A MISSÃO É SIMPÁTICA
Tudo por causa dos cogumelos
texto Norberto Louro ilustração Mário José Teixeira
Fala-se muito, hoje, de globalização e
interculturalidade. São processos em
que os portugueses tiveram um papel
importante. Com as descobertas, deram
novos mundos ao mundo, favorecendo
trocas comerciais, culturais e religiosas.
Essa permuta irreversível de cruzamento de culturas nem sempre é fácil, nem
pacífica. É grande a tentação de uma
cultura se sobrepor à outra. Tomar as
diferenças culturais dos outros como riqueza a assumir e não como algo a abater leva muito tempo e paciência.
A própria gestão do tempo varia de cultura para cultura. Umas têm o relógio
e tudo vai ao toque dele; outras têm o
tempo e tudo escorre lentamente. Em
Moçambique, conheci um colega que
tinha o tique de consultar constantemente o relógio, convencido que as
coisas não se mexiam. A cada instante,
rodava o braço para ver as horas. Até
no altar! Certo dia, enquanto distribuía
a comunhão, segurando o vaso sagrado cheio de hóstias na mão esquerda e
mostrando, com a direita, a partícula
que os fiéis iam receber, rodou a mão
esquerda entornando o Senhor Jesus
pelas escadas do altar a baixo.
Nisto de se habituar aos ritmos, climas,
comidas, modos e costumes, tive muita
sorte. Quando cheguei a Moçambique,
foi meu mestre um colega folgazão, de
83 anos, com mais de 50 de África. Estávamos no fim da época das chuvas, que
nunca mais paravam e se alternavam
continuamente com clareiras de sol. Passava o dia a correr de fora para dentro e
de dentro para fora, sem poder trabalhar.
“É assim – dizia-me ele com ar brincalhão – raramente, a chuva é geral. Chove aqui e, uns metros mais além, já não
chove. Aconteceu-me várias vezes voltar
a casa com o guarda-chuva meio molhado e meio enxuto por passar mesmo na
linha divisória, entre o sol e a chuva!”.
“Quanto à chuva alternar-se com o sol,
é isso que faz crescer rapidamente toda
essa vegetação”. E contou-me: “Uma
vez desci da bicicleta para descansar
um pouco e sentei-me no chão. Co-
mecei a sentir qualquer coisa a mexer
debaixo do rabo. Fui a ver… Era um cogumelo que estava a tentar furar a terra
húmida com o calor do meu corpo!”.
A propósito de cogumelos, contou-me
outra história hilariante. “Um padre
de uma missão vizinha, glutão de cogumelos, dava-os a provar ao cão antes
de os comer. Se o bicho não morresse, devorava-os avidamente. Um dia,
depois de comer cogumelos até mais
não poder, chegou o guarda da missão esbaforido a informar que o cão
tinha morrido. O pobre do padre não
esteve com meias medidas. Enfiou os
dedos nas goelas e toca a deitar fora os
cogumelos. O guarda percebeu imediatamente o que se passava e, então,
completou matreiramente a informa-
FÁTIMA MISSIONÁRIA
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NOVEMBRO 2010
ção: “Padre, o cão morreu atropelado
por um carro!”. “Mal empregados cogumelos!”, exclamou o missionário.
A língua é outro obstáculo a vencer
para tornar possível o encontro de culturas. Aprendi muito do que sei, passando muitas horas no confessionário.
“Aqui é assim – fez-me notar o padre,
meu mestre. Quando viajo de bicicleta,
há gente que me manda parar para se
confessar. Quando são mulheres, improviso um confessionário. Viro a bicicleta de rodas para cima e confesso
através dos raios”.
É assim! Neste ambiente folgazão, a
missão torna-se simpática e os missionários vão ultrapassando o exercício
difícil do encontro de culturas e de mútuo enriquecimento.
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