O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE AOS CRIMES AMBIENTAIS 1 Bárbara Mariane Feeburg Porto Alegre2 RESUMO: O presente trabalho objetiva demonstrar a viabilidade da aplicação do Princípio da Insignificância em sede de tutela penal ambiental, uma vez que, embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado seja bem jurídico de extrema relevância para a ordem jurídica e social, não se pode olvidar que, em se tratando de crimes ambientais, de Direito Penal se cuida, devendo ser observados seus preceitos fundamentais, tais como a Intervenção Mínima e a Fragmentariedade. Nesse liame, buscamos explanar a possibilidade de incidência do Princípio da Insignificância, diretamente relacionado aos princípios supracitados, também em sede de Direito Penal do meio ambiente, com o escopo de excluir do âmbito criminal condutas que, embora formalmente típicas, não afetam o meio ambiente de forma suficientemente relevante, fazendo com que a sanção aplicada não seja desproporcional ao resultado provocado pela conduta praticada. Busca-se, desse modo, conferir uma correta aplicação da lei penal, deixando fora do seu âmbito de atuação condutas sem significação para o Direito Penal. Palavras-chave: Bem jurídico-penal. Meio ambiente. Crimes ambientais. Intervenção Mínima. Princípio da Insignificância. INTRODUÇÃO A proteção do meio ambiente é tema que há muito vem sendo objeto de pesquisas e discussões por estudiosos do mundo inteiro. A mais importante e decisiva conferência sobre o meio ambiente ocorreu em 1972 em Estocolmo, na Suécia, na qual consagraram-se princípios que acabaram por influenciar o mundo todo.3 No Brasil, inovações a respeito do tema foram trazidas pela Constituição Federal de 1988, no artigo 225, caput e seus parágrafos, e no artigo 5º, inciso LXXIII, que consagraram o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental de todo o cidadão. Estando o meio ambiente inserido no rol dos bens jurídicos de maior relevância e preocupação para a sociedade, necessária se fez a sua proteção pelo Direito Penal, ao qual incumbe a tarefa de proteger os bens jurídicos mais fundamentais para a sociedade. Assim, no âmbito penal, procurou-se proteger o meio ambiente através da criação de tipos penais e suas respectivas sanções. Entretanto, ao analisarmos a legislação penal ambiental, podemos constatar que a complexidade do bem ambiental tutelado dificultou a tipificação cerrada das 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovação com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador, Prof. Marcelo Machado Bertoluci, pelo Prof. Mário Rocha Lopes Filho e pelo Prof. Rafael Braude Canterji, em 17 de novembro de 2010. 2 Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da PUCRS. Contato: [email protected] 3 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 21. condutas lesivas ao meio ambiente,4 fazendo com que o legislador criasse tipos legais muito amplos e abrangentes, despidos da certeza e taxatividade inerentes à tipicidade penal. Isso, por sua vez, permite que condutas que não ofendem concretamente o bem jurídico ambiental protegido sejam consideradas criminosas. É, pois, nesse momento que averiguar-se-á a aplicabilidade ou não do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais. O Princípio da Insignificância é um princípio jurídico de Direito Penal que se encontra implícito em nosso ordenamento jurídico. É de criação doutrinária e jurisprudencial e têm por objetivo excluir do âmbito criminal as condutas que não apresentam um grau de lesividade mínimo para a concreção do tipo penal. Serve, em outras palavras, como método de interpretação restritiva dos tipos penais, exigindo que exista lesão ao bem jurídico protegido para que a conduta seja considerada crime, não se contentando com a mera adequação formal da conduta aos elementos integrantes do tipo. A aplicação desse princípio aos crimes ambientais, previstos na Lei n.º 9.605/98, é tema que suscita discussões entre os estudiosos do Direito Penal e do Direito Ambiental. Isso porque, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a partir da Constituição Federal de 1988, foi elevado à categoria de direito humano fundamental de todos os cidadãos, trazendo a reflexão sobre a possibilidade de existir lesão que possa ser considerada insignificante a esse bem de enorme importância para a humanidade. A partir deste estudo, será possível constatar a importância da tutela penal conferida ao meio ambiente, bem como, a partir da análise da doutrina sobre o tema e da jurisprudência pátria, observaremos a correta incidência do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, não como forma de se abster da aplicação da lei penal, mas de aplicá-la corretamente. 1 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 1.1 DO CONCEITO DE BEM JURÍDICO-PENAL O Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade, estabelecendo normas que visam proteger bens que interessam não ao indivíduo exclusivamente, mas à coletividade como um todo.5 Conforme ensina Claus Roxin,6 tal ramo do ordenamento jurídico visa garantir a seus cidadãos 4 FERREIRA, Ivete Senise, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 74. 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 4. 6 ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 16. uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não puderem ser alcançadas através de outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos indivíduos. Entende-se, pois, que o Direito Penal tem como objetivo imediato e primordial proteger os bens jurídicos mais valiosos e fundamentais para a sociedade contra condutas que os lesem ou os exponham a perigo de lesões, a fim de assegurar aos cidadãos uma coexistência pacífica em sociedade. Daí compreender-se que o Estado deve estar a serviço do indivíduo, protegendo bens jurídicos que lhes são imprescindíveis, sendo esta uma das maiores conquistas do Estado Democrático e Social de Direito.7 Conforme salienta Luiz Regis Prado8, apesar de o postulado de que o delito lesa ou ameaça de lesão bens jurídicos ser praticamente pacífico entre os doutrinadores, o mesmo não se pode dizer a respeito do conceito de bem jurídico, sobre o qual há discussão. Destaca-se que o nascimento do conceito de bem jurídico está vinculado ao movimento Iluminista, com o qual passou-se a exigir uma legitimação racional do poder, não se aceitando mais as entidades metafísicas, tais como a lei divina.9 Atribui-se a primeira concepção de bem no contexto jurídico-penal a Birnbaum (1843), o qual, segundo dispõe Regis Prado, observou ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado no mundo do ser ou da realidade, importante para a pessoa ou para a coletividade e que pudesse ser lesionado por uma ação delitiva.10 Destaca-se que Birnbaum calcou sua concepção de bem como critério de classificação e ordenação da tipologia penal posta pelo legislador.11 Posteriormente, sua concepção foi extremada por Binding, para quem bem jurídico era tudo aquilo que fosse considerado valioso para o legislador, sendo, pois, uma criação do Direito. 12 Von Liszt, por sua vez, inaugurou uma concepção material de bem jurídico, que transcendia ao sistema jurídico e que, desse modo, permitia a limitação do poder punitivo estatal. Nos dizeres do autor, “A norma jurídica, ao invés de criar o bem jurídico, o encontra”. 13 Segundo Ribeiro Lopes, a 7 COSATE, Tatiana Moraes. Bem jurídico-penal: um debate necessário. IBCCRIM, jun. 2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10384>. Acesso em: 07 jul. 2010. 8 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 37. 9 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 3. 10 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 27. 11 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131. 12 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131. 