23/11/2010
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Publicado na REPRO 118/9
ESBOÇO DE UMA TEORIA DA EXECUÇÃO CIVIL
FREDIE DIDIER JR.
SUMÁRIO: 1. A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos 2. Direitos a uma prestação e direitos potestativos - 3. Direito fundamental à tutela
executiva - 4. Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos 5. Cognição e atividade executiva - 6. Mérito e coisa julgada - 7. Espécies de
execução: 7.1 Execução por sub-rogação e execução por coerção indireta; 7.2
Execução de título judicial e execução de título extrajudicial; 7.3 Execução provisória
e execução definitiva - 8. Princípios: 8.1 Princípio de que não há execução sem título;
8.2 Responsabilidade ou toda execução é real; 8.3 Contraditório; 8.4 Princípio da
proporcionalidade; 8.5 Princípio da menor onerosidade possível ao executado; 8.6
Princípio da disponibilidade da execução; 8.7 Princípio da tipicidade dos meios
executivos; 8.8 Princípio da utilidade; 8.9 Autonomia; 8.10 Responsabilidade do
exeqüente; 8.11 Maior coincidência possível; 8.12 Dignidade da pessoa humana.
1. A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos*
A função jurisdicional é aquela pela qual os órgãos investidos de jurisdição aplicam o
direito objetivo ao caso concreto. Trata-se da função pela qual se tutelam os direitos subjetivos,
resolvendo-se as crises jurídicas que porventura existam ao derredor de tais direitos.
A partir do tipo de proteção (tutela) que se pretenda, podem ser identificados três tipos
de tutela jurisdicional: a) de certeza, ou de conhecimento, ou declaratória: busca-se do Poder
Judiciário a certificação, com a coisa julgada, de determinada relação jurídica; b) de efetivação
ou executiva: pretende-se a efetivação de direitos subjetivos; c) de segurança ou cautelar:
busca-se do Estado-juiz uma providência que assegure/garanta a efetivação da prestação
jurisdicional de certificação ou de execução, tendo em vista a circunstância inexorável de que
todo processo jurisdicional necessita de tempo - e o tempo pode fazer que direitos sejam lesados
ou perdidos.
Nesse rápido painel, pode-se vislumbrar o papel da tutela executiva: promover a
efetivação dos direitos subjetivos, garantindo que o resultado prático, que o titular desse direito
pretende almejar, seja, efetivamente, concretizado.
2. Direitos a uma prestação e direitos potestativos
Há uma clássica divisão dos direitos, muito utilizada pelos processualistas no estudo da
tutela jurisdicional. Trata-se da distinção que se faz entre direitos a uma prestação e direitos
potestativos.
Direito a uma prestação é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de outrem o
cumprimento de uma prestação - conduta -, que pode ser um fazer, um não-fazer, ou um dar
coisa - prestação essa que se divide em dar dinheiro e dar coisa distinta de dinheiro. O direito a
uma prestação precisa ser concretizado no mundo físico; a sua efetivação é a realização da
prestação devida. Quando o sujeito passivo não cumpre a prestação, fala-se em inadimplemento
ou lesão. Como a autotutela é, em regra, proibida, o titular desse direito, embora tenha a
pretensão, não tem como, por si, agir para efetivar o seu direito. Tem, assim, de recorrer ao
Poder Judiciário, buscando essa efetivação, que, como visto, ocorrerá com a concretização da
prestação devida. São direitos a uma prestação. Por exemplo: a) direitos absolutos (reais e
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prestação
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line exemplo: a) direitos absolutos (reais e
devida. São direitos a uma prestação.
personalíssimos), que têm sujeito passivo universal e cujo conteúdo é uma prestação negativa; b)
obrigações, que podem ter por conteúdo qualquer prestação.
Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de alterar, criar ou extinguir
situações jurídicas. O sujeito passivo de tais direitos nada deve; não há conduta que precise ser
prestada para que o direito potestativo seja concretizado. O direito potestativo efetiva-se no
mundo jurídico das normas, não no mundo dos fatos, como ocorre, de modo diverso, com os
direitos a uma prestação. A efetivação de tais direitos consiste na alteração/criação/extinção de
uma situação jurídica, fenômenos que só se operam juridicamente, sem a necessidade de
qualquer ato material (mundo dos fatos). Exemplifique-se. O direito de anular um negócio
jurídico é um direito potestativo; esta anulação dar-se-á com a simples decisão judicial trânsita
em julgado, não será necessária nenhuma outra providência material, como destruir o contrato.
Como já disse um autor, a efetivação, nesses casos, dá-se pelo verbo, não pelo ato concreto,
material.
Os direitos a uma prestação relacionam-se aos prazos prescricionais que, como prevê o
art. 189 do CC/2002, começam a correr da lesão/inadimplemento - não-cumprimento pelo
sujeito passivo do seu dever.
Como nos direitos potestativos não há dever, prestação, conduta, a ser cumprida pelo
sujeito passivo - a doutrina denomina de “estado de sujeição” a situação jurídica do sujeito
passivo -, não se pode falar de lesão/inadimplemento; assim, a prescrição não está relacionada a
tais direitos. Na verdade, os direitos formativos submetem-se, se houver previsão legal, a prazos
decadenciais.
Pois bem.
O que essa distinção tem a ver com tutela jurisdicional executiva?
Quando se pensa em tutela executiva, pensa-se na efetivação de direitos a uma
prestação; fala-se de um conjunto de meios para efetivar a prestação devida; fala-se em
execução de fazer/não-fazer/dar, exatamente os três tipos de prestação existentes. Não é por
acaso, nem coincidência, que a tutela executiva pressupõe inadimplemento - fenômeno exclusivo
dos direitos a uma prestação. Executar é forçar o cumprimento de uma prestação. Reputamos
essa relação entre direito material e processo fundamental para a compreensão do fenômeno
executivo.
A efetivação de um direito potestativo carece de execução, no sentido da expressão aqui
utilizada. A sentença que reconheça um direito potestativo já o efetiva com o simples
reconhecimento e a implementação da nova situação jurídica almejada. A sentença que acolhe
uma demanda que veicule um direito potestativo é uma sentença constitutiva, que, portanto,
exatamente por isso não gera atividade executiva posterior, em razão da absoluta
desnecessidade.
