ARTIGOS AFINAL, O QUE SÃO lucros cessantes? Thaís Amoroso Paschoal É muito comum a propositura de ações em que se deduzem pedidos indenizatórios, incluindo os chamados “lucros cessantes”. Essa espécie de pretensão é fundamentada no fato de que a indisponibilidade de valores ou de produtos, decorrente de sua retenção indevida pelo réu, resultaria no dever de indenizar a parte autora por tudo aquilo que teria deixado de ganhar com a utilização desses bens. Na maioria dessas ações, porém, formulam-se (e, o que é pior, acolhem-se) pedidos de condenação do réu ao pagamento de “lucros cessantes” que não correspondem “àquilo que razoavelmente se deixou de lucrar”, resultando no inevitável enriquecimento sem causa do autor. Dois aspectos devem ser considerados quando se trata de pretensões deduzidas perante o Poder Judiciário tendo por objeto essa espécie de condenação. Em primeiro lugar, o fato de que os lucros cessantes correspondem, apenas e tão somente, “àquilo que razoavelmente se deixou de lucrar” com a indisponibilidade dos valores ou bens. Além disso, a ideia de que os tais “lucros cessantes” jamais podem corresponder àquilo que o réu auferiu (ou poderia ter auferido) com a utilização dos valores ou bens que indevidamente reteve. Assim, primeiramente – e até em razão do que juridicamente se entende por “lucros cessantes” -, deve-se considerar que para aferição dessa verba leva-se em conta, unicamente, aquilo que a parte autora – e não o réu – razoavelmente teria auferido com os valores retirados do seu patrimônio. Sob este aspecto, “admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria. Há aí uma presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal, tendo-se em vista os antecedentes” 1. A posição de Judith Martins-Costa não destoa deste entendimento, considerando que “o lucro cessante representa aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, ou seja, a diminuição potencial de seu patrimônio, causada pelo inadimplemento da contraparte” 2. Por isso é que, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “o lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória” 3. Em outro julgado, aquela Corte foi ainda mais enfática: “Por lucros cessantes, deve-se entender o que razoavelmente se deixou de lucrar – essa é a dicção do artigo 1.059 do Código Civil de 1916. Todavia, isso não autoriza que tais lucros sejam hipotéticos. Ao contrário, devem ser previsíveis já na celebração do contrato, ou seja, são indenizáveis os lucros que o contratante obteria com a execução direta do contrato, e não os que seriam obtidos em decorrência de fatores diversos ou indiretos aos efeitos do contrato” 4. Do corpo deste Acórdão, extrai-se o seguinte: “Ora, segundo o que consta do acórdão recorrido, o pedido de indenização a lucros cessantes está assentado em que, caso o contrato tivesse sido cumprido com os consequentes recebimentos nas datas programadas, teria a construtora realizado investimentos no mercado financeiro e, consequentemente, receberia lucros. Observe-se: ‘Nem se poderia considerar que 12 a autora fosse aplicar todo o valor recebido pela execução do contrato no mercado à Taxa da Anbid. Só lucros líquidos seriam aplicáveis. A autora não demonstrou qual o dinheiro disponível que seria aplicado e nem quis fazê-lo (fls. 692).’ - fl. 806 - Ora, se essa sustentação já não bastasse para afastar a postulação pelo recebimento de lucros cessantes, porque calcada em fato absolutamente hipotético, como afirmado acima, o pagamento de lucros cessantes implica que eles devem ser previsíveis quando da celebração do negócio, fato que, in casu, não ocorreu”. Cândido Rangel Dinamarco vai ainda mais além, entendendo que os “lucros cessantes” já estariam incluídos nos juros estabelecidos pelo art. 1061 do Código Civil de 1916 (art. 404 do Código Civil de 2002), não havendo espaço para a fixação de qualquer outra verba a esse título, do que resulta a “impossibilidade jurídica de impor ao inadimplente de uma obrigação em dinheiro uma responsabilidade por lucros cessantes além dos juros moratórios” 5. De acordo com o autor, “pelo disposto no art. 1.061 do Código Civil de 1916 (atual art. 404, caput) entende-se que o legislador quis arbitrar imperativamente a recomposição patrimonial do credor, considerando que os juros legais representam, no giro normal dos negócios, aquilo que razoavelmente ele haja deixado de lucrar” 6. Assim, conclui