8o. Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS AT 06 - Instituições Políticas Rafael N. Magalhães Umberto G. Mignozzetti Judicialização da Política? Um Modelo de Análise da Interação entre Legislativo e Judiciário São Paulo 2012 1 Judicialização da Política? Um Modelo de Análise da Interação entre Legislativo e Judiciário Rafael N. Magalhães Umberto G. Mignozzetti [email protected] [email protected] July 13, 2012 Abstract O objetivo deste trabalho é apresentar um modelo formal de interação entre os poderes Legislativo e Judiciário em casos de conflito de competências. Neste modelo, os juizes são chamados a decidir sobre uma proposição que poderia deslocar o status quo de uma determinada legislação dentro de um subconjunto do espaço político. Os juízes aferem à priori o mediano do Legislativo, e avaliam a possibilidade de mudar o status quo para mais perto de sua zona de interesse. Calculamos o equilíbrio do jogo e determinamos os principais focos de alteração a que ele está submetido. Ilustramos o modelo com dois casos recentes em que o Judiciário foi considerado como um fator determinante no resultado de uma legislação: a união estável de casais homossexuais e a verticalização de alianças eleitorais. 2 1 Introdução A alegada expansão do Poder Judiciário sobre o espaço de disputa política é um tema recorrente no debate público sobre o papel normativo das instituições brasileiras. Ao mesmo tempo, a atuação política do Judiciário vem ganhando espaço na literatura acadêmica sobre os efeitos de desenhos institucionais sobre a produção de legislação. Para além do modelo clássico de Estado republicano moderno, constituído por três poderes independentes e autônomos, a literatura em ciência política acumula evidências empíricas de que o relacionamento entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é intrincado e tem consequências sobre formação de incentivos de atuação para diferentes agentes assim como sobre o resultado das políticas públicas que são produzidas pelo Estado. Embora exista uma literatura volumosa tratando das relações entre os poderes Executivo e Legislativo, a influência do poder Judiciário na arena pública tem merecido uma parcela relativamente pequena da atenção dos pesquisadores da área. Há, no entanto, uma crescente conscientização da importância de compreender analiticamente por quais mecanismos o Poder Judiciário consegue influenciar o processo de geração de leis. Nesse sentido, uma das perguntas mais importantes na literatura internacional sobre o tema é o de como o Poder Judiciário consegue constranger o poder da maioria no Legislativo ou o poder das agências do Executivo. Um dos mecanismos mais comuns pelo qual se opera o poder Judiciário de desenhar políticas públicas é por meio do controle constitucional. Em um artigo seminal na modelagem da relação entre Legislativo e Judiciário em condições de assimetria de informação, Vanberg (2001) chega à conclusão de que a perspectiva do controle constitucional na Corte aliada à falta de clareza com relação ao posicionamento do Judiciário e da opinião pública sobre uma matéria afeta o tipo de legislação aprovada no Legislativo. Em situações nas quais a Corte tem grande prestígio junto à população, o Legislativo adota uma postura de minimização de riscos, a fim de não arcar com os custos de um 3 fracasso público e seus efeitos negativos sobre a perspectiva de reeleição. Como resultado, nesses casos observa-se um Poder Judiciário mais disposto a adotar uma postura agressiva de defesa de seus interesses, a despeito da vontade majoritária representada no Parlamento. No Brasil, o instrumento de desafio à vontade da maioria é o recurso às Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin), encaminhadas para apreciação do Supremo Tribunal Federal. Para além das acusações frequentemente observadas no debate público sobre a excessiva politização do Poder Judiciário ou sobre seu ativismo frente a um Legislativo inativo, a literatura brasileira tem encontrado respaldo empírico em favor da tese de que as Cortes têm influência crescente sobre a produção de políticas públicas no país. Em um dos primeiros estudos e?mpíricos realizados no país, Castro (1997), seguindo Tate et al. (1995) define a “judicialização da política” como a epítome do conflito enter os poderes Legislativo e Judiciário. Constatando o crescimento do número de Adins de 15 em 1989 para 40 em 1991, o autor apresenta aqueles que talvez sejam os primeiros indícios sistematicamente observados do crescimento da