Desafios à Saúde Indígena no Brasil Carlos E. A. Coimbra Jr. Escola Nacional de Saúde Pública/ FIOCRUZ Estimativas do tamanho da população indígena no Brasil, 1500-2000. ANO AUTOR 1500 Kroeber (1939) Steward (1949) Hemming (1978) Gomes (2000) Gomes (2000) Gomes (2000) Gomes (2000) Ribeiro (1967) CEDI (1981) CEDI (1987) Gomes (2000) IBGE (1991) ISA (1998) FUNAI (1999) IBGE 1822 1900 1955 1957 1976 1985 1987 1991 1993 1995 2000 Adaptado de Kennedy & Perz (2000) ESTIMATIVA DE POPULAÇÃO 800.000 1.100.000 2.400.000 3.000.000-5.000.000 500.000-800.000 300.000 100.000-300.000 68.000-100.000 227.800 204.000 230.000 294.000 268.000 325.000 701.000 ? ? No Brasil, até a década de 70, acreditava-se que os povos indígenas estavam a caminho da extinção. Na década seguinte, no entanto, essa tendência se reverteu rápido crescimento populacional verificado na maioria dos grupos. Ministério da Saúde Fundação Nacional de Saúde População Total: 411.132 Terras Indígenas: 662 Etnias: 220 Línguas: 170 Aldeias: 3.487 Municípios: 367 Os povos indígenas no Brasil • Representam 0,2% da população brasileira. • Estão presentes em quase todos os estados brasileiros, exceto no Piauí e Rio Grande do Norte. • Cerca de 60% vivem na Amazônia legal, onde estão concentradas 98% da extensão das terras indígenas no país. • Apenas 1,2% do total da extensão das terras indígenas abriga os 40% restantes da população de indígenas do país. • A maioria desses grupos constitui pequenas sociedades, com menos de 200 pessoas. • Cerca de 10 a 15% os índios vivem em cidades, mas ainda não existe um censo confiável a esse respeito. Distribuição percentual dos tamanhos de população dos povos indígenas (n=218) 25 20 15 10 5 0 200-500 500-1,000 1,0005,000 5,00010,000 >10,000 Tamanho população • 12 povos com populações muito reduzidas, entre 2 e 38 indivíduos • 40 (18,5%) apresentam parte de sua população vivendo em outros países. Brasil 2000 75 - + 70 - 74 65 - 69 29,6% entre 0-15 anos 60 - 64 55 - 59 50 - 54 45 - 49 40 - 44 35 - 39 30 - 34 Indígenas 2000 25 - 29 20 - 24 15 - 19 43,7% entre 0-15 anos 09 - 14 05 - 09 00 - 04 10000000 8000000 6000000 4000000 2000000 Mulheres 0 2000000 4000000 6000000 8000000 10000000 Homens 75+ 70 - 74 65 - 69 60 - 64 55 - 59 50 - 54 45 - 49 40 - 44 35 - 39 30 - 34 25 - 29 20 - 24 15 - 19 10 - 14 05 - 09 Fonte: L. Garnelo et al. (2003) 00 - 04 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 Mulheres 0 5000 Homens 10000 15000 20000 25000 30000 35000 • As informações demográficas apontam para a composição etária dos povos indígenas como predominantemente jovem, não raro com 50% da população < 15 anos de idade. • São, portanto, elevadas as taxas de fecundidade. Estudos em comunidades específicas indicam valores da taxa de fecundidade total da ordem de 5 a 8 filhos, não se observando tendência de diminuição ao longo do tempo. • Mesmo constituindo um grupo demograficamente expressivo, a saúde da criança indígena tem sido pouco investigada. Indicadores demográficos para alguns povos indígenas no Brasil Povos Indígenas População no início TBN TBM TCN TMI TFT e final da observação Xavánte, Sangradouro (1) 1993 1997 1993/97 1993/97 1993/97 1993/97 1993/97 Volta Grande - 1993-97 760 920 57,7 9,1 48,6 87,1 8,6 Xavánte, Pimentel Barbosa (2) 1977 1990 1977/90 1977/90 1977/90 1977/90 1977/90 (1977-1990) 249 461 51,4 10,2 41,2 70,1 8,5 Bakairi - Mato Grosso (3) 1967 1989 1967/89 1967/89 1967/89 1967/89 1967/89 1967-1989 190 288 45,1 10,4 34,7 * 5,4 Nambiquara - Mato Grosso (4) 1976 1985 1976/85 1976/85 1976/85 1976/85 1976/85 1976-1985 556 734 55,7 22,8 32,9 * * Waiãpi - Amapá (5) 1985 1998 1985/98 1985-1998 308 521 42,0 * * * * Kaigang,Terena,Guarani (6) 1976 1985 1976/85 1976/85 do interior de SP 1976-85 452 556 * 6,3 * 36,0 6,5 Mucajai Yanomama (7) 1958 1986 1958/86 1958/86 1958/86 1958/86 1958/86 1958-1986 121 319 50,0 23,0 2,7 140,0 7,9 Guarani Mbya - Parati, RJ (8) 1991 - 1999 1991 1999 1996/99 1996/99 1996/99 63 146 75,3 4,8 70,5 1976/85 1996/99 * 12,2 Fontes: (1) Souza e Santos;(2) Flowers 1994;(3) Picchi 1994;(4) Price 1994; (5)Azevedo 2000; (6) Wong 