Saúde indígena no Brasil: Persiste a carência de dados demográficos e epidemiológicos Ricardo Ventura Santos Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz V Confest – Conferência Nacional de Estatística Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2006. “Com base nas informações demográficas e epidemiológicas disponíveis atualmente no Brasil, não é possível traçar um panorama minimamente confiável acerca das condições de saúde das populações indígenas e, muito menos, conduzir discussões produtivas quanto às interfaces entre saúde e desigualdades sociais. Não obstante, ainda que estejam ausentes os elementos quantitativos que nos permitam substanciar tais questões, restam poucas dúvidas que as condições de saúde dos povos indígenas são precárias, colocando-as em uma posição de desvantagem em relação a outros segmentos da sociedade nacional.” In: Coimbra Jr. & Santos, Ciência & Saúde Coletiva, vol. 5, pp. 125-132, 2000. “Não se dispõe de dados globais fidedignos sobre a situação de saúde... [dos povos indígenas], mas sim de dados parciais, gerados pela FUNAI, pela FUNASA e diversas organizações não-governamentais ou ainda por missões religiosas que, por meio de projetos especiais, têm prestado serviço de atenção à saúde dos povos indígenas. Embora precários, os dados disponíveis indicam, em diversas situações, taxas de morbidade e mortalidade três a quatro vezes maiores que aquelas encontradas na população brasileira geral. O alto número de óbitos sem registro ou indexados sem causas definidas confirmam a pouca cobertura e baixa capacidade de resolução dos serviços disponíveis”. In: “Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena” (Funasa, 2002:10). “Somente com a estruturação de um sistema de estatísticas contínuas e com um maior refinamento metodológico do censo decenal e de outros mecanismos de coleta de dados no que tange aos povos indígenas será possível reverter uma danosa ‘invisibilidade’, demográfica e epidemiológica, cujo um dos efeitos mais adversos é o de impedir que se disponham de dados confiáveis para evidenciar, propor e colocar em marcha mudanças visando dirimir situações de desigualdade em saúde” In: Coimbra Jr. & Santos, Ciência & Saúde Coletiva, vol. 5, pp. 125-132, 2000. Sociodiversidade no Brasil: • 216 etnias; 180 línguas. • Em todo o país, apenas 2 estados não possuem populações indígenas: Piauí e Rio Grande do Norte Estimativas do tamanho da população indígena no Brasil, 1500-2000. ANO AUTOR 1500 Kroeber (1939) Steward (1949) Hemming (1978) Gomes (2000) Gomes (2000) Gomes (2000) Gomes (2000) Ribeiro (1967) CEDI (1981) CEDI (1987) Gomes (2000) IBGE (1991) ISA (1998) FUNAI (1999) IBGE 1822 1900 1955 1957 1976 1985 1987 1991 1993 1995 2000 Adaptado de Kennedy & Perz (2000) ESTIMATIVA DE POPULAÇÃO 800.000 1.100.000 2.400.000 3.000.000-5.000.000 500.000-800.000 300.000 100.000-300.000 68.000-100.000 227.800 204.000 230.000 294.000 268.000 325.000 701.000 ? ? Amazônia e Centro-Oeste: 60% população indígena em 98% da extensão das terras indígenas Fonte: ISA (2002) Outras regiões: 40% população indígena em 2% da extensão das terras indígenas EVIDÊNCIAS A PARTIR DO SUB-SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA (FUNASA) Localização dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) Fonte: http://www.funasa.gov.br Taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos) por cor ou raça Brasil – 2000 (IBGE 2006) 51.4 33.0 30.1 34.9 22.9 18.0 B rasil A marela B ranca P arda P reta Indigena PADRÕES HETEROGÊNCOS (A NECESSIDADE DE OLHAR O PARTICULAR) Coeficiente de mortalidade infantil indígena para os anos de 2000 e 2001, segundo DSEI. 150,0 140,0 130,0 120,0 110,0 100,0 90,0 CMI (por 1,000 80,0 nasc. vivos) 70,0 Indígenas 60,3 por mil Brasil 27,8 por mil 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 DSEIs Fonte: L. Garnelo et al. (2003) Baixa estatura para a idade (< -2 escores z) entre menores de 5 anos, em etnias selecionadas. 62,7 50,6 50,0 37,0 31,4 28,3 20,4 16,0 10,0 PNDS Pa rk a tê jê én a Te r Xi ng u Al to va nt e Xa Su ru í ra k Pa W ar Ba ré (1996) i' 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 an En ã aw en êNa w ê % etnia Fonte: Leite (2004); Martins & Menezes (1994); Weiss (1998); Lima (2004); Orellana (2005); Fagundes et al. (2004); Gugelmin (2001); Morais et al. (2003); Ribas et al. (2001); Capelli & Koifman (2001); Monteiro (2000) Freqüência de anemia entre crianças indígenas, registradas em alguns estudos brasileiros. Estudo Etnia Faixa etária Prevalência (%) Santos (1991) Tupí-Mondé 0,5-10a 60 Baruzzi et al. (1977) Panará 0-10 68 Baruzzi et al. (2001) Panará 0-10a 42 Leite et al. (2003) Xavante 0-10a 74 Serafim (1997) Guarani 0,5-2a 82 Orellana (2005) Suruí 0,5-10a 80 Taxa de mortalidade infantil (TMI), segundo pólos-base, DSEI Xavante, 1999-2002. 200 150 100 50 0 Á gua B o a Campinápo lis P aranatinga São M arco s DSEI 1999 74,5 112,1 12,0 72,6 80,0 2000 152,2 122,8 75,0 117,6 122,2 2001 128,4 130,3 84,2 144,9 126,0 2002 60,8 79,5 105,3 180,3 99,1 Fonte: Luciene Souza/Funasa (2003) Óbitos infantis, nascimentos e taxas de mortalidade infantil dos Kaiabi do Parque Indígena do Xingu, 1970-1999. Períodos 1970/74 1975/79 1980/84 1985/89 1990/94 1995/98 Total Óbitos Infantis 0 5 7 3 3 3 21 Nasc. 43 68 82 109 141 197 640 TMI por mil 73,5 85,4 27,5 21,3 15,2 32,8 Fonte: Heloisa Pagliaro, in: Demografia dos Povos Indígenas no Brasil (Heloisa Pagliaro, Marta Azevedo & Ricardo Ventura Santos, orgs., Rio de Janeiro: Editora Fiocruz & ABEP, 2004). Considerações finais • Tendência de reversão da “invisibilidade” demográfica e epidemiológica dos povos indígenas no Brasil. • Pluralidade das experiências em saúde, com especificidades segundo etnia, região do país, formas de interação com a sociedade nacional . • Transição em saúde complexa e diversa daquela dos não-indígena (p.e., persistência das doenças infecto-parasitárias e crescimento doenças crônicas). • Desigualdade e os povos indígenas – necessidade de aprimorar as políticas públicas voltadas para os povos indígenas, contemplando estratégias multi-setoriais nas áreas da saúde, educação, questão fundiária, entre outras.