participação do poder Judiciário no cotidiano político brasileiro. De Carvalho (2004), dá maior fôlego temporal e analítico ao problema ao estender o escopo de Adins analisadas até o ano de 2003 e degragregá-las ao nível dos grupos de interesse grupos que as originam. Entre os grupos analisados, Governadores de Estado, Procuradores-Gerais, Partidos Políticos e Grupos de Interesse (sindicatos e outras entidades de classe) despontam como os maiores contestadores da vontade da maioria. Entre os partidos, não é surpresa notar que a maior parte das Adin’s parte daqueles que se encontram na oposição. Assim, a análise de Carvalho conduz à conclusão de que o recurso à contestação judicial se configura em uma ferramenta efetiva de tornar inefetivas as “instituições majoritárias”. Taylor and Da Ros (2008), ao analisar os padrões de juducialização da política nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, buscam compreender que fatores podem 4 explicar a variação encontrada entre os dois governos, dado que o mecanismo mais frequentemente mobilizado – o do desenho institucional – permaneceu-se praticamente inalterado entre os dois governos. A explicação encontrada pelos autores é a de que “apesar de o desenho institucional influir decisivamente na possibilidade de participação dos tribunais na arena política, estes ainda assim dependem de um acionamento externo para que possam tomar decisões politicamente relevantes”. Este acionamento pode ser feito por variações nos atores que originam as Adin’s, sobre a sensibilidade da matéria e sobre o contexto político em que a contestação se origina. Este trabalho, em contraste com a literatura brasileira que trata do tema da judicicalização da política, não tem um caráter eminentemente empírico. Nosso trabalho também se diferencia por se concentrar, com grande ganho analítico, em matérias que exigem maioria qualificada no Legislativo, por motivos que serão explicitados na próxima seção. Nosso principal objetivo é oferecer um modelo por meio do qual seja possível compreender os incentivos que estão em jogo na interação entre os Poderes Judiciário e Legislativo. Pretendemos nos enfatizar os principais mecanismos que permitem modelar o fenômeno, e a partir deles derivar conclusões sobre o comportamento estratégico desses dois poderes. Com este fim, começaremos com um modelo mínimo, com poucos constrangimentos à atuação do Judiciário, e a partir dele incluiremos restrições de atuação e de informação de modo que o modelo se aproxime da dinâmica real de relação entre Legislativo e Judiciário. A terceira seção ilustra o modelo com dois casos recentes de atuação do Judiciário em matérias políticas e a quarta seção, por fim, conclui o trabalho com o sumário dos resultados analíticos encontrados. 2 O Modelo: Judiciário, Legislativo e restrições aos atores Os atores centrais que trataremos neste modelo são o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Sobre o primeiro, elencamos três caracteristicas centrais: 5 primeiramente, o conteúdo das matérias julgadas será considerado um fator exógeno. Entendemos que incorporar o conteúdo da matéria ao modelo nos traria ganho analítico ao mesmo tempo em que aumentaria desnecessariamente sua complexidade, tendo em vista que o trabalho não visa descrever o conteúdo das matérias, mas sim a dinâmica da interação entre esses poderes. Em segundo lugar, vamos considerar que os casos jugados no STF são casos que na Câmara deveriam ser apreciados por maioria qualificada (três quintos). Essa hipótese tem por objetivo fazer com que exista uma zona de gridlock na reação parlamentar1 . Por fim, em toda decisão em que o STF é convocado a se manifestar vamos supor que existam dois componentes centrais: o primeiro é um status-quo ante e o segundo, um espaço finito de discricionaridade dentro do qual o qual o STF pode manejar sua decisão, caso queira alterar o status-quo. O objetivo do primeiro componente é permitir que o STF, caso julgue prudente, simplesmente não tome nenhuma decisão sobre a matéria, sem deslocar os padrões vigentes anteriormente ao julgamento. O segundo ponto trata de uma expressão formalizada da ideia de que o STF tem prerrogativa de tomar uma decisão qualquer. Caso esse ator não tivesse uma certa margem de discricionaridade, suas decisões seriam geradas por outro mecanismo que não julgamentos internos. Em poucas palavras, ele não teria liberadade de ação. Esses dois componentes permitem modelar a estrutura de decisão que acreditamos existir no tribunal: ainda que ele não as