1986; (7) Early e Peters 1990; (8) Lopez 2000 TBN = Taxa bruta de natalidade TCN = Taxa de crescimento natural TBM = Taxa bruta de mortalidade TMI = Taxa de mortalidade infantil TFT = Taxa de fecundidade total Adaptado de Pagliaro (2003) Localização dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) Fonte: http://www.funasa.gov.br Considerações gerais • Ausência de dados globais fidedignos sobre a situação de saúde dos povos indígenas. • Pouco conhecimento sobre o perfil demográfico e epidemiológico dos povos indígenas. • Dados parciais, gerados pela FUNASA, FUNAI, organizações não-governamentais, missões religiosas, etc. • Pesquisas recentes destacam profundas desigualdades entre a saúde dos povos indígenas e de outros segmentos da sociedade no Brasil. “Embora precários, os dados disponíveis indicam, em diversas situações, taxas de morbidade e mortalidade três a quatro vezes maiores que aquelas encontradas na população brasileira geral. O alto número de óbitos sem registro ou indexados sem causas definidas confirmam a pouca cobertura e baixa capacidade de resolução dos serviços disponíveis”. (Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, FUNASA, 2002:10) MORTALIDADE Nambiquara Negarotê, Mato Grosso, 1990 (foto: Denise Zmekhol), http://ist-socrates.berkeley.edu:7001/Gallery/zmekhol/index.html Coeficiente de mortalidade infantil indígena para os anos de 2000 e 2001, segundo DSEI. 150,0 140,0 130,0 120,0 110,0 100,0 90,0 CMI (por 1,000 80,0 nasc. vivos) 70,0 Indígenas 60,0 60,3 por mil 50,0 40,0 30,0 Brasil 20,0 27,8 por mil 10,0 0,0 DSEIs Fonte: L. Garnelo et al. (2003) Comparativo entre o Coeficiente de Mortalidade Infantil da população indígena e não-indígena, por ano. 1999 2000 2001 2002 Indígena 96,8 74,6 56,5 55,7 Não-indígena 29,1 28,2 27,4 27,2 Fonte: Coeficientes de população indígena calculados pelo DESAI, 2002; para população não-indígena, Indicadores e Dados Básicos – IDB, Ministério da Saúde. 83,1 68,4 58,5 53,5 64,1 55,2 Indígenas 33,1 22,1 l te /S ul Su de s es te Ce nt ro -O No rd es t Fonte: L. Garnelo et al. (2003) 25,6 Br as i 33,1 No rte 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 e CMI (por mil) Comparação do coeficiente de mortalidade infantil em indígenas (2000 e 2001) e não indígenas, segundo macro-região do Brasil. Não-indígenas • O impacto das doenças infecciosas e parasitárias na determinação da morbi-mortalidade da criança indígena no Brasil é revelado através de inúmeros estudos de caso realizados a partir da década de 80. • A diarréia destaca-se dentre as principais causas de adoecimento e morte da criança indígena, seguida pela pneumonia (ambas podem responder por 60 a 80% das causas de internação, segundo algumas análises). • Nas regiões endêmicas, a malária pode representar mais de 50% dos atendimentos ambulatoriais e internações de crianças indígenas. • No que pese a ampla cobertura vacinal com BCG, a tuberculose apresenta elevada incidência em < 15 anos, conforme atestam estudos recentes. Proporção de Óbitos por categoria de doença, por ano. ANO CID 10 2000 % 2001 % Doenças Infecciosas e Parasitarias.................... 281 15.43 261 11.89 Indeterminada / Mal definida.... 420 23.06 593 27.02 Aparelho respiratório........... 286 15.71 296 13.49 Causas externas................. 227 12.47 298 13.58 Metabolismo..................... 179 9.83 234 10.66 Perinatal....................... 176 9.67 140 6.38 Aparelho circulatório........... 95 5.22 143 6.51 Neoplasias...................... 61 3.35 100 4.56 Outras causas................... 96 5.27 130 5.92 TOTAL Fonte: DESAI/FUNASA, 2002. 