Qualidade de vida no trabalho segundo futuros administradores Life quality at work according to future managers Resumo Rafael da Silva Molina e Valdete Maria Ruiz Qualidade de Vida no Trabalho é um tema frequente na literatura de diferentes áreas do conhecimento e vem passando por transformações sob influência de várias perspectivas que impactam a atuação de diferentes profissionais, sobretudo a de gestores de empresas. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi investigar as concepções de universitários concluintes de um curso de Administração sobre QVT. Participaram da pesquisa 19 acadêmicos do último período de um curso privado noturno de Administração, nove do gênero masculino e 10 do gênero feminino, com idades entre 21 e 30 anos, a maioria solteira, sem dependentes e já atuantes em alguma das áreas de Administração. O instrumento utilizado foi o Questionário Interfaces QVT & Administração, do qual foram utilizadas seis questões para a análise de dados. Os resultados indicaram que os futuros administradores pesquisados, em sua maioria, têm um foco mais organizacional do que biopsicossocial sobre QVT, uma visão positiva sobre a necessidade das empresas terem programas relacionados a ela e consideram que estes são investimentos. Contudo, percebem estes programas e outras ações ligadas à QVT como suporte às atividades da empresa e assumem não ter uma definição clara sobre o conceito. Esses resultados indicam a necessidade de formação mais especializada. Autores Palavras-chave Qualidade de Vida, Trabalho, Saúde Ocupacional, Gestão, Universitários. Rafael da Silva Molina Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino- UNIFAE. e-mail: [email protected] Valdete Maria Ruiz Psicóloga pela USP- Ribeirão Preto. Especialista em Gestão de Recursos Humanos pelo INPG e em Gestão Escolar pela FIJ. Mestre e Doutora em Psicologia como Ciência e Profissão pela PUCCampinas. Professora e supervisora de estágios do curso de Psicologia da UNIFAE - Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – FAE e diretora do Instituto Educacional Imaculada Conceição. e-mail: [email protected] Recebido em 09/junho/2011 Aprovado em 22/março/2012 Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 47 MOLINA, R. da S. RUIZ, V. M. Introdução Embora a expressão “Qualidade de Vida no Trabalho” (QVT) já venha sendo usada desde o final da década de 60, para se referir ao resgate de valores humanísticos e ambientais negligenciados pelas sociedades industrializadas em favor do avanço tecnológico e do crescimento econômico, nos dias de hoje, vem ganhando cada vez maior destaque na literatura de diferentes áreas (saúde, ecologia, ergonomia, psicologia, sociologia, economia, administração e engenharia, por exemplo), em razão das transformações aceleradas e das novas demandas da sociedade pós-industrial que impactam a qualidade de vida das pessoas (RUIZ, 2007; VASCONCELOS, 2001). A esse respeito, Timossi et al. (2010) destacam que as empresas estão inseridas em um processo contínuo de mudança, desenvolvendo estratégias para acompanhar o aumento da complexidade das relações de mercado, o que faz com que muitas delas optem por utilizar a Qualidade de Vida no Trabalho como uma dessas estratégias e dispensem maior atenção às questões relacionadas à valorização do capital humano. Sendo assim, a concepção de Qualidade de Vida do Trabalho vem se modificando e evoluindo para “uma compreensão abrangente e comprometida das condições de vida no trabalho que inclui aspectos de bem-estar, garantia de saúde e segurança física, mental e social e capacitação para realizar tarefas com segurança e bom uso da energia pessoal” (LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 2005, p. 166). Todavia, a própria abrangência do conceito ainda não permite uma definição consensual, mesmo porque, conforme explicam Ferreira, Alves e Tostes (2009), Qualidade de Vida no Trabalho tem sido tratada com base em diferentes perspectivas analíticas expressas, ao longo do tempo, por distinções baseadas em: pressupostos norteadores, visão de ser humano, concepção de trabalho, diversidade de indicadores e enfoques de gestão. Em sua revisão, apontam estas distinções em publicações