3. Direito fundamental à tutela executiva
A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos constitucionalistas a principal
contribuição do constitucionalismo do pós-Segunda Guerra Mundial.
A processualística, desde muito cedo, apercebeu-se da importância de estudar o processo
à luz da Constituição - veja, por exemplo, o trabalho de José Frederico Marques ainda na década
de 50 do século XX.
Mais recentemente, os processualistas avançaram no estudo do tema, agora para encarar
os institutos processuais não só a luz da Constituição, mas, sim, pela perspectiva de um
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os institutos
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processuais não só a luzRevistas
da Constituição,
mas, sim, pela perspectiva de um
determinado tipo de norma constitucional, que são aquelas que prescrevem os direitos
fundamentais.
Fala-se, então, do estudo do processo à luz dos direitos fundamentais.
A Constituição Federal de 1988 deu um grande impulso a essa tendência, pois, no rol dos
direitos e garantias fundamentais, inclui uma série de dispositivos de natureza processual, em
número sem precedente na nossa história constitucional.
São tantos e tão diversos dispositivos que hoje não se pode negar a autonomia didática da
disciplina “Tutela Constitucional do Processo”.
Vários autores têm se destacado no exame do processo à luz dos direitos fundamentais.
Podemos citar aqueles cujas contribuições são as mais relevantes: Nelson Nery Jr., Marcelo
Guerra, Willis Santiago Guerra Filho, Leonardo Greco, José Rogério Cruz e Tucci, Rogério Lauria
Tucci, Luiz Guilherme Marinoni, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Delosmar Mendonça Jr.
Dois dos dispositivos constitucionais mencionados merecem, neste momento, uma atenção
especial: a) direito fundamental a um processo devido (due process of law); b) direito
fundamental a apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer alegação de lesão ou ameaça de
lesão a direito.
A cláusula do “devido processo legal” é considerada a norma-mãe, aquela que “gera” os
demais dispositivos, as demais regras constitucionais do processo. Dela derivam, por exemplo, a
garantia do contraditório, da proibição de provas ilícitas, da motivação da sentença etc. Embora
sem previsão expressa na Constituição, fala-se que o “devido processo legal” é um processo
efetivo, processo que realize o direito material vindicado.
O Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prescreve o direito a um
processo com duração razoável, do qual se retira o princípio constitucional da efetividade.
Como a cláusula do devido processo legal é aberta e, além disso, o legislador constituinte
deixou claro que o rol dos direitos e garantias fundamentais não é exaustivo (art. 5.º, §§ 1.º e
2.º, da CF/1988), incluindo outros previstos em tratados internacionais, a doutrina mais
moderna fala, portanto, no direito fundamental à tutela executiva.
Esse posicionamento é reforçado pela moderna compreensão do chamado “princípio da
inafastabilidade”, que, conforme célebre lição de Kazuo Watanabe, deve ser entendido não como
uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente “bater às portas do Poder
Judiciário”, mas, sim, como garantia de acesso à ordem jurídica justa, consubstanciada em uma
prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz. Também se pode retirar o direito fundamental
à tutela executiva desse princípio constitucional, do qual seria corolário.
Firmada a existência de um direito fundamental à tutela executiva, cumpre verificar de
que modo isso repercute na atuação judicial. Em primeiro lugar, o magistrado deve interpretar
esse direito como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhe o
máximo de eficácia. Em segundo lugar, o magistrado poderá afastar, aplicado o princípio da
proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à
efetivação de todo direito fundamental.
Mais adiante, na análise da tipicidade dos meios executivos, voltaremos ao tema.
4. Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos
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A tutela jurisdicional executiva pode operar-se de duas formas: a) ou no bojo de uma
relação jurídica processual especialmente formada com esse objetivo; b) ou como fase de um
processo já instaurado - fase complementar, por certo. Fala-se de dois “módulos processuais
executivos”.
No primeiro caso, temos o processo de execução, relação jurídica processual com
predominante função executiva; no segundo caso, a execução (atividade executiva) realiza-se no
mesmo processo em que a certificação judicial ocorreu, sendo desta etapa posterior.
É incorreto, portanto, falar que só existe execução no processo de execução.
A propósito, a autonomia do processo de execução, ao menos quando fundada em título
judicial, vem sendo há muito questionada e as últimas mudanças legislativas parece que seguem
esse caminho.
Antes de explicar o ponto, cabe uma advertência: o que se questiona é autonomia do
processo de execução, não da função executiva, essa plenamente diferençada das outras funções
jurisdicionais.
Tradicionalmente, até mesmo como forma de diminuir os poderes do magistrado, as
atividades de certificação e efetivação eram reservadas a “processos autônomos”, relações
jurídicas processuais que teriam por objetivo, somente, o cumprimento de uma ou de outra das
funções jurisdicionais. Nesse contexto, surgiu a noção de sentença condenatória, que seria
aquela sentença que, reconhecendo a existência de um direito a uma prestação e o respectivo
dever de pagar, autorizava o credor, agora munido de um título, a, se quiser, promover a
execução do obrigado. Havia a necessidade de dois processos para a obtenção da
certificação/efetivação do direito.
O tempo foi mostrando o equívoco dessa concepção.
Havia, à época, vários procedimentos que autorizavam ou que inseriam, no bojo do
processo de conhecimento, atos executivos, fato que já compromete a pureza da distinção e da
divisão que se fazia. Citam-se os exemplos da proteção processual da posse e do mandado de
segurança.
A partir da generalização da tutela antecipada, arts. 273 e 461, § 3.º, do CPC, agora
permitida no procedimento ordinário, o legislador deu um grande salto evolutivo, facultando, no
procedimento padrão, no bojo de um processo de conhecimento, a prática de atos executivos. O
dogma da necessidade de um processo autônomo para a execução da decisão judicial mostravase obsoleto e injustificável. A doutrina já pugnava, então, pela idéia de que a divisão dos
processos deveria dar-se pela predominância da função, não pela exclusividade.
Mas outro passo havia de ser dado.
