A comunicação no marketing social Das necessidades individuais às sociais: o exemplo da Corrida da Solidariedade de Ribeirão Preto Marília SAVERI1 RESUMO Este estudo oferece discussões teóricas e reflexivas sobre a relação entre consumo, comunicação e marketing social. A partir de uma perspectiva da comunicação mercadológica, analisa como o marketing social se propõe a atenuar problemas da sociedade por meio de campanhas que despertem consciência coletiva e facilitem a aceitação de uma ideia, a adoção de um novo comportamento, a promoção de uma causa. A metodologia empregada teve por base a pesquisa bibliográfica e o exemplo da Corrida da Solidariedade de Ribeirão Preto, com observação direta e aplicação de questionário para os participantes. PALAVRAS-CHAVE: comunicação mercadológica, responsabilidade social, mercado, cidadania. marketing social, consumo, Introdução Resgatando as discussões sobre comunicação e consumo, se pensarmos sobre espírito materialista, sobre competitividade e o desejo em querer superar o outro por meio da aquisição de bens, uma ação social parece ir à contramão dos anseios de uma sociedade cada vez mais ansiosa por uma sensação de satisfação e de prazer momentâneos, impulsionados pelo consumo. Essa é uma prova de que a realidade em que vivemos está se tornando cada vez mais complexa. As transformações ocorrem o tempo todo e vender está ficando cada vez mais fácil e difícil. Isso porque temos novos meios de comunicação para chegar até os consumidores, mas esses agora estão mais críticos, exigem das organizações um relacionamento consistente, transparente, responsável. A Corrida da Solidariedade de Ribeirão Preto é um evento esportivo com caráter social, organizado por um cidadão que diz obter satisfação pessoal ao ajudar, anualmente, uma ONG local, por meio da arrecadação com a competição esportiva. Mais do que isso: promover uma reflexão sobre solidariedade, conscientização social, ou ao menos uma consciência menos materialista entre os ribeirão-pretanos. Alimentos são distribuídos entre mais de cem famílias carentes do bairro onde ele vive. Esse é o seu conceito de felicidade. 1 Mestranda do curso de Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. E-mail:[email protected] Seiscentas pessoas contribuem para isso, participando do evento. Para as organizações que apóiam essa iniciativa, públicas e privadas, a felicidade está na comunicação com a comunidade, na possibilidade de ganhar o respeito dos clientes, a admiração dos funcionários, agregar valor à marca. Ou seja, fazer parte do marketing social. Esse estudo procura contribuir com uma reflexão sobre hábitos de consumo, as motivações humanas para a compra de novos produtos, refletir se essas necessidades que direcionam para a aquisição de bens materiais podem ser ativadas pela comunicação. A partir disso, objetiva mostrar como o marketing social, com uma proposta que não motiva diretamente a compra, utiliza-se de campanhas de comunicação para uma formação que pode contribuir para o bem social. 1. Comunicação, consumo e cidadania É o consumo a causa do marketing, mas os motivos podem ser os mais variados e eles podem ser acionados pela comunicação mercadológica. Pode-se pensar em carência, necessidade, desejo, por exemplo. As necessidades também podem ser interpretadas pela economia, psicologia, antropologia, sociologia, entre outras ciências. O economista e sociólogo Thorstein Veblen, aponta alguns comportamentos dos consumidores. Para ele, o consumo dos bens de maior excelência é prova de riqueza e por isso se torna honorífico, de modo que aqueles que não têm como consumi-los na mesma quantidade ou de igual qualidade sentem-se inferiores, pois a riqueza confere honra. “Pode-se conceber esse consumo como um atendimento tanto das necessidades físicas do consumidor, isto é, seu conforto material, como de suas necessidades mais elevadas, espirituais, estéticas, intelectuais, ou outras” (VEBLEIN, 1983, p.16). Para Veblein, onde houver propriedade privada, o processo econômico será marcado por uma luta por posses de bens e a necessidade de ganhar a vida será um incentivo para os membros mais pobres. “A propriedade tem ainda o caráter de troféu; com o avanço cultural, entretanto, ela se torna mais e mais a prova de sucesso numa competição entre os membros do grupo” (VEBLEIN, 1983, p.17). Se nas civilizações antigas, a base de honorabilidade estava associada à prova de eficiência predatória, na guerra ou na política, na sociedade atual ela está na aquisição de bens. A propriedade infere respeito e auto-satisfação. Neste