A ascensão do Poder Judiciário no Brasil democrático
Algumas considerações sobre a judicialização da política
A presença do Poder Judiciário, como via de acesso ou instrumento de transmissão das
reivindicações coletivas e individuais, consiste em um fator de grande transformação social no
Estado brasileiro.
Introdução
A consolidação do Estado constitucional de direito, em muitos países do mundo ocidental após
o término da Segunda Guerra Mundial, transformou os antagonismos jurídicos e políticos em
conflitos resolúveis em um espaço determinado pela primazia dos valores e normas de
natureza constitucional. Essa nova forma de organização político-estatal, que se apresenta
como máxima tipificação do chamado modelo de Estado legislativo de direito, consagrou a
Constituição como a norma fundamental de todo o sistema jurídico.
As Constituições, nos países onde se notam a sua presença, disciplinaram o modo de
produção das leis e dos atos normativos, assim como impuseram limitações à atuação do
Estado, que se manifesta através de órgãos e instituições que possuem uma enorme presença
na vida pública. O termo Jurisdição Constitucional se traduz na aplicação e interpretação do
texto constitucional pelos órgãos judiciais de modo direto, isto é, dos preceitos contidos
naquele; ou indireto, na medida em que serve como parâmetro para o exame de validade de
uma norma de classe inferior ou quando se deseja atribuir um melhor sentido a tal norma.
Esse cenário de significativas transformações na arquitetura jurídica estatal, a partir da
assunção do papel normativo da Constituição, coincidiu com uma concreta expansão do Poder
[1]
Judiciário , ilustrando sua maior participação no âmbito político e configurando um novo modo
de pensar e de praticar a ciência do Direito. Essa ampliação da jurisdição e, igualmente, do
discurso jurídico tem sido atribuída por muitos estudiosos à instituição do controle de
constitucionalidade das leis, considerado como principal responsável pela ascensão do
[2]
Judiciário como uma nova força política nas democracias contemporâneas .
Esse protagonismo do Direito e dos tribunais de justiça nos últimos tempos é, sem dúvida
alguma, um acontecimento que tem causado uma serie de preocupações em uma grande
quantidade de juristas e cientistas políticos, uma vez que parece apontar para movimentos
profundos de transformação da democracia derivados da esperança depositada na
administração de justiça, como garantia de um Estado democrático de direito frente a uma
possível crise política. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo realizar um breve
estudo acerca da crescente participação do Terceiro Poder na vida política da sociedade
brasileira, fenômeno conhecido pelo nome de Judicialização da Política.
1 A expansão do Poder Judiciário nas democracias contemporâneas
1.1.A judicialização da política e os seus distintos significados
Nas últimas décadas, se tem observado uma tendência global com respeito à intensificação
das atividades jurídicas e também dos seus procedimentos sobre as diversas esferas da vida
do Estado. Surgiu, assim, um debate sobre a juridificação da política e das relações sociais
como resultado do labor dos tribunais sobre as ações dos Poderes Legislativo e Executivo,
tendo em conta que o sistema democrático fornece as devidas condições para uma atividade
interpretativa por parte do Judiciário sobre as leis vigentes.
O crescimento da justiça sobre a política, tema que tem gerado um grande volume de estudos
e que foi cunhado pela literatura especializada como Judicialização da Política, consiste na
resolução em sede judicial de assuntos de conteúdo político que antes se solucionavam pelas
instâncias representativas. Dito de outro modo, esse fenômeno reside na maior inserção do
Poder Judiciário no terreno político para expressar a expansão da sua importância e
participação na melhoria da qualidade da democracia de um determinado país.
Por outro lado, a judicialização de questões políticas induz a pensar em uma efetiva
transferência de poder político para as instituições judiciais em detrimento das instâncias
deliberativas. A relação entre os três poderes no contexto social e globalizado em que se vive,
tem fomentado um papel mais ativo do Poder Judiciário no que se refere à revisão dos atos
[3]
políticos e na execução ou formulação de políticas públicas . Resulta lógico afirmar que o
crescimento da jurisdição e do campo de incidência do Direito revelou uma nova fronteira entre
a política e o funcionamento da justiça. Nas palavras de Pilar Domingo (2009, p. 37):
“A judicialização da política significa, em primeiro lugar, uma maior presença da atividade
judicial na vida política e social; em segundo lugar, nos fala que os conflitos políticos, sociais ou
entre o Estado e a sociedade se resolvem cada vez mais nos tribunais; em terceiro lugar, é
fruto do processo pelo qual diversos atores políticos ou sociais, veem como vantagem recorrer
aos tribunais com o fim de proteger ou promover os seus interesses. A utilização de estratégias
jurídicas, de alguma forma, amplia o poder político dos juízes. Por último, a judicialização da
política aponta, em certo modo, para uma tendência talvez crescente de que a legitimidade do
sistema político vai ligado com a capacidade do Estado democrático moderno de cumprir com
as suas promessas do Estado de direito, de proteger os direitos do cidadão, de garantir o
principio de dito processo e os mecanismos de rendição de contas dos governantes.”
Dentre um dos mais importantes estudos sobre o aumento do poder dos juízes nas sociedades
atuais está a obra “The Global Expansion of Judicial Power” dirigida por Neal Tate y Torbjörn
Vallinder, que reúne trabalhos de outros especialistas sobre o tema. Daí que a apresentação
do fenômeno se faz a partir da adoção da decisão judicial para resolver controvérsias no
espaço político. Com isso, se amplia a área de atuação dos tribunais mediante o recurso de
revisão judicial dos atos legislativos e executivos com fundamento na constitucionalização dos
direitos; no mecanismo de checks and balances; e, por fim, na introdução de instrumentos
propriamente judiciais no âmbito do Legislativo e Executivo.
No Brasil, merece destaque a obra “A Judicialização da Política e das Relações sociais no
Brasil”, desenvolvida por Luis Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel
Palácios Cunha Melo e Marcelo Baumann Borges. Os autores formulam duas linhas de
investigação: uma teórica, que expõe os fatores sociais que levaram a presença da
judicialização da política na sociedade brasileira; outra empírica, que apresenta as mudanças
institucionais após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Na intenção de reconstruir
a origem do fenômeno a partir dos reflexos da vida social e das modificações de paradigma de
Estado, Werneck Vianna et al (1999, p. 15) indicam que:
“O que se constata é que a vocação expansiva do princípio democrático tem implicado em uma
crescente institucionalização do direito na vida social, invadindo espaços antes inacessíveis a
ele, como certas dimensões da esfera privada. Foi a emergência dos novos titulares dos
direitos, especialmente o movimento obreiro a mediados do século passado que pôs fim a
rigorosa separação entre Estado e sociedade civil nos termos da doutrina liberal.”
Cabe ainda considerar o controle da política pelos tribunais, como um projeto contemplativo de
uma noção material de democracia que se baseia no bem comum, na cidadania, na
solidariedade e na concepção de uma justiça distributiva. Sobre a base dessas idéias, não se
pode negar que esse fenômeno jurídico-político tem se convertido em uma referência no
discurso sobre a jurisdição constitucional como área da democracia deliberativa em direção à
concepção de participação popular. Sendo assim, o Judiciário tem-se mostrado um poder mais
[4]
preocupado por responder às necessidades sociais crescentes .