A mudança na tutela jurisdicional das obrigações de fazer e não-fazer, iniciada pelo
Código de Defesa do Consumidor (art. 84) e depois generalizada no art. 461 do CPC, opera
profunda alteração no sistema da tutela executiva. É que, agora, as sentenças que reconhecem a
existência de tais obrigações não precisam, para serem efetivadas, ser submetidas a um
processo autônomo de execução. Possuem essas sentenças aquilo que a doutrina mais antiga
chamava de “força executiva própria”; podem ser efetivadas no mesmo processo em que foram
proferidas, independentemente de instauração de um novo processo e da provocação do
interessado: o magistrado, no corpo da sentença, já determinará quais as providências devem
ser tomadas para garantir a efetivação da decisão.
Depois dessa alteração, pode-se dizer que a execução das sentenças, nessas hipóteses,
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23/11/2010Depois
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dessa alteração, pode-se Revistas
dizer que
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execução das sentenças, nessas hipóteses,
não ocorrerá em processo autônomo, mas, sim, como fase complementar ao processo de
conhecimento. Por causa dessa característica, a doutrina passou a designar tais processos de
“sincréticos”, “mistos” ou “multifuncionais”, pois servem a mais de um propósito: certificar e
efetivar.
Esse mesmo regime jurídico foi estendido, recentemente, às obrigações de dar coisa
distinta de dinheiro - arts. 461-A e 621 do CPC.
Atualmente, a única sentença judicial de certificação de um direito a uma prestação que
necessita de um novo processo para ser executada é aquela que condena o réu ao pagamento de
quantia.
Essa situação, no entanto, parece que não vai demorar a ser modificada. É que tramita
no Congresso Nacional projeto de lei, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual,
que acaba o processo de execução de sentença, ou seja, elimina a última hipótese em que isso
seria possível: a sentença condenatória ao pagamento de quantia. De acordo com o projeto, essa
sentença, à semelhança do que já ocorre com aquelas dos arts. 461 e 461-A do CPC, seria
executada em uma fase do mesmo processo em que prolatada, denominada fase do
“cumprimento da sentença”.
Podemos, portanto, estabelecer o seguinte painel dos módulos processuais executivos:
a) execução autônoma: fundada em título extrajudicial, fundada em sentença arbitral ou
sentença penal condenatória, e fundada em título judicial que imponha pagamento de quantia;
b) execução como fase do processo: fundada em título judicial que imponha o
cumprimento de obrigação de fazer, de não-fazer ou de dar coisa que não é dinheiro.
Esse sistema pode ser visualizado pela leitura dos arts. 287, 461, 461-A, 621, 644 e 744
do CPC.
5. Cognição e atividade executiva
É lição velha a de que, no cumprimento da tarefa executiva, a cognição judicial, se
existir, é mínima, “rarefeita”, em famosa adjetivação de Kazuo Watanabe. Caberia ao
magistrado tão-somente cumprir, mecanicamente, aquilo que estiver determinado no título.
Talvez seja esse um dos motivos pelos quais, em determinados países, a tarefa executiva não é
dada ao Poder Judiciário, mas, sim, a um órgão da administração como o xerife.
Sucede que a análise não é tão simples, como se pretende.
Há cognição, sim, na tarefa executiva - quer ocorra em processo autônomo, quer como
fase de um mesmo processo.
Inicialmente, cumpre ao magistrado verificar o preenchimento das condições da ação e
dos pressupostos processuais. Além disso, o magistrado também deverá conhecer questões de
mérito, como o pagamento e a prescrição, por provocação do interessado ou, em certas
hipóteses, até mesmo de ofício (art. 194 do CC/2002).
É indiscutível, ainda, que, no bojo do processo de execução, há inúmeros incidentes
cognitivos, nos quais haverá atividade intelectual do magistrado, chamado que é a resolver
questões - e a resolução das questões pressupõe cognição. Vejamos exemplos do incidente de
nomeação de bem à penhora ou de alienação antecipada do bem penhorado, momentos em que
o magistrado deverá decidir determinadas questões (Qual o bem penhorado? Justifica-se a
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o magistrado
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deverá decidir determinadas
questões
alienação antecipada?), tarefa para a qual a atividade cognitiva é indispensável.
Mas não é só.
Frustrada a execução para a entrega da coisa ou para o cumprimento de prestação de
fazer ou não-fazer, pode o exeqüente optar pela conversão da obrigação em perdas e danos, que
precisarão ser apuradas, investigadas, conhecidas.
Não se pode querer construir uma teoria da tutela executiva expurgando conceitos,
noções e institutos que pertencem, na verdade, à teoria geral do processo; não são institutos
exclusivos de determinado tipo de tutela jurisdicional.
Ousamos dizer que não há atividade judicial que prescinda da cognição. O que se tem de
fazer é adequar o grau de cognição à tarefa que se espera ver cumprida pelo Poder Judiciário.
Se se busca a certeza, a cognição tem de ser exauriente, exaustiva; se se busca segurança, uma
medida que atenue os riscos da demora do processo, a cognição não pode ser tão exaustiva, sob
pena de comprometer a própria utilidade da medida; se se pretende a execução, a cognição
judicial não deve abarcar, ao menos inicialmente, questões que disserem respeito à formação do
título, mas, necessariamente, envolverá as questões que se referem à efetivação da obrigação,
ou seja, os pressupostos de admissibilidade e a sobrevivência da obrigação executada.
Essa conclusão é fundamental para o desenvolvimento do item seguinte.
6. Mérito e coisa julgada
Juízo de admissibilidade e juízo de mérito são noções que pertencem à teoria geral do
processo. Referem-se aos atos postulatórios. Todo ato postulatório submete-se a um duplo juízo.
Em primeiro lugar, verifica-se se estão presentes os requisitos para que aquilo que foi
postulado possa ser examinado. Empós, e sendo positivo o resultado do primeiro juízo, examinase a postulação com o fito de averiguar se pode ou não ser acolhida. No primeiro caso, estamos
diante do juízo de admissibilidade, no segundo, do juízo de mérito.
Por força de uma tendência doutrinária de desprestigiar o processo de execução e a tutela
executiva - o que é no mínimo curioso -, de modo a tirar-lhe o status de tutela jurisdicional,
parte da doutrina não identificava, na tutela executiva, esses dois juízos mencionados.
Cogitavam, até, do juízo de admissibilidade, mas não admitiam falar de mérito no processo de
execução.
Alguns doutrinadores passaram a expor o equívoco desta concepção. Partindo da premissa
exposta no primeiro parágrafo - de que as noções de admissibilidade e mérito pertencem à
teoria geral do processo, mais especificamente ao estudo dos atos postulatórios -, demonstraram
esses autores a existência do mérito na execução.