de estudiosos brasileiros do assunto: conciliação dos interesses das organizações e dos indivíduos (FERNANDES, 1996); saúde, estilo de vida e ambientes de trabalho (SILVA e MARCHI, 1997); segurança e higiene no trabalho (SIGNORINI, 1999); conflitos decorrentes das relações interpessoais (BOM SUCESSO, 2002); saúde mental, condições, organização e relações de trabalho (SAMPAIO, 2004); escolas de pensamento, indicadores empresariais (biológicos, psicológicos, sociais e organizacionais) e fatores críticos de gestão (LIMONGI-FRANÇA, 2004). Sob o ponto de vista conceitual, Qualidade de Vida no Trabalho está ligada, originariamente, às condições humanas e à ética do trabalho, compreendendo, desde exposição a riscos ocupacionais observáveis no ambiente físico, padrões de relação entre o trabalho contratado e a retribuição desse esforço, até a dinâmica do uso do poder formal e informal. Assim sendo, inclui componentes de saúde e segurança ocupacionais e o próprio significado trabalho, com suas implicações éticas e ideológicas (LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 2005). As primeiras investigações científicas que deram origem à denominação “Qualidade de Vida no Trabalho” são atribuídas a Eric Trist e seus colaboradores do Instituto Tavistock de Londres, em 1950, e estas se relacionavam à abordagem sociotécnica das organizações, abrangendo experiências baseadas na análise e reestruturação de tarefas, com o objetivo de tornar a vida dos trabalhadores menos penosa. Mas foi só pouco mais tarde (final da 48 década de 1960), que o termo “Qualidade de Vida no Trabalho” foi apresentado, nos estados Unidos da América, como resultado dos questionamentos a respeito de como as experiências das pessoas, em seus locais de trabalho, influenciavam sua saúde, seu bem-estar psicológico e a produtividade das organizações (BOWDITCH e BUONO, 1998; FERNANDES, 1996). A partir de então, estudos e pesquisas sobre Qualidade de Vida no Trabalho ganharam mais adeptos no mundo todo e o trabalho de Walton, de 1975, passou a ser um dos principais referenciais sobre o tema, por estar baseado em oito categorias conceituais bastante amplas como critérios de QVT: compensação justa e adequada; condições de trabalho justas e salutares; oportunidade imediata de utilizar e desenvolver a capacidade humana; oportunidade para continuidade de crescimento e desenvolvimento; integração social na organização de trabalho; constitucionalismo na organização de trabalho; espaço do trabalho dentro da vida como um todo; relevância social do trabalho. Vale frisar que, ainda hoje, Walton, expoente da chamada “Escola Organizacional” da QVT, é o autor que oferece o modelo mais utilizado para se medir a Qualidade de Vida no Trabalho em uma empresa (CARVALHO-FREITAS, 2009; LIMONGI-FRANÇA, 2004; MÔNACO e GUIMARÃES, 2000; PAIVA e COUTO, 2008; RECHZIEGEL e VANALLE, 2011; TIMOSSI et al. 2010, TOLFO e PICCINI, 2001). Outra perspectiva importante para a compreensão da Qualidade de Vida no Trabalho é baseada no enfoque biopsicossocial da saúde, derivado da medicina psicossomática, desde Lipowski, em 1986. Esta perspectiva propõe uma visão integrada (holística) do ser humano ao considerar que ele é um complexo sociopsicossomático, ou seja, tem potencialidades biológicas, psicológicas e sociais que respondem, juntas, por suas condições de vida, inclusive no trabalho. O impacto dessa perspectiva tem unido diferentes áreas do conhecimento, entre as quais a fisiologia, a ergonomia, a filosofia, a psicologia e a sociologia, na busca de abordagens mais integradoras para se conceituar e intervir sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (LIMONGI-FRANÇA, 2004; LIMONGI-FRANÇA &RODRIGUES; 2005, RUIZ, 2007). Alinhando-se com os conceitos de “desenvolvimento sustentável”, preconizado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ONU, e com o de “responsabilidade social”, usado, pela primeira vez, em 1998, pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, a Qualidade de Vida no Trabalho, mais recentemente, vem sendo colocada num contexto mais amplo, como uma questão de ética, cidadania e responsabilidades compartilhadas em prol do desenvolvimento econômico, social