tome com total liberadade (discricionaridade infinita), é permitido a ele operar dentro de determinada ‘margem de manobra’. O segundo ator do modelo, Poder Legislativo, está restrito a reagir às decisões que chegam à apreciação do STF. Na sequência do julgmento da Corte, o Legislativo calcula a pertinência de se pronunciar sobre as decisões do STF. Os fatores a serem considerados nesse cálculo envolvem o custo de a opinião pública punir o poder que, apesar de ter a 1 A definição de gridlock que estamos trabalhando é a mesma de Krehbiel (1998). Ela significa que um ponto está em gridlock quando ele está em uma região onde, mesmo não estando no votante mediano, nenhum ator tem incentivo a propor mudanças pois qualquer deslocamento é fracamente dominado. 6 prerrogativa de legislar sobre quaisquer tmas de interesse da sociedade, teria agido de forma negligente sobre uma matéria importante, forçando o Judiciário a se pronunciar. No entanto, se o Legislativo reagir, ele poderá reverter a decisão tomada pelo Judiciário, fazendo com que esse ator sofra custos por estar interferindo em um outro poder. Os custos do Judiciário, no entanto, são absorvidos com maior tranquilidade devido ao fato de seus membros não dependerem de aprovação pública para manter seus cargos. Esse frame constitui-se em um jogo sequencial de informação completa, similar à interação Executivo-Legislativo proposta por Moe and Howell (1999). Substituindo o poder Executivo pelo poder Judiciário no modelo de Moe e Howell, teremos a seguinte cadeia de eventos: 1. O STF recebe um contencioso em matéria de interesse público, que tem um statusquo ante e uma margem de manobra onde a decisão do tribunal pode variar discricionariamente (∆). 2. Os Ministros decidem entre manter o status-quo, ou movimentá-lo para L j , com L j ∈ ∆. 3. Dado o novo status-quo, o Legislativo decide se reage ou não: (a) Se não reagir, e o Judiciário tiver alterado o status-quo, o Legislativo recebe a utilidade do novo status-quo, L j , menos um custo c > 0, que significa o custo de não ter conseguido resolver o problema de coordenação internamente, e ter de aceitar a imposição de um status-quo pelo Judiciário. (b) Se reagir, ele poderá deslocar o status-quo para um novo ponto, de L j para Ld . O STF, por sua vez, recebe a utilidade gerada por Ld mais um custo de ter sua decisão revertida pelo Legislativo. Seja X ⊂ R o espaço de decisão. O STF recebe uma propositura cujo status-quo Q é um subespaço ∆ ⊂ X onde o STF teria a liberdade de fixar o ponto-ideal da propositura. 7 As preferências dos atores são de pico-unico dadas pela seguinte equação: Ui (p; x) = −(p − x)2 − c Onde p é o ponto proposto e x é o ponto ideal do ator i, dado exogenamente. O termo c diz respeito a custos envolvidos, caso uma decisão de um desses atores seja revertida. Cabe notar que, no nosso modelo, c ∈ R e c > 0 não é uma condição necessária. Em outras palavras, há situações em que o custo da rejeição é negativo, com a consequência de existir incentivo para que o ator delegue a decisão a outro poder. Como diferentes configurações nascem de diferentes posições dos atores no espaço político, tratemos cada situação em particular. 2.1 Modelo de Divergência Polarizado Sem perda de generalidade, suponhamos que o STF esteja à direita do espectro político. Suponhamos ainda que o STF não sofra nenhuma restrição ao seu comportamento, ou seja, uma vez chamado, ele poderá alterar o status-quo para onde bem entender. Nesse cenário em que relaxamos as hipóteses de constrangimento do Judiciário, qual o resultado que esperamos quando ele é convocado a se manifestar? As decisões no STF podem entendidas como resultados de votações com regra de maioria simples. Isso significa que, numa casa com 11 Ministros, devemos olhar preferencialmente para a posição do Ministro mediano, que vamos chamar de mJ . Suponha então que temos uma situação conforme a figura abaixo: mL v(3/5) mJ Nessa situação, a curva de melhor resposta do Judiciário, com relação ao Legislativo fica: 8 mJ Melhor Resposta Judiciário v(3/5) mL v(3/5) mJ Ou seja, independente de onde estiver o status-quo, como a ação do Judiciário não tem nenhum limite salvo a restrição do votante pivotal do Legislativo (v(3/5) ), o Judiciário coloca a política justamente em cima desse votante. Para verificarmos que isso é um equilíbrio, suponhamos que o Judiciário escolha algum outro ponto, no caso, menor que v(3/5) . O Judiciário pode melhorar unilateralmente caso adote uma política ligeiramente mais próxima de v(3/5) . Jogar