13 SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana: contributo para a compreensão dos bens jurídicos supra-individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 62. maioria dos fundamentos atuais sobre o conceito e a importância dos bens jurídicos baseia-se nas noções trazidas por Von Liszt.14 A partir da segunda metade do século XX, conforme refere Ribeiro Lopes, o conceito liberal e de garantia do bem jurídico, repudiado na época do nacional-socialismo, foi recuperado e vem adquirindo, desde então, uma importância crescente.15 A palavra bem, em sentido amplo, significa tudo aquilo que tem valor para o homem.16 Bem jurídico, por sua vez, pode ser entendido como um interesse de grande importância individual e social que passa a ser valorado pelo Direito.17 Assim, podemos considerar que nem todo bem caracteriza-se como um bem jurídico, nascendo este apenas quando o legislador resolve incluído no ordenamento jurídico. Para Heleno Fragoso,18 “bem jurídico é um bem protegido pelo direito: é, portanto, um valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma”. Welzel,19 por sua vez, ensina que “bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido”. Frisa-se, portanto, que nem todo bem é um bem jurídico, assim como nem todo bem jurídico será objeto de proteção pelo Direito Penal tendo em vista o caráter limitado e fragmentário deste, conforme será visto mais adiante. Segundo Regis Prado,20 a noção de bem jurídico decorre das necessidades do homem surgidas na experiência concreta de vida. Dita o autor que em face dessa dimensão sociocultural do bem jurídico, o processo de criminalização/descriminalização subordina-se às regras axiológicas de cada momento histórico, isto é, a idoneidade do bem jurídico está diretamente relacionada com o seu valor social. A partir disso, fundamenta o jurista que o conceito material de bem jurídico reside na realidade social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte e depois do legislador ordinário, tratando-se de um conceito necessariamente valorado e relativo, quer dizer, 14 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131. 15 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 133. 16 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 17. 17 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 118. 18 FRAGOSO, Heleno C., apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 40-41. 19 WELZEL, Hans, apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16. 20 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 41. válido para um determinado sistema social e em um dado momento histórico.21 Também Claus Roxin entende que “os bens jurídicos não têm uma validade natural infinita; preferentemente, estão submetidos às mudanças dos fundamentos jurídico-constitucionais e das relações sociais”.22 Nesse sentido, sustenta Regis Prado que bem jurídico: 23 [...] vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurídico-penalmente protegido. E, segundo a concepção aqui acolhida, deve estar sempre em compasso com o quadro axiológico (Wertbild) vazado na Constituição e com o princípio do Estado Democrático e Social de Direito. Assim, a ordem de valores constitucionalmente relevantes e inerentes a essa especial modalidade de Estado constitui paradigma do legislador penal infraconstitucional. A ideia de bem jurídico fundamenta a ilicitude material, ao mesmo tempo em que legitima a intervenção penal legalizada. Nessa seara, acrescenta o autor que os bens dignos ou merecedores de tutela penal são, em princípio, os de indicação constitucional específica e aqueles que se encontram em harmonia com a noção de Estado de Direito Democrático. 24 A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, traz diversas indicações criminalizadoras ou relativas a deveres protetivos específicos.25 Isto, porém, não significa que a atividade do legislador infraconstitucional no estabelecimento de tipos penais está engessada, mas demonstra que há um dever de criminalização de certas condutas que lesam determinados bens jurídicos, sendo que essa imposição não retira do legislador ordinário a sua liberdade em selecionar as condutas puníveis e estabelecer suas respectivas sanções. Entretanto, em que pese o caráter fragmentário do Direito Penal, o conceito de bem jurídico, como sustenta Roxin,26 não é uma “varinha mágica” através da qual se pode separar desde logo a conduta punível daquela que deve ficar impune, tratando-se apenas de uma denominação daquilo que é lícito considerar digno de proteção pelo Direito Penal. A lesão a esses bens jurídicos merecedora da repressão criminal será analisada no caso concreto. Deste modo, quando um bem jurídico é incorporado pelo Direito Penal, tem-se o surgimento do bem jurídico-penal, que possui, entre outras, a função de limitar o direito de punir do Estado, isto é, o legislador, em um Estado Democrático de Direito, tem o compromisso de não tipificar senão aquelas condutas graves que lesionem ou coloquem em perigo bens jurídicos 21 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 88. ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 36. 23 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44. 24 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 84. 25 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 86. V.g art. 5º, incisos XLI, XLII, XLIII; art. 225, parágrafo 3º etc. 26 ROXIN, Claus, apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 85. 22 relevantes, tratando-se, pois, do “sentido informador” do bem jurídico na construção dos tipos penais.27 Nesse sentido, Eugenio Zaffaroni28 sustenta que “não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens”. Além disso, acrescenta o autor que o bem jurídico concede um verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal. Ademais, cumpre ressaltar que nem todo o bem jurídico requer tutela penal. De acordo com Regis Prado,29 para que um bem jurídico possa ser considerado como bem jurídico-penal deve ser considerado fundamental para o indivíduo e para a vida social, não bastando, dessa forma, somente a sua previsão constitucional. Também nas palavras de Regis Prado,30 “não basta que um bem possua suficiente relevância social para vir a ser tutelado penalmente; é preciso que não sejam suficientes para sua adequada tutela outros meios de defesa menos lesivos”. A esse respeito, consideramos importante mencionar os Princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade no Direito Penal, pois bem ilustram a forma de atuação do Direito Penal frente à proteção de bens jurídicos fundamentais. 1.1.1 Dos princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade O Princípio da Intervenção Mínima, também conhecido por ultima ratio ou subsidiariedade, nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt:31 [...] orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, sua criminalização é inadequada e não recomendável. Portanto, se para a proteção de bens jurídicos forem suficientes medidas civis ou administrativas, estas deverão ser empregadas em detrimento das medidas penais.32 Dessa forma, o Direito Penal assume um caráter subsidiário, sendo justificada a sua intervenção apenas quando “fracassam as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do direito”.33 27 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 50-51. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 398. 29 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 93. 30 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 99. 31 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11. 32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11. 33 CONDE, Muños, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11. 