científico e cultural da sociedade. É neste contexto que se define que a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) envolve o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando, simultaneamente, a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade, como um todo (LIMONGI-FRANÇA, 2004; RUIZ, 2007). Verifica-se, assim, que, de fato, são várias as concepções que influenciam a Qualidade de Vida no Trabalho e, por isso mesmo, é difícil que se encontre uma definição completa e consensual sobre ela. Provavelmente como uma consequência disto, a realidade gerencial no Brasil tem mostrado que, na prática, ela tem sido compreendida de forma parcial e multifacetada, com ações administrativas que a ignoram em suas políticas e processos produtivos Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 Qualidade de vida no trabalho segundo futuros administradores ou na reparação de aspectos humanos e ambientais que possam neutralizar riscos nas condições de trabalho (FERNANDES, 1996, LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 2005). Além disso, a Qualidade de Vida no Trabalho ainda está apenas ligada às práticas do setor de recursos humanos, em boa parte das organizações brasileiras, razão pela qual autores como Limongi-França (2004); Nunes, Nascimento e Oliveira (2006), Tolfo e Piccinini (2001), defendem que Qualidade de Vida no Trabalho deve ser vista como uma “estratégia organizacional”. Neste sentido, deve ser objeto de interesse crescente de dirigentes, gestores, trabalhadores, profissionais da ciência do trabalho, estudantes e pesquisadores, para que não se satisfaçam somente com a decisão de melhorar a Qualidade de Vida no Trabalho, mas, além disso, se empenhem na identificação de fatores e critérios que sustentem a formulação de modelos de implantação de projetos que possam ultrapassar iniciativas aleatórias, meramente assistencialistas, filantrópicas ou reativas a pressões legais – como ainda acontece em muitas organizações. Com esta visão, Limongi-França (1997, apud VASCONCELOS, 2001, p.25) define Qualidade de Vida no Trabalho como: [...] o conjunto das ações de uma empresa que envolvem a implantação de melhorias e inovações gerenciais e tecnológicas no ambiente de trabalho. A construção da qualidade de vida no trabalho ocorre a partir do momento em que se olha a empresa e as pessoas como um todo, o que chamamos de enfoque biopsicosocial. O posicionamento biopsicosocial representa o fator diferencial para a realização de diagnóstico, campanhas, criação de serviços e implantação de projetos voltados para a preservação e desenvolvimento de pessoas, durante o trabalho na empresa. Nesta definição fica evidente que a Qualidade de Vida no Trabalho deve partir de ações de cunho gerencial visando aprimoramentos tecnológicos do ambiente de trabalho, além de melhoramentos nas áreas de recursos humanos, planejamento estratégico, produção e bem-estar do trabalhador, para o que devem concorrer diferentes paradigmas: ergonomia (adaptação do trabalho ao ser humano), abordagens clínico-verbais (comunicação e informação para casos médicos, por exemplo), distúrbios osteomoleculares relacionados com o trabalho (tendinites, etc), fatores psicossociais (recuperação, proteção e promoção da saúde), detecção dos agravos à saúde relacionados com o trabalho, legislação e programas de segurança e saúde do trabalho, ciclos de trabalho, entre outros (LIMONGI-FRANÇA, 2004). Na mesma direção de Limongi-França, autores como Fernandes, Rocha, Vendrame, Sarraceni e Vendrame (2009) definem Qualidade de Vida no Trabalho como um novo modelo de gestão e de ética, que deve envolver as dimensões física, intelectual, emocional, profissional, espiritual e social, buscando-se uma organização mais humanizada, que proporcione condições de desenvolvimento pessoal e motivação aos indivíduos. Isto porque o capital humano cada vez mais é reconhecido como a peça-chave das organizações vencedoras, que necessitam de pessoas motivadas, saudáveis e preparadas para enfrentar constantes desafios. Sendo assim, a Qualidade de Vida no Trabalho deve se tornar parte da Pensamento Plural: Revista Científica do cultura organizacional, concluem. Além disso, os mesmos