DESPACHO SEJUR N.º 404/2015
Aprovado em Reunião de Diretoria em 06/08/2015
Processo Administrativo n.º
/2014
Ref.: Expediente n.º 4480/2014
Assunto: Pedido de registro médico no CRM/DF. Médico refugiado.
Indeferimento. Ação Judicial. Liminar concedida para registro provisório.
Recurso Administrativo. Indeferimento. Pedido de reconsideração. Análise.
I – Relatório
Trata-se de Processo Administrativo, cujo objeto é o pedido de registro
no CRM/DF por médico de nacionalidade estrangeira, T.V. I., mas formado no
Brasil, que ostenta o status de refugiado.
Registre-se que já há Despacho do SEJUR nº 229/14, que conclui por
corroborar o entendimento exarado pelo CRM/DF, no sentido de indeferir o pedido
de registro do citado médico por ausência de cumprimentos dos requisitos legais,
especialmente em razão do médico interessado ser detentor de visto temporário no
Brasil, e não visto permanente.
Em 30/01/2015 o Processo Administrativo em tela foi encaminhado ao
SEJUR para análise e manifestação do pedido de reconsideração. Retornou à
Presidência com o despacho nº 062/15.
Agora, por despacho do Sr. Presidente o expediente retorna ao SEJUR
para analisar o mérito do pedido de reconsideração formulado pelo interessado.
Manifestação
O presente expediente foi analisado pelo CRM/DF e também pelo
primeiro despacho deste CFM à luz da Lei Federal nº 6.815/80, conhecida como lei
do estrangeiro.
O dispositivo legal que serviu de base para indeferir o requerimento do
médico interessado foi o art. 99, que tem a seguinte redação:
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Art. 99. Ao estrangeiro titular de visto temporário e ao que se encontre no
Brasil na condição do artigo 21, § 1°, é vedado estabelecer-se com firma
individual, ou exercer cargo ou função de administrador, gerente ou diretor de
sociedade comercial ou civil, bem como inscrever-se em entidade fiscalizadora
do exercício de profissão regulamentada. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de
09/12/81)
Parágrafo único. Aos estrangeiros portadores do visto de que trata o
inciso V do art. 13 é permitida a inscrição temporária em entidade
fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada. (Incluído pela Lei nº
6.964, de 09/12/81)
Ocorre, todavia, que a situação fática e as circunstâncias apresentadas
pelo médico requerente, em nosso entendimento, data vênia de entendimentos
outros, mostra-se merecedora de acolhimento à luz da Constituição Federal e da Lei
Federal nº 9474/97 (que implementa o Estatuto dos Refugiados).
Senão, vejamos!
O requerente afirma que ingressou na Universidade Federal do Estado
do mato Grosso do Sul em 2008 e colou grau universitário em 2013. Estas
afirmações não foram questionadas até o momento, logo podemos admiti-las como
sendo verdadeiras.
Afirma, o requerente que sua estada no Brasil encontra-se regularizada,
uma vez que apresenta a condição de RUFUGIADO de acordo com a declaração
emitida pelo Departamento de Polícia Federal do Brasil, nos seguintes termos:
“DECLARAO(a) estrangeiro TOBECHUKWU VICENT ILONDIOR ..., encontra-se
em situação REGULAR no Brasil, aguardando decisão do CONARE/MJ acerca
de seu pedido de PERMANÊNCIA COM BASE EM REFÚGIO, sob o protocolo nº
08280.002153/2014-16.”
A lei nº 9474/97 estabelece em seu artigo 1º que:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país
de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua
residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das
circunstâncias descritas no inciso anterior;
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III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a
deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Diante deste contexto normativo, o requerente afirma que “A Nigéria
atualmente está passando por um momento muito difícil e vários cristãos vem
sendo mortos.”
Não é pretensão desta manifestação ingressar no mérito do pedido de
refúgio do Sr. Tobe, pois esse mérito deverá ser enfrentado pelo Ministério da
Justiça por intermédio do CONARE. No entanto, não podemos ignorar que o médico
requerente, em princípio, preenche os requisitos legais para permanência em
território brasileiro, na condição de refugiado. Nesse sentido é detentor de
declaração do DPF.