28 Sob a ótica dos bens jurídicos, entende Regis Prado,34 que o Princípio da Intervenção Mínima ou ultima ratio determina que “o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos mais imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, e que não podem ser eficazmente protegidos de outra forma”. Como corolário do Princípio da Intervenção Mínima, temos o Princípio da Fragmentariedade do Direito Penal que determina, conforme ensina Bitencourt,35 que nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são sancionadas pelo Direito Penal, assim como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos, sendo apenas as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes objeto de sanção criminal. No mesmo sentido, Regis Prado36 ensina que o Princípio da Fragmentariedade do Direito Penal determina que os bens jurídicos são defendidos penalmente apenas contra aquelas agressões consideradas socialmente intoleráveis. Nas palavras do autor, “isso quer dizer que o Direito Penal só se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de maneira fragmentada, dividida ou fracionada”. Isso caracteriza a feição ou o caráter fragmentário do Direito Penal “uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica”.37 Nesse liame, ensina Paulo Queiroz que o Direito Penal:38 [...] não protege todos os bens jurídicos, e sim os mais fundamentais, e nem sequer os protege em face de qualquer classe de atentados, mas tão-só dos ataques mais intoleráveis. Daí dizer-se fragmentária essa proteção (caráter fragmentário), pois se concentra o direito penal não sobre um todo de uma dada realidade, mas sobre fragmentos dessa realidade de que cuida, é dizer, sobre interesses jurídicos relevantes cuja proteção seja absolutamente indispensável. 1.2 DO CONCEITO DOUTRINÁRIO E DA NATUREZA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA O legislador, levando em consideração os bens jurídicos mais relevantes para o indivíduo e para a sociedade, bem como seguindo as diretrizes previstas na Constituição Federal, elabora tipos penais abstratos procurando dar a devida proteção a tais bens. Neste andar, embora busque atingir um número limitado de situações, a imperfeição da técnica legislativa somada à impossibilidade de 34 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 59. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 12. 36 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 60. 37 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 12. 38 QUEIROZ, Paulo, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 30. 35 reduzir-se o infinito leque de atos humanos possíveis, faz com que possam ser consideradas típicas condutas que deveriam estar excluídas do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal.39 A par disto, a doutrina, precisamente Claus Roxin, elaborou a teoria do Princípio da Insignificância em matéria penal, também conhecida por princípio ou criminalidade de bagatela,40 determinando que o Direito Penal deve ocupar-se apenas das condutas que efetivamente lesem os bens jurídicos, deixando fora do seu âmbito de incidência aquelas condutas que, embora formalmente típicas, não afetam de forma relevante o bem jurídico que se quer proteger. Tal princípio tem por fim “excluir do âmbito criminal as condutas que não apresentam um grau de lesividade mínimo para a concreção do tipo legal, evitando que a sanção penal seja desproporcional ao dano causado pela ação formalmente típica”. 41 Refere-se que já havia indícios da teoria da insignificância no Direito Romano, onde se entendia que ao pretor não cabia cuidar de causas ou delitos de bagatela (minima non curat praetor).42 Também, em 1903 Von Liszt indagava se não seria oportuno restaurar a máxima minina non curat praetor como norma jurídica de direito processual ou material para conter o uso excessivo do Direito Penal.43 Outrossim, após a Segunda Guerra Mundial, foi Hans Welzel quem chamou atenção para a teoria da insignificância, mesclando-a, entretanto, com a sua teoria da adequação social.44 39 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66. 40 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 23. 41 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 6. 42 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41. 43 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 86. 44 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 22. Essa teoria, segundo expõe Zaffaroni (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 1, p. 487), determina que há condutas que, em razão de sua adequação social não podem ser consideradas típicas. Assim, as condutas que se consideram socialmente adequadas não podem ser delitos, devendo ser excluídas do âmbito da tipicidade. Segundo aduz Assis Toledo (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 131), a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, por estar, justamente, dentro do âmbito da normalidade social. Desse modo, alega o autor que “a adequação social exclui desde logo a conduta em exame do âmbito de incidência do tipo, situando-a entre os comportamentos normalmente permitidos, isto é, materialmente atípicos.” Segundo Roxin (ROXIN, Claus, apud GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 47) a teoria ou princípio da Já nas últimas décadas, conforme sustenta Luiz Flávio Gomes, destacou-se o trabalho de Claus Roxin, a quem se atribui a primeira menção à insignificância como princípio, postulando o seu reconhecimento como excludente da tipicidade penal.45 Contudo, uma das principais resistências ao reconhecimento do Princípio da Insignificância, diz respeito à dificuldade na determinação do seu conceito, por ser este, efetivamente, de construção doutrinária e jurisprudencial, sendo considerado um postulado de Política Criminal não havendo, portanto, previsão expressa em nosso Direito Penal Comum.46 Quanto a isso, cabe reconhecer, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, que o Direito não se esgota no texto legal, havendo princípios jurídicos chamados implícitos, que se encontram em estado latente no ordenamento jurídico.47 Assim, com base no caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, a doutrina e a jurisprudência têm buscado conceituar o Princípio da Insignificância, fixando critérios para o reconhecimento de condutas típicas afetas ao mesmo.48 Para Ivan Luiz da Silva, o Princípio da Insignificância pode ser conceituado:49 [...] como aquele que interpreta restritivamente o tipo penal, aferindo qualitativa e quantitativamente o grau de lesividade da conduta, para excluir da incidência penal os fatos de poder ofensivo insignificante aos bens jurídicos penalmente protegidos. Conforme ensina Bitencourt, não é qualquer ofensa aos bens jurídicos que configura o injusto penal, a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico protegido para ser criminalizada. Assim, sustenta o jurista que, quando uma conduta formalmente típica não apresenta nenhuma relevância material, permite-se afastar liminarmente a tipicidade penal da mesma, visto que o bem jurídico tutelado não chegou a ser lesado, sendo este o objetivo do Princípio da Insignificância, sintetizado no enunciado nullum crimen sine iniuria.50 No mesmo sentido, Ivan Luiz da Silva afirma que o Princípio da Insignificância é utilizado como método de interpretação restritiva do tipo penal, na medida em que exige um “elemento adequação social serve como um auxiliar interpretativo para restringir o teor literal que acolhe também formas de condutas socialmente admissíveis. 45 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 49. 46 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 68. Segundo leciona Luiz Flávio Gomes (Ibid., p. 38 e 68), o Princípio da Insignificância integra expressamente o Código Penal Militar, o qual prevê no seu artigo 209, parágrafo 6º, que no caso de lesões corporais levíssimas “o juiz pode considerar a infração como disciplinar”. 47 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 6. 48 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 7. 49 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 9. 50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 19. material, a lesividade da ação, para que haja a tipicidade penal de uma conduta formalmente típica”.51 Não é outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, para quem o Princípio da Insignificância: 52 [...] pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Assim, o Princípio da Insignificância impõe-se em razão da necessidade de se vislumbrar na estrutura do tipo penal um conteúdo material a fim de tornar legítima a imposição da sanção criminal, não se contentando com a tipicidade formal, consistente na mera adequação da conduta praticada ao tipo penal abstrato. 