1.821 2.195 • A situação alimentar dos povos indígenas é preocupante, havendo inúmeros registros de grupos que vivienciam sérias dificuldades de manutenção da sustentabilidade alimentar. • Essa situação é possivelmente ainda mais grave nas terras onde há conflitos com invasores e no caso dos grupos indígenas urbanizados. • A diminuição da diversidade de alimentos conseqüente ao processo de mudanças sócio-culturais e econômicas tem sido observada em vários grupos, assim como o rápido esgotamento de terras agriculturáveis e outros recursos naturais fundamentais à sustentabilidade alimentar. Entre os < 5 anos, pesquisas recentes apontam para déficits estaturais e ponderais da ordem de 50-60% muito superior às médias nacionais. [prevalências médias de baixa estatura e de baixo peso para a idade da ordem de 10,5% (Bemfam/DHS, 1997) e 4,6% (IBGE, 2005)]. Freqüência de baixa estatura e baixo peso para a idade ( - 2 escores Z das medianas da população-referência do National Center of Health and Statistics- NCHS) em crianças indígenas menores de 5 anos, reportadas em estudos selecionados. Fonte Etnia (localização) Ano de coleta Percentual de déficits Peso/idade Estatura/idade Martins & Menezes (1994) Parakanã (PA) 1991 10,1 50,6 Capelli & Koifman (2001) Parakatejê (PA) 1994 - 10,0 Ribas et al. (2001) Teréna (MS) 1999 8,0 16,0 Alves, Morais & Fagundes-Filho (2002) Teréna (MS) 1996 5,5 20,7 Alto Xingu (MT) 1992 5,0 20,4 Weiss (2003) Enawenê-Nawê (MT) 1990 50,0 17,8 Leite (2004) Pakaanóva-Warí (RO) 2003 52,5 62,7 Xavánte (MT) 1997 17,2 31,7 Guaraní (MS) 2003 18,2 34,1 Schweighofer (2006) Teréna (MS) 2004 5,9 11,8 Orellana et al. (2006) Suruí (RO) 2005 12,4 31,4 Morais et al. (2003) Leite et al. (2006) Pícoli et al. (2006) Freqüência de sobrepeso e obesidade (IMC) em adultos indígenas, reportadas em estudos selecionados. Em relação aos adultos indígenas, a literatura aponta para a emergência e rápido aumento da obesidade e de doenças associadas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e dislipidemias. • transformações socioeconômicas. • redução do consumo de alimentos ‘autóctones’, em favor do consumo de alimentos industrializados e mesmo de cultivos introduzidos. • Redução da atividade física. • engajamento em novas formas de trabalho remunerado que requerem níveis menos intensos de atividade que aqueles necessários às estratégias de subsistência anteriormente praticadas. Poucos estudos analisaram a situação nutricional de uma mesma comunidade indígena em diferentes ocasiões. Esses estudos têm revelado importantes mudanças, embora não seja possível extrapolar os resultados para o universo das sociedades indígenas do país. – Morais et al. (2003): crianças do Alto Xingu (MT) – agravamento das condições nutricionais, segundo o índice estatura/idade, entre os anos de 1982 e 1990. Entre os 12 e os 59 meses, a prevalência de baixa estatura dobrou no período (de 10% para 22%). – Panará (MT), Baruzzi et al. (2001): melhora significativa na magnitude das prevalências de anemia em crianças avaliadas em 1978 e em 1998 (de 68% para 48%). – Suruí (RO), Orellana et al. (2006): redução significativa dos déficits de estatura entre os < 9 anos (de 46,3% para 26,7%), entre 1987 e 2005. No entanto, o mesmo estudo assinala a persistência de elevadas prevalências de anemia. Concomitantemente, registram o surgimento de casos de sobrepeso entre os menores de 10 anos (3,9%), diagnóstico ausente no primeiro inquérito. Os conhecimentos sobre as condições de alimentação e nutrição das sociedades indígenas do Brasil são muito limitados, a despeito do aumento do número de pesquisas sobre o tema nas últimas duas décadas. A comparação dos indígenas com a situação registrada para o restante da população brasileira evidencia uma notável desigualdade, que se inicia pela própria escassez de dados demográficos e epidemiológicos sobre o segmento indígena e se estende aos seus indicadores de saúde e nutrição, invariavelmente piores que aqueles registrados entre o restante da população do país. A elevada freqüência com que se observam nas comunidades indígeans condições sanitárias inadequadas, problemas com a produção e o acesso a alimentos, níveis elevados de morbi-mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, entre outros fatores, expressa um panorama amplamente favorável à ocorrência de problemas nutricionais entre os povos indígenas. • crescimento populacional. • mudanças ambientais, sócio-culturais, econômicas. • migração. • transição epidemiológica e nutricional acelerada. • mudanças alimentares e padrão de atividade física. OBRIGADO.