Ante o exposto, a expansão do Direito sobre a política pode significar importantes avanços no
que se refere ao esquema organizacional do Estado. O emprego do método judicial na
resolução de conflitos políticos, em razão de uma possível falta efetividade das instituições
majoritárias, cria condições para que o Poder Judiciário forneça novos canais de mobilização e
de deliberação pública. As decisões judiciais sobre as ações de natureza coletiva trazem a
tentativa de reafirmar os valores cidadãos, na medida em que fortalece aquele poder como um
cenário de reivindicações no contexto de uma sociedade de massas.
1.2 Algumas causas e condições para o surgimento da judicialização da política[5]
A judicialização da política apresenta os seus primeiros registros históricos nos Estados Unidos
sendo, posteriormente, reconhecida em uma grande quantidade de Estados democráticos.
Com respeito aos fatores que tentam explicar a crescente influência do Poder Judiciário sobre
as instituições políticas e sociais, eles podem variar significativamente conforme a trajetória
constitucional (organização institucional, formação histórica, configuração da Carta
constitucional, etc.,) de cada país individualmente considerado.
Em um primeiro momento, a crescente intervenção do Judiciário nas democracias
contemporâneas, na visão de N. Tate e T. Vallinder, guarda uma estrita relação com o fim da
ex União Soviética e com a permanência dos Estados Unidos como potência econômica
mundial. Esse aspecto histórico, em específico, propiciou a difusão do funcionamento
institucional do sistema norte-americano de revisão judicial (judicial review), que tem sido
responsável pela expansão dos métodos de controle jurisdicional em vários países do globo.
De outro lado, não cabem dúvidas de que a nova atuação do Poder Judiciário está ligada à
implementação de novas políticas públicas em uma grande maioria de países ocidentais
durante o pós-guerra, as quais fomentaram um acelerado crescimento tanto no campo
econômico como social. Tais políticas estimularam importantes reformas nas leis e, sobretudo,
no que se refere à estrutura organizacional que conforma o Poder Judiciário, com o propósito
de impedir eventuais abusos de poder por parte das instâncias representativas.
Além do já mencionado, a difusão de modernas teorias sobre o direito e as novas construções
teóricas em torno ao significado de justiça, acompanhada da publicação de obras de autores
como John Rawls (A Theory of Justice), em 1971, e Ronald Dworkin (Taking Rights Seriously),
em 1978, promoveram intensos debates públicos sobre a garantia e a efetividade dos direitos e
liberdades individuais. Uma nova linguagem dos direitos tem sido importante para o discurso
sobre o fortalecimento do Estado de direito e da democracia.
Também não se pode deixar de lado a importância atribuída à proteção dos direitos humanos
no contexto da promulgação de documentos internacionais (Declaração Universal dos Direitos
do Homem – 1948 e a Convenção Europeia de Direitos Humanos – 1950), e a criação do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que acrescentaram novas perspectivas ao exercício da
função judicial, uma vez que praticamente todos os Estados reconheceram a obrigação dos
juízes em aplicar tais instrumentos em substituição da própria lei nacional.
Posteriormente, se inserem as novas perspectivas em torno aos interesses econômicos globais
que incentivaram o fenômeno da judicialização da vida política, tendo em vista que se requer a
presença de um sistema judicial forte e independente, capaz de estabelecer as bases para a
instituição de um modelo de governabilidade democrática. Sobre esse aspecto, Boaventura de
Sousa Santos (2001, p. 27) assegura que a administração da justiça é essencialmente um
serviço prestado pelo Estado à comunidade, como forma de preservar a paz social e facilitar o
desenvolvimento econômico por meio da resolução de conflitos.
Na concepção de Perfecto Andrés Ibañez, a mudança de comportamento da jurisprudência dos
tribunais fez com que eles passassem a atuar em função das lacunas institucionais deixadas
pelos poderes Legislativo e Executivo. Segundo aquele autor, estas circunstâncias têm sido
motivadas, em grande medida, pelas alterações procedidas na cultura interpretativa das
escolas jurídicas (crise do positivismo jurídico), pela delegação ou omissão do Legislativo e
Executivo, pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas do Estado, pela pressão exercida
pela sociedade civil sobre os órgãos de justiça e, sobretudo, pela constitucionalização dos
direitos fundamentais (IBAÑEZ, 2003, pp. 31-47).
Além das causas que justificam a ocorrência da judicialização da política, Neal Tate y Torbjörn
Vallinder enumeram algumas das condições políticas necessárias a sua concretização. Após
utilizar uma série de exemplos extraídos de alguns países, aqueles autores desenvolveram um
interessante quadro condicional que confirma a presença daquele fenômeno jurídico-político
como uma realidade operante nas sociedades contemporâneas.
1.2.1 A democracia
O pensamento político dominante durante o transcurso do século XX sempre esteve
diretamente relacionado com a escolha da melhor forma de governo, o que desde logo põe em
evidência a importante discussão sobre a relação entre a função jurisdicional e o regime
democrático. Neste mesmo sentido, as inúmeras propostas sobre um sistema judicial mais
receptivo às diversas demandas sociais com a finalidade de realizar os princípios legais,
sociais e políticos têm influenciado, de maneira decisiva, o estudo sobre a teoria do Direito.
Conforme Antoine Garapon, a expansão das funções do Terceiro Poder é derivada, mais que
tudo, de um largo e gradual processo de transformação do regime democrático. O magistrado
francês afirma, com bastante veemência, que quanto mais a democracia se emancipa em sua
dupla forma de organização política e de sociedade, mais ela buscará na justiça uma espécie
de proteção; é exatamente aí onde se encontra a unidade profunda que justifica o fenômeno da
vigorosa ascensão da justiça (GARAPON, 1997, pp. 19-20).
No entanto, não é demais reconhecer que dificilmente seria possível compatibilizar governos
autoritários com a expansão do Judiciário em virtude dos obstáculos impostos ao princípio da
independência funcional dos juízes. No Brasil, a trajetória histórica do órgão de máxima
instância da justiça brasileira (Supremo Tribunal Federal), comprova que foi somente a partir do
processo de redemocratização, com a consequente promulgação da Constituição Federal de
1988 (após vários anos de um duro regime militar), que o Poder Judiciário obteve a
possibilidade de exercer o veto constitucional sobre as ações promovidas pelo Executivo,
denotando assim uma intervenção daquele poder na vida política do país.
1.2.2 A separação dos poderes
O clássico tema da separação dos poderes, cuja fórmula supõe a eliminação de todo e
qualquer abuso de poder e de uma atuação arbitrária das instituições públicas, funciona como
condição ao surgimento da judicialização da política. Mais que uma teoria direcionada a
manutenção da estabilidade do poder político mediante uma fórmula de equilíbrio entre três
autoridades estatais distintas, a doutrina da divisão de poderes contribuiu para gerar um
Judiciário independente e com capacidade para influenciar na tomada de decisões políticas.