sentido, o egoísmo se torna mais dominante. É o que diz Veblein sobre emulação, o sentimento de ultrapassar o outro. Admitem alguns que o incentivo à acumulação está na necessidade de subsistência ou de conforto físico; se esse fosse o caso, poder-se-ia conceber que as necessidades econômicas conjuntas da comunidade se satisfizessem num ponto qualquer de progresso na eficiência industrial. A luta é, contudo, essencialmente uma luta por honorabilidade fundada numa odiosa comparação de prestígio entre os indivíduos; assim sendo, é impossível uma realização definitiva. (VEBLEIN, 1983, p.19). As contribuições veblenianas quanto ao consumo nos faz apreender sobre “consumo conspícuo”, o consumo luxuoso, que é instrumento de respeitabilidade e prestígio, o caminho para demonstrar riqueza e aumentar a reputação. Mais do que consumir, é preciso mostrar. “O padrão de decência é mais alto de classe para classe, e deve-se viver à altura dessa aparência de decência, sob pena de perder-se a casta” (VEBLEIN, 1983, p.43). O consumo conspícuo, portanto, é uma realidade em todas as classes sociais e esse dispêndio pode ser, além de bens materiais, também de tempo e esforço. As regras de respeitabilidade se adaptam às circunstâncias econômicas da classe social, que se esforça em manter um padrão indispensável para o sucesso, e quanto mais os hábitos coincidem com os costumes, maior a dificuldade em quebrá-los. Conforme Veblein, depois do instinto de autopreservação, a competição é o mais forte dos motivos econômicos. Em uma visão sociológica, Jean Baudrillard (2009, p.15) afirma que a relação entre consumidor e objeto transformou as relações sociais. Nas civilizações antigas, assistíamos os objetos sobreviverem às gerações. Hoje vemos objetos nascerem e morrerem, vivemos “o tempo dos objetos”. Não consumimos produtos pensando em sua utilidade específica, mas em sua significação, que sobrepõe sua utilidade. Para esse sociólogo, o consumo toma lugar na vida cotidiana como um sistema de interpretação. Neste cenário, a comunicação de massa fornece apenas uma vertigem da realidade. O consumo, fora da definição moral de utilidade dos bens, encontra, pois, a abundância, associada ao desperdício. É dessa forma que ele chega à definição de consumo como consumição, o supérfluo que precede o necessário. Todas as sociedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumiram sempre além do estrito necessário, pela simples razão de que é no consumo do excedente e do supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver. (BAUDRILLARD, 2009, p.38). Nesta sociedade, a felicidade revela-se como salvação, mas desde que encarnada no “mito da igualdade”, e sendo mensurável. “O sistema só se aguenta por meio da produção de riqueza e pobreza, de idêntico número de insatisfações e de satisfações, de prejuízos e de progressos” (BAUDRILLARD, 2009, p.54). Por outro lado, o sociólogo Colin Campbell (2001, p.58) aponta que o consumo moderno teve origem numa mudança de valores, crenças e atitudes. A revolução do consumidor, para ele, poderia ser explicada pela ética protestante, que adota um raciocínio que justifica o consumo de luxo, e pelo movimento romântico do século XVIII. A insaciabilidade seria a principal característica do consumidor moderno, cujos desejos nunca são satisfeitos. Raramente pode um habitante da sociedade moderna, não importa quão privilegiado ou opulento, declarar que não há nada que esteja querendo. Que isso deva ser assim nos causa admiração. Como é possível às necessidades aparecerem com tamanha constância, de uma forma tão inexaurível, especialmente quando se referem, tipicamente, a novos produtos e serviços? (CAMPBELL, 2001, p.59). Para Campbell, ao contrário do que diz Veblen e Baudrillard, o ato de consumir não se dá por seleção nem por um espírito materialista, mas sim por algo que ele chamou de “hedonismo imaginário”, que possibilita sensações fantasiosas de prazer. “É necessário estar consciente das sensações a fim de extrair delas prazer, pois „prazer‟ é, efetivamente, um julgamento de quem o experimenta” (CAMPBELL, 2001, p.92). O autor vai dizer que a satisfação é algo aberto à avaliação de qualquer pessoa, enquanto a experiência do prazer é menos aberta. No hedonismo moderno, há um deslocamento das sensações para as emoções, mas é preciso que a pessoa possua habilidades capazes de identificá-las, ter controle sobre os estímulos que experimenta. “É precisamente no grau em que um indivíduo vem a possuir a aptidão de decidir a natureza e força de seus próprios sentimentos que reside o segredo do hedonismo