algum ponto menor é, portanto, uma estratégia fracamente dominada. Suponhamos agora que o Judiciário escolha algum ponto maior que v(3/5) . Nesse caso, o Legislativo iria reagir. Os legisladores projetariam o ponto em torno do votante pivotal e essa decisão venceria, pois 3/5 dos deputados estariam a favor dessa nova propositura, que seria menor que v(3/5) . Como resultado, o Judiciário teria um resultado pior que se tivesse movido o equilíbrio para v(3/5) . Do lado do Legislativo, a melhor resposta é reagir sempre que a política estiver fora da zona de paralisia ( v(2/5) ; v(3/5) ), pois mais de 3/5 dos deputados favoreceriam uma alteração que os aproximasse do votante mediano do Legislativo (considerando que a propositura esteja calibrada para que os votantes entre o mediano e os limites da zona de paralisia fiquem, no minimo, indiferente ao novo ponto proposto). Dessa forma, como cada ator estaria jogando sua melhor resposta, temos um Equilíbrio de Nash. Os efeitos desse equilibrio são facilmente observáveis. Primeiro, podemos esperar 9 que as decisões do STF, numa situação onde esse ator é extremado, sempre difiram do mediano, mas ainda assim estejam limitadas pelo votante pivotal2 . Uma previsão possível é que, de um lado, nunca teremos o mediano como política. De outro, que as deciões do Judiciário não se deslocaram livremente no espaço político, pois em algumas regiões de decisão o Judiciário poderia acabar pior do que se simplesmente tivesse jogado a política no votante pivotal. A partir desse modelo podemos esperar que o Judiciário altere o status-quo e, em equilíbrio, o Legislativo jamais jogue, pois o Judiciário calibraria sua decisão para ficar no interior da zona de paralisia. 2.2 Efeitos do tema e de decisões anteriores Uma complicação no modelo anterior é que ele considera que as decisões do Judiciário são tomadas sem que haja nenhum fator restritivo. Isto é, estariamos supondo que o Judiciário não sofresse nenhuma restrição em seu espaço de decisões e teria, uma vez chamado a julgar um tema, poder discriocionário para tomar o status-quo e alterá-lo livremente para qualquer ponto do espaço político. Não é difícil perceber que esta consideração é pouco fiel ao que observamos na realidade. De um lado, o tema em geral é um forte limitante sobre a decisão que será tomada. Em alguns temas, temos definida claramente a zona de ação do Judiciário e quais os limites onde os Ministros podem atuar. De outro lado, o Judiciário está sempre sujeito à decisões correlatas, ou seja, a jurisprudência anterior que limita o raio de ação dos Ministros e que refletem nas decisões tomadas nessa casa. Desse modo, vamos incorporar esses atributos considerando que existe um espaço de decisão ∆, que limita a ação dos Ministros no sentido de que qualquer decisão tomada deverá necessariamente estar contida nesse espaço. O efeito disso podemos ver nos dois gráficos abaixo. 2 Importante notar que, se as decisões precisassem simplesmente de maioria simples para serem revertidas, o votante mediano da Câmara seria o equilibrio, independente das decisões do Judiciário sobre o tema. 10 00 Δ mL v(3/5) mJ mL v(3/5) mJ Δ Na terceira figura vemos uma situação onde o status-quo ante está à direita do espaço de decisao dos Ministros. Como o limite superior não toca na zona de paralisia, a melhor resposta do Judiciário é colocar o status-quo no limite superior de sua zona de decisão. Essa ação pode ser verificada como equilibrio de maneira trivial: o Judiciário, caso coloque a política nesse limite, não pode melhorar unilateralmente jogando a política em nenhum outro ponto de sua zona de decisão. O Legislativo, por sua vez, não consegue alterar a decisão pois ela está contida em sua zona de paralisia, e portanto, nenhum dos atores tem incentivos unilaterais para alterarem suas estratégias, o que faz dessa situação um Equilíbrio de Nash. Na figura 4 temos uma situação correlata, mas agora com o limite da zona de decisão do Judiciário ultrapassando o limite da zona de paralisia – no caso, o votante pivotal do Legislativo. Nesse caso temos duas situações. Na primeira, se o status-quo estiver à esquerda do votante pivotal, o Judiciário simplesmente altera o status-quo para o votante pivotal. Nessa situação é facil ver que nenhum dos atores tem incentivos unilaterais para alterar o status-quo e portanto, teremos um Equilíbrio de Nash. De outro lado, na segunda situação temos quando o status-quo situa-se à direita do votante pivotal. Nesse caso, os Ministros, adiantando um custo de mantê-lo, o alterariam para o votante pivotal, pois, caso mantenham o status-quo, eles terão sua decisão revertida pelo Legislativo. Entretanto, é fácil imaginar que essas situações sejam bastante incomuns pois os Legisladores já teriam revertido um status-quo como esse por decisão própria. 