o autor, embasado na lição de Orlando Gomes, que “a imposição dos juros representa, pois, uma imperativa prefixação legal dos lucros cessantes, cujas consequências são fundamentalmente (a) a desnecessidade de alegação, prova ou, mesmo, da ocorrência de efetivos danos ao credor e (b) a impossibilidade de exigir outra indenização além dos juros” 7. Por aí já se extrai a primeira premissa que, inexoravelmente, deve ser levada em consideração ao se apreciar pretensões de indenização por “lucros cessantes”: trata-se de verba que deve ser fixada levando-se em consideração, apenas, os juros legais estabelecidos no art. 1061 do CC/1916, limitação que “só poderia talvez ser afastada quando se reconhecesse que o dano suportado superaria de longe o valor dos juros” 8. Neste caso, deverá a verba ser fixada na proporção daquilo que a parte, razoavelmente, poderia ter auferido com a quantia indisponível, mas desde que se trate de fato comprovado de forma inequívoca nos autos. A mais comum distorção em torno do conceito de lucros cessantes, porém, reside na percepção, a toda evidência equivocada, de que essa verba corresponderia àquilo que a parte contrária auferiu com a utilização do capital indevidamente retido. No âmbito do direito bancário, por exemplo, são frequentes as ações propostas contra instituições financeiras, nas quais os correntistas pleiteiam a devolução de valores que teriam sido descontados indevidamente de suas contas correntes, acrescidos das mesmas taxas de juros remuneratórios aplicadas pelas instituições, considerando-se que aquilo que o correntista deixou de ganhar corresponderia àquilo que a instituição financeira teria auferido enquanto permaneceu com a quantia cobrada indevidamente. Já nos deparamos, por exemplo, com situação em que uma distribuidora de bebidas obteve condenação de instituição financeira ARTIGOS a devolver valores pagos em decorrência de determinado contrato, acrescidos daquilo que corresponderia ao “lucro” obtido pela instituição com a aplicação do valor pago a maior. No caso, esse “lucro” foi computado mediante a incidência de uma taxa de “juros” de 15% ao mês sobre a quantia paga pela distribuidora, o que gerou quantia milionária. O lucro cessante, porém, não pode ser aferido dessa forma. Para além do fato de que o “lucro” da instituição financeira jamais seria computado a partir de uma taxa de “juros” de 15 % ao mês9, seria necessário que a distribuidora de bebidas comprovasse, no mínimo: (i) que efetivamente investiria toda a quantia em aplicações rentáveis; (ii) que essas aplicações teriam o (elevado) rendimento de 15% ao mês. No caso, porém, os 15% ao mês não seriam obtidos nem mesmo tomando por base aplicações extremamente rentáveis, como aquelas realizadas no mercado de ações. Basta observar que a taxa média obtida em investimentos em ações da Petrobrás, no período discutido naquela demanda, foi de 3,5% ao mês. A variação média mensal do índice BOVESPA no mesmo período, por sua vez, foi de 1,45%. Trata-se de situação em que o conceito de lucros cessantes foi aplicado, evidentemente, de forma distorcida: corresponderiam ao suposto “lucro” obtido pela Instituição Financeira ré, quando, na realidade, deveriam ser apurados a partir daquilo que a distribuidora de bebidas razoavelmente deixou de lucrar com a indisponibilidade dos valores. Em outro caso, determinada Instituição Financeira foi condenada à devolução de valores que teriam sido transferidos indevidamente da conta do autor, “acrescidos das mesmas taxas de juros cobradas dos correntistas, capitalizadas mês a mês” 10. A sentença proferida nessa demanda foi rescindida em ação rescisória, na qual se considerou que os valores debitados da conta deveriam receber os acréscimos dos juros legais e correção monetária, nada mais11. O STJ já se posicionou a respeito, pacificando o entendimento de que “só as instituições financeiras estão autorizadas a cobrar juros remuneratórios excedentes a 1% (um por cento) ao mês. Consequentemente, SE DISPUSESSE DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS, O CORRENTISTA NÃO TERIA AUFERIDO AS TAXAS COBRADAS AFINAL, O QUE SÃO lucros cessantes? PELO BANCO”12. No voto proferido neste julgamento, o Ministro Hélio Quaglia Barbosa apontou o principal equívoco decorrente da má compreensão acerca do conceito de “lucros cessantes: “Não destoa do citado dispositivo [refere-se o ministro ao art. 1059 do