autores, além de outros contemporâneos, destacam que os cursos voltados para a Qualidade de Vida no Trabalho devem ter como objetivo aproximar conceitos e práticas de gestão que atendam à complexidade do mercado e a seus desafios de competitividade, com ênfase em pessoas. Mas o que dizer dos cursos de graduação que preparam futuros administradores para os desafios da gestão da Qualidade de Vida no Trabalho? Estarão eles sendo bem preparados nestes cursos? Terão uma visão abrangente e moderna do conceito? Como se posicionarão diante de programas e ações de QVT que necessitem investimentos financeiros e/ou mudanças na cultura organizacional? Investigar estas questões junto a concluintes de um curso de Administração privado e noturno, localizado numa cidade do interior do Estado de São Paulo, foi o objetivo geral deste estudo o qual, baseado numa ampla pesquisa de campo com administradores, alunos e professores da área de Administração, além de ampla análise documental com alunos do MBA-RH (FIA), em convênio com a USP, realizada por Limongi-França (2004), teve como objetivos específicos: verificar quais as áreas da Administração às quais os estudantes atribuem maior importância; identificar palavras-chave que significam Qualidade de Vida no Trabalho, para eles; analisar sua percepção sobre a necessidade de ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho nas empresas; verificar se possuem uma definição clara do conceito e como encaram as ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho. Método Participantes Participaram do estudo dezenove alunos (nove do gênero masculino e 10 do gênero feminino) de duas turmas do último período do curso de Administração de um centro universitário no interior paulista, ministrado no horário noturno. As faixas de idade dos participantes estão compreendidas entre 21 e 30 anos e a maioria (84,2%) é de solteiros e sem dependentes (63,2%). Por se tratar de um curso noturno, vários deles já atuam profissionalmente na área administrativa, na própria cidade ou em outras da região próxima, incluindo algumas do Estado de Minas Gerais, sendo 31, 6% em administração geral, 26,3% em finanças, 15,8% em recursos humanos, 5,3% em marketing, 5,3% em produção e operação e os demais em outras áreas. Instrumento Visando a coleta de dados para a caracterização dos participantes e sua percepção de Qualidade de Vida no Trabalho, foi utilizado o Questionário Interfaces QVT & Administração (LIMONGI-FRANÇA, 2004). O questionário contém, no total, 29 perguntas, a maioria delas fechada, utilizando uma escala do tipo Likert, com variação entre os pontos: discordo plenamente, discordo, concordo, concordo plenamente e desconheço. Embora o instrumento tenha sido aplicado na íntegra, neste estudo só foram utilizadas, para a análise de dados, as questões de números 1, 2, 16, 18, 27 e 28, por se relacionarem, mais diretamente, aos objetivos do mesmo. O instrumento foi acompanhado por um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que os estudantes leram e assinaram, antes de responder. Procedimento Em horários de aula previamente autorizados pelo , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 49 MOLINA, R. da S. RUIZ, V. M. Coordenador do curso de Administração, nos dias 21 e 22 de outubro de 2010, o primeiro Autor deste estudo, que realizava, então, estágio na área de Psicologia Organizacional sobre o tema Qualidade de Vida no Trabalho, compareceu às duas salas do curso, explicando seus objetivos e solicitando a participação dos alunos presentes. Pediu que lessem e assinassem o Termo de Consentimento Livre e que respondessem ao questionário em dias e horários que julgassem mais convenientes, devolvendo-lhe ambos, pessoalmente, no prazo de três dias, quando voltaria às salas. Foram entregues 19 questionários, correspondendo à participação de 26,4% do total de alunos do curso. Resultados e Discussão Os dados obtidos em cada uma das seis questões do instrumento utilizado para a coleta de dados sobre Qualidade de Vida no Trabalho foram tabulados e são expressos em percentuais, nas Figuras de 1 a 6, apresentadas na sequência. A questão 1 era aberta e pedia que os alunos indicassem duas áreas que