11 Podemos ainda ter situações onde o status-quo esteja no limite superior da zona de decisão do Judiciario, numa situação onde essa zona de decisão esteja contida inteiramente na zona de paralisia do Legislativo. Trivialmente, sabemos que o Judiciário, nessas situações, manterá o status-quo, pois nenhuma alteração melhora unilateralmente sua situação. Como vimos acima, portanto, o Judiciário, além de limitado pelo votante pivotal, muitas vezes também está limitado pelo espaço de decisão ∆ de uma determinada propositura. Esse limite, quando contido à zona de paralisia, tem o efeito de constranger ainda mais as decisões do Judiciário, pois mesmo que a sua decisão fique no extremo de sua zona de decisão, ainda fica aquém da zona de paralisia do Legislativo (e quando ∆ intersecta essa zona, o resultado trivial é um deslocamento na direção do votante pivotal). 2.3 Efeito do custo Até o momento, consideramos simplesmente que as açoes são limitadas pelas preferências em um ambiente unidimensional. O fato é que as decisões têm custos (ou beneficios) para os atores que vão alem do deslocamento do ponto-ideal da política em suas direções. De um lado, uma decisão do Judiciário sobre um tema político muitas vezes gera mal-estar por parte dos legisladores (ou mesmo da opinião pública), produzindo potencialmente duas percepções: primeiro, a de que o Judiciário estaria invadindo uma esfera que não seria propriamente a sua; e segundo, a de que o Legislativo, negligente, não estaria cumprindo corretamente sua função, transmitindo suas atribuições ao Judiciário. Suponhamos uma variável c ∈ R representando os custos relacionados para cada um dos poderes. Primeiramente, suponha que c > 0, ou seja, tanto uma reversão de decisão do STF, quando uma não alteração em uma decisão gerassem custos para o Judiciário e Legislativo respectivamente. O efeito sobre as posições dos atores é um deslocamento em seus pontos ideais, conforme na figura abaixo: 12 v(3/5)+c mL v(3/5) mJ Como podemos ver, o votante pivotal tem sua posição deslocada para a direita. Isso significa que ele não estaria disposto a aceitar uma alteração no status-quo de magnitude tão grande quando era suposto anteriormente. No entanto, um resultado interessante é quando o Legislativo, devido a algum risco moral envolvido, delega a ação para o Judiciário. Situações como essa podem ocorrer com frequência, pois, muitas vezes, mesmo que os Legisladores estejam interessados em uma decisão, eles não a tomam por medo de que essa decisão influencie negativamente em suas chances eleitorais. Nesse tipo de situação, teremos que o votante pivotal estaria deslocado para a direita, pois ele tenderia a aceitar um deslocamento além de seu ponto ideal pois ao invés de custo, teria um ganho com a decisão do Legislativo. Essa situação é especificada na figura abaixo. v(3/5)+c mL v(3/5) mJ Ou seja, nesse caso, como c < 0, o votante pivotal recompensa a decisão do STF com um maior deslocamento, pelo fato de que o tema seria problemático para o Legislativo tratar. 2.4 Incerteza sobre a posição do votante pivotal Até onde exploramos esse modelo, não teremos nenhuma situação relevante onde esperamos que o Legislativo entre em ação. A razão disso é que o Judiciário, como ator que joga primeiro, antecipa a reação dos Legisladores e calibra sua ação de modo a nunca 13 possibilitar a reação dos Legisladores. Na prática, no entanto, em algumas situações importantes, observamos reação dos Legisladores. A razão disso, em nosso ver, é que num ambiente de informação incompleta, os Ministros do STF nem sempre tem certeza sobre a real posição dos legisladores. Nesse modelo vamos supor que o STF não sabe onde se situa o votante pivotal do Legislativo em comparação com a sua zona de decisão. Graficamente, vamos supor que temos incerteza sobre duas situações possíveis ilustradas na figura 7. Caso 2 δmax q v(3/5) mJ v(3/5) δmax mJ δ`max Caso 1 q Sem perda de generalidade, vamos considerar, por questão de simplificação do modelo, que o STF decide entre δm versus manter o status-quo, enquanto o Legislativo simplesmente decide entre Reagir ou Manter a decisão tomada. Vamos adicionar ainda uma probabilidade p de estarmos na primeira situação e 1 − p de estarmos na segunda situação. Como os Ministros do STF não sabem onde está o votante pivotal do Legislativo, eles podem escolher um perfil de estratégia dada a crença de o seu deltamax estar depois ou antes do votante pivotal. Um equilibrio interessante é o STF sempre colocar a política em deltamax . Resolvendo esse jogo, podemos ver que esse equilíbrio se sustenta sempre que p > (usq − uδ0 )/(uδ − uδ0 )3 . Onde uδ representaria o ganho para o Judiciário de escolher δmax , usq o ganho de manter o status quo e uδ0 representando a projeção de δmax em torno da posição do 3 Chamamos esse equilíbrio de Pooling Bayesian Equilibrium. 