Mérito é o pedido, a postulação, o objeto sobre o qual incidirá a prestação jurisdicional.
Na execução, o mérito divide-se em dois aspectos: a) pedido imediato, que é a tomada das
providências executivas; b) pedido mediato, que é o resultado que se espera a alcançar, o bem
da vida que se pretende conseguir por meio do processo. Eis o mérito. O que acontece é que não
haverá “julgamento” na execução, pois essa tarefa não lhe cabe, não lhe é pertinente - embora,
como se viu, há inúmeras situações em que o magistrado é chamado a decidir/julgar questões no
bojo da execução.
Todas as vezes que o magistrado decidir sobre algum aspecto da postulação, pode-se dizer
que haverá uma decisão de mérito.
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O objeto do processo (em sentido amplo) envolve a relação jurídica de direito material
contida no processo. Oskar Büllow, já em 1870, dizia que a relação jurídica processual contém a
relação jurídica material.
Assim, sempre que o magistrado, na execução, resolver/examinar algum aspecto da
relação jurídica material - que não é mais incerta, mas se encontra insatisfeita -, estará ele
proferindo uma decisão de mérito.
Concluímos: a) há mérito no processo de execução; b) o objeto do processo de execução
é, no entanto, diferente do “mérito” cautelar e do mérito do processo de conhecimento.
Pois bem.
O que isso tem a ver com a análise da coisa julgada no processo de execução?
A coisa julgada material é fenômeno jurídico (situação jurídica) que surge a partir da
conjugação dos seguintes elementos: a) decisão judicial; b) trânsito em julgado (coisa julgada
formal); decisão de mérito; d) cognição exauriente. A presença destes quatro elementos faz
surgir, no direito processual civil brasileiro, ao menos como regra, a coisa julgada material.
Quer por que se entende que na execução não há cognição, quer por que não se admite a
existência de mérito nesses casos, a maior parte dos doutrinadores entende não haver
possibilidade de ocorrência de coisa julgada material no processo de execução.
Tentamos demonstrar o equívoco das premissas para, agora, criticarmos essa conclusão.
É possível que do processo de execução surja a coisa julgada material.
Vejamos:
a) obviamente, ao asseverarmos isso, não queremos dizer que a obtenção da coisa julgada
material seja o fim, o objetivo, a razão de ser da tarefa executiva, como é da tarefa de
certificação;
b) é possível que a execução se extinga em razão de fatos que dizem respeito à própria
extinção da relação jurídica material subjacente ao processo executivo, como ocorre em todas
as hipóteses do art. 794 do CPC;
c) não conseguimos distinguir a decisão do magistrado que homologa uma transação em
um processo de conhecimento (art. 269, III, do CPC), e que está apta a fazer coisa julgada
material, da decisão judicial que homologar uma transação no bojo do processo de execução
(art. 794, II, do CPC). Por acaso a topografia da decisão influenciaria a resposta ao problema?
Poderia o exeqüente, uma vez homologada a transação, executar, de novo, o crédito que
possuía antes do acordo?
d) e se a execução se tivesse extinguido por pagamento? Poderia o exeqüente demandar
de novo? E se fosse reconhecida a prescrição?
A resposta a essas perguntas é a mesma: não. Nas situações mencionadas houve decisão
de mérito fundada em cognição exauriente, apta, portanto, a, após o trânsito em julgado, ficar
imune com a coisa julgada material.
Posicionamo-nos, assim, ao lado da parcela da doutrina que entende possível o surgimento
de coisa julgada material no processo de execução, de que servem de exemplo Barbosa Moreira,
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de coisa
RT on de
lineque servem de exemplo Barbosa Moreira,
julgada material no processo deRevistas
execução,
Donaldo Armelin, Alberto Camiña Moreira, entre outros.
7. Espécies de execução
7.1 Execução por sub-rogação e execução por coerção indireta
A execução pode ocorrer com ou sem participação do executado.
Chama-se de execução por sub-rogação aquela em que o Poder Judiciário prescinde da
colaboração do executado para a efetivação da prestação devida. O magistrado toma as
providências que deveriam ter sido tomadas pelo devedor, sub-rogando-se na sua posição. Há
substituição da conduta do devedor por outra do Estado-juiz, que gere a efetivação do direito do
executado. Alguns autores usam a designação “execução direta” ou “execução por meio de
coerção direta” para definir o fenômeno.
Para Liebman, por exemplo, só se pode falar de execução direta. Esse posicionamento do
mestre italiano revelava o preconceito que se tinha em relação às formas de coerção indireta,
vista, à época, com muita má vontade.
Vejamos o que se entende por execução indireta.
Por vezes, notadamente nos casos de obrigações infungíveis, mas não somente neles, a
sub-rogação ou se mostra impossível, em razão da infungibilidade, ou se mostra demais
onerosa/demorada, como nos casos de prestação de fazer fungível.
Nestes casos, o Estado-Juiz pode promover a execução com a “colaboração” do
executado, forçando a que ele próprio cumpra a prestação devida. Em vez de o Estado-Juiz
tomar as providências que deveriam ser tomadas pelo executado, o Estado força, por meio de
coerção psicológica, a que o próprio executado cumpra a prestação. Chama-se essa execução de
“execução indireta” ou “execução por coerção indireta”.
Os meios executivos de coerção indireta atuam na vontade do executado, servindo com
uma espécie de contramotivo, “estímulo” ao cumprimento da prestação. Esta coerção pode se
dar por medo (temor), como é o caso da prisão civil e da multa coercitiva, como também pelo
incentivo, as chamadas sanções premiais, de que serve de exemplo a isenção de custas e
honorários para o réu que cumpra o mandado monitório.
A execução indireta não era muito bem vista antigamente: a) quer porque não se poderia
falar de execução forçada com participação do executado; b) quer porque à época valia a
máxima da intangibilidade da vontade humana, segundo a qual o devedor não poderia ser
obrigado/forçado a colaborar, pois estaria livre para não cumprir o seu dever.
Esse posicionamento está superado, a ponto de o Prof. Michelle Taruffo, em artigo
publicado na RePro 59, ter dito que a tendência moderna é a de prestígio aos meios coercitivos
indiretos, mais eficazes e menos onerosos.