O jurista italiano Mauro Cappelletti, para quem a ampliação da atuação do Terceiro Poder é
resultado do crescimento das atribuições do próprio Estado com o objetivo de lograr um
sistema administrativo capaz de integrar e de dar atuação as novas intervenções legislativas,
entende que: “a expansão do papel do Poder Judiciário representa o necessário contrapeso em
um sistema democrático de checks and balances, levando em consideração a paralela
expansão dos ramos políticos do Estado moderno” (CAPPELLETTI, 1999, p. 19).
O certo é que a contemporaneidade tem se caracterizado, sem nenhuma margem de dúvida,
por conflitos que envolvem práticas judiciais, legislativas e executivas e pelo avanço de uma
esfera de poder sobre as outras. Essa circunstância tem demandado um esforço de
reconfiguração do esquema paradigmático da separação dos poderes estatais, ao mesmo
tempo em que ilustrou uma intervenção do Poder Judiciário no cenário político, o que põe em
relevo a preponderância do método judicial na condução do sistema político-estatal.
1.2.3Os direitos políticos
Outra condição importante é a presença de uma chamada política de direitos (politics of rights),
ou seja, na existência de um catálogo de direitos formalmente estabelecidos pela Constituição
ou, na ausência deste catálogo, pela simples aceitação de que os indivíduos são titulares de
direitos oponíveis as ações praticadas por uma maioria no Estado. Nessa mesma direção, a
política de direitos contribuiu para a aplicação e interpretação das normas em favor dos
interesses de uma minoria, possibilitando-lhes o acesso às instâncias judiciais para garantir a
tutela dos seus direitos fundamentais. Como expõe Mauro Barberis (2008, p. 127):
“O texto constitucional representa um projeto de vida em comunidade que se divide em duas
partes, as quais delineiam as principais funções de uma Constituição: a primeira consiste na
declaração de direitos como limitação ao poder do Estado mediante um catálogo de direitos
que ele não pode violar; a segunda reside na forma de governo que institui o poder político,
conferindo aos órgãos ou conjunto de órgãos as três funções estatais, que a partir da doutrina
de Montesquieu, se denominam Legislativo, Executivo e Judiciário.”
1.2.4 A utilização dos tribunais por grupos de interesses
A expansão dos direitos (incluindo os direitos políticos) procede de uma intensa e incansável
trajetória de lutas e pressões exercidas por parte de organizações de caráter social,
materializada através de movimentos ou mesmo da ação dos grupos de interesses. Em muitos
países da América Latina, o que se vê é que tais grupos passaram a disputar os espaços de
deliberação pública junto com os partidos políticos e, para tanto, consideraram a possibilidade
de utilização do veto nos tribunais com o fim de alcançar os seus objetivos.
Partindo dessa idéia, a propagação da judicialização da política se relaciona com a efetiva
participação desses grupos de interesses nas ações judiciais promovidas perante os tribunais.
Para melhor ilustrar a tese que aqui se pretende defender, no caso brasileiro é possível
verificar que das 4.751 ações direta de inconstitucionalidade (ADIn´s) que chegaram ao
Supremo Tribunal Federal entre 1988 – 2012, um total de 1.202 (25,3%) foram interpostas
[6]
pelas Confederações Sindicais ou Entidades de Classe de Âmbito Nacional .
Os dados anteriores levam inevitavelmente a conclusão de que aqueles atores sociais
(Confederações Sindicais ou Entidades de Classe de Âmbito Nacional) têm participado
ativamente no ambiente judicial, motivados pela finalidade de alcançar os seus objetivos
institucionais. Tal diagnóstico parece apontar para o fato de que no Brasil, o procedimento
judicial está cada vez mais disseminado no âmbito político e que os juízes estão mais
envolvidos na resolução de assuntos de competência das esferas representativas do Estado.
1.2.5 O uso dos tribunais pelos partidos de oposição
Os partidos de oposição, sem conseguir suspender as pretensões da maioria, se valem dos
tribunais de justiça com o claro objetivo de obstaculizar ou inviabilizar aquelas alterações
legislativas que se encontram em curso. Deste modo, na medida em que esses partidos ou o
próprio governo tentam, de todas as maneiras, modificar a legislação vigente ou mesmo
paralisar as iniciativas governamentais através das ações judiciais, o Poder Judiciário adquire
necessariamente uma potestade para tomar decisões na arena política.
Com base no anteriormente dito, os dados fornecidos pelo Supremo Tribunal Federal indicam
que, durante os anos de 1988-2012, das mesmas 4.751 ações direta de inconstitucionalidade,
819 (17,2%) foram interpostas por partidos políticos com representação no Congresso
Nacional. Estes dados advertem que a utilização dos tribunais por aqueles partidos é uma
realidade no Estado brasileiro e que, além disso, a interposição das ADIn´s tem se convertido
[7]
em um importante instrumento de contestação pública .
1.2.6 A ineficiência das instituições majoritárias
Intimamente relacionado com o item anterior, Neal Tate y Torbjörn Vallinder mencionam a
incapacidade das instituições majoritárias para fazer frente às novas e crescentes demandas
sociais, em razão de fatores como: os altos índices de corrupção, os impasses políticos que
obstruem a tomada de decisões sobre questões fundamentais para a preservação da vida do
Estado; e, finalmente, a presença de uma gama de partidos políticos sem grande expressão no
cenário nacional para desenvolver políticas públicas concretas.
Sob essa perspectiva, tal realidade é facilmente observada nos países da América Latina, onde
sobrevive uma patente dificuldade dos países subdesenvolvidos para promover políticas
públicas com partidos políticos sem grande importância e com problemas de manutenção das
maiorias parlamentarias. Esse quadro de ineficiência das instituições políticas, por sua vez,
favoreceu a submissão das causas políticas à apreciação judicial.
1.2.7 A delegação de assuntos pelas instituições majoritárias
A última condição radica em torno à delegação de questões políticas a esfera judicial pelas
instâncias majoritárias. Por vezes, o Legislativo e o Executivo preferem manter-se à margem de
uma solução sobre assuntos de grande polêmica (ex. reconhecimento da união homoafetiva
como entidade familiar), tendo em vista o alto custo político-eleitoral que a adoção de uma
decisão possa vir a provocar. Assim, tais assuntos têm sido cada vez mais submetidos ao
controle jurisdicional, enaltecendo o Judiciário como recurso de salvaguarda das expectativas
cidadãs em direção à consecução dos fins institucionais do Estado.
2.A dimensão externa do processo de judicialização
A expansão da atividade dos tribunais de justiça nacionais e internacionais tem representado
um importante fator que contribuiu para um aumento dos pronunciamentos judiciais em
processos que tratam sobre política externa e o cumprimento de normas internacionais. A
evolução da função jurisdicional, com o transcurso dos anos, tem afetado não só o sistema
político de determinados países, como também toda uma conjuntura internacional, revelando
[8]
uma tendência inovadora como novo campo da judicialização . Estevão Ferreira Couto (2004,
p. 10) esclarece que esse fenômeno se revela de três formas:
“a) o ato do Poder Judiciário que acarreta a responsabilidade internacional do Estado; b) as
constrições colocadas sobre o Poder Executivo na condução das relações exteriores, na
medida em que os tribunais constitucionais (especialmente o Supremo Tribunal Federal)
exigem uma conformidade com determinada interpretação sobre os princípios e normas
constitucionais que regulam a ação externa do Estado; c) mecanismos institucionais
internacionais, investidos de funções judiciais, aos quais são atribuídos papéis de
equacionamento de impasses entre poderes ou entre o Estado e o indivíduo/sociedade, ou que
impõe outros tipos de constrangimentos sobre a política externa do Estado.”