14 votante pivotal, que será o ponto onde o Legislativo colocará a política após sua reação à ação do Judiciário4 . Vale salientar que esse equilíbrio envolve pelo menos 1 − p de probabilidade de o STF colocar o ponto-ideal em uma posição onde ele será revertido. Desse modo, temos que em situações de incerteza, esperamos que algumas decisões do STF sejam, de fato, revertidas. No entanto, como a solução proposta para o jogo mostra, essa estratégia só se sustenta para uma chance de o votante pivotal estar aquem do δmax for baixa. Isso implica que teremos poucos casos de revisão, mesmo que, de fato, observarmos alguns casos concretos, onde a reação do Legislativo é observada. 2.5 Limitações à ação do Judiciário Neste modelo podemos ver claramente que a ação do Judiciário tem limites importantes. Longe de poder fazer o que bem entende, o Judiciário está constrangido, tanto por caracteristicas do que está sendo julgado, quanto por limites relacionados ao votante pivô do legislativo (v(3/5) ). Na primeira limitação temos como efeito no modelo um estreitamento do espaço de discricionaridade ∆. Muitas vezes, o contencioso apresenta limites precisos sobre quais decisões são esperadas por parte do Judiciário, ou mesmo, devido a um acumulo de Jurisprudência na área, o Judiciário tem suas decisões condicionadas por decisões tomadas anteriormente para temas correlatos. Por outro lado, as ações mesmo que não fossem limitadas pela natureza do tema ou jurisprudência, estaria sujeita ao votante pivô do Legislativo. Nesse caso, qualquer tentativa de mover uma legislação para fora da zona de paralisia implicaria em reação imediata por parte do Legislativo e reversão da decisão tomada pelos Juizes. Dessa forma, o Judiciário, contrariando o senso comum sobre o tema, não teria poder para alterar o status-quo unilateralmente e de forma 4 Repare que existe um espaço onde algumas decisões podem ser sustentadas como equilibrio sem que estejam no caso 1. Em algumas situações onde a projeção δ0 ainda fica à direita do status-quo, poderíamos ter ganho de utilidade por parte do Judiciário. Essas situações foram evitadas no texto visando maximizar a simplicidade do modelo, mas notamos aqui que podem acontecer, sem que isso invalide o modelo, pois o resultado seria que p seria maior que um numero negativo, o que é sempre verdadeiro. 15 indiscriminada. Estaria limitado, primeiro, por suas próprias decisões e por características das decisões que deve tomar e, segundo, por restrições impostas pelo Legislativo, que diferente do suposto, não seria um ator de mãos atadas. Seria mais semelhante ao que Amorim Neto e Tafner (Amorim Neto and Tafner, 2002), seguindo McCubbins e Schwartz (McCubbins and Schwartz, 1984), descrevem como ‘alarme de incêndio’: ou seja, uma reação devido a uma violação nos termos da relação entre agente e principal, no caso, o STF usando de prerrogativas políticas versus o Legislativo, que seria o detentor do poder de operar essas prerrogativas. Por fim, o que explicaria as revisões das ações numa situação onde as reações dos atores são antecipadas? Mostramos acima que a incerteza é o ponto chave para explicar, primeiro, as situações em que há ocorrência e, segundo, o motivo da baixa ocorrência desses casos. O modelo desenvolvido anteriormente, de informação perfeita, tem como consequência a inexistência de revisões, já que a reação do outro ator é plenamente antecipada. A literatura empírica para o caso brasileiro referenciada acima demonstra, porém, que esta não é uma previsão razoável do modelo. A incorporação da distribuição assimétrica de informação nos ajuda a alcançar analiticamente a possibilidade de existência de revisões. 3 Ativismo Judicial? Nesta seção, utilizaremos o modelo apresentado na seção anterior para analisar dois casos em que houve interaçao entre os poderes Legislativo e Juduciário. Em ambos os casos, o Poder Judiciário é provocado a se manifestar sobre matérias em que há potencial conflito de competência com o Legislativo e cujas alterações no Congresso Nacional dependeriam de maioria qualificada (3/5). 