consideravam de maior importância para o Administrador de Empresas. Verifica-se, na Figura 1, que as áreas de finanças e recursos humanos foram sobremaneira privilegiadas, pois respondem, juntas, por mais de 70,0% das respostas. Num patamar intermediário, situam-se as respostas nas áreas de planejamento estratégico, produção e comercial, que somaram 15,9% do total e, com representatividade bem menor estão as áreas de administração geral, marketing, logística, contabilidade e psicologia, que perfizeram apenas 13,0 % das respostas. Figura 1 - Áreas de atuação de maior importância para o administrador. Fonte: Pesquisa realizada pelos autores É interessante observar que, embora a pesquisa tratasse de Qualidade de Vida no Trabalho, nenhum estudante mencionou esta área como importante para a atuação do Administrador. Tampouco foram indicadas outras mais diretamente ligadas a ela (como saúde e segurança), a exemplo do que ocorreu na pesquisa de Limongi-França (2004). Este pode ser um indicativo de que a população pesquisada não perceba a Qualidade de Vida no Trabalho como uma área importante ou de que não a perceba como desvinculada de outras. Por outro lado, considerando-se que, tradicionalmente, os programas e ações relativos à Qualidade de Vida no Trabalho são ligados à área de Recursos Humanos, a segunda de maior importância para os acadêmicos pesquisados, com 31,6% das respostas, pode-se que as tenham englobado nesta área de atuação. Desta maneira, pode-se supor que tais ações ou programas teriam lugar em sua atuação profissional, no futuro, dentro de recursos humanos. Esta suposição ganharia força se fosse considerada, também, a importância, ainda que pequena (2,6%), atribuída pelos participantes à área de psicologia, outra área tradicionalmente ligada a ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho. Todavia, o fato dos graduandos pesquisados terem atribuído à área financeira o primeiro lugar de importância, com o expressivo percentual de 39,5% do total de respostas, leva a questionar se estariam em condições de investir em Qualidade de Vida no Trabalho como administradores de empresas pois, como mostra a literatura (RUIZ, 2007), 50 muitos desses profissionais ainda concebem programas e ações em prol da mesma como despesa e não como investimentos em saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores – os quais poderão reverter em melhores resultados organizacionais, incluindo a lucratividade. Sob este aspecto, seria desejável que as percepções relativas às áreas de administração geral e planejamento estratégico, por exemplo, fossem maiores do que as encontradas na amostra pesquisada (respectivamente 2,6 e 5,3%). Ainda sobre o grau de importância atribuído às áreas de atuação do administrador, é interessante destacar que, em seu estudo com administradores profissionais de várias áreas com estudantes e docentes de Administração, Limongi-França (2004) também verificou que, em relação às demais pesquisadas, as duas principais foram: finanças (19,7% do total de respostas) e recursos humanos (30,9%). Entretanto, seus dados apresentam-se em ordem inversa aos da presente pesquisa, sendo o percentual de recursos humanos muito próximo entre ambas e o de finanças bem menor. Sobre seus resultados, a autora comenta que “o administrador geral migrou para a área de recursos humanos” e que “as respostas à variável RH podem significar congruência com as atividades de Qualidade de Vida no Trabalho, normalmente enquadradas como atividades de recursos humanos, mais especificamente questões de saúde, segurança e benefícios” (p. 148). No presente estudo, todavia, esta afirmação não poderia ser feita com o mesmo grau de segurança, visto que os estudantes de Administração atribuíram importância bem Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 Qualidade de vida no trabalho segundo futuros administradores maior à atuação na área de finanças. O que precisaria ser mais bem investigado é se este resultado está ligado ao tipo de formação que o curso lhes oferece, à sua própria vivência profissional (visto que boa parte deles já trabalha em uma ou mais áreas da Administração em cidades do interior do Estado de São Paulo e Minas Gerais), ou