ANEMIA FALCIFORME Escola Superior de Ciências da Saúde Internato em Pediatria – HRAS – 6º ano Interna: Anne Freitas Cardoso Orientadora: Drª.Luciana Sugai Identificação: KFFM Sexo feminino 11 anos Natural de Arinos (MG), residente e procedente de Uruana (MG) Estudante. Acompanhante: Mãe: Reinalda Fonseca Melo QP: “Febre e palidez há 8 dias.” HDA: Paciente apresentou, há 08 dias, um episódio vômito e febre (39°C) que cedeu ao uso de dipirona. A partir de então, evoluiu com palidez cutâneo-mucosa progressiva, hipoatividade e hiporexia. Apresentou ainda outros 2 episódios de febre (sendo o último há 2 dias), mas sem vômitos. Nega tosse, dispnéia, diarréia ou quadros álgicos, com exceção de 2 episódios de cefaléia leve que remitiram com o uso de nimesulida. Eliminações fisiológicas preservadas. HDA (cont.): Com a piora da palidez, mãe trouxe a criança a este serviço, onde foi realizado hemograma que demonstrou: Hb: 3.85 Ht: 11,2 Leuco: 42000 (Neu 45; linf 40) Plaq: 939000 Após o exame, foi realizada tranfusão de 300mL de concentrado de hemácias. Exame físico: Ectoscopia: REG, hipocorada (+++/4+), hidratada, eupnéica, afebril, anictérica, acianótica, vigil, ativa e reativa. Sist.nervoso: Sem alterações. Orofaringe: Tonsilas hipertrofiadas, porém sem hiperemia ou placas de pus. Linfonodos: Adenomegalia cervical bilateral, com linfonodos medindo 0,5-2cm, móveis, frios, não dolorosos. ACV: RCR em 2 tempos. BNF com sopro sistólico (++/6+). FC= 110 bpm. AR: MVF pouco rude em bases, sem RA. FR=18 irpm. Abdome: Plano, flácido, RHA +, sem dor à palpação. Traube ocupado, porém baço não palpável. Fígado ao nível da cicatriz umbilical. Extremidades: Bem perfundidas e sem edema. Antecedentes pessoais: Nasceu de parto cesáreo a termo sem intercorrências. Pré-natal completo (mãe não sabe relatar o número de consultas) DNPM adequado para a idade. Imunizações atualizadas. Possui diagnóstico de anemia falciforme desde 1 ano e meio de idade. Possui rinite alérgica. Em uso de: Complexo B e ácido fólico Alérgica a AAS. Já foi submetida a várias transfusões sanguíneas. Permaneceu internada por diversas vezes com PNM e crises álgicas. Nega cirurgias ou traumas. Hábitos de vida e condições sócio-econômicas: Reside em casa de alvenaria com 6 cômodos, 4 moradores, água encanada, fossa sanitária e energia elétrica. Alimentação balanceada porém em pequena quantidade. Pai tabagista. Não possui animais de estimação. Criança no 7°ano escolar, tira boas notas e pratica atividade física. Hipóteses diagnóstica: Anemia falciforme Infecção suspeita Conduta: Solicitados novos hemograma e bioquímica Solicitados radiografia de tórax, EAS, urocultura e hemoculturas Iniciada ceftriaxona Bioquímica (20/07/10): BT 0,4 TGP 17 Na+ 142 BD 0,1 TGO 31 K+ 5,5 LDH 1266 Amilase 44 Cl- 104 Ca 8,5 Hemograma pós-transfusão (20/07/10): Hb 6,44 Leuco 31600 Bast 10% Mielo 4% Ht 19,1 Neutro 33% Mono 16% Drep (+) Plaq 847000 Linfo 31% Meta 5% 5% Retic Rx de tórax (20/07/10): Pulmões expandidos, sem alterações grosseiras em sua transparência. Seios costofrênicos livres. EAS (21/07/10): Normal Hemograma (22/07/10): Hb 7,17 Leuco 7250 Bast 6% Ht 21,3 Neutro 36% Mono 21% Meta 0 Plaq 607000 Linfo 35% Baso (+) 1% Mielo 1% Drep Hemoglobinopatia genética autossômica recessiva na qual a hemoglobina humana normal (Hb A) é parcial ou completamente substituída por hemoglobina falciforme mutante (Hb S). Crises álgicas Complicações oculares Infecções Fígado e vias biliares Sequestro esplênico Ossos e articulações Crises aplásticas Complicações renais Síndrome Torácica Complicações cardíacas Aguda Síndrome da embolia gordurosa AVE Priapismo São responsáveis pela maioria dos casos de atendimentos de emergência e hospitalização, assim como pela má qualidade de vida dos pacientes acometidos. Podem iniciar-se aos 6 meses de idade e durar a vida toda. 1ª manifestação: dactilite (síndrome mão-pé), crianças de 6 meses a 2 anos. Pode afetar qualquer parte do corpo, principalmente extremidades, abdome e costas. Aguda x Crônica x Mista Fatores desencadeantes: -Frio -Traumas -Esforço físico -Desidratação -Infecções -Hipóxia Hipóxia tecidual