Enquanto as possíveis causas que procuram explicar o surgimento da judicialização da política
externa se podem mencionar as mudanças ocorridas no último século (consequência do
fortalecimento do comércio internacional e do desenvolvimento das novas tecnologias com
ênfase na redução das distâncias geográficas, que propiciou uma vinculação entre questões
domésticas e internacionais) e o aparecimento de novos atores internos e externos (como as
organizações civis, grupos empresariais, organismos supranacionais), os quais demandam a
satisfação de interesses e uma maior participação na vida política do país.
No entanto, os tratados internacionais em matéria de direitos humanos tem significado até o
presente momento, uma das maiores expressões da judicialização exterior da política. Em se
tratando do continente americano, a adesão dos Estados ao disposto na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e a sua posterior integração no ordenamento jurídico
destes países, acabou por outorgar a Corte Interamericana de Direitos Humanos o poder para
julgar um determinado Estado-membro com respeito à aplicação das normas sobre ditos
[9]
direitos, tendo como base as diretrizes previstas na Convenção supracitada .
De igual modo, é possível verificar a presença da judicialização de questões externas no
âmbito econômico ao referir-se a aplicação das normas da Organização Mundial do Comércio
(OMC) ou quando se discute sobre os futuros mecanismos de caráter jurídico que poderão ser
empregados para regulamentar a organização e o desenvolvimento do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUR) e da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto Ran Hirschl (2004, p. 215)
sustenta que esses órgãos de adjudicação supranacionais (como o Mecanismo de Solução de
Controvérsias da OMC) possui uma grande importância, posto que promovem a incorporação
de parâmetros legais internacionais nos sistemas domésticos legais dos países. Diante do não
cumprimento das determinações dessas instâncias internacionais, os Estados podem ser
responsáveis internacionalmente pela violação das obrigações de direito internacional, às quais
repercutirão tanto na imagem como nas suas políticas externas.
Marcelo Neves (2009, pp. 133-134) denomina de transnacionalismo, o fenômeno de integração
de várias ordens jurídicas na solução de um problema-caso constitucional (de direitos
fundamentais ou humanos e de organização legítima de poder) que seja de relevância
internacional. Conforme M. Neves, uma das suas formas de manifestação é a que ocorre entre
o direito internacional público e o direito estatal, hipótese ilustrada pelos casos que são
tratados, de forma paralela, pelas cortes internacionais e nacionais. Tais situações exigiriam
um diálogo consistente entre a ordem jurídica doméstica e a ordem internacional, de modo a
alcançar um verdadeiro consenso em direção à resolução de problemas comuns.
Ainda sobre a relação entre a justiça e a política exterior, Eyal Benvenisti (1994, p. 426) ensina
que a independência outorgada pelos Poderes Legislativo e Executivo ao Poder Judiciário, não
somente configura uma concessão em troca do efeito de legitimação dos atos executivos e
legislativos, mas também funciona como condição necessária à credibilidade do Estado
perante a opinião pública. A independência do Terceiro Poder, em geral, e do poder de controle
das leis, em específico, seriam componentes de um pacto entre tal poder e os demais. Em
contrapartida, o referido acordo não tem a mínima pretensão de conceder ao Poder Judiciário,
uma discricionariedade sobre a esfera da política exterior do Estado.
Com razão já não se pode ignorar a influência da política internacional como um novo campo
da atuação dos juízes. Por conseguinte, o crescente aumento do poder judicial nas
democracias contemporâneas, acompanhado do fortalecimento da instituição do controle de
constitucionalidade abstrato das políticas públicas e de um direito transnacional, tem atribuído
à política externa o status de elemento integrante do conceito de judicialização.
Ainda cabe acrescentar que o impacto da atuação do Judiciário dentro do campo da política
exterior, continua sendo um tema polêmico na doutrina e na jurisprudência. Ao apreciar
questões internacionais, aquele poder o faz mediante uma lógica singular e através do uso de
métodos difundidos no campo judicial, o que pode trazer graves consequências ou mesmo
inconvenientes no que se refere ao processo decisório no plano internacional.
3.A judicialização da política no Brasil: um fenômeno em expansão
A ampliação da efetividade do controle normativo realizado pelo Poder Judiciário sobre o
processo decisório estatal tem provocado uma substancial alteração no quadro políticoinstitucional em grande parte dos países ocidentais concorrendo, desse modo, para o
surgimento da judicialização de questões políticas. O referido fenômeno (característico das
democracias consolidadas e que deriva das peculiaridades relativas à ordem política,
econômica e social) gerou consequências perceptíveis também na democracia brasileira.
A experiência brasileira revela que esse fenômeno jurídico-político possui um forte componente
característico. Dentre as condições necessárias para o seu surgimento, conforme a
classificação proposta por Neal Tate y Torbjörn Vallinder em The Global Expansion of Judicial
Power (1995), se pode constatar que todas elas fazem parte da realidade do país, ainda que
em diferentes graus e em razão de certos condicionamentos e particularidades (situação
histórica, estrutura institucional, realidade democrática e política, transformações legais que
repercutiram no exercício da função jurisdicional e os direitos fundamentais).
No entanto, foi a partir do processo de redemocratização do país (após anos de ditadura) que
culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988, que se observou uma proeminente
atuação política do Poder Judiciário, com a finalidade de assegurar rol de direitos fundamentais
que passaram a receber proteção jurídica. A Constituição, então, fixou os limites e contornos
para o exercício da atividade política no Estado, ademais de atribuir ao Judiciário o poder para
garantir o cumprimento desses mandados constitucionais.
Com relação ao parágrafo anterior, o texto constitucional de 1988 provocou significativas
alterações na jurisdição constitucional do Estado brasileiro, ao mesmo tempo em que
consolidou o Supremo Tribunal Federal como uma instituição vital no projeto da democracia
republicana. O novo sistema jurídico implantado, além de reforçar as atribuições e
competências daquele Alto Tribunal, lhe outorgou um novo papel com respeito ao exercício do
controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, elevando o debate em torno da
[10]
sua legitimidade para controlar ou revisar os atos dos outros poderes .
Por falar no controle de constitucionalidade das leis é importante esclarecer que, no Brasil, se
adotou um sistema híbrido que compreende duas modalidades distintas: um sistema difuso e
outro concentrado. Através do sistema difuso, inspirado no modelo norte-americano, qualquer
autoridade judicial goza de autonomia para apreciar questões relativas à constitucionalidade
das leis a partir da análise de um caso concreto. De outra parte, no modelo concentrado, esse
controle é atribuído a um órgão judicial (Tribunal Constitucional), que está encarregado do
[11]
exame de constitucionalidade de uma determinada lei em abstrato .