Cumpre, ainda, esclarecer um ponto. Não se pode restringir a execução indireta às
obrigações infungíveis. O raciocínio não pode se pautar neste tipo de divisão. A forma de
execução será aquela que for mais adequada para a efetivação do direito, seja fungível ou
infungível a obrigação, pois não há entre elas qualquer hierarquia.
Há, no entanto, uma tendência legislativa de conferir à tutela das obrigações de fazer e
não-fazer a técnica de execução indireta, pela qual seriam efetivadas por meio de provimentos
jurisdicionais que impusessem o cumprimento da prestação, sob pena de multa ou outra medida
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jurisdicionais
coercitiva.
Revistasda
RT prestação,
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que impusessem o cumprimento
sob pena de multa ou outra medida
À tutela das obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, inicialmente, reservava-se a
execução por sub-rogação, que se dava pelo desapossamento. Após a última reforma processual,
entretanto, estendeu-se a estas obrigações a possibilidade de serem efetivadas por coerção
indireta, conforme faz ver o art. 461-A do CPC. O caso concreto revelará qual a forma mais
adequada de execução.
Normalmente se atribuía às obrigações de pagar quantia a técnica da execução por subrogação, que se daria pela expropriação de bem do executado e a entrega do produto ao
exeqüente. Há, no entanto, hipóteses de execução indireta para pagamento de quantia: a) a
primeira, de lege lata, que é a execução por dívida alimentar, que se pode realizar sob pena de
prisão civil; b) a segunda, de lege ferenda, prevista no Projeto de Reforma da Execução, já
mencionado, em que se pretende que o magistrado comine uma multa fixa para o caso de
descumprimento da sentença que impuser o pagamento de quantia. A praxe forense revela,
ainda, uma manifestação de execução indireta na execução por quantia certa: muitas vezes o
magistrado, ao fixar o valor dos honorários advocatícios devidos no processo de execução,
estabelece um valor menor, para a hipótese de pagamento pelo executado, e um valor maior,
para o caso de ele embargar. Ora, nesses casos, incentiva-se o adimplemento, valendo-se o
magistrado de técnica de coerção indireta pelo incentivo.
Por fim, uma observação.
A distinção que se pretende fazer entre “ação executiva lato sensu” e “ação
mandamental” parte da diferença entre coerção direta e indireta. Ambas as demandas teriam
por característica comum a circunstância de poderem gerar uma decisão que certifique a
existência do direito e já tome providências para efetivá-lo, independentemente de futuro
processo de execução. São, pois, ações sincréticas. Distinguem-se na medida em que a primeira
visa à efetivação por sub-rogação/execução direta, e a segunda por coerção pessoa/execução
indireta.
A terminologia consagrada já revela o preconceito que existia em relação à execução
indireta. “Executiva” somente poderia ser a ação que levasse à “sub-rogação”. Embora já esteja
consagrada, a terminologia merece reparos; o melhor seria: a) ação executiva lato sensu por
coerção direta; b) ação executiva lato sensu por coerção indireta.
7.2 Execução de título judicial e execução de título extrajudicial
A execução pode ser classificada de acordo com o título executivo que a
autoriza/legitima. Fala-se em execução por título executivo judicial e execução por título
extrajudicial.
A distinção tem utilidade na medida em que a defesa do executado será mais ou menos
ampla, conforme se trate de execução por título extrajudicial (art. 745 do CPC) ou judicial (art.
741 do CPC), respectivamente.
Conforme já foi visto, há uma tendência legislativa de acabar a execução por título
judicial em processo autônomo - continuaria apenas a execução autônoma de sentença arbitral
ou sentença penal condenatória.
Destaquemos os pontos mais importantes de cada um desses títulos executivos.
Títulos judiciais
a) Costumava-se dizer que o rol dos títulos executivos judiciais seria exaustivo: fora das
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Costumava-se dizer que o rol dos
títulos
judiciais seria exaustivo: fora das
hipóteses do art. 584 do CPC, não se poderia falar de título executivo.
Essa premissa mostrou-se equivocada. Vários são os títulos executivos que estão fora do
rol daquele artigo. Apenas para exemplificar, vejamos:
- decisões interlocutórias que antecipam a tutela ou resolvam parte do litígio, como aquela
que gera exclusão do litisconsorte com condenação ao pagamento das verbas de sucumbência;
- decisões judiciais em ações dúplices, normalmente declaratórias, mas que podem ser
executadas pelo réu: oferta de alimentos, desapropriação e consignação em pagamento, por
exemplo;
- as sentenças previstas nos arts. 588 e 811 do CPC, que tornam certa a obrigação de
indenizar; são sentenças ilíquidas, como o são tantas sentenças condenatórias, mas
indiscutivelmente servem como título executivo para a execução da obrigação de reparar o dano,
embora não sejam sentenças condenatórias;
- o STJ, recentemente, admitiu a executividade de sentença declaratória, acolhendo a
tese do hoje Min. Teori Zavascki.
b) O rol do art. 584 do CPC prevê como título judicial a sentença arbitral que,
obviamente, foi produzida fora do Poder Judiciário. Visa-se, com isso, prestigiar a decisão
arbitral, não mais submetida à homologação do Poder Judiciário. Frisa-se, com isso, que o
árbitro não dispõe de competência para executar as suas decisões.
c) O art. 584, III, do CPC foi recentemente alterado para corrigir uma desarmonia
legislativa. Agora, deixa-se clara a possibilidade de o magistrado homologar conciliação judicial
que verse sobre questão não posta em juízo. Esta possibilidade já havia sido alvitrada na
Reforma de 1994, mas a Lei de Arbitragem, desconsiderando a alteração, revogou o dispositivo
que acabara de ser aprimorado, esquecendo-se da inovação.
Correta e bem-vinda a alteração legislativa que deveria, a nosso ver, buscar uma forma
de prestigiar o disposto no art. 57 da Lei 9.099/1995 (Lei de Juizados Especiais), que permite a
formulação de requerimento, ao juízo competente, de homologação de qualquer acordo
extrajudicial. Trata-se de dispositivo cuja eficácia transcende o âmbito dos Juizados Especiais
Cíveis. O Projeto de Reforma do Código de Processo Civil corrige este esquecimento e propõe a
inserção, no rol do art. 584 do CPC, do mesmo enunciado normativo do art. 57 da Lei
9.099/1995, fato que certamente fará com que a atuação dos estudiosos e aplicadores se dirija
a esta benfazeja regra, que, empregada corretamente no âmbito, por exemplo, da Justiça do
Trabalho, poderia evitar demandas inúteis e a utilização do artifício das “lides simuladas”. Veja,
a propósito, a doutrina de Valton Pessoa sobre o tema.