Isquemia Acidose DOR Manifestações: Síndrome torácica aguda (STA); Colecistite; Síndrome mão-pé; Priapismo; Síndrome do hipocôndrio direito; Seqüestro esplênico; Crise vasoclusiva (CVO). Dactilite Priapismo Características: Início súbito, sem explicação Intensidade variável (leve a intensa) Duração de 4 a 6 dias, podendo, às vezes, persistir por semanas. Caráter persistente ou recorrente Migração de um local para outro do corpo Classificação: Leve Moderada Grave Pacientes com queixa de dor devem ser imediatamente avaliados se existir um ou mais dos seguintes fatores de risco: febre dor abdominal dor no tórax ou sintomas respiratórios letargia severa cefaléia dor associada com extrema fraqueza ou perda de função local edema articular agudo dor que não melhora com medidas de rotinas (repouso, líquidos e dipirona) dor em região lombar sugestivo de pielonefrite Objetivos do tratamento: Eliminar fatores precipitantes Promover repouso Assegurar boa hidratação e analgesia adequada Tratamento: Tratar prontamente a dor ; Reduzir o medo e a ansiedade – suporte psicológico; Retirar a causa desencadeante; Estimular a ingestão oral de líquidos; Repouso relativo; Evitar mudanças bruscas de temperatura; Aquecimento das articulações acometidas; Hidratação parenteral se a dor for moderada a severa. Fazer três a cinco litros por dia em adultos e 1,5 vezes as necessidades hídricas diárias em crianças; Reavaliação periódica; Em alguns casos pode ser indicado o uso de narcóticos; Se a dor não conseguir ser controlada com analgesia, utilizar anti-infl amatório como diclofenaco oral na dose de 1mg/kg/dose 8/8 horas. Tratamento ambulatorial: Dor graduada de 1 a 3: - Iniciar dipirona 4/4h; - Suspender, após 24 horas, SEM DOR. Dor graduada de 3 a 6: - Iniciar dipirona 4/4h + diclofenaco 8/8h; - Após 24 horas, SEM DOR, retirar o diclofenaco, manter a dipirona de 4/4h por mais 24 horas; - EM CASO DE RETORNO DA DOR – retornar ao diclofenaco + emergência de referência. Tratamento ambulatorial: Dor graduada de 6 a 10: Iniciar dipirona 4/4h + codeína de 4/4h (intercalados) + diclofenaco 8/8h. Após 24 horas, SEM DOR, retirar a dipirona, manter a codeína de 4/4h e o diclofenaco. Após MAIS de 24 horas, SEM DOR, retirar a codeína, mantendo o diclofenaco, por mais 24 horas. EM CASO DE RETORNO DA DOR – retornar ao diclofenaco + emergência de referência. Internação: Fatores de risco Sem melhora após 8h de tratamento Dor abdominal aguda avaliação pela cirurgia Dor torácica Rx diariamente Edema articular agudo ou suspeita de osteomielite Investigação laboratorial: Hemograma com contagem de reticulócitos; Febre rotina para febre; Sintomas respiratórios seguir rotina específica; Se suspeitar de osteomielite ou artrite fazer Rx da área com cintilografia caso necessário, punção aspirativa com cultura do material e solicitar avaliação do ortopedista; Dor lombar urinocultura e antibiograma. Tratamento na emergência: DOR de 1 a 6 Fez tratamento domiciliar corretamente? DOR de 6 a 10 Fez tratamento domiciliar corretamente? NÃO SIM Passar DIPIRONA EV e AINE AINE + DIPIRONA EV + CODEÍNA OU TRAMAL Melhora após 6h: ALTA (com dipirona + AINE) Melhora após 6 h: alta (com dipirona + AINE + codeína) Não melhora após 1 h associar CODEÍNA VO e internar NÃO Piora: INTERNAR, suspender opióide fraco e acrescentar MORFINA SIM MORFINA 0,1 mg/Kg/dose EV, repetir se não melhorar após 30 min e manter de 4/4 hs Melhora após 6 h: ALTA (com dipirona + AINE + codeína) Piora após 6 h: MORFINA infusão contínua Tratamento na internação: Hidratação venosa com necessidades hídricas diárias . É fundamental levar em consideração as perdas e repor no volume diário. Manter 2 analgésicos (dipirona e morfina EV ) de 4/4h (intercalados) e o diclofenaco EV de 8/8 horas. Avaliar a necessidade de passar a morfina para infusão contínua. Tentar identificar o fator desencadeante para tratá-lo. Monitorizar a oximetria de pulso para identificar hipoxemia precocemente e avaliar estudo radiológico para diagnosticar síndrome torácica aguda e iniciar tratamento específico. Avaliar transfusão em caso de anemia intensa (somente nos casos de queda > 