O Art. 5º da Lei nº 9474/97 estabelece que o refugiado gozará de
direitos e estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil ...
Por seu turno, o art. 21, caput, e seu § 1º e artigo 22 da lei especial do
refugiado estabelecem:
Art. 21. Recebida a solicitação de refúgio, o Departamento de Polícia Federal
emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu grupo familiar que se
encontre no território nacional, o qual autorizará a estada até a decisão final
do processo.
§ 1º O protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir carteira de
trabalho provisória, para o exercício de atividade remunerada no País.
....................................................................................................................
Art. 22. Enquanto estiver pendente o processo relativo à solicitação de
refúgio, ao peticionário será aplicável a legislação sobre estrangeiros,
respeitadas as disposições específicas contidas nesta Lei.
Assim, por disposição legal, o refugiado gozará de permissão para
exercer atividade (lícita) remunerada, a partir da emissão do protocolo do seu
requerimento pelo DPF até decisão final do processo.
Muito embora o dispositivo do art. 22 desta legislação aponte que
“enquanto estiver pendente o processo relativo à solicitação de refúgio será aplicável
a legislação sobre estrangeiros”; não podemos perder de perspectiva que deverão ser
“respeitadas as disposições específicas contidas nesta Lei.”
Ora, em nossa
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compreensão, as disposições próprias da Lei de Refugiado, que reconhece e autoriza
ao refugiado que tenha solicitado esta condição e tenha recebido protocolo do Órgão
competente o direito de permanência e o exercício de atividade remunerada afasta
os rigores do art. 99 da Lei de Estrangeiro, que veda ao portador de visto temporário
inscrever-se em Entidade fiscalizadora de profissão.
Por outro ângulo de análise entendemos que permitir a permanência e o
exercício de atividade remunerada no Brasil e ao mesmo tempo vedar que, no caso
concreto, o médico requerente (na situação de refugiado) se registre no Conselho
Regional de Medicina do Distrito Federal fere o princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana (Art. 1º, III), bem como o princípio da igualde entre brasileiros e
estrangeiros (Art. 5º, caput, e inciso XIII).
Nesse sentido é o entendimento do procurador federal dos Direitos do
Cidadão, Aurélio Rios, que em audiência pública realizada na Câmara dos
Deputados ao comentar a questão dos haitianos que buscaram refúgio no país e
hoje estão recebendo atenção dos governos do Acre e de São Paulo, afirmou:
“que a Lei 6.815/1980 tem foco numa proteção nacional que hoje não faz
sentido dentro do sistema de globalização. Por isso, precisa ser revista. A ideia,
na nova legislação a ser elaborada, seria a de trabalhar com o princípio da
dignidade humana e da solidariedade, para que os estrangeiros possam ser
acolhidos, abrigados e qualificados para entrar no mercado de trabalho”.
Para o procurador Aurélio Rios:
“a lei vigente está imbuída de princípios da Lei da Segurança Nacional, da
ditadura militar, que entendia o estrangeiro como uma ameaça e era visto com
desconfiança.”
Por fim, este parecerista acolhe, às íntegras, as razões de decidir em
sede de Mandado de Segurança da lavra do eminente Juiz Federal Pedro Felipe de
Oliveira Santos, da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, cujas principais passagens
pede vênia para transcrever:
“Neste exame de cognição sumária, tenho que a situação do impetrante atende
aos requisitos de admissibilidade para deferimento do pedido. Conforme lição
do Professor Antônio Augusto Cançado Trindade[1], há três vertentes de
proteção internacional dos direitos da pessoa humana: Direitos Humanos,
Direito Humanitário e Direito dos Refugiados. No entanto, essa divisão
metodológica não se traduz em compartimentos estanques de proteção
jurídica.
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Entende-se que deva haver a aplicação simultânea dessas normas de
proteção, considerando a identidade de propósitos da proteção do ser humano.
Com efeito, o Direito Internacional dos Refugiados tem como objetivo precípuo
restabelecer os direitos humanos mínimos dos indivíduos que saíram de seu
meio social, movidos por guerras, por perseguições ou por calamidades
públicas e naturais.
A Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas, de 1994,
reconhece expressamente, em seu preâmbulo e nas conclusões 3ª e 16ª, as
convergências entre os sistemas de proteção da pessoa humana consagrados
no direito internacional dos refugiados e no direito internacional dos direitos
humanos, ambos com caráter complementar. Citada declaração reconhece que
a violação dos direitos humanos é a causa mais freqüente dos deslocamentos
humanos e de refúgio, sendo que a proteção de tais direitos é a melhor medida
para a prevenção das conseqüências[2].
Assim, quando o requerente, em sua peça inicial (fls. 32/40), aduz que está
impossibilitado de regresso ao seu país de origem (Nigéria), dada sua opção
religiosa (Católico Apostólico Romano), e que sua região de residência naquele
país encontra-se sob violentas ações e invasões do grupo terrorista Boko
Haram, vislumbro a aplicação, em tese, do artigo 1º da Lei n. 9.474, de
22.7.1997:
"Artigo 1º - Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de
raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas
encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não
queira acolher-se à proteção de tal país; (...)
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é
obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio
em outro país.”
A expressão "fundados temores", constante do inciso I do art. 1º da Lei,
envolve elementos de ordem objetiva e subjetiva, respectivamente. O temor
tem caráter subjetivo e varia de pessoa a pessoa, de acordo com seu ânimo,
sua formação e seu estado psíquico; por sua vez, o requisito objetivo “sólidas
razões” exige certa probabilidade de que a perseguição venha a ocorrer, não
bastando a mera possibilidade de sua ocorrência.
Assim, circunstâncias e fatos devem demonstrar que a perseguição não só é
possível, mas como é provável de ocorrer. Se houver a efetiva perseguição, a
diferenciação far-se-á desnecessária, uma vez que não se tratará nem de
probabilidade ou possibilidade, mas sim de efetividade. Assim, a perseguição
pode estar prestes a ocorrer como também estar ocorrendo (como no caso in
concretu).
Conforme é de conhecimento amplo e de larga divulgação nos meios de
imprensa, o grupo Boko Haram sustenta que luta pela Sharia e combate a
alegada corrupção do governo nigeriano, bem como a prostituição feminina,
dentre outros fenômenos. Segundo ele, os culpados por essas “situações” são
os cristãos, a cultura ocidental e a tentativa de ensinar algo a mulheres e
meninas.
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No tocante ao requisito apresentado no inciso III do mesmo dispositivo
(“violação dos Direitos Humanos”), deve-se compreender a grave e generalizada
violação a direito elementar previsto no ordenamento jurídico internacional
e/ou interno. Em tese, pelo alegado na exordial, o quadro fático-jurídico do
autor se enquadraria neste perfil de refugiado, aclamando-se, pois, a guarida
da lei.
Com efeito, como os Direitos Humanos são universais, mesmo que o país de
origem não os reconheça, o solicitante de refúgio terá direito à proteção de sua
esfera jurídica, desde que haja grave e generalizada violação, por aquele
Estado, dos direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico interno brasileiro.
No entanto, a despeito dessas considerações iniciais, não cabe a este Juízo
fazer análise detida acerca de ato discricionário exclusivo do Poder Executivo,
quanto ao cabimento do pedido de refúgio. A seu tempo e a seu modo, a
autoridade competente verificará se estão efetivamente satisfeitas as condições
para o deferimento do pleito. Nesta seara judicial, cabe apenas reconhecer que
o ordenamento brasileiro também concede proteção jurídica ao estrangeiro
que apresenta pedido de refúgio e aguarda o seu deferimento pela
Administração, nos termos da Lei n. 9.474/99.
Superado esse escorço inicial, ressalto que a presente controvérsia cinge-se
em definir se estrangeiro que aguarda o deferimento de pedido de refúgio, por
parte do Estado brasileiro, tem direito a inscrição em entidade fiscalizadora do
exercício de profissão regulamentada.
Em suas manifestações, as autoridades coatoras alegaram que o Estatuto do
Estrangeiro (Lei n. 6.815/80) impede, de forma taxativa, a inscrição do autor
no Conselho Regional de Medicina, nos seguintes termos:
“Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro
que pretenda vir ao Brasil:
I - em viagem cultural ou em missão de estudos;
II - em viagem de negócios;
III - na condição de artista ou desportista;
IV - na condição de estudante;
V - na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de
outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo
brasileiro;
VI - na condição de correspondente de jornal, revista, rádio,
televisão ou agência noticiosa estrangeira.