Cumpre lembrar, ainda, que a atividade do magistrado, ao homologar conciliação sobre
questão não posta em juízo, é de jurisdição voluntária.
Títulos extrajudiciais
Sobre os títulos extrajudiciais, destacamos os seguintes pontos.
a) Há uma tendência inexorável e irreversível de ampliação do número de títulos
executivos extrajudiciais conferindo, ao titular de direito inadimplido, imediatamente as vias
executivas. A alteração do art. 585, II, do CPC indica claramente esta opção legislativa.
b) Os títulos executivos extrajudiciais se justificam na medida em que foram produzidos
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Os títulos executivos extrajudiciais
seRTjustificam
na medida em que foram produzidos
com a participação do próprio executado. É por isso que o STJ entendeu que o contrato de
abertura de conta corrente não é título executivo, pois a sua liquidação era feita com o extrato
bancário, documento unilateralmente produzido pelo exeqüente.
Fogem à regra as certidões de dívida ativa, que aparelham a execução fiscal, pois,
embora produzidas unilateralmente, pressupõem a legitimidade da atuação do Poder Público e o
respeito ao devido processo legal administrativo.
c) Após intensa divergência, o STJ recentemente sumulou o entendimento quanto à
possibilidade de execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública (Enunciado 279 da
Súmula da jurisprudência predominante).
d) O art. 585, V, do CPC prevê hipóteses de títulos executivos extrajudiciais produzidos
pelo juiz: decisão que fixou honorários de perito, por exemplo. A nosso ver, com razão Teori
Zavascki, para quem a inclusão destas decisões no rol do art. 585 do CPC não se legitimaria, pois
não se justifica ampliar a cognição judicial em eventuais embargos à execução. Tudo o que o
devedor poderá discutir em relação à dívida ele poderia fazê-lo no bojo do processo de
conhecimento que gerou o título.
e) Dispõe o art. 585, § 1.º, do CPC que a propositura de qualquer ação envolvendo o título
executivo extrajudicial não inibe a sua execução. Apesar da simplicidade do texto, na prática
inúmeras questões surgem a partir deste enunciado.
Estas ações autônomas de discussão da dívida certificada em título executivo extrajudicial
são chamadas pela doutrina de “defesa heterotópica” do executado, porque feita fora do âmbito
do processo de execução - embargos de executado ou “exceção de pré-executividade”.
A propositura de tais ações - consignação em pagamento, declaratória de inexistência da
dívida, revisão contratual etc. - traz as seguintes dúvidas: a) Seria possível a antecipação da
tutela para impedir a instauração ou suspender o processo de execução já instaurado? b) Haveria
conexão entre a ação de conhecimento e a ação executiva? c) Poderia esta ação autônoma ser
recebida como embargos à execução, acaso ajuizada após o prazo de embargos e mediante
caução? d) Poderia esta ação ser convertida em embargos à execução, mediante garantia, se
fosse ajuizada anteriormente ao processo de execução?
São várias questões; nem a jurisprudência nem a doutrina chegaram a um denominador
comum. Recentemente, belíssima obra abordou o tema: Rosalina Pereira, Ações prejudiciais à
execução, São Paulo: Saraiva.
Esses, pois, os principais aspectos das execuções fundadas em título judicial e
extrajudicial.
7.3 Execução provisória e execução definitiva
Divide-se a execução de acordo com a estabilidade da eficácia do título executivo judicial:
se se tratar de título judicial já definitivamente julgado, haveria execução definitiva; se se
tratar de título judicial que ainda pende de exame, a execução seria provisória.
Toda execução de título extrajudicial é definitiva.
Execução definitiva é a execução completa, que vai até a fase final (entrega do bem da
vida), sem peias ou outras exigências para o credor-exeqüente. Execução provisória ou execução
incompleta é aquela que, embora, no atual regramento, possa ir até o final (art. 588, II, do
CPC), exige alguns condicionamentos extras para o exeqüente.
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O art. 589 do CPC diz que a execução definitiva far-se-á nos autos principais. Nem
sempre. É possível execução definitiva da parte da sentença não apelada; como os autos subiram
com o recurso parcial, a execução haverá de ser feita por carta de sentença ou autos
complementares.
O mesmo art. 589 do CPC diz que a execução provisória dar-se-á por carta de sentença ou
autos suplementares. Nem sempre, também. A execução de tutela antecipada, conforme maior
parte da doutrina assevera, que é provisória, dá-se nos próprios autos principais. O mesmo
ocorre com a execução da sentença cuja apelação não foi recebida, mas ainda pende agravo de
instrumento interposto contra a decisão que não admitiu a apelação.
A execução provisória foi bastante alterada pela Lei Federal 10.444/2002, e essas
alterações induvidosamente aprimoraram-na.
Vejamos as principais características da execução provisória:
a) Corre por conta e risco do credor, que responderá, objetivamente, pelos prejuízos
causados ao executado, se porventura o seu título for cassado ou alterado.
b) Independe de caução. Nada impede, porém, que, no caso concreto, diante das
particularidades, possa o juiz, com base no poder geral de cautela, impor caução. O que se quis
deixar claro, com a nova redação do art. 588, I, do CPC, é que não se trata de caução exigida
por lei para sua simples instauração.
c) Exige-se, no entanto, a caução para as hipóteses de levantamento de dinheiro,
alienação de domínio ou outros que possam resultar grave dano (art. 588, III, do CPC). Esse
inciso traz a principal novidade da reforma da execução provisória: a possibilidade de ir até a
fase final da execução.