Deste modo, na organização do sistema de justiça brasileiro, qualquer juiz ou tribunal, após o
recebimento e conhecimento do mérito de uma demanda em que haja litígio entre duas partes
interessadas, possui a faculdade para declarar (em caráter incidental) a inconstitucionalidade
de uma lei com o propósito de eximir a sua aplicação àquele caso específico. Entretanto,
somente o Supremo Tribunal Federal, mediante o exercício do controle de constitucionalidade
concentrado (próprio de vários países europeus) deve decidir, de modo definitivo, se a citada
lei está em conformidade ou não com a Constituição.
Como consequência disto, se constata que o controle de constitucionalidade das leis, nessas
duas modalidades, tem propiciado o deslocamento de conflitos eminentemente políticos ao
crivo do poder judicial, com a difusão dos procedimentos jurídicos nos espaços de deliberação
popular. Paralelamente, a contribuição das ações constitucionalmente consagradas (ação
popular, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade,
arguição de descumprimento de preceito fundamental), conferiu a um limitado número de
agentes públicos, uma legitimidade ativa para interpô-las perante o STF.
Com efeito, o espaço constitucional cedido pela Constituição da República Federativa do Brasil
do ano de 1988 a determinados atores sociais, em virtude do mecanismo do controle de
constitucionalidade das leis, lhes possibilitou a interposição de um excessivo número de
demandas perante a suprema corte de justiça brasileira. Esses atores, em sua maioria partidos
políticos e governadores de Estados, contribuíram para estimular cada vez mais o papel de
agente político dos juízes e tribunais na busca pela efetiva proteção dos direitos fundamentais
e pela preservação do processo democrático.
Desde uma perspectiva distinta, Fiona Macaulay (2005, pp. 141-163), ao examinar as
iniciativas de reformas judiciais levadas a cabo após o período de transição democrática
ocorrido em 1985, cujo objetivo consistia na melhoria do modelo de administração de justiça,
indica uma visível revalorização das instituições judiciais como resultado da influência política,
econômica e social nos distintos conjuntos de reformas propostas. As modificações
introduzidas na organização do Poder Judiciário, que o converteram em um poder mais ativo
na condução da vida do país, não podem ser explicadas somente em razão do movimento
constitucionalista de 1988; mas com base nas realidades políticas vigentes, nas conjunturas
democráticas, no balanceamento de poder entre as três esferas do Estado, no sistema federal
de governo e nos interesses corporativistas existentes dentro do Judiciário.
Não obstante tudo quanto foi dito, se pode compreender o desenvolvimento do fenômeno da
judicialização da política no Brasil a partir do controle de constitucionalidade das leis
consagrado pela Constituição de 1988, que implicou substanciais modificações na condução
da função jurisdicional. Além disso, a constitucionalização dos direitos e a crescente tomada de
consciência por parte de vários grupos sociais de que o Poder Judiciário pode servir como
instrumento para a tutela dos seus direitos, redimensionaram os horizontes da atuação daquele
[12]
poder e ampliaram a repercussão das suas decisões no âmbito político .
3.1O Ministério Público e a judicialização dos conflitos políticos
O processo de consolidação democrática, iniciado a meados da década de 1980 cujo auge
coincidiu com o advento da Constituição Federal de 1988, produziu significativas mudanças
institucionais no Ministério Público, o qual passou a contribuir de forma efetiva para o
fenômeno da judicialização da política. Isto se deve, em grande medida, ao uso cada vez mais
constante da legitimidade ativa que possui a referida instituição para propor ações diretas de
inconstitucionalidade e ações civis públicas perante o Supremo Tribunal Federal.
A participação desse agente da justiça é sintetizada por Rogério Bastos Arantes na sua obra
[13]
denominada “Ministério Público e Justiça no Brasil” . O autor analisa a reconstrução da
trajetória institucional do MP, iniciada com o Código de Processo Civil (1971) e consolidada
com a entrada em vigor do atual texto constitucional. Ao comentar sobre a origem da expansão
do Poder Judiciário brasileiro, Arantes afirma que: “o problema da justiça tem suas raízes mais
profundas na natureza das novas funções assumidas pelo sistema judicial, além dos aspectos
estruturais e processais” (ARANTES, 2002, p. 13).
O Ministério Público, como instituição essencial no funcionamento do sistema de justiça, tem a
sua estrutura organizacional regulamentada pela Lei Orgânica Nacional (Lei n° 8.625/1993),
possuindo funções e poderes orientados para a garantia da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais. Para cumprir com o objetivo que lhe foi
encomendado, a instituição tem desempenhado um considerável protagonismo, o que se pode
comprovar através da atuação do Procurador Geral da República que, entre os anos 1988 2012, foi responsável por 953 (20,1%) das ações direta de inconstitucionalidade.
De fato, a sua intervenção nos conflitos políticos e sociais pôs em relevo a idéia de que os seus
membros estão mais orientados ideologicamente na afirmação do papel político da instituição.
Entre os motivos que servem para explicar a sua nova atuação figuram: amparar uma
sociedade incapaz de defender os seus próprios interesses diante da debilidade representativa
das instituições políticas do Estado. O número de ADIn´s anteriormente mencionado favorece a
uma rápida percepção de que o Ministério Público tem atuado no exercício do seu papel de
representação dos interesses e direitos oriundos da sociedade civil.
Ao contrário, a crise enfrentada pelo sistema de justiça, especialmente naquelas situações
onde o Poder Público é omisso enquanto a execução/formulação de políticas públicas junto
com a negligência do Poder Legislativo para regulamentar determinadas matérias de sua
competência, acabou por legitimar uma ação política do Ministério Público na proteção dos
valores sociais. Como bem destaca Rogério Bastos Arantes (2002, p.130):
“A decepção com o funcionamento do regime representativo, nos marcos da sociedade civil
supostamente frágil, conduz a tentativas de contornar a esfera política em busca da efetividade
dos direitos. Esse é um dos elementos que compõe o universo ideológico do voluntarismo
político de promotores e procuradores de hoje, embora também remonte a uma antiga tradição
de pensamento político.”
Por conseguinte, o modelo de república constitucional brasileiro, no qual a administração da
justiça é responsável pela aplicação da lei além de servir como canal de expressão para que
grupos reclamem a promoção dos seus direitos fundamentais, permitiu a ampliação do espaço
de atuação de alguns agentes da justiça. O Ministério Público passou a ser considerado um
propulsor da judicialização da política, sobretudo quando utiliza suas atribuições constitucionais
para levar certos conflitos políticos ao domínio dos tribunais.
3.2A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: apresentação de casos[14]
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal tem dirimido controvérsias de grande relevância
política e social. O corpo de ministros tem produzido significativas resoluções normativas sobre
diferentes questões, que vão desde a garantia dos direitos fundamentais até as que tratam
sobre o processo democrático. A seguir, serão expostos quatro casos emblemáticos onde o
STF exerceu uma função distinta da propriamente jurídica, o que permite reconhecer a
judicialização da política como uma realidade operante no Brasil.
