Sob o signo da distância: proposições sobre EaD
Prof. Dr. Cleomar Rocha1
Universidade Federal de Goiás
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Resumo
Discuto, neste artigo, algumas características da Educação a Distância, com
especial atenção voltada para os signos e a mídia. Se o contexto educacional
observa o processo ensino-apresendizagem, é a partir da mediação sígnica
possibilitada pelas mídias contemporâneas que se chega a efetivação do
processo, conclui-se a partir da discussões levantadas.
Palavras-chave: Mídias, Educação, Signo, interfaces computacionais
Conjecturas da mediação em EaD
A mediação tecnológica caracteriza a atual Educação a Distância, definida em
dois aspectos primordiais: o tempo e o espaço. O texto que os descreve (MEC,
2007) especifica estes dois elementos, dizendo ser o primeiro passível de
assincronia, ao passo que sobre o segundo é dito que professor e aluno
ocupam espaços distintos, distantes, de modo que o uso de mecanismos
tecnológicos possibilita a comunicação. Tem-se, desde aí, uma observação
inquestionável da mediação, que pressupõe a existência de dois polos, o
emissor e o receptor, com as devidas alternâncias pelo feedback ou
retroalimentação, alé do dado técnico, a mediação propriamente dita,
considerada pelo meio ou canal, a mídia.
Importa observar que a existência de cursos autoinstrucionais, em sua
totalidade ou parcial, não implementam o pressuposto básico, comunicação
mediada, visto que o ato comunicacional difere do ato informacional,
considerando este uma via de mão única e o primeiro uma via de mão dupla.
Isto posto, desconsidera-se aqui, para efeito de refereciação como Educação a
Distância, cursos cujas cargas-horárias não pressupõem acompanhamento.
Estes cursos ainda se sustentam na antiga concepção de ensino a distância,
não se completando o processo ensino-aprendizagem, nos moldes das
concepções aqui postas. Antes, contudo, de se fazer juízo de valor, apenas
descartamos tais cursos, visto não proporcionarem base de sustentação para
os argumentos aqui expostos. Sigamos, então, os dois pontos fundamentais
dispostos no documento de qualidade de cursos da modalidade a distância,
como mencionado.
A oferta de cursos EaD possibilita o alcance de melhores níveis de
escolaridade a uma parcela maior da população, no que a modalidade é
efetivamente democrática. Trabalhadores que não dispõem de horários diurnos
específico para os estudos, ou estão distantes demais para frequentar
diariamente uma sala de aula, encontram nos cursos EaD a possibilidade de
desenvolver seu intelecto e sua formação profissional, compatibilizando
horários para seus estudos, usando suas próprias casas ou mesmo o local de
trabalho. Neste sentido os esforços de instituições de ensino para atender a
esta demanda é de todo bem vinda.
Há de se observar, contudo, aspectos que podem ferir tais aspectos, tornando
a modalidade ainda um tanto quanto distante das possibilidades que
efetivamente pode desenvolver. A utilização de mídias massivas, a
determinação de locais e horários de estudos/aulas, dentre outros, ferem certos
aspectos da modalidade, criando novas propostas, nem sempre tão
democráticas. De outra sorte, ainda há um preconceito em relação a distância,
evidenciada em sutis declarações, como a negação da distância, como que
desacreditando que a modalidade a distância pode ser tão eficiente quanto a
presencialidade. Vejamos alguns destes pontos, de modo mais detido.
Aspectos das mídias e sua relação no espaço e no tempo2
Abraham Moles (1978) estabelece um quadro de referência, caracterizando as
mídias em função do espaço e do tempo. Segundo o autor as mídias possuem
características, assim definidas: a mídia impressa é uma mídia temporal, pois
permanece com o passar do tempo; o rádio e a TV são mídias baseadas no
espaço, visto que não têm permanência no tempo, mas atravessem espaços e
podem chegar, em tempo praticamente real, a várias distâncias. Esta rápida
exposição traz a causa algumas considerações importantes e que se articulam
com a noção de mediação tecnológica, já mencionada. O material textual,
impresso, tem baixa obsolescência, mas depende de ser conduzido para
espaços distintos, não sendo reproduzível facilmente. Sua abrangência é
pequena espacialmente, mas sua permanência temporal é longa. Se
observadas tais características e dispostas na mesma relação dimensional,
seria de todo aconselhável que informações de baixa obsolescência
ocupassem o espaço do impresso, mantendo-se por mais tempo. Em outros
termos, informações de maior relevância e permanência, como teorias,
conceitos, definições e discussões que sustentam uma área de conhecimento
teriam melhor espaço nestes meios.