Esta caução pode ser dispensada nos casos de crédito alimentar, até 60 salários mínimos,
quando o exeqüente se mostrar em estado de necessidade (art. 588, § 2.º, do CPC).
d) O regime da execução provisória aplica-se totalmente à execução da tutela antecipada
(art. 273, § 3.º, do CPC).
e) Cumpre esclarecer a seguinte situação: iniciada uma execução definitiva, que se
suspende pelo ajuizamento dos embargos do executado, como ela volta a correr, se os embargos
forem julgados improcedentes e a apelação, eventualmente interposta contra esta sentença, for
recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, V, do CPC)? A resposta é a seguinte: volta correr
como parou, ou seja, definitivamente. Caberia execução provisória da sentença dos embargos.
Eventual modificação de sentença não impede o prosseguimento definitivo da execução
embargada. Se o exeqüente afinal se mostrar sem razão, por força do art. 574 do CPC deverá
indenizar, em responsabilidade objetiva, os prejuízos sofridos pelo executado.
Cumpre lembrar que, na hipótese do art. 2-B da Lei 9.494/1997, alterada pela MedProv
2.180-35/2001, não cabe execução provisória contra Fazenda Pública.
8. Princípios
8.1 Princípio de que não há execução sem título
Nulla executio sine titulo, trata-se de adágio famoso. Não se pode instaurar a execução
sem que se tenha um documento a que a lei confira a aptidão para gerar a atividade executiva
do Estado.
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As considerações sobre o título executivo já foram feitas.
8.2 Responsabilidade ou toda execução é real
Segundo este princípio, somente o patrimônio do devedor, ou de terceiro responsável,
pode ser objeto da atividade executiva do Estado.
Houve época em que se permitia que a execução incidisse sobre a própria pessoa do
executado, que poderia, por exemplo, virar escravo do credor como forma de pagamento da sua
dívida. Episódio que bem demonstra o espírito desta época é o célebre julgamento de Pórcia na
obra O mercador de Veneza de Shakespeare.
A humanização do direito trouxe consigo este princípio.
A proliferação das técnicas de execução indireta, todavia, parece relativizar um pouco o
princípio.
Alguns autores (Marinoni, Pontes de Miranda, Marcelo Lima Guerra) chegam a defender a
possibilidade de prisão civil como medida coercitiva para a efetivação de direitos nãopatrimoniais, sob o fundamento de que a vedação constitucional seria apenas a da prisão civil por
dívida, o que, segundo entendem, se restringe às obrigações pecuniárias.
8.3 Contraditório
A doutrina italiana, que não prestigiava o processo de execução, como já se disse, chegou
a defender a idéia de que no processo de execução não haveria contraditório.
Esse posicionamento impressionou Alfredo Buzaid, que no seu projeto previu um
contraditório apenas eventual, e por provocação do executado, no processo de execução.
Este posicionamento hoje em dia está superado:
a) quer porque a redação do texto constitucional é clara ao garantir o contraditório em
qualquer processo jurisdicional;
b) a atividade executiva é, induvidosamente, jurisdicional;
c) a garantia do contraditório nada mais é do que a repercussão, no processo, do regime
democrático, pois é a garantia de participação na formação/produção do direito;
d) a consagração doutrinária e jurisprudencial da exceção de pré-executividade revela a
existência inequívoca da possibilidade da discussão/defesa interna ao processo de execução;
e) existem inúmeros dispositivos legais que instrumentalizam este princípio no
procedimento executivo. Vejam-se, por exemplo, as regras sobre a nomeação de bens à penhora
e a da punição por atos atentatórios à dignidade da Justiça (art. 599, II, do CPC).
8.4 Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, visto por muitos como a grande ferramenta
hermenêutica para a superação, com racionalidade dogmática, dos males do positivismo, e, por
outros, como o fator principal a ser levado em consideração na averiguação do chamado devido
processo legal substancial, tem bastante aplicação no âmbito do processo de execução.
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Como mecanismo de solução de conflito entre direitos fundamentais, ajuda o magistrado
a solucionar a admissibilidade ou não da quebra do sigilo bancário.
Auxilia o magistrado, ainda, na tarefa de identificação de bens impenhoráveis, como os
adornos suntuosos no bem de família (Lei Federal 8.009/1990).
Serve, ainda, para que o magistrado aplique a regra do art. 620 do CPC - menor
onerosidade -, logo abaixo examinada.
Recentemente, foram publicados importantes trabalhos que destacam as repercussões, no
processo de execução, do princípio da proporcionalidade: Marcelo Lima Guerra, opúsculo
publicado pela Editora Revista dos Tribunais, e João Batista Lopes, ensaio publicado na Revista
Dialética de Direito Processual.
8.5 Princípio da menor onerosidade possível ao executado
De acordo com esse princípio, se a execução puder ser efetiva por mais de uma maneira,
deve-se escolher aquela que seja a menos onerosa ao devedor. Este princípio está consagrado no
art. 620 do CPC. Isso não quer dizer que a execução não possa ser gravosa ao executado - ela
sempre o será, e deverá sê-lo, pois é da sua essência. Se só houver um meio efetivo e adequado
para se promover a execução, e este meio for muito gravoso, ele terá de ser posto em prática.
Nota-se um certo desvirtuamento na aplicação prática do dispositivo, que tem sido aplicado
como se a execução se desse da forma que melhor aproveitasse ao executado.
A aplicação do princípio da proporcionalidade, na exegese deste dispositivo, é
absolutamente fundamental.
8.6 Princípio da disponibilidade da execução
A execução fica à disposição do credor. Não há, no processo de execução, a simetria que
existe, no particular, no processo de conhecimento. A execução é feita para atender aos
interesses do exeqüente, e esse é o norte que deve ser observado pelo magistrado, respeitados,
obviamente, os demais princípios.
Esse princípio pode ser exemplificado pelo regime da desistência na execução.
O credor pode desistir de toda execução ou de algum ato executivo independentemente
do consentimento do executado, ressalvada a hipótese de existência de embargos de executado
que versem sobre questões relacionadas à relação jurídica material (mérito da execução),
quando a concordância do executado/embargante se impõe.
8.7 Princípio da tipicidade dos meios executivos
Durante muito tempo vingou a idéia de que o magistrado só poderia proceder à execução
valendo-se de meios executivos tipicamente previstos na legislação.
A situação atual, no entanto, revela uma tendência de ampliação dos poderes executivos
do magistrado, criando-se uma espécie de poder geral de efetivação, que permitiria ao
magistrado valer-se dos meios executivos que reputar mais adequados ao caso concreto,
aplicado, sempre, o princípio da proporcionalidade.