20% do Ht em relação ao valor de base). Características: Duração de 3-6 meses ou mais; Causa debilitação física e mental. Causas: Artrite; Artropatia; Necrose asséptica; Úlceras de perna; Colapso de corpos vertebrais ; Síndromes neuropáticas. Complicações mais freqüentes e principais causas de morte; Maior susceptibilidade a infecções, notadamente por organismos encapsulados: Auto-esplenectomia Asplenia funcional O risco de septicemia e/ou meningite por Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae chega a ser 600 vezes maior que nas outras crianças. Risco 25 x maior de desenvolver infecções por salmonelas, especialmente em crianças maiores e adultos. Abaixo de 3 anos de idade, ainda predominam as infecções causadas pelo pneumococo e pelo Hib Internar todos os pacientes menores de 3 anos ou com temperatura > 38.3°C. Meningite: Ceftriaxona Se a meningite não for suspeita, ou foi descartada, iniciar antibioticoterapia para cobrir S. pneumoniae e H. influenzae com cefuroxima 60mg/kg/dia ou amoxicilina com clavulanato. Osteomielite: fazer esquema de cobertura para Stafilococcus aureus e Salmonella sp. com Cefuroxime na dose de 150mg/kg/dia. Caso não esteja disponível o Cefuroxime, usar o Ceftriaxone e Oxacilina. Se na avaliação da febre não for detectada nenhuma etiologia, os antibióticos são mantidos por 72 horas com as hemoculturas negativas. Os pacientes poderão receber alta após 72 horas com antibiótico oral se afebris, sem toxemia e com nível de Hb segura. Durante a hospitalização realizar hemograma com contagem de reticulócitos no mínimo a cada dois dias. Todos os pacientes deverão ser revistos dentro de uma semana após a alta. Programa normal: BCG, Hepatite B, DPT, sabin, anti-HIB e tríplice viral. Anti-pneumocócica: Heptavalente: 3 doses (2, 4, 6 meses) + reforço (15 meses) Polivalente (pneumo 23): 1 dose aos 2 anos e reforço após 3 anos da primeira dose. Antigripal: uma dose anual Vacina antimeningocóccica Profilaxia com penicilina G benzatina ou penicilina V oral dos 3 meses aos 5 anos. A aplasia transitória de série vermelha pode ocorrer durante ou após um processo infeccioso febril. Agente etiológico Parvovírus B19: Tropismo para as células progenitoras eritróides, incluindo as unidades formadoras de colônias eritróides (CFU-E). Depende essencialmente de células em divisão ativa para sua replicação, especialmente nos núcleos dos pronormoblastos. Durante sua replicação, ele é citotóxico para as células infectadas. Pode, em algumas situações, atingir outras linhagens de precursores. 15 dias antes da aplasia: febre, fraqueza, cefaléia,mal-estar, sugerindo um quadro viral Após este período, pode apresentar fadiga, dispnéia e anemia grave, com diminuição importante dos reticulócitos (<1% ou 10000/ul). Cerca de mais da metade dos pacientes pode ter náuseas, vômitos e dor abdominal. Autolimitada: duração de 7 a 10 dias. Caracterizado por esplenomegalia dolorosa, maciça, em crianças (baço 4-10 cm), acompanhado de anemia, com queda da Hb de 2 g/dl abaixo do valor basal, plaquetopenia < 100.000 ml e reticulocitose. O mecanismo pelo qual se estabelece não está determinado, porém muitas vezes está associado a infecções virais ou bacterianas. Maior incidência entre 3 meses e 5 anos Mais freqüente em pacientes SS homozigotos As taxas de mortalidade durante o primeiro episódio podem alcançar 12% dos casos Eventos recorrentes de seqüestro esplênico incidem em quase metade dos pacientes que sobrevivem ao primeiro episódio, sendo a mortalidade de até 20% Em aproximadamente 20% dos casos a síndrome torácica aguda acompanha o quadro. Súbito mal estar Piora progressiva da palidez Dor abdominal Sudorese, taquicardia e taquipnéia Exame físico: Palidez intensa, Grande aumento das dimensões do baço Sinais de choque hipovolêmico. Hb: 9-10 Pacientes instáveis: 10-20mL/Kg em 1 hora Pacientes estáveis: 5 ml/kg em 2 a 3 h e, depois, passar a transfusões de manutenção a 5-10 ml/kg. Controle freqüente dos sinais vitais, hemoglobina, função renal e hepática e dos fatores de coagulação; A esplenectomia deverá ser programada após duas crises de sequestro esplênico ou após um