Maio| 2015
Ajuste fiscal e crescimento sustentado
Os dados do 1o trimestre de 2015 corroboram a ideia de que o governo brasileiro colocou em marcha um expressivo esforço de ajustamento das contas
públicas. Considerando-se o resultado do governo central, esse esforço fica evidente quando se observa o ritmo de crescimento dos gastos primários (isto é,
excluindo-se o pagamento de juros). No acumulado do ano até aqui tem-se uma queda real de 0,8%, ante um crescimento de 8,7% observado em igual período do
ano passado. Esse resultado contrasta não apenas com o resultado de 2014, mas também com a tendência das últimas décadas: desde 1997, o gasto público teve
crescimento real de 6,3% ao ano, fazendo com que o dispêndio federal como proporção do PIB saltasse de 14% para 18,7%.
Essa contração do gasto público, embora dolorosa, é imprescindível para assegurar a sustentabilidade da dívida pública e também para evitar que o Brasil
perca o grau de investimento. Há, porém, dois problemas importantes. O primeiro é que esse esforço não foi suficiente, até aqui, para reverter a tendência de piora
do superávit primário. Isso porque, enquanto os gastos federais apresentam queda de 0,8% no ano, as receitas tiveram queda de 2,5%. Como consequência, o
resultado primário do governo central, que encerrou 2014 em -0,3% do PIB, atingiu -0,46% do PIB nos 12 meses terminados em março. Considerando-se o setor
público consolidado, que abarca também os estados e municípios, o resultado primário está em -0,7% do PIB nos últimos 12 meses, ante -0,6% em 2014. Esses
resultados ilustram a dificuldade de produzir melhora dos resultados fiscais em um contexto de forte recessão, como o Brasil tem enfrentado em 2015. De fato, as
projeções da pesquisa Focus, conduzida pelo Banco Central junto a analistas de mercado, aponta que o PIB deve ter contração de 1,2% neste ano, o que
caracterizaria a pior recessão dos últimos 25 anos.
O segundo problema com o esforço fiscal que vem sendo empreendido é que grande parte da contração do gasto se concentra nos investimentos: essa
rubrica apresenta queda real de 31,3% no acumulado deste ano. Isso certamente não decorre da vontade do governo, mas sim da enorme rigidez de diversos
componentes dos gastos correntes. Essa rigidez é consequência do arcabouço institucional brasileiro. Os gastos com benefícios previdenciários, por exemplo, têm
sua dinâmica determinada por variáveis demográficas e pelos reajustes do salário mínimo. Como consequência, mudanças nesse componente, que foi a maior
fonte de pressão sobre o gasto público nas últimas décadas, requerem reformas institucionais que alterem regras de aposentadoria, como idade mínima ou o
tempo de contribuição. Além disso, as instituições brasileiras determinam que as receitas de certos tributos sejam direcionadas a gastos específicos, e
estabelecem percentuais mínimos do PIB que devem ser gastos em certas áreas, como educação e saúde. A consequência de tudo isso é que o governo tem poder
discricionário sobre uma parcela pequena dos gastos, e grande parte desse poder discricionário se concentra no investimento.
Ressalte-se que o governo tem dado mostras de compreender a necessidade de implementar reformas que alterem a dinâmica das últimas décadas de
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crescimento de diversas rubricas do gasto corrente em velocidade muito superior ao PIB. Como já tratamos em outra oportunidade , o governo encaminhou ao
Congresso no início deste ano um conjunto de reformas que altera as regras de elegibilidade em programas como pensão por morte, seguro-desemprego, auxíliodoença e abono salarial, dentre outros. Tais medidas, que ainda serão apreciadas pelo Congresso nas próximas semanas, a nosso ver vão na direção correta e
corrigem distorções importantes. Ainda que as medidas sejam integralmente aprovadas pelo Congresso, contudo, a maior parte do esforço de redução da
velocidade de expansão do gasto terá que vir de um corte profundo dos investimentos.
A contração do investimento, porém, não será suficiente. Os resultados do 1º trimestre deste ano reforçam nossa percepção de que as metas de superávit
primário estabelecidas pelo governo, de 1,2% do PIB para este ano e 2% para o próximo, somente seriam alcançáveis com um forte aumento da carga tributária. No
fim das contas, o melhor cenário que se pode vislumbrar no horizonte dos próximos anos envolve uma melhora do desempenho primário obtido em grande parte à
custa de significativa redução do investimento público e elevação da carga tributária. Considerando-se que o cenário alternativo, de fracasso na implementação no
ajuste fiscal, teria consequências desastrosas, certamente esse ajuste altamente imperfeito deveria ser celebrado. Mas devemos ter clareza de suas
consequências: países que tiveram sucesso em promover uma aceleração sustentada do crescimento a partir de ajustes fiscais em geral o fizeram através da
redução da expansão do gasto corrente, e não através de elevação de carga tributária e corte do investimento.
No caso do Brasil atual, essa questão de ajuste fiscal com efeitos deletérios para o crescimento parece especialmente relevante. Após quase duas
décadas de contínua elevação da carga tributária, o nosso nível atual, ao redor de 35% do PIB, é um dos mais altos entre as economias emergentes relevantes.
Dados do FMI indicam que somente a Turquia tem níveis semelhantes, e provavelmente emergiremos com níveis bem mais altos em 2016, se supusermos que as
metas serão alcançadas. Do lado do investimento, o nosso gasto total com infraestrutura é de apenas 2% do PIB, e provavelmente alcançaremos níveis mais baixos
nos próximos anos. Esse é um nível extremamente baixo em comparação a outros emergentes. Para ficar em alguns exemplos, Índia, Colômbia e Chile gastam
4,8%, 5,8% e 6,5% do PIB respectivamente. Todos gastam muito menos que os 13,4% do PIB da China, mas o Brasil fica muito abaixo mesmo dos seus pares que
gastam relativamente pouco. O problema é que o gasto com infraestrutura tem efeitos positivos sobre a produtividade e, por consequência, alavanca o
investimento privado.
Maio| 2015
Em resumo, os dados do 1º trimestre corroboram a noção de que houve uma inflexão da política fiscal. Há um grande esforço de contenção do crescimento
do gasto, embora ele não tenha sido até aqui suficiente para, em um contexto de forte recessão, reverter a tendência de piora do resultado primário das contas
públicas. Teremos uma batalha importante do esforço de ajuste sendo travada no Congresso Nacional nas próximas semanas. Mesmo que o governo vença essa
batalha, provavelmente se verá forçado a promover novas medidas que envolvam elevação de carga tributária. E, além disso, inevitavelmente uma parte
importante do ajuste se dará através de forte contração do investimento público. Seria um erro subestimar a importância do esforço de ajuste fiscal colocado em
marcha pelo governo, dado que a alternativa de não fazer esse ajuste representaria um grave retrocesso para a estabilidade macroeconômica. Mas seria
igualmente um equívoco inferir que o ajuste ora em curso prepara o terreno para uma forte aceleração do crescimento sustentado. Isto exigiria reformas mais
profundas, que permitissem compatibilizar equilíbrio fiscal com estabilização da carga tributária e ampliação do investimento público.
Alexandre Bassoli
Economista-chefe do Opportunity e Mestre em Economia pela USP.
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Ver “O desafio fiscal dos próximos anos”, Comentário Macroeconômico de fevereiro de 2015, disponível em http://www.opportunity.com.br/UI/Comentario.aspx?dt=1/2/2015
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