53 Quanto à natureza jurídica do Princípio da insignificância, é possível vislumbrar correntes distintas de pensamento que o classificam como excludente de tipicidade, excludente de antijuridicidade ou ainda como excludente de culpabilidade. A corrente majoritária entende que o Princípio da Insignificância afasta a tipicidade daquelas condutas que afetam de forma insignificante o bem jurídico protegido, tornando-as, portanto, atípicas e não sendo, consequentemente, objeto de sanção penal. Isto, porém, não significa que o autor do fato insignificante ficará impune, apenas permite que o fato penalmente insignificante seja excluído do âmbito criminal, devendo, contudo, recair sobre o seu agente todas as sanções civis, administrativas, trabalhistas etc. cabíveis. Nesse sentido, conforme alude Ivan Luiz da Silva,54 é o entendimento dos juristas que pioneiramente trataram sobre a matéria no Brasil, sendo eles, Francisco de Assis Toledo, Diomar Ackel e Odone Sanguiné. Não é outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, para o qual a fim de se evitar que a descrição abstrata e abrangente do tipo penal alcance condutas penalmente insignificantes, deve-se 51 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8. 52 MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61. 53 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 10. No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça conceitua o Princípio da Insignificância: “o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus nº 110404/PR. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 07/10/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 09 ago. 2010). 54 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 48. atribuir ao mesmo um conteúdo material, de forma que apenas será típica a conduta que materialmente lesionar o bem jurídico tutelado.55 Cumpre destacar, portanto, que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância é a tipicidade material. Segundo Odone Sanguiné, a tipicidade não se esgota na concordância lógicoformal de subsunção do fato ao tipo, devendo a ação típica, para ser objeto do Direito Penal, ser ofensiva ou perigosa a um bem jurídico.56 Nas palavras de Luiz Flávio Gomes, “a consequência dogmática inevitável decorrente da incidência do Princípio da Insignificância é a exclusão da tipicidade do fato. O fato deixa de ser materialmente típico”.57 Conforme já mencionado, a construção do tipo penal sempre apresenta dificuldade em razão da impossibilidade de o legislador prever todas as formas de condutas lesivas aos bens jurídicos penalmente protegidos.58 Assim, a tipificação é feita de forma abstrata buscando limitar-se à descrição das condutas mais significativas e que lesionem ou exponham a perigo de lesão os bens tutelados. Contudo, a imperfeição do trabalho legislativo, bem como o caráter abstrato do tipo penal, acabam por atribuir a este uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem jurídico, fazendo com que condutas sem significação penal sejam alcançadas pela descrição típica.59 Nesse sentido, explica Paulo Queiroz:60 Não tem o legislador, em face das limitações naturais da técnica legislativa e da multiplicidade de situações que podem ocorrer, o poder de previsão, casuística, das hipóteses efetivamente merecedoras de repressão. Noutros termos, falta-lhe o poder de prever em que grau e em que intensidade devem tais ações merecer, in concreto, castigo. Não lhe é possível, enfim, ao prever tipos abstratos, ainda que se atendo àquelas lesões mais significativas, fixar, segundo o caso concreto, em que intensidade a lesão deve assumir relevância penal efetiva. A fim de limitar essa amplitude atribuída ao tipo penal, a doutrina modernamente entendeu por atribuir-lhe um conteúdo material, procurando, assim, excluir condutas que, embora 55 MAÑAS, Carlos Vico, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 49. 56 SANGUINÉ, Odone, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 117. 57 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 69. 58 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79. 59 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79. 60 QUEIROZ, Paulo de Souza, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79. formalmente típicas, sejam insignificantes para o Direito Penal.61 Nesse sentido, admite-se o Princípio da Insignificância como sendo um “corretivo da abstração do tipo penal”.62 Conforme alude Ivan Luiz da Silva, a concepção material da tipicidade penal consiste na exigência de a conduta típica ser concretamente lesiva ao bem jurídico, não se adequando apenas formalmente ao tipo descritivo.63 Entende-se, destarte, que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância consiste efetivamente na tipicidade material. Isto é, o fato insignificante é formalmente típico, porém não o é materialmente. Assim, a conduta formalmente típica que não concretize o conteúdo material do tipo penal, ou seja, não ofenda concretamente o bem jurídico protegido, deve ser excluída do âmbito criminal em razão da sua irrelevância para o Direito Penal. O Princípio da Insignificância, desse modo, objetiva evitar situações de injustiça decorrentes da desproporcionalidade da sanção aplicável frente à conduta praticada. Podemos dizer, destarte, decorre do próprio modelo do Direito Penal, de caráter fragmentário, que busca ajustar-se ao modelo garantista do Estado Social e Democrático de Direito propugnado pela Constituição. 64 1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA O Direito Penal e suas normas fundamentam-se em princípios constitucionais próprios do Estado Democrático de Direito. O Princípio da Insignificância, não diferentemente, também se assenta nesses mesmos princípios fundamentais para interpretar restritivamente os tipos penais a fim de evitar situações de injustiça quando da aplicação da lei penal, buscando, assim, efetivar os princípios constitucionais fundamentais que o embasam. Nesse sentido, a doutrina cita como fundamentos do Princípio da Insignificância, os princípios a) da Igualdade, b) da Liberdade, c) da Fragmentariedade e d) da Proporcionalidade, sobre os quais faremos breves considerações. a) A conexão entre o Princípio da Igualdade e o Princípio da Insignificância se expressa quando, diante de condutas enquadráveis ao mesmo tipo descritivo, porém com desigual grau de lesividade ao bem jurídico tutelado, o operador jurídico atribui um sentido material ao Princípio da Igualdade consignando tratando desigual às situações fáticas desiguais. Do ponto de vista formal, isto 61 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 39 e 80. 62 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 58. 63 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 76. 64 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 21. é, da igualdade perante a lei, as condutas podem ser idênticas, estando seus autores sujeitos à mesma sanção abstrata prevista legalmente.65 Entretanto, analisando-se do ponto de vista material, devemos observar o grau ou a intensidade da lesão ao bem jurídico protegido, a fim de constatarmos se essa lesão efetivamente ocorreu. Ao ficar constatado que, não obstante as condutas enquadremse ao mesmo tipo penal descritivo, uma delas apresentou lesividade ínfima, mínima ou insignificante ao bem jurídico tutelado, surge para o intérprete da lei penal um dilema, qual seja, aplicar friamente a lei, que, ainda que aplicada no menor grau possível seria, em face da situação concreta, mais grave do que exige o grau de reprovabilidade da conduta, ou reconhecer a impropriedade da sanção penal a fim de excluir o caráter criminoso do fato.66 Ao adotar-se a atitude mais favorável ao agente, temos o surgimento do Princípio da Insignificância como um “mecanismo receptor e divulgador do Princípio da Igualdade dentro do Direito Penal”.67 b) Quanto ao Princípio da Liberdade destacamos que, a partir da leitura do artigo 5º e seus incisos, da Constituição Federal, é possível observar que a liberdade é, sem dúvida, um dos valores supremos adotados pelo Estado Democrático de Direito no qual estamos inseridos. Segundo o modelo constitucional vigente a liberdade é a regra e a não-liberdade é a exceção.68 Podemos dizer que o Princípio da Insignificância atua como um instrumento de proteção ao supremo valor constitucional da liberdade, uma vez que objetiva reduzir a incidência de medidas constritivas sobre a mesma, tornando atípicas condutas irrelevantes para o Direito Penal e, consequentemente, deixando-as isentas das penas criminais, tendo em vista que “em muitas vezes a pena, mormente a de prisão, mostra-se desproporcionalmente mais prejudicial que o delito cometido”.69 c) O Princípio da Fragmentariedade, conforme visto no ponto 1.1.1 deste capítulo, determina que apenas as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes serão objeto do Direito Penal, não devendo este ocupar-se de todos os bens jurídicos existentes e tampouco de todas as lesões a esses bens, mas apenas daquelas consideradas mais graves. É nesse sentido que se deve compreender a expressão usada por Francisco de Assis Toledo quando fala que 65 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 57. 