Michelle Taruffo, no estudo mencionado, já apontava que o direito americano, diante da
inefetividade dos meios executivos at law, começou a autorizar o magistrado a tomar medidas
executivas adequadas ao caso concreto. Trata-se, afirma o jurista italiano, de aplicação do
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executivas
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adequadas ao caso concreto.
Trata-se,
afirma o jurista italiano, de aplicação do
princípio da adequação, segundo o qual as regras processuais devem ser adaptadas às
necessidades do direito material.
No Brasil, há previsão expressa que garante a atipicidade dos meios executivos na
efetivação das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa que não é dinheiro. Trata-se do art.
461, § 5.º, do CPC, que consagra o mencionado poder geral de efetivação.
Considerando a existência de um direito fundamental à tutela executiva, e a circunstância
de que não há por que prestigiar apenas as mencionadas obrigações, Marcelo Lima Guerra, em
estudo recente, pugna pela extensão do art. 461, § 5.º, do CPC também à efetivação das
obrigações de pagar quantia. Cita, como exemplo, a possibilidade de usufruto judicial do imóvel
mesmo sem a concordância do devedor (a despeito da letra do art. 722 do CPC) e a possibilidade
de fixação de multa diária na decisão que ordenar ao executado a indicação de bens
penhoráveis, dever processual previsto no art. 600, IV, do CPC.
No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, consagrou-se prática de execução indireta para
pagamento de quantia não-tipificada: a inscrição do devedor/executado nos cadastros de
proteção ao crédito (Serasa, SPC etc.), como forma de coagir o devedor ao pagamento da
obrigação. Este entendimento, inclusive, encontra-se sumulado nos enunciados dos
Coordenadores de Juizados Especiais, compilada nos encontros que promovem anualmente.
8.8 Princípio da utilidade
A jurisdição somente pode ser acionada se houver alguma espécie de
benefício/proveito/utilidade que se possa alcançar pelo Poder Judiciário. Não é por outro motivo
que se impõe o interesse de agir como condição de admissibilidade da demanda.
Não poderia ser diferente com a execução, que somente deve prosseguir se puder resultar
algum benefício para o credor/exeqüente. A execução não pode ser instrumento de capricho do
credor, que deseja apenas ver o executado passar por tal constrangimento.
É por isso que existe a regra do art. 659, § 2.º, do CPC, que afirma peremptoriamente
que não se fará penhora quando evidente que o produto da execução será totalmente absorvido
pelo pagamento das custas da execução.
Essa também a justificativa do art. 1.º da Lei 9.469/1997, que autoriza os advogados dos
entes federais a desistir de execuções de valor igual ou inferior a mil reais, pois o entendimento
é de que a União gastará mais executando do que o bem que, eventualmente, possa vir a
ganhar.
8.9 Autonomia
Costumava-se elencar, no rol dos princípios da execução, a autonomia para significar que
a execução deveria ocorrer em processo autônomo. Já vimos o estádio de obsolescência em que
se encontra este princípio, ao menos visto sob esta perspectiva.
Deve-se compreender este princípio, pensamos, como a consagração de que a função
executiva é autônoma, com peculiaridades próprias, não se trata de uma “anomalia”, “de um
corpo estranho”, no qual o “vestuário” da teoria geral do processo não poderia ser utilizado.
8.10 Responsabilidade do exeqüente
A execução, seja provisória ou definitiva, corre sob a responsabilidade objetiva do
exeqüente, que deverá indenizar o executado se, eventualmente, ficar demonstrada a injustiça
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exeqüente,
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que deverá indenizar o executado
eventualmente,
ficar demonstrada a injustiça
da execução. Para a execução provisória, vale o disposto no art. 588, I, do CPC; para a
definitiva, vale a regra do art. 574 do CPC.
8.11 Maior coincidência possível
Trata-se de velha máxima chiovendiana, segundo a qual o processo deve dar a quem
tenha razão o exato bem da vida a que ele teria direito, se não precisasse se valer do processo
jurisdicional.
O processo de execução deve primar, na medida do possível, pela obtenção deste
resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.
Chama-se esse princípio, atualmente, de primazia da tutela específica.
As últimas reformas processuais deram muita importância a esse princípio, não
satisfatoriamente observado no antigo regramento da efetivação das obrigações de fazer, não
fazer e dar coisa, cujo descumprimento implicava, quase sempre, a conversão da obrigação em
perdas e danos.
8.12 Dignidade da pessoa humana
O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana é considerado, atualmente, o
princípio basilar de toda ordem jurídica, que deve ser construída a partir da observância deste
vetor (conferir, por todos, o trabalho de Ingo Sarlet).
Obviamente, não poderia o processo de execução fugir a esta exigência.
É com base neste princípio que os tribunais têm estendido à impenhorabilidade de bem de
família ao único imóvel de um solteiro - no último informativo do STJ, os Ministros chegaram a
dizer que não se poderia tornar ainda mais insuportável a vida de quem tinha “escolhido o pior
dos caminhos: a solidão”.
Também é por força deste princípio que se têm considerado como irrenunciáveis as regras
do beneficium competentiae, previstas no inc. II e seguintes do art. 649 do CPC. O STJ, por
exemplo, invalidou a penhora de uma televisão, oferecida pelo executado à penhora - que foi em
seguida discutida no bojo dos embargos à execução -, sob fundamento de que era bem de
família e, portanto, a sua impenhorabilidade não poderia ser renunciada pelo executado.
Em situações como essas, invocamos, mais uma vez, a necessidade de aplicação do
princípio da proporcionalidade.
Ei-las, assim, as principais características, os principais aspectos de uma teoria da tutela
executiva.
(*)
Trata-se da reprodução da prova escrita do concurso para provimento do cargo de Professor
Assistente (Mestre) de Processo Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia,
realizada no dia 23.04.2004, que recebeu a nota 10 (dez) de todos os membros da banca
examinadora: Wilson Alves de Souza (UFBA), Leonardo Greco (UFRJ) e Vallisney de Souza
Oliveira (UFAM). Manteve-se o texto original, sem referências bibliográficas ou notas de
rodapé - o pensamento dos doutrinadores é citado ao longo do texto, normalmente sem
menção à obra.
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esboço de uma teoria da execução civil