a outras variáveis. A Figura 2 apresenta os focos das palavras-chaves que os participantes relacionaram à Qualidade de Vida no Trabalho, mediante categorização de respostas à pergunta de número dois do questionário. A categorização foi feita pelos Autores, à semelhança da realizada por Limongi-França (2004). Nesta figura se observa que o foco organizacional obteve percentual bem maior de respostas (42,1%), o que pode ser interpretado como uma percepção ampla e moderna do conceito de Qualidade de Vida no Trabalho, enquanto ligado não só a condições biológicas, sociais e psicológicas, mas também a práticas de gestão e desenho organizacional dos ambientes ocupacionais. Figura 2: Focos das palavras-chave sobre QVT. Fonte: Pesquisa realizada pelos autores Se a interpretação anterior for verdadeira, pode-se esperar que os acadêmicos que compuseram a amostra deste estudo procurem, em sua vida profissional, considerar os diferentes tipos de variáveis que interferem na Qualidade de Vida no Trabalho, mais do que os participantes do estudo citado de Limongi-França, que encontrou no foco organizacional apenas 13,8% de respostas. Por outro lado, chama a atenção o fato de terem atribuído à dimensão psicológica um percentual tão mais baixo (5,26%) em relação aos demais, e tão diverso do encontrado por Limongi-França, em sua amostra (39,2%). Este dado pode significar que os graduandos desconhecem ou dão pouca importância aos processos afetivos, emocionais e de raciocínio, conscientes ou inconscientes, que formam a personalidade de cada pessoa e seu modo de perceber e se posicionar diante das demais pessoas e circunstâncias que vivencia – o que afeta sua saúde e, por extensão, sua Qualidade de Vida no Trabalho, conforme preconiza a visão biopsicossocial (LIMONGI-FRANÇA e RODRIGUES, 2005). As Figuras 3, 4, 5 e 6 apresentam dados relativos aos fatores críticos que avaliam o conceito de Qualidade de Vida no Trabalho, segundo a concepção da autora do instrumento de pesquisa que foi utilizado no presente estudo. Fazem parte destes fatores as questões 16, 18, 27 e 28 do instrumento. As respostas obtidas na questão 16 (Tabela 3) indicam que a totalidade dos acadêmicos de Administração pesquisados considera que toda empresa deve ter um programa de Qualidade de Vida no Trabalho, pois nenhum respondeu que discordava ou discordava plenamente dessa necessidade. Pelo contrário, o maior percentual de respostas foi encontrado na categoria “concordo plenamente”. Figura 4: Percepção dos participantes em relação a ter uma definição clara sobre QVT. Fonte: Pesquisa realizada pelos autores Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 51 MOLINA, R. da S. RUIZ, V. M. Como já mencionado, a literatura mostra que não existe uma definição clara, abrangente e unânime a respeito da Qualidade de Vida no Trabalho, pois seu conceito vem sendo influenciado por diferentes visões e tendências. Assim, poderia ser este o motivo da incerteza dos participantes nesta questão, o que indica a necessidade de se aprofundarem no estudo do assunto, seja na graduação ou em cursos específicos de pós-graduação – condição importante para que, como futuros profissionais, possam ter uma atuação mais abrangente e moderna, como denotaram em algumas questões anteriores. Este dado também pode indicar a necessidade de que o próprio curso de Administração focalize melhor o tema. Tais necessidades parecem ser ainda mais evidentes quando se comparam os dados aqui obtidos com os de LimongiFrança (2004), cujos participantes, em minoria (35,4%), declararam discordar ou discordar plenamente de ter uma definição clara sobre Qualidade de Vida no Trabalho. Quando perguntados sobre como são vistos ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho (questão 27 do instrumento de pesquisa), a amostra de estudantes apresentou maior percentual de respostas na categoria investimentos (36,0%), conforme se verifica na Figura 5. No entanto, na mesma figura, observa-se que uma parcela significativa se posicionou pelo contrário, ou seja, considerou que ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho são vistos como despesas (16,0%). Consideradas juntas, estas duas categorias representam mais