3.2.1 Fornecimento de medicamentos e o direito constitucional a saúde
Trata-se de Recurso Extraordinário (REXT n° 271.286) onde figuram como partes Diná Rosa
Vieira (portadora da chamada Síndrome da imunodeficiência adquirira - AIDS) e o Município de
Porto Alegre. O STF, por unanimidade de votos e corroborando com a orientação do artigo 196
da CF/1988, determinou que o município e o Estado do Rio Grande do Sul tem o dever
constitucional de fornecer gratuitamente os medicamentos para o tratamento da AIDS daqueles
pacientes que não dispõem de recursos financeiros suficientes.
As alegações do Município se baseavam, especialmente, em questões orçamentárias.
Sustentou que a decisão do Supremo ofende o artigo 167 da Constituição, quando o obriga a
fornecer medicamentos aos doentes de AIDS, e ainda afirmou que a carta constitucional
estabelece, no artigo 165, ser de competência do Executivo a elaboração de lei orçamentária
anual onde estaria previsto o orçamento da previdência social, não possuindo, portanto, o
Poder Judiciário atribuição para intervir em tais assuntos. Por último, alegou que a decisão
deixa de observar a repartição de competência no que se refere à execução dos serviços de
saúde, o que vulnerabiliza o princípio da separação de poderes (art. 198, §1°, CF).
No seu voto, o relator Celso de Mello rebateu as alegações formuladas pelo Município de Porto
Alegre. Afirmou que o procedimento de licitação é dispensado nos casos de emergência, pois o
atraso na compra dos medicamentos comprometeria o direito à vida. Além disso, o ministro
defende que o juiz não deve se preocupar com a falta de previsão orçamentária em virtude de
que esse é um problema que deve ser solucionado pelo administrador público. Com relação à
alegação da violação da separação dos poderes, Mello entende que esta não se coaduna com
a jurisprudência do STF. Por fim, o voto aborda o direito a saúde que, segundo o Tribunal, é
um direito subjetivo assegurado a todos através do art. 196 da Constituição Federal e que, por
tal motivo, o Poder Público deve velar, de modo responsável, pela formulação e implementação
de políticas sociais e econômicas idôneas dirigidas a garantia do acesso universal e igualitário
à assistência médica no Estado.
Assim, o órgão colegiado entendeu que o direito a saúde, ademais de um direito fundamental
da pessoa humana, é compreendido como indissociável ao direito à vida e que recebe
proteção jurídica da Constituição Federal. A partir de um exercício de um juízo de ponderação,
aquele direito, quando confrontado com um interesse econômico do Estado, deve realmente
prevalecer em nome do respeito indeclinável à vida e à saúde humana.
3.2.2 A discussão em torno à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa
Cuida-se do exame conjugado de duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC´s 29 e
30), ajuizadas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, e de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn n° 4.578) interposta
pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), que discutem sobre a
constitucionalidade da Lei Complementar n° 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Tal lei atribuiu um
novo texto à Lei Complementar n° 64/1990, instituindo outras causas de inelegibilidade com
relação à proteção da moralidade e da probidade administrativa no exercício do mandato
eletivo, conforme o parágrafo 9° do art. 14 da Constituição Federal.
A Lei da Ficha Limpa traz na redação do seu dispositivo 2°, a hipótese de que serão
considerados inelegíveis todos aqueles candidatos que forem condenados, em decisão
transitada em julgado ou proferida por um órgão judicial colegiado, desde a condenação até ao
transcurso do lapso de oito anos após o cumprimento da pena, pelos seguintes crimes contra:
a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o
patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula
a falência; e também contra o meio ambiente e a saúde pública.
Por outro lado, se verifica ainda que serão declarados inelegíveis todos aqueles candidatos
que tenham cometido crimes eleitorais para os quais a referida lei comine uma pena privativa
de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo
ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos
e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; e praticados
por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Entre as várias incompatibilidades da lei com a Constituição brasileira, se sustentou que ela
contraria os princípios constitucionais da não retroatividade, ao tornar candidatos inelegíveis
por atos anteriores à sua entrada em vigor (junho de 2010). Ademais, se alegou violação ao
princípio da presunção de inocência, ao levar em conta decisões judiciais ainda passíveis de
interposição de recurso. O argumento central é o de que a inelegibilidade não tem caráter de
pena e que, por isso, tais princípios não se aplicam ao caso da Ficha Limpa.
Após um cenário de debates marcado por entendimentos divergentes entre os ministros, o
relator Luiz Fux proferiu o voto pela parcial constitucionalidade da lei ora discutida, posto que
existe uma desproporcionalidade na fixação do prazo de oito anos de inelegibilidade após o
cumprimento da pena (aliena “e”). Ainda de acordo com o relator, esse tempo não deveria ser
computado para efeitos de contagem entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença
condenatória (instituto da detração). Ao final, O Supremo Tribunal Federal, por maioria votos
(sete contra quatro), declarou a constitucionalidade da lei, que já poderá ser aplicada nas
eleições que vão realizar-se neste ano e que poderá retroagir para alcançar os atos e fatos
[15]
ocorridos antes da sua entrada em vigor .
3.2.3 O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar
Os ministros do STF, ao julgarem procedente a ação direta de inconstitucionalidade n° 4277 e
a arguição de descumprimento de preceito fundamental n°132 interpostas pelo Procurador
Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, reconheceram a união
homoafetiva como uma entidade familiar. A constante luta dos movimentos sociais em favor do
reconhecimento da diversidade sexual, para efeitos de equiparar a relação entre pessoas do
mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, invadiu a arena judicial em busca
[16]
de uma resposta definitiva sobre o tema .
Dez ministros votaram a favor da união homoafetiva: Carlos Ayres Britto, Luiz Fux, Cármen
Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio de
Mello, Celso de Mello e Cezar Peluso. Já Dias Toffoli não participou do julgamento porque
havia atuado em duas ações quando exercia o cargo de Advogado Geral da União. A
interpretação do Tribunal sobre a união homoafetiva certificou a existência de uma quarta
família, ao lado daquelas decorrentes do casamento, da formada com a união estável e da
entidade familiar monoparental (todas reconhecidas pelo texto constitucional).
O relator Carlos Ayres Britto proferiu o seu voto no sentido de atribuir uma interpretação
conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código
Civil, que impeça o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Ele
defendeu o argumento de que o art. 3º, inciso IV, da CF, proíbe qualquer discriminação em
virtude de sexo, raça, cor de pele e que, portanto, ninguém pode sofrer um ato daquela
natureza em razão da sua preferência sexual. Para Britto, o sexo das pessoas não pode servir
como um meio de desigualdade jurídica e que, por isso, qualquer depreciação da união estável
homoafetiva afronta o inciso IV do art. 3° da Constituição.
3.2.4 A decisão sobre a extradição do italiano Cesare Battisti
Em 2009, os governos brasileiro e italiano acompanharam o julgamento do processo de
extradição de Cesare Battisti, condenado a pena privativa de liberdade pela justiça italiana por
haver participado do cometimento de quatro homicídios entre 1977 e 1979. Esse caso envolveu
uma discussão sobre quais seriam as situações nas quais o Judiciário poderia exercer atos de
competência do Executivo, além de indagar sobre a legitimidade democrática daquele para
intervir na política externa e decidir sobre a extradição de um indivíduo (matéria
[17]
constitucionalmente reservada à pessoa do Presidente da República) .