16 3.1 Verticalização de alianças A polêmica sobre a verticalização de alianças está ancorada na aprovação de uma regra de constrangimento sobre as coligações eleitorais disponíveis aos partidos em diferentes níveis de governo. Quando posta em prática, tal regra obriga que as alianças eleitorais acordadas no governo federal devem ser observadas na composição das alianças estaduais. Assim, dois partidos que resolvam apresentar candidatura única à presidência da República não estariam permitidos a se unir a outros partidos para lançar candidatos a governador 5 . Os argumentos favoráveis à verticalização das alianças se sustentam principalmente sobre um diagnóstico amplamente divulgado de que faltaria aos partidos brasileiros coerência partidária e capacidade de ação centralizada. Formalmente, os defensores da verticalização se apoiaram sobre o ”caráter nacional” atribuído aos partidos políticos no Artigo 17 da Constituição de 1988 6 . Em abril de 2002 o Supremo Tribunal Federal declarou válida já para as eleições daquele ano a decisão tomada anteriormente pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre a vinculação de alianças estaduais a alianças federais. O STF foi provocado a se manifestar por duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, a primeira movida por PC do B/PT/PL/PSB e PPS e a seguinte movida pelo PFL, com o argumento de que a lei na qual se baseia a verticalização foi editada em 1997 e não operou nas eleições de 1998. Por analogia, portanto, a decisão do STF não poderia ter sido aplicada às eleições de 2002. O caso ilustra bem a importância de se incorporar a assimetria de informação no modelo, dado que a manutenção da verticalização foi aprovada por margem razoavelmente folgada: 7 votos a 4. A previsão esperada de um modelo de informação perfeita (como aquele apresentado na primeita etapa da seção anterior) seria a de que os partidos não 5 Os partidos coligados em nível federal estariam permitidos, porém, a lançar candidatos separadamente para eleições estaduais. 6 A redação deste artigo postula que “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.” 17 demandariam o STF, já sabendo previamente seu posicionamento sobre a matéria Tendo sido derrotada no STF em 2002, Câmara dos Deputados aprovou, em fevereiro de 2006, Emenda Constitucional anulando a regra de verticalização, com a intenção declarada de que a nova regulamentação fosse aplicada às eleições de outubro daquele ano. Provocado por Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela OAB, o STF mais uma vez contrariou a expectativa do Legislativo e declarou nula a vigência imediata da nova regulamentação, com o argumento principal de que alterações de regras eleitorais não têm efeito sobre eleições a serem realizadas em menos de um ano. Apesar da vitória momentânea do STF, o Legislativo foi capaz, por meio da Emenda Constitucional, de trazer a regulamentação de alianças de volta ao seu ponto ideal a partir das eleições de 2010, ao custo elevado de transmitir à opinião pública a ideia de que a Casa não tomou, entre 2002 e 2006, nenhuma providência no sentido de regulamentar uma matéria que era de seu próprio interesse. 3.2 Direitos civis a casais homossexuais No dia 05/05/2011, o Supremo Tribunal Federal julgou favoravelmente, por unanimidade, a extensão aos casais homossexuais de direitos garantidos a casais heterossexuais na Constituição e no Código Civil. Embora a equiparação de direitos não tenha sido plena 7 , contam-se entre os 112 benefícios assegurados a casais homossexuais o direito a her- ança, a comunhão parcial de bens, a possibilidade de inclusão de companheiros como dependentes no Imposto de Renda e em planos de saúde, a adoção e o registro de crianças e o direito a receber pensão alimentícia. O julgamento foi provocado por duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade: a primeira, por parte do governo do estado do Rio de Janeiro, demandando o reconhecimento de direitos civis de funcionários públicos que se declaram homossexuais; e a segunda, mobilizada pela Procuradoria-Geral da República, demandando mais amplamente o reconhecimento de direitos civis a casais do 7 Um dos direitos não estendidos aos casais homossexuais foi o direito ao casamento 18 mesmo sexo. Uma característica analiticamente relevante dessa matéria é a existência prévia de projetos