O RECURSO INTEMPESTIVO NO PROCESSO
ADMINISTRATIVO FISCAL
José Hable
*
Indaga-se: havendo o trânsito em julgado administrativo ou sendo
interposto recurso fora do prazo, recebe-se, conhece-se e analisa-se o referido recurso?
É comum, no processo administrativo fiscal, após esgotado o prazo
legal para recurso ou depois do trânsito em julgado administrativo, haver a interposição de recursos,
pedidos de reconsideração ou de revisão de ato, em que a Administração deixa de conhecê-los e
analisá-los sob a alegação preliminar da intempestividade.
Quando o prazo se expira para a interposição de recurso ocorre o que
se denomina preclusão, no sentido de não se tomar conhecimento do pedido, assim como a extinção
do direito pela caducidade, deixando de ter o direito de ver examinada a matéria substantiva.
O recurso interposto fora do prazo legal é denominado intempestivo.
[1]
Todavia, há doutrinadores sustentando que, não obstante a impugnação ser extemporânea, cabe à
autoridade administrativa conhecer e acolher a pretensão do reclamante, quando a reclamação aponte
alguma ilegalidade ou erro na conduta administrativa, e desde que se convença da procedência da
reclamação e não haja a extinção, pelo tempo, do direito de a Administração rever os seus atos, a
pedido ou de ofício.
[2]
Doutrina ainda Hely Lopes Meirelles:
“Essa atitude administrativa é plenamente justificada pelo interesse recíproco
do Poder Público em obviar um pleito judicial que conduziria ao mesmo
resultado da decisão interna da Administração. (...) Daí porque a doutrina tem
aconselhado o conhecimento e provimento da reclamação extemporânea,
quando é manifesto o direito reclamado.”
Outra questão também muita debatida, no processo administrativo,
[3]
está na existência ou não de coisa julgada administrativa.
A autoridade da coisa julgada, prestigiada pelo nosso sistema
[4]
constitucional brasileiro,
é um fenômeno direcionado à pacificação das relações sociais,
consubstanciado no princípio da segurança jurídica.
[5]
O Código de Processo Civil, no seu art. 467,
define coisa julgada
material, como “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso
ordinário ou extraordinário”. Relevante ainda se colocar uma das diferenças que existe entre coisa
julgada material e formal. A coisa julgada formal opera dentro do processo em que a sentença foi
proferida, sem impedir que o objeto do julgamento seja novamente discutido em um outro processo. Já
a material produz seus efeitos no mesmo ou em qualquer outro processo, vedando o seu reexame,
após o trânsito em julgado.
Como qualquer decisão administrativa pode ser revista e modificada
[6]
pelo Poder Judiciário, com fundamento no art. 5º, XXXV da CF/88, ao garantir que a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário, no máximo podemos defender a decisão definitiva como coisa
julgada formal administrativa.
Por outro lado, vem dispondo a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999,
que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:
“Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser
revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos
novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da
sanção aplicada”. (Negritou-se).
Desse modo, apesar de já poder estar superada a fase recursal na
instância administrativa, para interposição de recurso, ou seja, já ter ocorrido o trânsito em julgado, em
razão de o reclamante alegar suposta existência de fatos novos ou circunstâncias relevantes que
possam justificar a inadequação da decisão proferida, ou ainda, a existência de vícios que tornem
ilegal o ato administrativo, entendemos, salvo melhor juízo, que se deve receber e analisar o pedido
interposto, não como recurso e sim como uma revisão de ato a pedido da parte interessada, enquanto
[7]
o direito de a Administração rever[8]os seus atos, a pedido ou de ofício,
não extinto pelo tempo,
segundo dispõe a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal.
Outro fato a ser analisado, quando se está a tratar de processo
administrativo fiscal, está na natureza da obrigação tributária, pautada no princípio da legalidade,
[9]
porquanto é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Há de ser realçado também o princípio administrativo da verdade
material, que orienta e autoriza a Administração Pública a aceitar e buscar as provas que entender
necessárias, conhecendo de novas provas supervenientes ou não, ainda que produzidas em outro
processo ou decorrentes de fatos novos.