As circunstâncias que envolveram o pedido de extradição e a importância da preservação das
relações diplomáticas entre Brasil e Itália contribuíram para a ocorrência de intensos debates
entre os ministros do STF. O argumento de que compete ao Tribunal Constitucional, em última
instância, o controle de legalidade sobre a concessão de refúgio político de Cesare Battisti foi
defendido por Cezar Peluso. Para ele, o caráter político-administrativo da decisão concessiva
de refúgio não deve ser entendido de modo estrito, nem tampouco que o fato ou dever de
outorga ser atribuição de competência reservada à própria União, por representar o país nas
relações internacionais, lhe subtraia, de modo absoluto, os respectivos atos jurídicoadministrativos ao ordinário controle jurisdicional de legalidade (judicial review). A modo de
conclusão do seu discurso, C.Peluso entende que:
“Em suma, a decisão do Senhor Ministro da Justiça não escapa ao controle jurisdicional sobre
eventual observância dos requisitos de legalidade, sobretudo à aferição de correspondência
entre sua motivação necessária declarada e as fattispecie normativas pertinentes, que é
terreno em que ganha superior relevo a indagação de juridicidade dos motivos, até para
averiguar se não terá sido usurpada, na matéria de extradição, competência constitucional
exclusiva do Supremo Tribunal Federal.” (Extradição n° 1085/2007 do STF)
Ao contrário do exposto, Eros Grau e Marco Aurélio de Melo afirmaram que não seria razoável
que o STF interferisse em um ato de política exterior, cuja atribuição é exclusiva do Presidente
da República. Segundo a opinião dos ministros, não compete àquela Suprema Corte de Justiça
analisar a questão referente à concessão de refúgio e muito menos determinar a extradição de
um estrangeiro. Conforme o voto de Marco Aurélio:
“Não incumbe ao Supremo Tribunal Federal extraditar, senão processar e julgar a extradição
solicitada por Estado estrangeiro, se e quando o pedido lhe for remitido pelo Poder Executivo,
pronunciando-se previamente, pelo seu Plenário, sobre sua legalidade e procedência. Repito:
não nos cabe extraditar ninguém; quem o faz é o Presidente da República, a quem incumbe
manter relações com Estados estrangeiros (art. 84, VII da Constituição do Brasil). Um dos
requisitos dessa legalidade é o da ausência da concessão de refúgio, concessão que
consubstancia faculdade do Poder Executivo.” (idem)
Depois de acirrados debates sobre o tema em pauta com a presença de argumentos
divergentes como os já apresentados, finalmente no dia 18 de novembro de 2009, por maioria
de votos (cinco contra quatro), o Pleno do Supremo Tribunal autorizou a extradição de Cesare
Battisti por estar presente os pressupostos necessários para a execução da medida. De igual
forma, restou determinado que a decisão sobre a sua efetiva entrega à República da Itália
estaria condicionada a palavra final do Presidente da República Federativa do Brasil.
Conclusões
No Brasil, as intervenções judiciais têm crescido paulatinamente tanto em número, como
também no grau de importância das questões enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal nos
últimos anos. Nesse sentido, se tem notado com certa frequência, a participação de políticos e
de um conjunto de atores da vida pública no ambiente daquele Alto Tribunal, contribuindo
intensamente para o estímulo de um fenômeno que tem sido denominado de judicialização da
política, onde o corpo judicial assume o papel de verdadeiro protagonista no que se refere ao
cumprimento das promessas do modelo de democracia constitucional.
A presença do Poder Judiciário, como via de acesso ou instrumento de transmissão das
reivindicações coletivas e individuais, consiste em um fator de grande transformação social no
Estado brasileiro. Entretanto, é necessário flexibilizar ou relativizar essa atuação inovadora,
posto que pode levar à conversão do processo e dos tribunais, em uma arma na mão de
partidos políticos para alcançar seus objetivos institucionais e, com isso, se manterem no
poder. Tal hipótese compromete a legitimidade e independência daquele poder, necessárias
para a manutenção da democracia e a proteção dos direitos fundamentais.
Enfim, a judicialização da política não pode trazer consigo a idéia de substituição das
instâncias majoritárias pelos órgãos judiciais, posto que eles não devem se apoderar dos
espaços deliberativos institucionalmente atribuídos aos poderes públicos, segundo a lógica
democrática. Sob essa diretriz, o Poder Judiciário não deve se transformar no único canal apto
para processar os pedidos e reivindicações da sociedade brasileira; porém, lhe compete
promover o acesso dos cidadãos às instâncias de poder no sentido de fomentar um debate
público sobre temas relevantes e conciliar os interesses divergentes no espaço político.
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de Janeiro: Revan, 1999.
Notas
[1]
A expansão da atuação do Poder Judiciário no mundo está intimamente ligada à terceira
onda de democratização que produziu um conhecimento acerca do controle judicial das leis.
Mais de três quartos dos países do mundo consagram alguma forma de controle judicial de
constitucionalidade ou de revisão judicial. Sobre isso, veja o artigo do norte-americano
HOROWITZ, Donald. L. On Constitucional Court. Journal of Democracy, vol. 17, n° 4, october
2006, p. 125.
[2]
O mecanismo de controle de constitucionalidade das leis teve uma grande influência sobre
os sistemas de justiça de vários países ocidentais, constituindo um importante elemento
político que outorga preponderância ao Poder Judiciário, como órgão central nas democracias
modernas. Sua instituição e aplicação não só confere aquele poder à faculdade de invalidar os
atos legislativos e executivos, como lhe cede uma margem de discricionariedade para atuar
tanto no controle do processo legislativo como na execução de políticas públicas. Sobre o
instituto do controle de constitucionalidade, veja LINARES, Sebastián. La (i) Legitimidad
Democrática del Control Judicial de las Leyes. 1ª ed., Barcelona: Marcial Pons, 2008.
[3]
HABERMAS, Jürgen. Sobre el Derecho y el Estado Democrático de Derecho en término de
Teoría del Discurso: Facticidad y Validez. 3ª ed., Madrid: Trotta, 1996. Com respeito à distinção
entre a atuação política e jurídica tem lugar a contribuição de Habermas. O sociólogo alemão
parte de duas concepções inspiradas no sistema político norte-americano (liberal e
republicana) para construir uma concepção normativa fundada no discurso racional
denominada de procedimental de política deliberativa (peça nuclear do processo democrático e
da noção de democracia). Tal modelo normativo, fundado na argumentação racional, envolve o
equilíbrio entre esses dois interesses e fornece condições para que a judicialização da política
alcance legitimidade. Para J. Habermas, a deliberação democrática e racional funciona como
requisito essencial à legitimidade do Direito, onde a jurisdição constitucional aceita um papel
procedimental de preservação dos direitos fundamentais com o propósito de cumprir com o
processo democrático. Em função de tudo isso, o Poder Judiciário possui a prerrogativa de
restringir a vontade da maioria com a finalidade de salvaguardar os valores e princípios
democráticos, sem que essa intervenção na esfera dos demais poderes possa atentar contra a
organização e manutenção do próprio Estado.