moderno” (CAMPBELL, 2001, p.104). Na fantasia, busca-se ao máximo a qualidade de prazer que o consumo promete dar, mas o devaneio interfere entre o desejo e sua consumação. A procura de prazer alia-se à satisfação adiada. Também julgamos importantes as reflexões de Bauman (2008, p.76), para quem o objetivo do consumo não é satisfazer necessidades, desejos e vontades, e sim “elevar a condição dos consumidores à de mercadorias vendáveis”. Percebe-se que o objetivo está no desprezo pelas “necessidades de ontem”, na ridicularização da tendência ultrapassada. Se na última estação uma maquiagem bege era prova de ousadia, diz o autor, agora ela não apenas é feia e fora de moda, como também “o estigma vergonhoso de um rótulo de ignorância, indolência, incapacidade ou inferioridade total” (BAUMAN, 2008, p.128). Sabendo disso, o mercado privilegia a desvalorização imediata das ofertas criando uma incessante remodelação de desejos com novos e melhores produtos. E se o ato de consumir é o que dá sentido à sociedade contemporânea, é uma vocação, uma afiliação social, então as pessoas necessitam pertencer e se tornam vendáveis. É o que o autor nomeia de sociedade de consumidores. “A cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que sejamos „alguém mais” (BAUMAN, 2008, p.128). Diante disso, se os bens de consumo contam quem nós somos, ou quem gostaríamos de ser, como defendem os teóricos, eles geram significados. Sendo assim, as organizações não têm de estar preocupadas apenas com a qualidade de seus produtos, como também atentas à significação deles. A decisão de compra, hoje, não está embasada apenas em necessidades, desejos, sentimentos ou aspirações individuais. Clientes não compram produtos e serviços apenas a fim de satisfazerem suas necessidades materiais. Eles também pagam pelas reputações e são capazes de retaliar empresas socialmente irresponsáveis. Quanto mais as pessoas têm consciência de marca, mais refletem sobre cidadania corporativa. Organizações com boas iniciativas sociais ganham mais créditos com os clientes, geram valor à marca, constroem uma imagem institucional positiva, o que contribui para ampliar a rentabilidade dos negócios. Conforme Lipovetasky (2005, p.224), estamos na era terminal da era individualista e as empresas estão em busca de uma alma. “A empresa moderna era regida pelo anonimato e pela disciplina, tecnocracia e mecanicismo; já a empresa pós-moderna pretende ser portadora de uma mensagem de sentido e valor humanos”. Um dos meios mais eficazes de propagar essa ideia é investindo em comunicação. No entanto, as organizações devem ter em mente que, para comunicar suas iniciativas de cidadania corporativa ao mercado, por meio de propaganda, assessoria de imprensa, ou pelo patrocínio a eventos, é preciso, antes, que ela esteja realmente engajada a ações de responsabilidade social. “A personalidade moral da empresa vai sendo formada; em boa medida, não constitui fruto de mera elaboração”. (LIPOVETASKY, 2005, p.231). Se as atividades forem reais, um bom planejamento de marketing e de comunicação será capaz de transmitir valores aos consumidores e influenciar na decisão de compra, independentemente das razões individuais pelo consumo de um bem. Para Lipovetasky, não é a ética que dita normas à comunicação organizacional, mas esta que a estabelece aos públicos internos e externos. “Se por um lado é verdade que nossa época presencia o renascer da temática dos valores, por outro é ainda mais verdade que constitui também um testemunho do triunfo da comunicação” (LIPOVETASKY, 2005, p.237). 2. Comunicação integrada de marketing O marketing vem ganhando prestígio nas últimas décadas. Os profissionais que trabalham com atividades de mercado, muitas vezes, são vistos como “heróis”, capazes de transformar até mesmo produtos ruins em bons, por meio de uma boa campanha de marketing. A partir disso, constata-se uma confusão comum entre os conceitos de comunicação e marketing. Yanaze alerta para essa diferenciação. “Se o produto é ruim, se seu preço é inadequado e sua distribuição ineficiente, seu marketing não pode ser muito bom; ao contrário, ele é, necessariamente, péssimo” (YANAZE, 2000-digital). O pesquisador Yanaze define marketing como uma filosofia empresarial, um conjunto de conhecimentos que não se restringe a um departamento dentro da organização. O marketing não se aplica apenas ao conhecimento de um produto ou serviço e em sua colocação no mercado, ele é “um sistema de gestão empresarial ampla, totalmente dedicado a alcançar e manter o equilíbrio entre o potencial da empresa