Já a mídia eletrônica, de características temporais, de rápida obsolescência,
portanto, se alinha com informações igualmente de rápida obsolescência, como
discussões e explicações pontuais, exercícios e proposições de atividades e
mesmo o plano de ensino.
Para os ambientes virtuais de aprendizagem, que vigoram enquanto dura a
disciplina, restará não seu uso como suporte de material informacional, mas a
base dialógica da mediação, por caracterizar-se como mídia pós-massiva,
possibilitando o fluxo bidirecional de informações, como ocorre na definição de
conversações. O AVA é o espaço de sala de aula, dinamizado
tecnologicamente por possibilitar não apenas o depósito de sons, como na voz,
mas também de imagens e textos, conseguindo fundar-se em uma relação
dimensional baseada no espaço – atravessa espaços pela rede mundial de
computadores, a Internet -, mas também no espaço, ainda que seu vigor
perdure normalmente pelo tempo da disciplina, em média dois a quatro meses.
Ali se situa o espaço ideal para as discussões entre alunos e professor (tutor,
formador, orientador), alunos e alunos, alunos e sistema, enfim, toda a base
pós-massiva que os sistemas computacionais possibilitam. Adicionalmente é o
espaço para gerenciamento das atividades, com proposições de novas tarefas,
exposiçao e discussao de resultados, geração de trabalhos conjuntos,
colaborativos ou coorperativos, enfim, toda a complexa gama de relações
comunicacionais das Tecnologias da Informação e da Comunicação. O AVA é,
em suma, a convivência que gera o processo ensino-aprendizagem. É a
materialização da mediação de que trata a matéria qualitativa da moderna EaD.
Sem este espaço de discussão, de vivência, corre-se o risco de retorno a
autoinstrucionalidade, típica de modelos educacionais tecnicistas, que
desqualifica a mediação tecnológica, antes torna a tecnologia um repositório
para distribuição de conteúdos que não dialogam com o aluno, não tiram
dúvidas, não controem conhecimento.
Posto em gráfico tem-se uma disposição mais clara do uso de mídias e sua
relação dimensional:
Mídia
Impressa
Rádio e TV
AVA
Dimensão
Temporal – baixa obsolescência
Espacial – obsolescência imediata
Espaço-temporal – rápida obsolescência
Neste contexto, importa verificar como algumas possibilidades midiáticas se
conformam em ambiente digital na perspectiva EaD.
Vídeoaulas, por exemplo, tendem a adquirir a obsolescência da própria mídia,
quando não se torna completamente massiva. Distribuir videoaulas não traz
consigo a dimensão tecnológica da mediação, porque massiva, com único
sentido de fluxo. Quando se fala, entretanto, de videoconferência, quando
observado o direito do aluno de escolher seu horário, torna-se boa prática, visto
possibilitar uma experiência próxima da interação social convencional. Quando
se têm definição de horários para as atividades de videoconferência, ou então
a definição de locais específicos para a recepção das videoconferências,
rompe-se com o pressuposto legal que caracteriza a EaD, ou seja, quando o
aluno não escolhe seu tempo e/ou espaço, ele está em atividades presenciais,
que exigem sua presença em espaços e horários específicos. Tem-se
presencialidade mediada pela tecnologia, como ocorre em alguns cursos
baseados em teleaula, seguindo o mesmo princípio de mídia pós-massiva.
Presencialidade.
Quando o AVA é usado como repositório de material autoinstrucional, como
textos, objetos de aprendizagem, videoaulas, slides autoinstrucionais, enfim,
quando não há preocupaç ões com o exercício próprio da mídia pós-massiva,
antes há a implantação de seu uso em contexto completamente massivo,
perde-se a possibilidade de mediar a relação professor/aluno. Retrocedemos
no tempo e a única diferença entre esta prática e os cursos baseados em TVs,
rádios e correios, torna-se o tempo de acesso, agora livre de horários préestabelecidos. Mas a matéria do ensino é o mesmo daquelas, mantida por
práticas autoinstrucionais.