[4]
Neste ponto, faz-se necessário estabelecer uma distinção entre o que se denomina por
ativismo judicial e a judicialização da política. Embora ocorram, com bastante frequência,
algumas confusões em quanto ao uso dessas duas expressões, elas não só possuem origens
distintas como também os seus fatores determinantes procedem de causas diversas.
Primeiramente, a judicialização da política se refere à expansão da competência dos tribunais
para controlar ou invalidar leis os atos normativos das instâncias representativas, a qual se
materializa em função de um dado modelo constitucional adotado. Já a doutrina do ativismo
judicial sugere aos juízes uma interpretação livre de todo vínculo com o texto da lei, ou seja,
favorece a livre criação do direito constitucional por parte daqueles agentes da justiça com o
fim de adaptar os valores constitucionais às necessidades da vida real, que só os juízes podem
identificar mediante os seus sentimentos de justiça.
[5]
É imprescindível advertir que a exposição das causas e condições necessárias ao
surgimento da judicialização da política tem como referência a obra The Global Expansion of
Judicial Power (1995) de C. Neal Tate y Torbjörn Vallinder. Os citados autores se preocuparam
basicamente com a realidade dos países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos da
América. No entanto, o fenômeno possui características diversificadas de acordo com as
peculiaridades vividas em cada país. Dito isto, se faz do todo necessário examinar cada caso
individual para que se possa discriminar, com mais propriedade, os fatores preponderantes que
concorrem ao surgimento da judicialização da política em cada um deles.
[6]
Informações extraídas do Banco Nacional de Dados da página web do Supremo Tribunal
Federal (www.stf.gov.br).
[7]
Matthew M. Taylor analisa uma das condições de manifestação da judicialização da política,
qual seja a da utilização das cortes de justiça pelos partidos políticos no Brasil, a partir da
experiência do Partido dos Trabalhadores (PT), considerado como principal força de oposição
ao governo e importante ator na condução do processo governamental. O autor defende a tese
de que o uso frequente das cortes de justiça pelos partidos políticos é resultado de três ordens
de fatores distintos: (a) as relações travadas entre os partidos e os administradores públicos
estatais (Poder Executivo); (b) a arquitetura institucional do Poder Judiciário; e (c) a
importância dos diversos instrumentos judiciais previstos no ordenamento jurídico que
dinamizam o exercício da jurisdição constitucional (como a ação direta de
inconstitucionalidade). Para concluir, M.M Taylor assegura que o uso político dos tribunais de
justiça no Brasil tem representado significativos avanços sobre o sistema democrático em
virtude da sua enorme contribuição para o desenvolvimento político do país. Para mais
detalhes, consultar o artigo de TAYLOR, Matthew M. El Partido de los Trabajadores y el Uso
Político del Poder Judicial. Revista América Latina Hoy, agosto, año / vol.37. Salamanca:
Universidad de Salamanca (Espanha), 2004, pp. 139/140.
[8]
Entre os casos que ilustram uma intervenção do Poder Judiciário na política exterior se pode
citar: a decisão da Corte Constitucional Alemã sobre a constitucionalidade do Tratado de
Lisboa cuja finalidade era a de comprovar União Européia estava violando ou não os
mecanismos de revisão democrática (2008). Além do anteriormente mencionado, se encontra a
sentença no caso Hamdan v. Rumsfeld (2006), quando a Suprema Corte de Justiça dos
Estados Unidos determinou que o Poder Executivo respeitasse as normas da Convenção de
Genebra a fim de conferir aos prisioneiros de Guantánamo (capturados no exterior), a mesma
proteção conferida aos prisioneiros de guerra. Por outra parte, com relação à interferência das
cortes internacionais na jurisdição nacional se destacam os exemplos que retratam uma
atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (como o caso da censura judicial do
filme A última tentação de Cristo no Chile) e as experiências apresentadas pelo Tribunal
Internacional de Direitos Humanos e também pelo Tribunal Penal Internacional.
[9]
Sobre o conceito, evolução e trajetória histórica dos direitos humanos, veja PIOVESAN,
Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas
regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2007. Para outra obra sobre
o tema dos direitos humanos, NIKKEN, Pedro. La Protección Internacional de los Derechos
Humanos: su desarrollo progresivo. 1ª ed., Madrid: Civitas, 1987.
[10]
Ronald Dworkin defende o redimensionamento do direito em direção à construção de uma
sociedade democrática apta para consagrar e solidificar o respeito pelos direitos individuais
através do exercício da função judicial. O autor tem uma opinião bastante positiva a favor da
revisão judicial dos atos deliberados na arena política no sentido de que, dessa maneira, se
possa fortalecer a democracia e reduzir a ingerência dos chamados grupos de interesses no
campo das políticas públicas. Tudo o que foi dito, está em DWORKIN, Ronald. O Império do
Direito. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 19.
[11]
Para uma obra de referência, veja MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 5ª
ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
[12]
Gunther Teubner reconhece a existência de uma comunicação entre o direito e as relações
sociais e admite, inclusive, a incorporação de instrumentos (políticos, econômicos, entre
outros) ao subsistema jurídico através do processo de judicialização. TEUBNER, Günther.
Juridification. Concepts, Aspects, Limits, Solutions. In: Günther Teubner (ed.). Juridification of
Social Spheres. A Comparative Analysis in the Areas of Labor, Corporate, Antitrust and Social
Welfare Law. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1987, p. 7.
[13]
O autor publicou um artigo muito esclarecedor acerca do papel do Ministério Público na
defesa dos direitos da sociedade civil. Para outros detalhes, é importante consultar Rogério
Bastos Arantes. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 14, n° 39, fevereiro de 1999, pp. 83–102.
[14]
As sentenças aqui analisadas foram extraídas da base informática de dados da
jurisprudência do STF (www.stf.gov.br).
[15]
As ADC´s 29 e 30 foram julgadas procedentes. Em que pese a ADIn n° 4.578 que
questionava o art. 1° (alínea m), o qual torna inelegível por oito anos quem for excluído do
exercício da profissão, por decisão do órgão profissional competente, em decorrência de
infração ético-profissional –, foi julgada improcedente, também por maioria de votos (seis
contra cinco).
[16]
A ADIn n° 4277 tinha como objetivo o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo
sexo como entidade familiar e pedia que os mesmos direitos dos companheiros na união
estável fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Na
ADPF n° 132, o governo do Rio de Janeiro alegou que o não reconhecimento da união dos
homossexuais entra em colisão com os preceitos fundamentais (igualdade, liberdade e a
dignidade da pessoa humana) chancelados pela Constituição Federal da República do Brasil.
Partindo desse argumento, se requereu a aplicação do regime jurídico contido no art. 1.723 do
Código Civil às uniões homoafetivas de funcionários públicos do Rio de Janeiro.
[17]
O caso trata, basicamente, sobre a aplicação de princípios de direito penal internacional e o
da nacionalidade ativa.
João Marcelo Negreiros Fernandes
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestre em Direito Público pela
Universidade de Salamanca (Espanha) e doutorando pela mesma Universidade.
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A ascensão do Poder Judiciário no Brasil democrático