no Legislativo com o objetivo de regulamentar os direitos associados à união homoafetiva 8 . Críticos mais contundentes à extensão de direitos defendem que a reforma do Código Civil não seria suficiente para ampliar o direito de casamento a casais do mesmo sexo, recorrendo à redação do Artigo 226 da Constituição9 . Assim, segundo esse entendimento, a regulamentação própria do casamento homossexual deverá ser feita por meio de PEC com aprovação por maioria qualificada. A decisão do STF veio acompanhada de uma cobrança explícita ao Legislativo para que ele manifeste em forma de lei a condição civil dos casais homossexuais. Segundo declarações públicas do presidente do STF, Cezar Peluso, “Há uma convocação que a Corte faz para o Poder Legislativo para que assuma essa tarefa a que não se sentiu muito propenso a exercer: regulamentar essa equiparação. (...) Da decisão importantíssima de hoje, sobra espaço em que tem que intervir o Poder Legislativo. A partir de hoje tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte será justificada”. A falta de resposta do Legislativo à convocação do STF pode ser interpretada como uma saída conveniente para evitar o custo político de se posicionar sobre matéra altamente polêmica, com potenciais efeitos eleitorais negativos. Parlamentares ligados a grupos favoráveis à equiparação completa de direitos, assim como parlamentares com base eleitoral claramente conservadora, se manifestaram no sentido de formalizar ou desautorizar os direitos assegurados pela decisão do STF, mas essa mobilização não foi grande 8 O mais antigo está em tramitação há mais de 15 anos na Câmara: PL 1151/1995. Vale notar, porém, que a votação de Projetos de Lei não está no escopo de nossa análise, restrita aos casos de Emenda Constitucional. Mais adiante discutimos os motivos pelos quais consideramos razoável analisar a extensão de direitos civis a casais homossexuais como matéria de caráter constitucional 9 Art. 226, par. 3: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”. A regulamentação deste artigo por meio da Lei 9.278/1996 reforça os termos homem e mulher em sua redação: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.” 19 o suficiente para que o custo para o votante pivô para um emendamento constitucional deixasse de ser negativo (c < 0). 4 Considerações finais Neste trabalho, construímos e desenvolvemos um modelo de interação entre os poderes Legislativo e Judiciário e exploramos as consequências de aplicar variados níveis de restrição e relaxamento de hipóteses sobre o comportamento dos atores. Dois dos principais resultados que encontramos com esse simples modelo são: primeiramente, um mecanismo que possa dar conta do fato de que, mesmo quando há expectativas antecipadas sobre o comportamento do outro ator, podemos observar tentativas frustradas de deslocamento do status-quo em um subespaço; e, segundo, que a percepção de potencial efeito eleitoral negativo em votações de matérias polêmicas gera incentivos para que o poder Legislativo, mais sensível a flutuações da opinião pública, pague o custo de delegar a decisão ao Judiciário. Desenvolvimentos futuros do trabalho podem apontar para a necessidade de incorporação de mais atores ao modelo, assim como uma investigação sistemática das matérias que chegam ao STF por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade. References O. Amorim Neto and P. Tafner. Governos de coalizao e mecanismos de alarme de incendio no controle legislativo das medidas provisorias. Dados, 45(1):5–38, 2002. 17 M. F. Castro. O supremo tribunal federal e a judicializacao da politica. RBCS, 34:147–156, 1997. 5 E. R. De Carvalho. Em busca da judicializacao da politica no brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia e Politica, 23(23):115–126, 2004. 5 K. Krehbiel. Pivotal Politics: A Theory of U.S. Lawmaking. University of Chicago Press, 1998. 7 20 M. D. McCubbins and T. Schwartz. Congressional oversight overlooked: Police patrols versus fire alarms. American Journal of Political Science, 28:165–179, 1984. 17 T.M. Moe and W. G. Howell. The presidential power of unilateral action. Journal of Law, Economics, and Organization, 15(1):132–179, 1999. 8 C.N. Tate, T. Vallinder, and M. Edelman. The global expansion of judicial power. New York University Press, 1995. 5 M. M. Taylor and L. Da Ros. Os partidos dentro e fora do poder: a judicializacao como resultado contingente da estrategia politica. Dados, 51(4):825–864, 2008. 5 G. Vanberg. 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