66 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 56. 67 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 26. 68 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal e liberdade. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 8, n. 90, p. 5, maio 2000. 69 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 28. “o Direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.70 Todavia, sabemos que o legislador, ao realizar o trabalho de redação dos tipos penais, não obstante tenha o intuito de apenas criminalizar aquelas condutas que possam causar prejuízos relevantes ao bem jurídico tutelado e à ordem social, não consegue evitar que também sejam alcançados pelo tipo abstrato os casos sem relevância para a ordem jurídico-penal.71 Nesse liame, surge então o Princípio da Insignificância para evitar que situações típicas insignificantes sejam incriminadas e sejam objetos de sanção penal. Atua, pois, como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, na medida em que, conforme frisado anteriormente, exige um “elemento material, a lesividade da ação, para que haja a tipicidade penal de uma conduta formalmente típica”.72 Pode-se dizer que o enunciado nullum crimen sine iniuria, fundamento do Princípio da Insignificância, serve também para revelar a natureza fragmentária do Direito Penal. d) Por fim, conforme sustenta Zaffaroni, trazido à colação por Ribeiro Lopes, “o fundamento do Princípio da Insignificância está na ideia de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime”. Dessa forma, leciona o autor que nos casos de ínfima afetação ao bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste razão para a cominação da pena.73 Assim, entende-se que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado também com o escopo de evitar que a cominação de uma pena para o agente de um fato insignificante, acarrete mais prejuízos do que os que sua conduta provocou. Desse modo, o Princípio da Insignificância realiza o Princípio da Proporcionalidade ao incidir sobre condutas que não ofendem bens jurídicos e que são, portanto, insignificantes para o Direito Penal, a fim de excluí-las da seara criminal em razão da desproporcionalidade entre o fato praticado e a sanção cominada ao mesmo. Nesses casos, ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à relevância social do fato considerado insignificante.74 70 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 133. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66. 72 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8. 73 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69. 74 SANGUINÉ, Odone, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69. 71 1.4 REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Salienta Luiz Flávio Gomes que durante muitos anos não se tinha uma doutrina nem jurisprudência bem definida a respeito dos requisitos válidos para aplicação do Princípio da Insignificância.75 Ainda hoje, não obstante haja aplicação desse princípio pelos tribunais pátrios, alguns operadores da lei penal ainda se opõem à aceitação do mesmo, alegando que este “colidiria com a segurança jurídica”.76 Entretanto, analisando a doutrina (e também a jurisprudência) sobre este aspecto, podemos estabelecer alguns critérios objetivos para a incidência válida do Princípio da Insignificância aos casos concretos. A doutrina estabelece que, para o reconhecimento da conduta típica penalmente insignificante, deve-se realizar uma avaliação quanto aos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado da conduta praticada. Nesse sentido, ensina Bitencourt que “na ofensa ao bem jurídico reside o desvalor do resultado, enquanto que na forma ou modalidade de concretizar a ofensa situase o desvalor da ação”.77 Faz-se, portanto, a avaliação de ambos os índices de desvalor a fim de se aferir o grau quantitativo-qualitativo da lesividade da ação em relação ao bem jurídico protegido, constatando-se, por fim, a significância ou insignificância da conduta para o Direito Penal.78 Nessa linha, dita Luiz Flávio Gomes que, de acordo com a concepção gradualista do delito, o ilícito penal é uma estrutura quantificável. Em sendo assim, leciona o autor que é exatamente essa possibilidade de graduação do injusto e, especialmente, da ofensividade ao bem jurídico ou da idoneidade potencial lesiva da conduta, que permite dissociar-se o ataque penalmente relevante, merecedor de sanção criminal, daquele que não chega a assumir essa magnitude em razão da escassa lesividade, isto é, por se tratar de um ataque mínimo, que condiciona a atipicidade da conduta, por força do critério de insignificância.79 Sendo assim, pode-se concluir que o desvalor da ação se refere à forma de praticar a ação criminosa e o desvalor do resultado indica, por sua vez, a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido. 75 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 16. 76 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83. 77 BITENCOURT, Cezar Roberto. Desvalor da ação e desvalor do resultado nos crimes culposos de trânsito. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 64, p. 14, mar. 1998. 78 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 84. 79 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 51. Quando então, ambos os índices, isto é, desvalor da ação e desvalor do resultado, forem insignificantes para o Direito Penal, estaremos diante de uma conduta bagatelar,80 ou seja, um “fato de ninharia, de pouca relevância” que não merece ser responsabilizado criminalmente.81 Ainda neste ponto, não obstante o presente trabalho não busque realizar um exame jurisprudencial a respeito da aplicação do Princípio da Insignificância pelos tribunais pátrios, cumprenos mencionar o que o Supremo Tribunal Federal vem considerando como requisitos válidos para a incidência do princípio. Conforme aduz Luiz Flávio Gomes, a determinação da insignificância ou não de um fato para o Direito Penal depende da situação concreta posta em exame. Nesse sentido, cada caso deve ser analisado de acordo com as suas especificidades, levando em consideração as circunstâncias do fato e a sua repercussão social, não havendo, de pronto, critérios absolutos que definem o que é insignificante. Contudo, faz referência o autor aos critérios que vem sendo utilizados atualmente pelo Supremo Tribunal Federal para a aplicação do postulado da insignificância.82 Nessa linha, leciona o autor que o Pretório Excelso83 (HC 84.412), em linhas gerais, acolhe os seguintes vetores a fim de reconhecer a incidência do Princípio da Insignificância aos casos concretos: a) ausência de periculosidade social da ação, b) a mínima ofensividade da conduta do agente, c) a inexpressividade da lesão jurídica causada e d) a falta de reprovalidade da conduta. Note-se que três dos critérios versam sobre desvalor da conduta e um deles versa sobre desvalor do resultado jurídico. O que argui Luiz Flávio Gomes em sua explanação, é se temos que necessariamente conjugar os quatro vetores para haver o reconhecimento da conduta insignificante, ou se podemos desmembrá-los, a fim de reconhecer a insignificância em razão apenas do desvalor da conduta ou apenas do desvalor do resultado. 