primeiro episódio grave; Fazer esplenectomia se o paciente tiver mais de 5 anos, fazendo a vacina contra o Streptococcus pneumoniae previamente à cirurgia. Para as crianças até 5 anos – programa de transfusão crônica ou hipertransfusão mantendo Hb S < 30% e educação familiar quanto à palpação do baço. Definição: Infiltrado pulmonar novo compatível com consolidação, envolvendo no mínimo um segmento pulmonar e acompanhado por dor torácica, febre, taquipnéia, sibilos ou tosse. Principais causas: Infecção pulmonar Embolização de gordura da medula óssea Sequestro intrapulmonar dos eritrócitos falciformes, resultando em lesão pulmonar e infarto. Toracocentese: se derrame pleural. Controle da gasometria arterial. Corticóide e broncodilatadores (?) Após o evento pulmonar agudo, o paciente deve realizar testes basais de função pulmonar, gasometria arterial e mapeamento cardíaco. Isso facilitará para futuras avaliações em nova doença pulmonar. A causa mais comum de acidente vascular cerebral (AVC) na infância é a anemia falciforme As crianças a partir dos 3-4 anos de idade são mais afetadas, com incidência de 11% até os 18 anos. A lesão isquêmica "silenciosa" ou ICS, isto é, aumento da intensidade do sinal em imagens anormais de ressonância magnética (IRM) do cérebro, sem manifestações clínicas de deficiência neurológica que durem mais que 24 horas, tem o dobro da prevalência do AVC (17% a 22% aos 20 anos). A lesão isquêmica "silenciosa" causa várias deficiências neurocognitivas, como problemas de aprendizado e redução do Quociente de Inteligência (QI). Afeta os lobos frontais causando deficiência da atenção, falta de habilidades executivas, da memória ativa e de longo prazo Associados são atrofia cerebral e moyamoya, sem história, achados físicos, ou sinais focais de deficiência neurológica de mais de 24 horas de duração. BAFORADA DE FUMAÇA EM JAPONÊS = MOYAMOYA Doentes falciformes podem apresentar alterações hepáticas agudas ou crônicas. As agudas são caracterizadas por dor no quadrante superior direito e icterícia. O diagnóstico diferencial inclui: Crise aguda de falcização hepática Seqüestro hepático Colestase intra-hepática Colelitíase Coledocolitíase Colecistite Hepatite viral aguda. As alterações hepáticas crônicas são freqüentemente causadas pela hemólise crônica e múltiplas transfusões. As principais são: Colelitíase Coledocolitíase Hepatites virais crônicas Hemocromatose fibrose hepática A litíase biliar ocorre em 14% das crianças menores de 10 anos, em 30% dos adolescentes e em 75% dos adultos portadores de anemia falciforme. Para prevenção, diagnóstico precoce e orientação terapêutica da alteração hepática crônica, os doentes falciformes devem ser submetidos a exames de rotina: Testes de função hepática, Sorologia para hepatite B e C, Dosagem sérica de ferritina e Ultra-sonografia de abdômen (a cada 1 ou 2 anos). Alterações cardíacas: Hipertrofia excêntrica do VE Sopro sistólico decorrente de hiperfluxo Lesões infartóides no miocárdio Insuficiência cardíaca Hipertensão pulmonar (?) Alterações renais: Hipertrofia glomerular GESF e GMP-like Fibrose glomerular progressiva Úlceras de MMII Ministério da Saúde. Manual de Condutas Básicas na Doença Falciforme. Editora MS. Brasília – DF. 2006. Ministério da Saúde. Manual de Eventos Agudos em Doença Falciforme. Editora MS. Brasília – DF. 2009. Veríssimo , M.P.A. Aplasia transitória da série vermelha na anemia falciforme. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. 29(3):268270. 2007. Angulo, I.L. Acidente vascular cerebral e outras complicações do Sistema Nervoso Central nas doenças falciformes. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. 29(3):262-267. 2007. Zago, M.A. & Pinto, A.C.S. Fisiopatologia das doenças falciformes: da mutação genética à insuficiência de múltiplos órgãos. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. 29(3):207-214. 2007. Bruniera, P. Crise de seqüestro esplênico na doença falciforme. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. 29(3):259-261. 2007. Di Nuzzo, D.V.P. & Fonseca, S.F. Anemia falciforme e infecções. Jornal de Pediatria. 80(5): 347-354. 2004