e o potencial do mercado” (YANAZE, 2011, p.3). Philip Kotler e Kevin Keller, para quem o marketing é, ao mesmo tempo, uma arte e uma ciência, afirmam que o marketing abrange a identificação e a satisfação das necessidades humanas e sociais, ele “supre necessidades lucrativamente” (KOTLER; KELLER, 2006, p.4). Em uma definição mais ampla, os pesquisadores dizem que “marketing é um processo social pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam por meio da criação, da oferta e da livre troca de produtos e serviços de valor com outro”. É inseparável, pois, a relação entre marketing e consumo. Na definição de Galindo (2009, p.193): “marketing está ligado diretamente à produção, à capacidade produtiva, à disponibilidade de uma determinada produção, representando a garantia de que esta produção poderá ser escoada ou transferida para seu destino final (consumo)”. É nos anos 1960 que Jerome McCarthy apresenta um conceito que passa a compor as estratégias fundamentais do marketing: os 4 Ps, que guia o pensamento na área até os dias de hoje. São eles: Product (Produto), Price (Preço), Place (Ponto de Venda) e Promotion (Promoção). Devido às transformações socioculturais a partir dos anos 1980, conforme Yanaze (2011), o conceito se torna mais abrangente, sendo definido como: Produto, Preço, Distribuição e Comunicação. É a partir daí que os termos se confundem e, por muitas vezes, passam a ser utilizados de forma inadequada. Yanaze aborda esse assunto: Marketing e comunicação são atividades distintas, embora trabalhem sempre em mútua colaboração e influência. Por essa razão, as atividades de marketing muitas vezes são confundidas com atividades de comunicação e vice-versa... É um caso típico de confundir causa e efeito, de tomar a parte como sendo o todo, a ação como sendo a estratégia que lhe deu causa; a origem maior (marketing) por uma das modalidades, dos instrumentos, das ferramentas utilizadas para realizar seus objetivos. (YANAZE, 2011, p.19). Compreendendo o conceito dos 4 Ps como uma estrutura limitada, que considera cada área como uma atuação isolada e sem relação com as demais, Yanaze propõe ao marketing um novo modelo, que é a Teoria dos 3 Puts. Isso porque, para Yanaze, no pensamento de McCarthy quando se analisa, por exemplo, a promoção, só seria possível analisar os resultados da promoção, como se essa área não dependesse das outras. Para Yanaze, o marketing é uma filosofia que orienta a empresa e está presente em todos os fluxos de comunicação. “Marketing deve ser algo que norteia todas as ações da empresa, que direciona atitudes, posturas, comportamentos e motivações de todas as pessoas da empresa” (YANAZE, 2006, p.51). Partindo desse entendimento, o pesquisador formula, pois, a Teoria dos 3 Puts – inputs, throughputs e outputs - cujo modelo propicia uma vantagem no relacionamento interdepartamental, aumentando a interação e a consciência de interdependência entre os setores para a realização dos objetivos organizacionais. Os inputs compreendem todos os elementos que são incorporados à organização para viabilizar suas operações. São os recursos necessários. Throughputs indicam a maneira como esses elementos são trabalhados internamente pela organização. Outputs são os resultados obtidos dos processos anteriores, é o que a empresa disponibiliza para o mercado, ou seja, os 4 Ps. Grosso modo, se um produto não tiver qualidade, se não estiver ao alcance dos consumidores, se seu preço não for compatível com os valores praticados pela concorrência, e, se, por fim, se não se tornar conhecido de seu público-alvo, ele simplesmente não sobreviverá no mercado. (YANAZE, 2011, p.619). Essa proposta de Yanaze demonstra que todas as ações estão interligadas entre si e que os 4 Ps, apresentados por McCarthy, são apenas parte desse abrangente processo. Dessa maneira, entendemos que não é possível obter resultados satisfatórios com uma brilhante comunicação mercadológica se os outros processos não estiverem em sinergia. A propaganda é, portanto, apenas um dos serviços do marketing, que, por sua vez, é composto por diversas ações mercadológicas que compõem a empresa. Para ser eficaz, a propaganda, a promoção de vendas, a assessoria de imprensa, as relações públicas, os eventos, entre outras atividades de comunicação, precisam estar inseridas em uma estratégia global de marketing. Deve haver uma política global para uma coerência e homogeneidade da linguagem e do comportamento. Atualmente, quando falamos de comunicação mercadológica, estamos pensando nas táticas das organizações para conectar sua