VII - na condição de ministro de confissão religiosa ou membro
de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem
religiosa. (Incluído pela Lei nº 6.964, de 09/12/81) (...)
Art. 99. Ao estrangeiro titular de visto temporário e ao que se
encontre no Brasil na condição do artigo 21, § 1°, é vedado
estabelecer-se com firma individual, ou exercer cargo ou função
de administrador, gerente ou diretor de sociedade comercial ou
civil, bem como inscrever-se em entidade fiscalizadora do
exercício de profissão regulamentada. (Renumerado pela Lei nº
6.964, de 09/12/81) (Vide Medida Provisória nº 621, de 2013)”.
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No entanto, em atenta análise do caso concreto, percebo que é distinta a
situação do autor, que protocolou pedido de refúgio e porta Documento
Provisório de Identidade do Estrangeiro (e não visto temporário), emitido pelo
Ministério da Justiça, com validade até 17.07.2015 (documento de fl. 23). Os
dispositivos acima elencados tratam de estrangeiro que detém visto
temporário, nas hipóteses elencadas acima, não abarcando a situação jurídica
do impetrante.
Assim, em detrimento das referidas regras, devem ser aplicados ao caso os
artigos 4º, 5º, 6º e 21 da Lei n. 9.474/99 (Estatuto dos Refugiados), os quais
mais se amoldam ao caso concreto e se dignam a enquadrar o requerente no
status de estrangeiro à espera de decisão final em requerimento de refúgio:
“Art. 4º O reconhecimento da condição de refugiado, nos termos
das definições anteriores, sujeitará seu beneficiário ao
preceituado nesta Lei, sem prejuízo do disposto em instrumentos
internacionais de que o Governo brasileiro seja parte, ratifique ou
venha a aderir.
Art. 5º O refugiado gozará de direitos e estará sujeito aos deveres
dos estrangeiros no Brasil, ao disposto nesta Lei, na Convenção
sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o
Estatuto dos Refugiados de 1967, cabendo-lhe a obrigação de
acatar as leis, regulamentos e providências destinados à
manutenção da ordem pública.
Art. 6º O refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o
Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade
comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e
documento de viagem. (...)
Art. 21. Recebida a solicitação de refúgio, o Departamento de
Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu
grupo familiar que se encontre no território nacional, o qual
autorizará a estada até a decisão final do processo.
§ 1º O protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir
carteira de trabalho provisória, para o exercício de atividade
remunerada no País.
§ 2º No protocolo do solicitante de refúgio serão mencionados,
por averbamento, os menores de quatorze anos.
Conforme esses dispositivos, o Estatuto dos Refugiados permite à autoridade
competente (no caso, o Ministério da Justiça), autorizar, ad cautelam, a
permanência do estrangeiro requerente de refúgio no território Brasileiro,
inclusive com a possibilidade de exercer atividade remunerada, com registro
formal em Carteira de Trabalho (CTPS), provisoriamente expedida para esse
fim.
Ademais, o artigo 22 do mesmo diploma legal traz regra específica para
solução de eventual conflito aparente de normas entre o Estatuto dos
Refugiados (Lei n. 9.474/99) e o Estatuto dos Estrangeiros (Lei n. 6.815/80),
situação em que prevalecem as disposições da primeira lei:
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Art. 22. Enquanto estiver pendente o processo relativo à
solicitação de refúgio, ao peticionário será aplicável a legislação
sobre estrangeiros, respeitadas as disposições específicas
contidas nesta Lei.”
Nesse sentido, ainda que se argumente que a situação do impetrante no Brasil
está abarcada pela disciplina do visto temporário, é cediço que a regra do
artigo 21 do Estatuto dos Refugiados (Lei n. 9.474/99) afasta a aplicação do
artigo 99 do Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80).