Em havendo, assim, fatos que demonstrem, a posteriori, a existência
de vícios que tornem ilegal o ato administrativo, não há coisa julgada administrativa enquanto não
extinto pelo tempo o direito de a Administração rever os seus atos, a pedido ou de ofício. Nesse
sentido, efetuado o lançamento tributário, pode a Fazenda Pública, a qualquer momento dentro do
[10]
prazo legal, revê-lo, nos termos do art. 145, III, do CTN, c/c o seu art. 149, parágrafo único.
Desse modo, como, na Administração Tributária, prima-se pela
verdade material dos fatos, em sendo impugnado intempestivamente o lançamento tributário pelo
contribuinte, ou apresentado após o trânsito em julgado administrativo, o presente pedido deve ser
recebido e analisado, não como um recurso, mas sim como um PEDIDO DE REVISÃO de ato
administrativo.
E, é nesse sentido também que disciplina a Lei nº 9.784/99:
“Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da
verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.
(...)
Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:
I - fora do prazo; (...)
IV - após exaurida a esfera administrativa.
(...)
§ 2o O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever
de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão
administrativa.” (grifos não do original).
Destarte, se um contribuinte vier a parcelar ou pagar um crédito
tributário que alegue posteriormente indevido, ele sempre terá o direito de pedir, no prazo legal, a
revisão do ato administrativo, cabendo à Fazenda Pública, preliminarmente, analisar o pedido de
revisão do ato, verificando se a obrigação tributária verdadeiramente existiu, para num segundo
momento tratar do fato de o contribuinte ter “confessado” a dívida tributária, ou extinta a obrigação
tributária pelo pagamento, sob pena de estar o Fisco se apropriando de algo que não lhe pertence,
com um enriquecimento indevido, sem causa, e violação ao princípio da legalidade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19. ed. Atualizada. São Paulo: Malheiros, 1994.
NOTAS
(1) MEIRELLES, H. L. Obra citada. p. 572.
(2) MEIRELLES, H. L. Obra citada. p. 572.
(3) Disciplina o Decreto nº 70235/72, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal da União, assim como a
Lei nº 657/94, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal contencioso e voluntário, do Distrito Federal:
“Art. 42. São definitivas as decisões: I - de primeira instância esgotado o prazo para recurso voluntário sem
que este tenha sido interposto; II - de segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando
decorrido o prazo sem sua interposição; III - de instância especial. Parágrafo único. Serão também definitivas as
decisões de primeira instância na parte que não for objeto de recurso voluntário ou não estiver sujeita a recurso
de ofício.”
(4) BRASIL. CF/88. “Art. 5º (...): XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 dez. 2007.
(5) BRASIL. Lei nº 5.869, de 11/1/1973. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.
Acesso em: 02 dez. 2007.
(6) BRASIL. CF/88. “Art. 5º (...): XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;”
(7) Entre outras, a Lei nº 9874/99 disciplina: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos
administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da
data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.”
(8) BRASIL. STF. SÚMULA 473: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivos de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos a apreciação jurisdicional.”
Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 02 dez. 2007.
(9) BRASIL. CF/88. Art. 150, I. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 dez. 2007.
(10) BRASIL. CTN. “Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em
virtude de: (...) III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.” “Art.
149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (...)
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda
Pública.”
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- Auditor Tributário da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, graduado em Agronomia pela UFPR, Administração de
Empresas pela FAE e em Direito pela CEUB, pós-graduado em Direito Tributário pelo ICAT, mestrando em Direito
Internacional Econômico pela UCB, professor de Direito Tributário. É Conselheiro Suplente do Tribunal Administrativo de
Recursos Fiscais – TARF e Autor de livros. Email: [email protected]
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25/02/2008