É preciso, neste sentido, compreender a EaD como princípio e a tecnologia
como elementos mediadores, não como substitutos da figura do professor. O
princípio de autonomia do aluno no que diz respeito a tempos/horários e
espaço é a perspectiva em que se baseia a moderna concepção da
modalidade a distância. Subvertê-la em função do uso de tecnologias, como
aulas via satélite ou videoconferência, torna-se fragilizar a perspectiva do aluno
em função do ensino. E a priorização do ensino remonta a idéia de ensino a
distância, não de Educação a Distância, em uma concepção unidirecional. O
foco não deve ser polarizado, sob pena de perda do contexto geral do processo
ensino-aprendizagem.
De espaço e tempo: a noção de distância
Educação sem distância3, dito deste modo, parece eliminar um problema, a
própria distância, considerada espacialmente. O subtexto da afirmativa é a
atribuição de fatores negativos à distância, como se a possibilidade de
superação desta fosse garantia de uma educação melhor, mais efetiva.
Contudo, não é. Primeiro porque a modalidade presencial não é modelo de
eficiência, embora a mais usual. Sabe-se que a educação, em seus modelos
curriculares e didáticos, passou por uma série de paradigmas. Ainda assim
suas concepções não se destinam a presencialidade exclusivamente. De mais
a mais, se a modalidade presencial fosse a concretização da eficiência, a EaD
sequer seria pensada, quanto mais implantada e exercida com tamanho vigor
como o que se verifica hoje em todo o mundo.
Mas o preconceito ainda persiste. Há iniciativas que tentam burlar a
modalidade com uma sucessão de encontros presenciais, que supostamente
tornam o curso mais efetivo, de maior qualidade. Aproximam-se de cursos
presenciais de fim de semana, ou de uma semana por mês, ou em período de
férias. Mas o modelo seguido é o presencial, restando atividades “para casa”
para execução e envio usando as TICs.
Há cursos que deixam o aluno sem qualquer acompanhamento por algum
período, adotando a lógica autoinstrucional como princípio. Entrega-se ao
aluno uma série de instruções e materiais de consulta, definindo data para
retorno. Esquece-se a mediação.
Há cursos que assumem a lógica massiva, distribuindo materiais para os
alunos e um número de telefone para tira-dúvidas. A autoinstrucionalidade é
acompanhada aqui da massividade, em que a via de mão única é a tônica,
quebrada por uma possibilidade, não por uma prática pedagógica. Assemelhase ao recurso televisivo, em que se pode ligar para a emissora, mas não se
configura como acompanhamento.
Há cursos que sucumbem à sedução tecnológica, pretendendo mais usar
recursos disponíveis, como videoconferência, RSS, SMS, redes sociais, sites
sociais e outros, em detrimento da efetivação do processo ensinoaprendizagem. Nestes cursos o recurso é o mais interessante, sustentando a
prática pedagógica cujo objetivo maior se aproxima da instrumentalização nos
recursos utilizados.
Há, finalmente, os cursos que primam pelo processo ensino-aprendizagem,
dimensionando o uso tecnológico na perspectiva da EaD, assumindo-se a
distância, com a devida competência em seu fazer pedagógico. Tais cursos se
mantêm sob o signo da distância, em consonância com a modalide que
escolheu para se pautar. O uso tecnológico é verdadeiramente mediador, não
deixando o aluno desamparado. A mídia pós-massiva é parceira, na
manutenção do aluno em constante contato com os colegas e o professor, em
uma ativide construtiva da matéria do conhecimento, tornando significativa a
experiência social mediada pelas TICs.
Se os tipos de currículos podem, grosso modo, se organizar em Acadêmicos,
Tecnológicos, Humanísticos e Reconstrução Social (DEPRESBITERIS, 1997),
talvez possamos articulá-los nas práticas de EaD, concebendo currículos que
observem a aplicação do conhecimento, a satisfação pessoal, a
instrumentalização específica para a prática profissional, as habilidades, e a
mudança social como finalidades. Neste aspecto não se fixará, a priori, foco em
uma concepção de currículo apenas pelo uso tecnológico, como haveria de se
supor, ou como se efetivamente verifica, em um exercício raso de concepção
curricular.