marca, posicionando-a na mente dos consumidores. A comunicação mercadológica é, conforme Kotler e Keller (2006, p.532), a maneira pela qual as organizações buscam não apenas informar, mas também persuadir e lembrar sobre os produtos ou serviços que comercializam. “A comunicação de marketing representa a „voz‟ da marca e é o meio pelo qual ela estabelece um diálogo e constrói relacionamento com os consumidores”. Para esses autores, o “mix de comunicação de marketing” é composto por seis formas fundamentais de comunicação: propaganda; promoção de vendas; eventos e experiências; relações públicas e assessoria de imprensa; marketing direto; e vendas pessoais. Por sua vez, o grande dilema atual da comunicação de mercado, segundo ele, não é o que dizer, mas como, para quem e com que frequência. “As comunicações se tornam cada vez mais difíceis à medida que o número crescente de empresas têm de berrar para atrair a atenção dividida do consumidor” (KOTLER; KELLER, 2006, p.532). Neste cenário, em que somos bombardeados por mensagens comerciais o tempo todo, a comunicação mercadológica encontra um desafio: mais do que captar a atenção das pessoas ou enviar mensagens repetitivas, ela precisa gerar consciência, conhecimento, simpatia, preferência, compra. Para isso, não adianta mais gritar, importa o conteúdo da mensagem, bem como a maneira como ela é expressa. As empresas agora estão se dando conta da chamada “comunicação integrada de marketing” (CIM), um conceito de planejamento de marketing que abrange todos os processos de comunicação de mercado. A ampla gama de ferramentas de comunicação, mensagens e públicos torna obrigatório que as empresas se encaminhem para uma comunicação integrada de marketing. É preciso adotar uma visão 360 graus do consumidor para compreender plenamente todas as diferentes formas pelas quais a comunicação pode influenciar seu comportamento cotidiano. (KOTLER; KELLER, 2006, p.556). Também George Belch e Michael Belch (2008, p.10) consideram a comunicação integrada de marketing como “uma estratégia completa de comunicação que reconheça de que forma todas as atividades de marketing de uma empresa, e não somente a promoção, se comunicam com os clientes”. A abordagem exige que todas as atividades projetem uma imagem coerente e unificada da organização no mercado. “Isso requer uma função centralizada de comunicação, de modo que tudo o que a empresa diga e faça comunique um posicionamento e tema comuns”. Os autores consideram como parte das CIM as seguintes atividades: marketing direto, mídia interativa, promoção de vendas, publicidade, relações públicas e venda pessoal. Pensar em um plano abrangente de comunicação de mercado, em vez de depender simplesmente da propaganda, é uma realidade que tem afetado desde a mídia tradicional até a forma de fazer negócios dos anunciantes, que passam a exigir mais criatividade das agências. São evidentes as profundas transformações nos sistemas de comunicação no contexto contemporâneo. Dizem os irmãos Belch: Os anunciantes estão enfrentando o problema de os consumidores terem se tornado menos receptivos à propaganda tradicional. Muitos consumidores estão desligando-se da propaganda; eles estão cansados de ser bombardeados com mensagens comerciais. Isso está levando muitos anunciantes a procurar por maneiras alternativas de comunicarem-se com seus públicos-alvo. (BELCH; BELCH, 2008, p.12). Sobre esse assunto, David Scott (2008), escrevendo sobre as novas regras do marketing e das relações públicas, afirma que a escolha da melhor mídia não é uma decisão tão fácil como era antes, em um passado cujo único caminho para as vendas era veicular publicidade em jornais, revistas, rádios, televisão e mala direta. No passado, o conceito de marketing era entendido como propaganda, que precisava ter apelo de massa e tratar somente de vender produtos. A internet mudou essa realidade. Em um mundo online, o que importa é construir relacionamentos. Sendo assim, a convergência entre marketing e relações públicas seria a estratégia do sucesso, pois não basta vender produtos. “O mais importante a lembrar assim que você desenvolve um plano de marketing e de RP é deixar de lado, por algum tempo, seus produtos e serviços e concentrar toda a atenção nos consumidores de seus produtos” (SCOTT, 2008, p.103). Como construir esse relacionamento com os clientes? Segundo Scott (2008, p.126), fazendo relações públicas. O foco da empresa deve estar no problema do cliente, em vez da exibição egocêntrica de seus serviços. O produto que se vende é secundário. Ser líder de pensamento significa