Nesse ponto, ressalto que o Estatuto dos Refugiados, no dispositivo acima
elencado, é taxativo ao permitir o exercício de atividade remunerada, por parte
do estrangeiro solicitante de refúgio, inclusive mediante vínculo formal
celetista. Essa disposição atende exatamente ao artigo 6º da Constituição
Federal, que elenca o trabalho como direito social fundamental. Não poderia,
pois, o estrangeiro que aguarda decisão de refúgio viver em condições dignas
caso não pudesse exercer qualquer atividade remunerada ou receber qualquer
tipo de assistência social. Pensar em sentido contrário implicaria reverter a
lógica da própria proteção conferida ao estrangeiro que aguarda a decisão de
refúgio, no sentido de reconstruir a sua própria esfera de dignidade e receber a
proteção de direitos humanos que viu negada em seu país de origem.
Além disso, nem a lei nem a Constituição Federal estabelecem qualquer
restrição ao tipo de labor a ser desempenhado pelo estrangeiro. Portanto, pode
ele exercer qualquer atividade remunerada, no âmbito do reconhecimento do
seu direito fundamental de liberdade, garantido constitucionalmente (Art. 5º.
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à proteção, [...]”).
Assim, se lhe é permitido trabalhar regularmente em território Brasileiro, não
se lhe pode impedir o exercício de sua própria vocação profissional, sob pena
de direta violação constitucional de suas liberdades. O impetrante é graduado
em Medicina pela Universidade Federal do Mato Grosso, conforme diploma e
histórico curricular anexos à documentação inicial (ff. 26-31). Nesse sentido,
não há causa jurídica idônea para impedir o exercício de sua profissão, na
condição de estrangeiro em situação regular no Brasil, em aguardo de
apreciação de pedido de refúgio.
Considerando que a inscrição no competente conselho profissional é
instrumento para o regular cumprimento do Estatuto dos Refugiados e da
Constituição Federal, reputo legítimo o seu pleito, desde que não haja,
obviamente, qualquer outro óbice legal que não a comprovação da
regularidade de seu status jurídico como estrangeiro no Brasil.
O próprio “Documento Provisório de Identidade de Estrangeiro” (f. 23), emitido
pelo Ministério da Justiça, enuncia: “Este protocolo é documento de
identidade válido em todo o território nacional e é prova da condição
migratória regular do seu titular. O titular deste protocolo possui os mesmos
direitos de qualquer outro estrangeiro em situação regular no Brasil e deve ser
tratado sem discriminação de qualquer natureza”. Portanto, uma vez
assegurada a igualdade de tratamento entre estrangeiros (aqui inclusos os
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refugiados e os estrangeiros em aguardo de refúgio, por óbvio) e brasileiros
(natos e naturalizados), é concedida a todos eles igual defesa nas leis (Vide
STF, HC 74.051, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.06.1996: “A teor
do disposto na cabeça do art. 5º da CF, os estrangeiros residentes no País têm
jus aos direitos e garantias fundamentais”).
Assim, deve o Documento Provisório de Identidade de Estrangeiro ser aceito
pelo respectivo conselho profissional, para a análise do requerimento de
expedição da carteira profissional. É, no mínimo, contraditória a decisão
tomada pelo CRM/DF, ao denegar o pedido de inscrição do impetrante pelo
fato de ele não portar carteira de identificação que o reconheça como
brasileiro.
Conclusão
Face ao exposto, este SEJUR opina para que o pedido de reconsideração
formulado pelo médico T.V.I. seja acolhido para fins de REFORMAR a decisão
proferida pelo CRM/DF, que indeferiu a sua inscrição em seus quadros, uma vez
que encontra-se na condição de refugiado, nos termos da Lei Federal nº 7494/97.
Entretanto,
como
a
situação
do
médico
requerente
é
provisória/precária, haja vista que a sua condição de refugiado permanece
pendente de decisão pelo CONARE/MJ, os efeitos de seu registro deverão também
ficar condicionados ao deferimento de seu pedido de refugiado. De modo que o
médico interessado deverá providenciar a apresentação de declaração emitida pelo
DPF, nos moldes das que já constam neste expediente, de doze em doze meses até
que seja julgado o seu pedido de refugiado.
Este é o parecer, s.m.j.
Brasília-DF, 03 de agosto de 2015.
Antonio Carlos Nunes de Oliveira
Advogado do Conselho Federal de Medicina
De acordo:
José Alejandro Bullón
Chefe do Setor Jurídico
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