A mãe de todas as crises
Zeina Latif – Economista chefe XP Investimentos
A palavra crise virou lugar comum. Crise de confiança, crise política, crise econômica, para citar as
principais. Para muitos, a mais séria de todas é a crise de confiança. A ideia é que com uma
sociedade descrente das instituições e da capacidade de governar da presidente, principalmente
após uma campanha eleitoral que não discutiu uma agenda para o país, agrava-se o quadro
econômico e a crise política.
As crises se retroalimentam. A crise econômica, que retira popularidade da presidente e, assim,
apoio político, alimenta a crise política e de confiança, que por sua vez dificultam a agenda de
ajustes econômicos. Como quebrar este círculo vicioso?
Para começar, é importante identificar qual é a crise que está na raiz de todas elas. Sem dúvida, a
crise fiscal é forte candidata. Muito antes de se discutir crise de confiança e crise política, já se
discutia a expressiva piora do ambiente econômico por conta da orientação equivocada da política
econômica, com estímulos fiscais e para-fiscais excessivos.
Os últimos anos nos fez relembrar que má gestão da política macroeconômica cobra seu preço.
Ainda que a intenção dos estímulos econômicos tenha sido de suavizar o ciclo econômico, o
resultado foi o contrário do pretendido. As medidas foram equivocadas, e sistematicamente foram
desprezados os sinais vitais da economia: inflação teimosa e deterioração rápida das contas
externas, ambos indicando que o remédio estava errado.
A crise econômica atual reflete em boa medida os excessos fiscais do passado, que não só
desarrumaram a macroeconomia, como também agravaram o já desafiador quadro fiscal. A piora
da qualidade do regime fiscal é evidente, com reflexos na dinâmica da dívida pública, que deverá
seguir em alta, caso não sejamos capazes de entregar superávits primários superiores a 2,5% do
PIB.
Os desafios impostos pela alta persistente dos gastos públicos como proporção do PIB não só não
foram enfrentados, como foram agravados nos últimos anos. A qualidade do regime fiscal piorou
rapidamente, o que deixa o país mais vulnerável a choques adversos, internos e externos. Além do
risco de perder o grau de investimento, não há, por exemplo, como minimizar os efeitos da
Operação Lava-Jato por meio de mais investimento público. Tentativas de expandir gastos tendem
a ser contraproducentes. A política fiscal perdeu sua capacidade de ser instrumento anticíclico e
expulsa o investimento privado (crowding out effect).
O aumento de gastos como proporção do PIB já está contratado. O ajuste automático do salário
mínimo - com pressão direta sobre os gastos da previdência e políticas assistenciais, ambos muitas
vezes contrários a princípios de igualdade social - e as regras que forçam o crescimento dos gastos
com saúde e educação, sem a contrapartida de melhora dos indicadores sociais, são exemplos de
equívocos da ação estatal, com o agravante imposto pelo envelhecimento da população. Segundo
cálculos de Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, a soma dos aumentos previstos
dos gastos com previdência, educação e saúde totalizam 6% do PIB até 2030.
Apesar do significativo esforço do atual time econômico para corte de despesas discricionárias,
incluindo reavaliação de algumas políticas públicas, e de redução do estoque de despesas
atrasadas (como as “pedaladas” e as inscritas em restos a pagar), não tem havido avanço
suficiente na agenda de redução de despesas obrigatórias, o que seria essencial para estabilizar o
regime fiscal. As MP´s 665 e 664 foram na direção correta, mas são insuficientes.
A resposta do governo à queda de arrecadação e à dinâmica de gastos mais perversa que o
esperado tem sido buscar novas fontes de receita. Mesmo que em alguns casos sejam medidas na
direção correta (eliminação de renúncias tributárias ineficientes, como as desonerações da folha),
o fato é que a ênfase no aumento de receitas agrava o quadro de baixa confiança dos agentes
econômicos. Empresários e investidores não enxergam no horizonte medidas de corte de
despesas obrigatórias e antecipam cenários de mais carga tributária adiante, que tende a
desincentivar a atividade produtiva, bem como de desequilíbrio fiscal persistente, que eleva a
instabilidade econômica.
Além de aumento da carga tributária, buscam-se receitas extraordinárias, como vendas de ativos,
receitas de concessões, o programa que estimula quitação de dívidas e a regularização de recursos
no exterior. A estratégia preocupa, pois revela a dificuldade de propor uma agenda sólida que
enfrente o crescimento inercial de gastos públicos. De quebra, a busca de novas receitas pode
acabar sinalizando ao Congresso que não há urgência de cortes de despesas. Receitas
extraordinárias não deveriam ser vistas como medidas de ajuste fiscal.
Aparentemente o governo teme que o Congresso faça alterações significativas nas medidas
propostas, como foi o caso da MP 664, comprometendo o resultado final. Mas isso não deveria ser
impedimento para avanços. Esse risco torna as negociações mais complexas, mas não deveriam
impedi-las.
O governo faz grande esforço para aumentar a transparência das contas públicas após anos de
maior opacidade. O esforço precisa ser também para alertar a sociedade sobre os riscos fiscais.
Não se trata necessariamente de reconhecer erros do passado, mas de mostrar para a sociedade
que a dinâmica de gastos é insustentável e que políticas públicas ineficientes precisam ser revistas.
Da mesma forma que a presidente defende seu mandato, poderia alertar a sociedade sobre os
desafios que precisam ser enfrentados.
Concluindo, é verdade que é necessário dar mais tempo para que o programa de ajuste fiscal
exerça o efeito positivo sobre a economia e a confiança. Mas a questão não é só de timing. Para
isso é importante garantir a qualidade do ajuste fiscal e a sustentabilidade de longo prazo da
dívida pública. Que o ajuste não seja também fonte de incertezas.
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A mãe de todas as crises por Zeina Latif / XP Investimentos