levar pessoas a confiar e ir à ação. É preciso pensar em nichos específicos, refletir sobre as mensagens que o público deseja receber, em vez das mensagens que a empresa deseja transmitir. O processo da comunicação mercadológica no contexto contemporâneo começa com o consumidor. Importa mais o que os clientes podem dizer sobre eles, suas necessidades e estilos de vida, e menos o que a empresa tem a dizer sobre ela mesma. O que realmente importa é o que o consumidor terá a dizer sobre essa empresa, como ele a interpreta e como ele determina o que ela representa. Nesse sentido, o marketing social pode ser uma estratégia chave. Ações concretas que beneficiem a sociedade podem diferenciar uma empresa de seu concorrente. 3. Marketing social É consenso em todos os setores a importância da responsabilidade social no planejamento de marketing. Não apenas para a empresa ser mais conhecida, respeitada e conseguir mídia espontânea. As empresas ainda precisam de mão de obra qualificada, de melhores condições de saúde para os funcionários, ainda precisam do meio-ambiente. Dessa forma, as organizações começam a entender que o compromisso com a sociedade faz parte do seu negócio. E, cada vez mais, as organizações, com fins lucrativos ou não, reconhecem que a comunicação mercadológica serve não apenas para conduzir o indivíduo à compra, ela também pode colaborar para o bem-estar social. O marketing social prevê uma mudança de comportamento, tais como modificar um estilo de vida, abandonar um vício ou estabelecer novos hábitos, influenciar atitudes que gerem benefícios sociais (KOTLER; LEE, 2011). As técnicas utilizadas pelo marketing para fins comerciais podem ser empregadas para vender ideias e mudanças de atitudes. Deve-se pensar no ganho social e não no lucro para a empresa, embora ela saia lucrando com uma imagem positiva na comunidade onde atua ou na sociedade em geral dependendo da abrangência de seus programas. “Para ser parte do marketing social, essa conduta não deve estar atrelada somente a ganhos de imagem, à revitalização da marca ou ao aumento de participação no mercado” (YANAZE, 2011, p.620). Kotler e Lee (2011, p.26), definem marketing social como um processo que aproveita as técnicas de marketing para influenciar comportamentos que beneficiem tanto o públicoalvo em si como a sociedade como um todo. O foco está nos comportamentos: aceitar, rejeitar, modificar ou abandonar. Há uma concordância de que o marketing social diz respeito a influenciar comportamentos, que ele utiliza um processo de planejamento sistemático e aplica princípios e técnicas tradicionais de marketing, e que é a sua intenção gerar um benefício positivo para a sociedade. (KOTLER, LEE, 2011, p.26). Para Yanaze, o marketing social não pode ser confundido com investimento social privado nem usado como estratégia promocional ou para ganhar prêmios e se expor na mídia. Yanaze (2011, p.617), define o marketing social como “o planejamento e a execução de programas desenvolvidos para a promoção de mudança social, mediante o emprego dos conceitos e princípios do marketing comercial”. Para fazer as pessoas aderirem a uma mudança, elas precisam acreditar nas vantagens que obterão. “O benefício fundamental de uma „venda‟ no marketing social é o bem-estar de um indivíduo, de um grupo ou da sociedade, enquanto no marketing comercial é a riqueza do acionista” (KOTLER; LEE, 2011, p.42). E é para essa finalidade que o marketing social se utiliza da comunicação. E uma vez entendido que comunicação mercadológica não é apenas publicidade, mas também eventos, relações públicas, assessoria de imprensa, entre outras atividades inseridas na comunicação integrada de marketing, fica evidente o quanto ela é útil ao marketing social e capaz de promover o bem comum. Ela pode ter um caráter informativo, educativo, humanitário. Mais comumente utilizado no setor sem fins lucrativos, o marketing social costuma objetivar a arrecadação de fundos, o recrutamento voluntário ou a defesa de uma causa. Nas organizações com fins lucrativos, está normalmente vinculado ao setor de responsabilidade social e tem o intuito de fortalecer a imagem da marca (KOTLER; LEE, 2011). Empresas engajadas com questões sociais e atividades altruístas, como se sabe, podem adquirir mais respeitabilidade e obter apoio da comunidade local, do governo, da imprensa, vender mais, obter bons resultados financeiros. Elas reconhecem que os ativos imateriais, intangíveis, têm importância estratégica. O consumidor, no contexto contemporâneo, não avalia apenas o produto, como também outras competências