84 Diferentemente do exposto até aqui pela doutrina, entende este autor que deve-se distinguir a insignificância da conduta da insignificância do resultado, podendo haver, assim, a incidência do Princípio da Insignificância ocorrendo apenas a insignificância da ação ou apenas a insignificância do resultado, ou, ainda, de ambos. 80 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 85. GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 15. 82 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 19. 83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus n.º 84412/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 19/10/2004. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010. 84 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 16. 81 Não obstante seja esta a posição adotada por Luiz Flávio Gomes como sendo a mais correta, o jurista contempla ainda outras duas correntes que divergem da adotada por ele sobre a aplicação das bases ou critérios orientativos do Princípio da Insignificância.85 A primeira delas, corroborando com o entendimento doutrinário exposto no início deste ponto, caminha no sentido de que devem os dois desvalores (da conduta e do resultado) ser somados para que haja a correta incidência do princípio. A segunda, por seu turno, acentua que não basta para o reconhecimento da infração bagatelar apenas o desvalor da ação e o desvalor do resultado, devendo haver também o desvalor da culpabilidade do agente, isto é, conforme salienta o autor, as circunstâncias judiciais, tais como a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, os motivos do crime etc. devem ser também favoráveis para que a conduta seja afastada do âmbito criminal. Nesse sentido, há julgados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça entendendo que, para a aplicação do Princípio da Insignificância, necessário se faz o exame das circunstâncias relativas à pessoa e à conduta do agente.86 Esta segunda posição, porém, é muito criticada por Luiz Flávio Gomes, pois defende que o injusto penal é constituído do desvalor da ação e do desvalor do resultado e “a insignificância correlaciona-se indubitavelmente com o âmbito do injusto penal (ou mais precisamente com o da tipicidade)”, não abarcando questões de ordem subjetiva do agente.87 Dessa forma, conclui o autor que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado de forma absolutamente objetiva, levando em consideração apenas o desvalor da conduta típica praticada ou apenas o desvalor do resultado típico ou ainda, ambos os desvalores, se for o caso, mas não deve abranger questões de ordem subjetiva as quais não fazem parte do seu âmbito de aplicação. Tal posicionamento vai ao encontro do entendimento predominante sufragado pelo Supremo Tribunal Federal.88 85 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 27. 86 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso Especial n.º 1008780/RS. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data do Julgamento: 07/10/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010. 87 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 28. 88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Extraordinário n.º 536486/RS. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Data do Julgamento: 26/08/2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010; BRASIL Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Questão de Ordem no Agravo de Instrumento n.º 559904/RS. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Data do Julgamento: 07/06/2005. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010. 1.5 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E AS INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (LEI N.º 9.099/95 E 10.259/01) A Constituição Federal permitiu, em seu artigo 98, inciso I, a criação de Juizados Especiais Criminais para o julgamento de infrações de menor potencial ofensivo, buscando assim uma justiça mais célere e sem sequelas estigmatizantes para a solução de crimes de escasso potencial ofensivo, através da preponderância dos procedimentos oral e sumaríssimo e da possibilidade de transação entre as partes.89 O dispositivo constitucional supramencionado restou regulamentado pela Lei n.º 9.099/95, que estabeleceu as regras atinentes ao funcionamento e jurisdição dos Juizados Especiais Criminais e, posteriormente, também pela Lei n.º 10.259/01 que instituiu o Juizado Especial Criminal no âmbito Federal, com competência para julgar as infrações de menor potencial ofensivo de competência da Justiça Federal.90 A par disso, críticos da teoria da insignificância passaram a sustentar, com base nos dispositivos constitucional e infraconstitucional mencionados, que o Princípio da Insignificância não poderia ser aceito em um sistema penal que criminaliza expressamente condutas penais de menor potencial ofensivo.91 Entretanto, tal posicionamento não é bem recepcionado pela doutrina, a qual entende ser absolutamente viável a coexistência de ambos os institutos no sistema penal brasileiro.92 Isso porque, conforme dita o artigo 61, da Lei n.º 9.099/95, são consideradas infrações de menor potencial ofensivo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos” (redação dada após a edição da Lei n.º 10.259/2001), quer dizer, as infrações de menor potencial ofensivo foram conceituadas pelo legislador mediante o aspecto quantitativo da pena, sendo, portanto, delitos que recebem uma apenação menor tendo em vista sua pouca gravidade, não se confundindo com aquelas ações que não devem ser objeto do Direito Penal por não promoverem ofensa alguma aos bens protegidos.93 89 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 530. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 530. 91 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 113. 92 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 117. 93 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114. 90 Nesse sentido são os dizeres de Ribeiro Lopes, para o qual as infrações de menor potencial ofensivo “são uma escala intermediária entre as de grande potencial ofensivo e as de nenhum potencial ofensivo”.94 Conforme argumenta Ivan Luiz da Silva, não é possível equiparar-se as infrações de menor potencial ofensivo aos delitos de bagatela, uma vez que estes são um “não-crime”, ou seja, não apresentam um grau suficiente de desvalor da ação e/ou desvalor do resultado para serem considerados dignos da incidência penal. Nesse sentido aduz o autor que Lei n.º 9.099/95 não excluiu o Princípio da Insignificância do ordenamento jurídico-penal brasileiro, visto que este se aplica às condutas penalmente insignificantes ou bagatelares, enquanto que a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos delitos elencados no seu artigo 61.95 O que se busca aqui esclarecer é que as infrações de menor potencial ofensivo, trazidas a lume pela Lei n.º 9.099/95, não são sinônimas de infrações bagatelares96 e não excluem do ordenamento jurídico pátrio a incidência do Princípio da Insignificância sobre as mesmas. Além disso, outro argumento trazido pela doutrina contra o entendimento de que o Princípio da Insignificância não pode ser aceito no sistema penal brasileiro em face do artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, e da Lei n.º 9.099/95, consiste na circunstância de o referido princípio e a mencionada lei serem “técnicas de despenalização de natureza jurídica distintas”. Quer dizer, o Princípio da Insignificância insere-se no direito material, enquanto que a Lei dos Juizados Especiais Criminais faz parte do direito processual.97 2 DA PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL DO MEIO AMBIENTE 2.1 A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO PENAL DO MEIO AMBIENTE: O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO PENALMENTE RELEVANTE 94 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 221. 95 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114. 96 Quanto à expressão “infrações bagatelares”, Luiz Flávio Gomes afirma que, “Diante do fato realmente insignificante, a rigor, não poderíamos falar em ‘infração’ (porque não sendo típico o fato, infração não existe)”. Contudo, opta o autor pelo uso dessa locução para, de acordo com suas palavras, “manter a tradição”. (GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 15). 