de 50,0% de respostas relacionadas à área financeira da Administração, área à qual os participantes atribuíram maior importância (Figura 1). Estes resultados levam, novamente, a questionar se os futuros profissionais de Administração pesquisados serão realmente capazes de investir em Qualidade de Vida no Trabalho de forma estratégica, considerando todo o conjunto de variáveis que a afetam, como recomenda a literatura recente, ou se irão tratá-la como despesa ou ação específica da área de recursos humanos (28,0% - segundo maior percentual de respostas na questão). Esse questionamento pode adquirir um caráter pouco mais contundente ao se considerar que, na pesquisa de Limongi-França (2004), as categorias “despesa” e “ações específicas de recursos humanos” obtiveram percentuais de respostas relativamente menores (respectivamente 10,6% e 22,1%). Figura 5: Como são vistos as ações e programas de QVT. Fonte: Pesquisa realizada pelos autores A última questão relativa aos fatores críticos para a concepção de Qualidade de Vida no Trabalho (questão 28) inquiriu os participantes sobre como devem ser as ações e programas relativos a ela: um produto ou serviço permanentes da empresa; suporte às atividades da empresa; ações gerenciais; estratégias e políticas da empresa; outros. Os resultados obtidos na questão são apresentados na Tabela 6, que indica um percentual bem mais alto de respostas (quase 50,0%) na categoria “suporte às atividades da empresa”. Este dado leva à consideração de que os acadêmicos de Administração tendem a encarar as ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho mais como coadjuvantes ou acessórios do que como estratégias, produtos ou serviços oferecidos permanentemente pelas empresas como resultados de suas políticas de gestão, visto que estas últimas categorias obtiveram percentuais bem menores (21,0% cada). E esta não é uma tendência 52 que se verifica na literatura recente, como indicam os próprios dados obtidos por Limongi-França (2004), os quais se apresentam bem diversos: a categoria “suporte” foi uma das que obteve menores percentuais de respostas (8,8%), enquanto as categorias “estratégias” e “produto ou serviço permanentes” obtiveram os maiores percentuais (respectivamente 50,2 e 17,0%). Mesmo com resultados superiores, a autora salienta que, embora as ações e programas de Qualidade de Vida no Trabalho sejam, em geral, percebidos como necessários para as organizações melhorarem seu desempenho, grande parte dos seus pesquisados indicaram não ter conhecimento das formas ou modelos gerenciais requeridos para sua implantação e operacionalização, o que demonstra o grande espaço existente a ser consolidado na visão gerencial de Qualidade de Vida no Trabalho e, mais uma vez, a necessidade de se investir em formação especializada na área. Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011 Qualidade de vida no trabalho segundo futuros administradores Figura 6: O que devem ser as ações e programas de QVT. Fonte: Pesquisa realizada pelos autores Considerações Finais Notas 1. O estudo é baseado, em parte, no trabalho de conclusão de estágio “Percepção de futuros administradores sobre o conceito e a importância da Qualidade de Vida no Trabalho”, realizado, no ano de 2010, pelo primeiro Autor, sob supervisão da segunda. Referências Este estudo, mesmo com as limitações da amostra e da análise de dados empregada, identificou elementos importantes relacionados às concepções sobre a Qualidade de Vida no Trabalho de graduandos de Administração da região de São João da Boa Vista, interior do Estado de São Paulo, os quais merecem ser considerados por outros estudantes, por pesquisadores do assunto, tanto quanto pelos gestores do curso pesquisado e por empresários ou atuais administradores de organizações que contratam profissionais com formação e características semelhantes. O primeiro ponto a ser destacado é que os acadêmicos pesquisados concentraram o foco da Qualidade de Vida no Trabalho no âmbito organizacional, indicando que a consideram mais diretamente ligada a fatores como os oito presentes na concepção de Walton (representante da Escola Organizacional). Se, por um lado, esta visão é positiva, posto que