no âmbito moral. Produtos são voláteis, podem desaparecer, enquanto a imagem permanece. As organizações estão inseridas em um contexto sócio-cultural - a região onde estão instaladas lhes oferece mão de obra, também compram seus produtos ou serviços. Assim, as empresas aumentam sua consciência sobre a necessidade de se envolver em causas sociais Como retorno, espera-se ética e comprometimento com o desenvolvimento da comunidade. Os consumidores exigem isso. As preocupações sociais agora fazem parte do plano de marketing das organizações. Segundo Yanaze (2011), para uma empresa ser considerada socialmente responsável ela precisa, antes, cumprir os princípios básicos de ética e cidadania. Neste contexto, a comunicação é uma aliada para o resultado das ações de marketing social. “O resultado que se espera de uma ação social é a transformação social” (YANAZE, 2011, p.624). 4. A Corrida da Solidariedade de Ribeirão Preto Quem é praticante assíduo de corrida em Ribeirão Preto, no interior paulista, já ouviu falar do Palhinha, o corredor. Conhecido por esse apelido devido à semelhança com o exjogador do São Paulo, o operador de máquinas Marcos Tadeu da Silva, 46 anos, tornouse expert em transformar seu esporte favorito, o atletismo, em ações solidárias e de incentivo à atividade física. Palhinha promoveu pela primeira vez a Corrida da Solidariedade em 2001. Hoje, com nove edições realizadas, o evento esportivo é fortemente reconhecido por seu caráter social ao reunir comunidade e atletas em prol da solidariedade e do incentivo à prática esportiva em um dos bairros mais humildes da cidade. São 600 participantes adultos e 60 crianças que participam e, consequentemente, colaboram para o projeto Abraço Amigo, da ONG Ceproavi, que acompanha 100 famílias carentes. Em entrevista concedida para a realização desse trabalho, Palhinha diz que espera conscientizar outros moradores que iniciativas assim podem partir de cada um e render bons frutos a todos. Isso porque uma vez ao ano ele faz uma boa ação em seu bairro e, se mais pessoas se dedicarem a contribuir com as outras, com aquilo que fazem de melhor, certamente a cidade poderia alcançar um rápido desenvolvimento social, com mais qualidade de vida. Palhinha faz parte daquilo que hoje se convencionou chamar de INGs – Indivíduos Não Governamentais. São pessoas que individualmente lutam por um propósito, eles assumem uma espécie de contrato anti-individualista. Ele é responsável por toda a organização do evento, desde a alocação de recursos financeiros até programação visual e divulgação. Isso inclui apoio operacional, apoio logístico (equipamentos audiovisuais, elétricos e eletrônicos), apoio de pessoal (contratações externas de assessoria para o evento), apoio externo (serviços desenvolvidos nas externas do local, segurança, meios de transporte, serviços de alimentação). Também é de responsabilidade dele o planejamento geral dos trabalhos, definição do público estratégico, formatação do evento, definição de local, data e horário, escolha do temário, aprovação do programa, coordenação do trabalho em todas as suas fases, aprovação de orçamentos e elaboração do relatório final. No planejamento de recursos financeiros consta: patrocínios e vendas de inscrições por preço acessível (R$ 25,00). No planejamento de comunicação: programa e regulamento, press-release, material ilustrativo e promocional para banners, outdoors, cartazes, painéis, entre outros. A Corrida da Solidariedade conta com o apoio da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, que insere o evento como uma das principais programações das festividades de aniversário da cidade, realizado em junho; do Instituto 3M de Inovação Social, que é da multinacional 3M do Brasil, que possui uma filial na cidade; da Elevare Empreendimentos Imobiliários e da Transportadora Elijur. As empresas são beneficiadas com as citações da marca em todas as formas de comunicação do evento: releases para a imprensa, cartazes, banners, e, sobretudo, a marca estampada em camisetas e medalhas. Há três principais objetivos de comunicação e marketing social colocados em prática na Corrida da Solidariedade: Incentivar o atletismo em bairros carentes -Anualmente, a corrida é realizada no bairro Parque Ribeirão Preto, onde vivem famílias socialmente desfavorecidas. Essa ação é inédita na cidade, que possui um calendário de corridas de rua preenchido por muitos eventos, mas realizados em bairros nobres, envolvendo academias conceituadas e pessoas que já estão habituadas à prática esportiva. Levando a corrida até um bairro