97 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 115. Neste início de século XXI a destruição do meio ambiente, sem dúvida, figura-se como um dos mais ingentes problemas que a humanidade tem se deparado, “cuja gravidade é de todos conhecida, pelo que representa para a vida e para a própria sobrevivência do homem”.98 A preocupação com a preservação ambiental é, todavia, antiga. Lecionam Vladimir e Gilberto Passos de Freitas,99 que a primeira manifestação referente à importância do meio ambiente no Brasil foi proferida por José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1815, ao mencionar que, “se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuva sem umidade, não há umidade sem floresta”. Entretanto, podemos dizer, também, que data de época relativamente recente a preocupação mais acentuada e o reconhecimento da extraordinária importância de preservar-se o meio ambiente como garantidor da qualidade de vida do homem. Isso porque, conforme menciona Regis Prado, o desenvolvimento industrial bem como o progresso tecnológico, a urbanização, a explosão demográfica, entre outros fatores, têm tornado atual e cada vez mais dramático o problema da degradação ambiental e da limitação dos recursos naturais do nosso planeta.100 Destaca-se que a mais importante e decisiva conferência sobre o meio ambiente ocorreu em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972,101 na qual consagraram-se princípios que acabaram por influenciar o mundo todo.102 A partir dessa conferência, o grau de conscientização no que diz respeito ao meio ambiente generalizou-se, e a proteção ambiental passou a ser um dos pilares da nova ordem internacional.103 Tal conferência, além de permitir a criação de uma consciência universal sobre a preservação do meio ambiente, constituiu ainda uma nova etapa na trajetória de sua tutela jurídica.104 98 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 63. 99 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 17. 100 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 18. 101 O Princípio n. 1 da Declaração de Estocolmo determina que “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. *...+.” 102 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 21. 103 Vide também artigo 30, da Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, adotada pela Organização das Nações Unidas em sua Res.3.281/1974. (PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 19). 104 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 22. Nesse sentido, a partir da década de setenta, as constituições modernas passaram a conferir tratamento explícito à preservação e proteção do meio ambiente em seus textos, evidenciado assim a necessidade de uma tutela mais eficaz.105 No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe significativo avanço no que tange à proteção ambiental,106 inclusive elevando o meio ambiente e sua proteção a direito fundamental de todo cidadão. 107 Assim, ficou consignado no artigo 225, caput, da Constituição Federal, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Como visto, é na Constituição que se encontram os valores mais fundamentais consagrados pela sociedade, dela decorrendo ainda aqueles bens dignos ou merecedores de tutela penal.108 Partimos, então, da ideia de que os bens jurídicos devem ter sua fonte na Constituição, decorrendo daí, também, se for necessário e como ultima ratio, a sua proteção através do Direito Penal, conforme demonstrado no capítulo anterior. Nessa trilha, mostra-se claro que o meio ambiente foi consagrado pelo Texto Maior não apenas como bem jurídico, mas como um dos mais relevantes bens jurídicos a serem tutelados pelo Poder Público e pela sociedade, chegando ao posto de direito humano fundamental. Esse ingresso do meio ambiente no rol dos bens jurídicos de suprema relevância para a ordem constitucional teve como consequência lógica a sua proteção sob o pálio do Direito Penal, uma vez que a este pertence o escopo de tutelar aqueles valores mais fundamentais para a sociedade.109 É esse também o objetivo conferido pela própria Constituição ao assinalar no parágrafo 3º do artigo 225, a necessidade de proteção jurídico-penal do meio ambiente, consignando um “mandato expresso de criminalização”, ao determinar a cominação de sanções penais às pessoas físicas ou jurídicas que eventualmente causem lesão ao bem supracitado.110 Ainda como justificação para a tutela penal do meio ambiente pode-se levar em consideração o fato de que muitas são as hipóteses em que as sanções administrativas ou civis não 105 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 22. 106 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 9. 107 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 61. 108 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 40. 109 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 62. 110 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 80. são suficientes para reprimir as ofensas contra o meio ambiente.111 Marcelo Leonardo, nesse liame, assevera que o meio ambiente já era protegido juridicamente por normas administrativas, especialmente após a vigência da Lei n.º 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Contudo, ressalta o autor que percebia-se a ineficácia dessas normas meramente administrativas e, em razão disso, postulava-se a edição de uma lei penal especial para a tutela do meio ambiente.112 Nesse sentido, Eduardo Ortega Martin argumenta que:113 o emprego de sanções penais para a proteção do meio ambiente em determinadas ocasiões se tem revelado como indispensável, não só em função da própria relevância dos bens protegidos e da gravidade das condutas a perseguir (o que seria natural), senão também pela maior eficácia dissuasória que a sanção penal possui. Com razão, a sanção penal em certos casos se faz necessária, não apenas em função da relevância do bem protegido, mas também em razão do seu maior poder dissuasório em relação às medidas não penais, sendo assim considerada mais eficaz na prevenção de agressões ambientais.114 Conforme ditam, nesse liame, Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, “o estigma de um processo penal gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam”.115 O que resta evidente, para nós, é que o legislador constitucional erigiu o meio ambiente a bem jurídico-penal, determinando que este seja objeto de proteção penal.116 Contudo, isso não significa que a tutela penal deva ser a primeira medida a ser adotada frente a uma lesão ambiental. Ao contrário, o Direito Penal, também no âmbito ambiental, deve atuar como ultima ratio, o que significa dizer que somente far-se-á uso da tutela criminal quando os demais meio de proteção, cíveis e administrativos, não lograrem êxito na proteção do bem resguardado.117 Insta acentuar, outrossim, o conceito de meio ambiente conferido pela legislação e pela doutrina a fim de constatarmos qual é especificamente o bem jurídico ambiental protegido pela tutela penal. 111 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 31. 112 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 155, jan./mar. 2002. 113 MARTIN, Eduardo Ortega, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 32. 114 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 63. 115 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 31. 116 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 82. 