É preciso ter mente que a mediação é uma constante na prática social, cuja
maior responsabilidade é da linguagem. As mídias, seja o ar que conduz a voz
do professor até o ouvido do aluno, seja o texto impresso que conduz o
pensamento de um autor a mente de um leitor, seja o vídeo que conduz formas
e procedimentos ao olhar do aluno, impregnando neste uma experiência
aprendida pelo testemunho. A mediação, em si, existe desde sempre,
mantendo a relação professor/aluno. A novidade trazida pela modalidade a
distância não é exatamente a mediação, mas de sua caracterização e contexto
dos atores. A mediação é tecnológica, a partir do uso das TICs, da mídia pósmassiva. E os atores, alunos e professores, não ocupam espaços contíguos
mas mantém contato simultâneo. Tempo e espaço se desdobram, criando
condições, se não ideais, certamente possíveis para prática educacional.
Conclusão
Se os críticos não enxergam a revolução social causada já pela EaD no Brasil,
certamente não enxergam que a prática não é nova, que a mediação é
absolutamente antiga, e que o mundo já não é o mesmo.
Se a distância ainda é vista como problema, devendo ser vencida a qualquer
custo para a melhoria da educação, é preciso lembrar que há outro elemento
em questão: o tempo. Talvez não tenhamos problemas com distâncias, mas
com tempos. Se objetivamente as distâncias não são eliminadas com as TICs,
o tempo, este sim, é encurtado, aproximando-se para a noção de tempo real,
imediato. Os contatos, a distância, afiguram-se dobrar o espaço, quando de
fato o que se alterou foi o tempo decorrido desde a emissão de uma
mensagem até a sua recepção. Os contatos são imediatos, mantendo-se
mediados. A tecnologia não vence ou elimina distâncias, mas aproximam os
sujeitos no tempo, resultando na impressão de que a distância fora vencida.
Não foi. O tempo foi tornado aliado, como na experiência do uso de um
telefone. Ali, não estamos próximos no espaço, mas no tempo. Nossas vozes
não vencem o espaço, mas são convertidas em impulsos que transitam
velozmente e são convertidos novamente em sons, fazendo-me ouvir o que
fora dito quase que ao menos tempo. As TICs não eliminam distâncias, mas
encurtam tempos. Neste sentido falar em educação sem distância é não
reconhecer a modalidade efetivamente, mantendo um rastro de preconceito. E
vencer o preconceito é uma tarefa posta.
____________________
Notas
1. Cleomar Rocha é Pós-doutorando em Estudos Culturais (UFRJ), Pós-doutor em Tecnologias
da Inteligência e Design Digital (PUC-SP), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas
(UFBA), Mestre em Arte e Tecnologia da Imagem (UnB). Professor do Programa de Pósgraduação em Cultura Visual, Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal de Goiás. Em
2009 atuou como coordenador de produção do CIAR/UFG. Artista pesquisador.
2. Parte desta discussão pode ser encontrada em outro artigo, onde discuto com maior vagar a
relação das mídias com as dimensões espaciais e temporal. Vide ROCHA, 2009a.
3. O contraponto da eliminação da distância é discutido em ROCHA, 2009b, com a concepção
de uma distância integrada pelas TICs.
Referências
BANDEIRA, Wagner; ROCHA, Cleomar. O hipertexto: sistema em ambiente
digital. In Anais do 2º Seminário Nacional de Pesquisa em Cultura Visual. Goiânia:
FAV, FUNAPE, 2009.
DEPRESBITERIS, Lea. Avaliação da aprendizagem: revendo conceitos e
posições. In SOUSA, Clarilza P. (org.) Avaliação do rendimento escolar.
Campinas, SP: Papirus,1997. (51-76)
MOLES, Abraham. Teoria da Informação e Percepção Estética. Rio de Janeiro:
Tempo brasileiro. Brasília: EdUnB, 1978.
REFERENCIAIS DE QUALIDADE PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR A
DISTÂNCIA. Brasília: MEC, 2007.
ROCHA, Cleomar. A distância que nos integra. In Anais do 2º Seminário de
Educação em Rede. Goiânia: CIAR, FUNAPE, 2009b.
ROCHA, Cleomar de Sousa; COELHO, Rafael Franco. Especificidades
Midiáticas e Convergência Digital: Estranhamentos dos Meios. In Anais do
XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom 2009.
Curitiba: INTERCOM, 2009a.
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