento simultâneo, pensamento como um mosaico. Na visão de processos, trabalha-se o contínuo, o inacabado, aproximado mas nunca alcançado, sempre parcial. Sua essência é o movimento contínuo e irregular associado ao princípio de networking, ou circuitos de contacto e movimento contínuo. 3. Aprendizagem organizacional Aprendizagem organizacional diz respeito às organizações que estão em constante processo de aprendizagem, ou seja, organizações que aprendem (Learning Organizations). Mas a grande questão é: “podem as organizações aprender a aprender?” (Morgan, 1986, p. 87). A aprendizagem organizacional compreende os princípios e práticas que permitem a absorção do conhecimento nas organizações, as quais estimulam a aprendizagem contínua de seus colaboradores, visando a incorporação de novos conhecimentos nos processos de trabalho. Isso é um reflexo das organizações que estão atentas ao processo evolutivo. Tais princípios levam as organizações à adoptarem estratégias, procedimentos e práticas de questionamento. Um aspecto importante é a implementação de políticas adequadas de contratação de pessoal e educação, bem como de administração da informação, avaliação do desempenho, aprendizagem “on-the-job” e atitudes que estimulam a criatividade e a inovação. O conceito de aprendizagem organizacional surgiu da necessidade que as organizações têm de conquistar vantagens competitivas e de transpor os momentos desfavoráveis e/ou de mudanças. Isso é possível através da adaptação, transformação e criação de processos e actividades. Entretanto, processos melhorados somente surgem através da aquisição, partilha, transformação e armazenamento do conhecimento, e consequentemente de novos padrões de raciocínio. O resultado esperado desse processo é uma organização que “viva para sempre”. 3.1. As cinco disciplinas Organizações que aprendem são instituições onde as pessoas expandem continuadamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam, onde surgem novos e elevados padrões de raciocínio, onde a aspiração colectiva é liberada e onde as pessoas aprendem continuamente a aprender em grupo. “As organizações só aprendem através de indivíduos que aprendem. O aprendizado individual não garante o aprendizado organizacional, mas sem ele não há como ocorrer o aprendizado organizacional” (Senge, 1990, p. 11). Na tentativa de utilizar as aptidões e habilidades da sua força de trabalho de modo cada vez mais eficiente, as organizações buscam métodos para sistematizar e generalizar a maneira como se adquire e se aplica o conhecimento. O objectivo é criar uma metodologia que possa ser aplicada nas mais diversas situações. Para que essa metodologia possa ser aplicada é necessária a existência de pessoas que sejam capazes de "aprender a aprender". Os modelos de aprendizagem individual seriam sustentados por duas vertentes, segundo Fleury e Fleury (1998). De um lado o modelo "comportamentista" (behavior), tem como foco principal o comportamento, considerado passível de ser observado e mensurado e cuja análise implica o estudo das relações entre eventos estimuladores, respostas, consequências. A outra, sustentada pelo modelo “cognitivista”, seria mais abrangente, procurando explicar fenómenos mais complexos, como a aprendizagem de conceitos e a solução de problemas. Senge (1990) procura organizar o processo de aprendizagem sugerindo cinco “disciplinas” (disciplines). Ele considera que “disciplina” é um conjunto de práticas de aprendizagem, através das quais a pessoa se modifica, adquirindo novas habilidades, conhecimentos, experiências e níveis de consciência. As cinco disciplinas da aprendizagem organizacional são: domínio pessoal, modelos mentais, visão compartilhada, aprendizagem em equipa e pensamento sistémico, que são detalhadas a seguir. Domínio Pessoal Segundo Senge (1990, p. 41), “Domínio Pessoal” é a disciplina de continuamente esclarecer e aprofundar nossa visão pessoal, de concentrar nossas energias, de desenvolver paciência e de ver a realidade objectivamente. Como tal, é uma pedra de toque essencial para a organização que aprende – seu alicerce espiritual. A capacidade e o comprometimento de uma organização em aprender não podem ser maiores do que de seus integrantes. As raízes dessa disciplina estão nas tradições espirituais ocidentais e orientais, bem como em tradições seculares. Modelo Mental Modelos mentais são compostos por imagens, histórias e preceitos que o indivíduo traz em sua mente acerca de como as coisas são e funcionam. Constituem verdadeiros mapas mentais cognitivos que influencia a forma como cada qual vê o mundo e suas relações. Segundo Felício Júnior (2002), os modelos mentais de cada indivíduo são nutridos por crenças e valores que operam desde o nascimento e se estendem ao logo da vida de cada um. Conforme o “amadurecimento” as pessoas passam a reflectir e melhorar continuamente a imagem que têm do mundo, objectivando uma nova modelagem de seus actos de decisões. Visão compartilhada As pessoas passam a se empenhar em conjunto e por