mais pobre, espera-se incentivar o esporte em outros bairros. Realizar um encontro entre atletas e comunidade - A Corrida da Solidariedade é um dos poucos eventos esportivos da cidade com premiação em dinheiro, como forma de reconhecimento pelos treinamentos intensivos dos atletas de elite. Esses, no pódio, falam com a comunidade, por meio de microfone, incentivando a atividade física entre os presentes. Promover uma ação social e um momento de reflexão sobre solidariedade – Os participantes chegam ao evento com outra mentalidade: estamos fazendo uma ação social. A finalidade é que essa ação desperte-os para a realidade da cidade e que elas continuem fazendo ações sociais ao longo do ano, que se envolvam em projetos voluntários ou de caridade. Para tentar verificar o retorno que as organizações obtêm com o investimento no evento social, aplicamos um questionário entre os participantes, por e-mail, com cinco perguntas abertas. Recebemos 35 respostas. A multinacional 3M foi citada como a principal patrocinadora, sendo lembrada por todos os entrevistados. Em seguida, aparece a Prefeitura Municipal (49%), depois Elevare (43%) e Transportadora Elijur (43%). Perguntados sobre como souberam do evento, 37% responderam via divulgação na internet, 37% por panfletagem ou cartaz, e 26% por indicação de amigos. Por fim, 60% responderam que o caráter social foi o principal motivo para a participação no evento, pois a possibilidade de ajudar o próximo é algo que sensibiliza e os torna mais humanos. Sendo assim, mesmo não conhecendo a definição exata de marketing social, Palhinha exerce essa atividade, levando empresas a investirem em um evento de caráter social que beneficia uma ONG e ainda cumpre alguns objetivos de comunicação: chama atenção para um problema social, desperta consciência coletiva, suscita interesse em participação, efetiva uma ação, estabelece interação. A Teoria dos 3 Puts, de Yanaze, também está presente aqui. Para a realização do evento esportivo, é preciso pensar em recursos financeiros, recursos humanos, infra-estrutura, tecnologia, logística, comunicação. Qualquer problema nos inputs, como na infra-estrutura, implicaria em prejuízos aos outros processos. Dessa maneira, um planejamento completo de marketing social, tal como vem sendo feito, é fundamental, tendo em vista os objetivos gerais da organização da corrida. Considerações Essa pesquisa objetivou demonstrar a complexidade das teorias do consumo, mostrando vieses que buscam entender por que as pessoas compram, sobretudo de um ponto de vista sociológico. Não há vida se não for em sociedade, mas, uma vez que as relações humanas são mediadas pelo consumo, o espírito materialista está por toda a parte, abrandando o sentimento de coletividade. Ao mesmo tempo, a comunicação passa por uma série de transformações, ela se reinventa, deixando de tratar pessoas como mercadorias e passando a construir relacionamentos consistentes, objetivo esse da comunicação integrada de marketing. No exemplo da Corrida da Solidariedade foi possível verificar como uma pessoa pode fazer diferença na região onde vive, tendo uma atitude produtiva para toda a comunidade, agindo para que o bem comum aconteça. As organizações que patrocinam essa iniciativa sabem que eventos são ocasiões marcantes, que criam sentimentos, e também um dos mais ricos recursos de comunicação. Elas também estão cientes de que o marketing social influencia atitudes e gera benefícios a elas e a toda a sociedade. Democratizar práticas de esporte atende a necessidades individuais e sociais. Incentivar o serviço social, promover a saúde, colaborar com ONGs, tudo isso, torna uma empresa mais simpática, mais comprometida, e constrói uma imagem mais humanitária. Apesar da competição e da corrida pelo consumo, a vida em sociedade ainda requer que todos cumpram seus deveres como cidadãos e assumam responsabilidades sociais. Marketing social e consumo consciente são dois termos que se apresentam como alternativas importantes para a melhoria das condições de vida na sociedade contemporânea. Neste sentido, a comunicação, com campanhas orientadas para uma mudança no estilo de vida, com divulgação de ideias e valores, contribui também para atenuar problemas da população, satisfazer necessidades coletivas e transformar as relações sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2009. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BELCH, George; BELCH, Michael. Propaganda e promoção: uma perspectiva da comunicação integrada de marketing. 7ed. 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