CC/16] o art. 402 do atual Código Civil, que apresenta, tão-somente, pequenas modificações em relação àquela redação; ora, sendo o correntista pessoa física, não se pode afirmar que ele razoavelmente deixou de lucrar o que a instituição financeira obteria, caso cobrasse por um empréstimo de mesmo valor; isto porque, ao recorrente não seria, como não é, permitida a cobrança dos encargos remuneratórios e moratórios de que se vale um banco, cujas regras são reguladas pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho Monetário Nacional, tomando em consideração o custeio dos encargos operacionais das instituições bancárias, como fator primordial retributivo”. Ao final, o Ministro ressaltou que acompanharia o voto do Relator, Min. Ari Pargendler, “em face da impossibilidade de se tipificar a restituição, de acordo com as taxas bancárias, que seriam cobradas pela instituição financeira, como o que o correntista “efetivamente perdeu” ou o que “razoavelmente deixou de lucrar”. Nada mais correto, assim, do que se concluir que o lucro cessante corresponde àquilo que a “vítima” teria deixado de auferir em razão de determinado ato ilícito praticado pelo ofensor. O conceito de “lucro cessante”, portanto, não tem qualquer relação com os ganhos da parte contrária com a utilização do capital alheio. Não por outra razão, inexiste, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer previsão legal que imponha o dever de indenizar com base naquilo que o outro supostamente ganhou, não sendo relevante, também, “eventual redução patrimonial suportada pelo credor” ou “os lucros que talvez pudesse auferir se o pagamento houvesse sido feito pontualmente”, como ressalta Cândido Rangel Dinamarco13. Por isso é que para se evitar a distorção do que juridicamente deve-se entender como “lucros cessantes”, impõe-se a consideração das seguintes regras: a) só poderá haver a restituição daquilo que a parte teria condições de ganhar dentro da razoabilidade, com base no desenvolvimento normal de sua atividade, sem se considerar resultados extraordinários (exceto se inequivocamente comprovados); b) esse valor jamais poderá levar em conta aquilo que a parte contrária auferiu (ou poderia ter auferido) enquanto permaneceu com o capital alheio. # 1 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. Ed. Jurídica e Universitária, p. 188. 2 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, v. V, t. II, Ed. Forense, 2003 (g.n.). O mesmo entendimento é adotado por Paulo Nader, em seu Curso de Direito Civil – Obrigações, p. 545. 3 STJ – 4ª T. – Resp. 107.426 – Rel. Barros Monteiro – j. 20.02.2000 – DJU 30.04.2001 e RSTJ 153/298. 4 EDcl no REsp 440500 / SP; 2ª Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; j. em 23.10.2007; DJ de 13.11.2007, p. 519. 5 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo civil empresarial. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1126. 6, 7 Idem. Ibid. 8 Idem, p. 1131. Como já destacado pelo Il. Min. Ari Pargendler, “a atividade empresarial tem despesas operacionais (pagamento de empregados, etc) e encargos legais (v.g., tributos), só podendo se falar em lucro depois das respectivas deduções” (REsp 802927 / PE; 3ª Turma; Rel. Min. Ari Pargendler; j. em 06.03.2007; DJ de 26.03.2007, p. 239). Na definição de Luís Martins de Oliveira e José Hernandez Perez Junior, “considera-se como lucro bruto o resultado da atividade de venda de bens ou serviços que constitua objeto – ou atividade – social da empresa. Em resumo, lucro bruto é o resultado correspondente à diferença entre a receita líquida das vendas e dos serviços prestados e o custo dessas mercadorias, desses produtos e serviços” (OLIVEIRA, Luís Martins de; PEREZ JUNIOR, José Hernandez. Contabilidade de custos para não contadores, 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007 - g.n.). Ainda para esses mesmos autores, lucro “é a diferença entre todas as receitas realizadas e todas as despesas incorridas no período, tanto operacionais quanto não operacionais, e servirá de base de cálculo dos impostos devidos”. 10 Autos nº. 014/1.06.0004862-2, da 1ª Vara Cível de Esteio/RS. 11 Ação rescisória nº. 70023970320, 9º Grupo Cível do TJRS. 12 Recurso Especial nº. 447.431-MG; 2ª Seção; Rel. Min. Ari Pargendler; j. em 28.03.2007; DJ de 16.08.2007 (g.n.). 13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo civil empresarial... op cit., p. 1127. 9 13