ampla e relativamente mais objetiva, por outro, pode levar a minimizarem a importância das variáveis biopsicossociais que impactam a Qualidade de Vida no Trabalho (especialmente a variável psicológica, à qual atribuíram importância muito pequena), nas ações e programas de QVT que vierem a empreender. Para tanto, como recomendam estudiosos do tema, seria fundamental que contassem com uma equipe multidisciplinar composta por especialistas em medicina, higiene e segurança do trabalho, bem como com outros profissionais da área de saúde como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e psicólogos. E isto, principalmente, porque a maioria deles declarou não ter, ainda, clareza na própria definição de Qualidade de Vida no Trabalho, resultado que indica ser necessário que se aprofundem no estudo do assunto na própria universidade ou, talvez, em cursos de pósgraduação. Outro aspecto positivo a ser ressaltado é que a totalidade dos graduandos que participou do estudo considerou que toda empresa deve ter um programa de Qualidade de Vida no Trabalho. Contudo, uma parcela significativa deles ainda concebe que programas de QVT são mais despesas do que investimentos capazes de impulsionar o crescimento das organizações. Esta concepção poderá levá-los a uma gestão financeira equivocada, caso não a combinem com uma visão estratégica de médio e longo prazo. Portanto, vale recomendar que o curso de Administração considere esse aspecto na formação de seus alunos, mesmo porque a amostra deste estudo indicou considerar finanças como a área mais importante para o administrador de empresas. Além disso, muitos dos acadêmicos que responderam à pesquisa consideraram que programas de Qualidade de Vida no Trabalho dependem de ações específicas da área de recursos humanos, como suporte às atividades da empresa e não como ações estratégicas de gestão empresarial que ofereçam produtos ou serviços permanentes aos seus colaboradores, de forma a constituírem valores fundamentais da cultura organizacional. Neste sentido, também seria recomendável que os participantes buscassem se atualizar quanto às modernas formas de gestão da Qualidade de Vida no Trabalho, para que possam ter uma prática profissional mais afinada com os tempos atuais. Com isso ganharão tanto os colaboradores quanto as instituições em que trabalhem, pois a Qualidade de Vida no trabalho é vista, hoje, como uma competência essencial para os profissionais e organizações de todos os ramos operarem em ambientes competitivos e mutáveis. ALMEIDA, L P M. 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Qualidade de Vida no Trabalho: Origem, Evolução e Perspectivas. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v.08, nº 1, janeiro/março 2001. Life Quality at Work is a frequent theme on the literature of different areas of knowledge and has been changed under influences from several perspectives that have an impact on different professionals’ acts, meanly managers of companies. With this in mind, this study’s objective was to investigate the conceptions about LQW from graduates of an Administration course. Nineteen academicals of the last period from of a private, nocturne Administration course participated on the research, nine from the male gender and ten from the female gender, with ages between 21 and 30, most of them single, without dependents and acting in some Administration area already. The instrument used was the Interfaces Questionnaire LQW and Administration from whose were used six questions for data analyses. The results pointed out that the future administrators analyzed have a larger organizational focus than a biopsicosocial one about LQW, a positive view about the enterprise’s need of having programs related to it and consider that they are investments. However, they realize the programs and other actions linked to LQW as a support to the enterprise’s activities and they assume that they don’t have a clear definition about the concept. These results indicate the necessity of a more specialized formation. Key words Life Quality, Work, Occupational Health, Management, University Students 54 Pensamento Plural: Revista Científica do , São João da Boa Vista, v.5, n.2, 2011