livre vontade somente quando percebem que cada qual tem um papel importante para alcançar o objectivo comum. A partir daí elas entendem que o desenvolvimento de inteligência e habilidades colectivas são maiores do que a soma das inteligências e habilidades individuais. Para Senge (1990), assim como as visões pessoais são retratos ou imagens que as pessoas têm na mente e no coração, as visões compartilhadas são imagens que pertencem a pessoas que fazem parte de uma organização. Essas pessoas desenvolvem um senso de comunidade que permeia a organização e dá coerência às diversas actividades. Aprendizagem em equipa De acordo com Felício Júnior (2002), aprendizagem em equipa é a perfeita união das aptidões colectivas com o pensamento e com a comunicação, de maneira que grupos de pessoas possam desenvolver inteligência e capacidade maiores do que a soma dos talentos individuais. Pensamento Sistémico O pensamento sistémico é a disciplina que integra as outras, fundindo-se em um corpo coerente de teoria e prática. Conforme Senge (1990), sem uma orientação sistémica, não há motivação para analisar as “inter-relações” entre as disciplinas. É vital que as cinco disciplinas se desenvolvam como um conjunto. Isso é desafiador, pois é muito mais difícil integrar novas ferramentas do que simplesmente aplicá-las separadamente. Ampliando cada uma das outras disciplinas, o pensamento sistémico nos lembra continuamente que a soma das partes pode exceder o todo. Mas as recompensas são enormes. É essa quinta disciplina que permite moldar os sistemas com maior eficácia e agir mais de acordo com o processo do mundo natural e económico. 4. Pontos de Vista Senge (1990) busca sistematizar a aprendizagem como um processo segmentado e generalista, utilizando métodos que tentam caracterizar o conhecimento. Outra forte evidência de sua visão substancialista é a tentativa de quantificar o conhecimento individual e transportá-lo para a organização, como se a organização como um todo pudesse absorver também a forma como as pessoas percebem o mundo e “tratam” o conhecimento. Kolb (1997) observa que cada indivíduo desenvolve um estilo de aprendizagem particular dando prioridade a certas habilidades em detrimento de outras. A partir daí ele propõe uma categorização do estilo de aprendizagem. Apresenta também um modelo de representação do modo como pessoas aprendem denominado ‘modelo de aprendizagem vivencial’. Esse autor considera que as organizações desenvolvem estilos de aprendizagem semelhantes aos identificados para os indivíduos. Stewart (1998) faz uma abordagem economicista do conhecimento organizacional. Segundo ele na organização que aprende, além dos activos físicos, existem também os activos intangíveis, que são os talentos e capacidades dos funcionários. O autor considera que o poder económico dos activos intangíveis é tão real quanto o das máquinas e dos bens de produção físicos. Desse ponto de vista, o capital humano de uma empresa nada mais é do que um stock de conhecimento e capacidades de inovar. Para ampliar e ampliar o seu capital intelectual, o conhecimento humano precisaria ser permanentemente apropriado pela organização. Assim, investir em empresas de conhecimento significaria adquirir talentos, capacidades, habilidade e ideias. Ambos, Senge, Kolb e Stewart assumem a aprendizagem organizacional como a soma aritmética dos atributos vinculados aos indivíduos. Enquanto esses autores possuem uma clara visão substancialista pois “coisificam” o conhecimento, Sveiby (1997) afirma que o conhecimento é tácito, orientado à acção e está em constante mutação, nesse sentido o termo mais próximo do ideal seria “competência”. Essa “competência” seria composta por cinco elementos: Conhecimento explícito: Adquirido quase sempre através da educação formal; Habilidade: A arte do saber fazer, adquirido através da própria prática; Experiência: Decorre da reflexão sobre acertos e erros passados; Julgamentos de Valor: A percepção do que é certo e do que é errado que actua como os filtros conscientes e inconscientes de valor; Rede Social: A cultura, a qual é transmitida através das relações com outras pessoas, a tradição. Para Sveiby (1997), o aprendizado pela prática ou pela tradição, deveria dar-se de forma inconsciente o que seria mais eficaz do que as formas de transferência passiva como a educação formal. Ou seja, uma informação faz mais sentido se estiver ligada a uma aplicação prática. Essa autor adopta uma visão um pouco mais próxima da visão de processo, pois foca a relação entre o indivíduo e o momento/situação que vive. Essa abordagem só não é mais próxima da visão de processo pois Sveiby, assim como Senge, Kolb e Stewart, adopta a abordagem de que conhecimento colectivo é a soma e capacidades de aprendizagens individuais. Em função de sua cultura, os orientais entenderiam conhecimento como algo basicamente tácito, altamente pessoal e de difícil formalização. Segundo Nonaka e Takeuchi (1995), a criação do conhecimento organizacional resultaria da conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito. Isso é obtido através de um processo ‘espiralado’ envolvendo tanto a dimensão epistemológica quanto a dimensão ontológica. “A espiral surge quando a interacção entre conhecimento tácito e conhecimento explícito eleva-se dinamicamente de um nível ontológico inferior até níveis mais altos” (Nonaka e Takeuchi, 1995, p. 62). As fases da espiral (processo aprendizagem) seriam: Socialização: conhecimento tácito em conhecimento tácito; Externalização: conhecimento tácito em conhecimento explícito; Combinação: conhecimento explícito em conhecimento explícito; Internalização: conhecimento explícito em conhecimento tácito. Dessa forma o conhecimento irradia-se e cristaliza-se na “rede de conhecimento” da organização. Para que isso ocorra a organização precisa desenvolver condições para frequentes actividades em grupo. Nonaka e Takeuchi têm uma visão contraria à visão mecanicista de organização, onde a organização seria um organismo vivo para o qual a partilha da visão da realidade seria mais importante que o processamento de informações objectivas. Choo (1998) chama atenção para o fato de que o aprendizado da organização se faz considerando a experiência passada da própria organização, reflectida nas normas, políticas e metas da organização. Dessa forma, a aprendizagem organizacional resultaria em dois processos de inovação. No primeiro apenas as actividades organizacionais seriam modificadas. O segundo ocorreria quando fosse identificada a necessidade de reestruturação das normas organizacionais, o que acarretaria também mudanças nas actividades. Aqui nota-se uma visão de processo, pois além de salientarem que o conhecimento é algo intangível, Nonaka e Takeuchi (1995) e Choo (1998), ao descreverem o processo de aprendizagem organizacional, levam em consideração que o conhecimento de um indivíduo não vem desassociado de seus valores, e por esse motivo não pode ser absorvido pela organização e seus elementos da mesma forma, mesmo porque, a organização tem seus próprios valores. 5. Conclusão A literatura predominante aceita o domínio dos interesses de mercado perante os interesses da sociedade. Em geral avalia-se um conjunto de casos a partir dos quais extraem-se procedimentos e regularidades. Em seguida, criam-se regras que são irradiadas como soluções para todos os casos e situações. A maioria dos autores propõe modelos de aprendizagem organizacional que concentram-se na apropriação do conhecimento detido por seus integrantes. O foco está apenas na apropriação e transmissão do conhecimento e não na produção e no estímulo da aprendizagem. Ademais levam em conta as condições e características específicas de cada organização. Trata-se de uma perspectiva de característica utilitarista. O que expressa claramente uma postura substancialista. Choo (1998) e Nonaka e Takeuchi (1995) são autores que procuram romper com as teorias sistemáticas, eles propõem uma abordagem que leva em consideração a complexidade dos sistemas adaptativos, o que demonstra coerência com a visão de processo. Ainda assim, sofrem alguma influência das abordagens utilitaristas. Mesmo autores como Senge (1990), com visões voltadas ao substancialismo apresentam alguns aspectos voltados à visão processual, pois demonstram alguma preocupação com o crescimento individual humano. Como citado no capítulo dois, substância e processo são duas maneiras antagónicas de encarar as organizações, entretanto, essas duas visões podem integrar-se e formar uma abordagem mais comedida. Pensar em organizações exclusivamente segundo a visão de processo ou segundo a visão de substância é uma utopia. 6. Referências Bibliográficas CHOO, Chun Wei. 2.ed. Information management for the intelligent organization: the art of scanning the environment. Medford: Information Today, 1998 (ASIS Monograph Series). FELÍCIO JUNIOR, Joaquim. Learning organization numa instituição de ensino superior: Uma proposta empreendedora. Programa de Pós-graduação Administração, 2002. <http://www.sbgc.org.br/media/tese-completa.doc>. [acedido em 05-042004]. FLEURY, A. & FLEURY, M.T.L. Aprendizagem e inovação organizacional – as experiências de Japão Coréia e Brasil. São Paulo: Atlas, 1995. KOLB, David A. A gestão e o processo de aprendizagem. In: STARKEY, K. (org.) Como as organizações aprendem – relatos do sucesso das grandes empresas. São Paulo: Futura, 1997. p 321-341. MORGAN, Gareth. Images of organization. 2nd ed. Thousand Oaks, CA: Sage: 1997. NONAKA, I.,TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa – como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997. SENGE, Peter. 11. ed. A Quinta disciplina – arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Best Sel ler, 1990. STEWART, Thomas A. Capital intelectual: a nova vantagem competitiva das empresas. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. SVEIBY, Karl Erik (1997): A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando patrimônios de conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1998.