117 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 67. Cabe mencionar que “a expressão meio ambiente é criticada, por ser redundante. É que a palavra ambiente significa o que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas. Logo, ela seria suficiente para a compreensão da matéria”.118 Contudo, salienta José Afonso da Silva que tal expressão é assim empregada em razão da necessidade que o legislador previu de dar maior ênfase a certos termos cuja expressividade apresenta-se de forma ampla ou difusa.119 Nesse sentido, assevera Sirvinskas que a locução “meio ambiente” já encontra-se consagrada “na doutrina, na jurisprudência e na própria consciência da população”,120 razão pela qual optou-se por sua utilização neste trabalho. Nesse liame, a Lei nº 6.938/81 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu dispositivo 3º, conceitua meio ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Tal conceito, entretanto, não é considerado adequado pela doutrina, haja vista não abranger de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos, restringindo-se ao meio ambiente natural.121 Diante dessa “deficiência legislativa”, José Afonso da Silva buscou conceituar o meio ambiente de forma mais ampla, atribuindo-lhe maior amplitude e reconhecendo-o composto de elementos naturais, culturais e artificiais.122 Assim, o jurista conceitua meio ambiente como sendo “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.123 Nesse sentido, tal conceito demonstra a existência de três aspectos do meio ambiente: I – meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, sendo ele dividido em espaço urbano fechado (conjunto de edificações) e espaço urbano aberto (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral); II – meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que difere do anterior pelo sentido especial que adquiriu ou de que se impregnou; III – meio ambiente natural, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora e a fauna, em outras palavras, pela “interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o meio ambiente físico que ocupam”, sendo este, como referido, o aspecto do meio ambiente que a Lei nº 6.938/81 abarca em seu artigo 3º. 124 118 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 17. 119 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 17. 120 SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 12. 121 SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13. 122 SILVA, José Afonso da, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66. 123 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 18. 124 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 19. Nesse contexto, é possível afirmar, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, que o bem jurídico ambiental penalmente tutelado é composto pelos elementos que integram o próprio conceito de meio ambiente. Assevera o autor, nesse liame, que a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) dispôs tais crimes de acordo com os elementos naturais (crimes contra a fauna e flora), artificiais (crimes contra o ordenamento urbano) e culturais (crimes contra o patrimônio cultural) do meio ambiente.125 Aprofundando um pouco mais o tema, Helena Regina Lobo da Costa sustenta que para se determinar - quanto ao enfoque que é dado ao bem - o bem jurídico tutelável pelo Direito Penal na seara ambiental, é necessário fazer o exame de duas linhas doutrinárias distintas: a linha ecocêntrica e a linha antropocêntrica. 126 Partindo-se de uma visão ecocêntrica, o meio ambiente passa a ser relevante como um bem portador de valor intrínseco, independentemente de sua utilidade ou importância para o ser humano. Segundo a autora, tal corrente revela incompatibilidade com a própria ideia de Direito, o qual é produzido e aplicado pelo ser humano e tem como objetivo regular condutas humanas. Por outro lado, como partidário dessa concepção, temos Jorge de Figueiredo Dias, o qual assevera que “o direito penal do ambiente serve a tutela de bens jurídicos ecológicos como tais, ainda mesmo quando o seu reconhecimento possa reconduzir-se a interesses fundamentais das pessoas, das pessoas que existem e das que hão de ainda nascer”. 127 Contudo, a maior parte da doutrina tende a uma visão antropocêntrica. Tal corrente fundamenta a proteção do meio ambiente a partir da pessoa. Nesse sentido, “o meio ambiente é protegido penalmente em sua qualidade de elemento fundamental para a vida humana”.128 Em outras palavras, essa visão propõe a tutela do meio ambiente pelo fato de este ser um bem imprescindível para o desenvolvimento, existência e qualidade de vida do homem.129 Helena Regina Lobo da Costa é adepta da concepção antropocêntrica, aceitando uma tutela do meio ambiente pelo Direito Penal apenas quando tomado como bem essencial ao 125 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66. COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 23. 127 DIAS, Jorge Figueiredo, apud COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25. 128 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26. 129 PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente: fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 84. 126 desenvolvimento da pessoa humana.130 Ressalva a autora, contudo, que o meio ambiente pode ser tutelado como um bem jurídico autônomo, isto é, o meio ambiente figura-se como um bem jurídico diverso da saúde, da vida, da integridade física ou de qualquer outro bem. O que ocorre é que essa autonomia, segundo a jurista, não significa que “o meio ambiente seja concebido de maneira independente à pessoa, já que nenhum bem jurídico pode prescindir da relação com o ser humano”.131 Destarte, não se pode falar em qualidade de vida humana sem uma adequada conservação do meio ambiente. Quer dizer, a própria existência da espécie humana depende dessa conservação.132 É em razão disso que a Constituição Federal, em seu artigo 225, preconiza que o meio ambiente é valor fundamental da sociedade brasileira, considerando-o essencial à sadia qualidade de vida e elevando-o à categoria de bem de uso comum do povo. Desse modo, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, considerando ser de interesse metaindividual o seu equilíbrio ecológico.133 Cumpre destacar, ainda, que os bens jurídicos podem ser individuais ou coletivos, baseando-se a sua diferenciação, principalmente, no titular do bem jurídico. Em sendo assim, podemos dizer que quando se tratar de um bem jurídico cujo titular é um indivíduo, cuida-se de bem jurídico individual, já os bens jurídicos coletivos, por seu turno, possuem titularidade difusa ou coletiva,134 ou seja, admitem como titulares vários indivíduos que formam um grupo social. 135 Segundo leciona Regis Prado, nesse sentido, o meio ambiente apresenta-se como um bem jurídico de natureza metaindividual ou macrossocial, de cunho difuso, que se dirige ao coletivo ou social, com sujeitos indeterminados e cuja lesão possui natureza extensiva ou disseminada. Pode-se dizer, em outras palavras, que “admite como titulares vários indivíduos que formam um grupo social 130 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29. 131 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27. 132 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78. 133 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 64. 134 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 18. 135 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 79. e tem por objeto um bem coletivo, indivisível”.136 Por essa razão, sua ofensa configura uma lesão a toda a coletividade.137 Destarte, considera-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado garantido constitucionalmente, trata-se de um direito metaindividual em razão da indivisibilidade de seu objeto e também por pertencer a uma série indeterminada de sujeitos.138 Chega-se a essa conclusão em razão de que é do interesse de todos que vivem em uma sociedade que o meio ambiente no qual estão inseridos forneça-lhes condições dignas de vida e saúde, sendo que agressões a este poderão trazer prejuízos graves a esta e às futuras gerações. Por fim, cumpre-nos reiterar que, conforme bem dispõe Regis Prado, a Carta Magna de 1988 não limitou-se simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do meio ambiente, mas estabeleceu a imposição de medidas coercitivas aos transgressores do preceito constitucional, afastando, desse modo, qualquer dúvida quanto à necessidade de uma proteção penal do meio ambiente.139 Nesse liame, atendendo ao preceito constitucional em vigor, bem como seguindo orientação internacional de criminalizar as condutas nocivas ao meio ambiente, editou-se em 12 de fevereiro de 1998, a Lei n.º 9.605, consagrada pela doutrina como Lei dos Crimes Ambientais.140 Conforme assevera Regis Prado, essa imprescindível tutela penal do meio ambiente encontra supedâneo jurídico-formal no indicativo constitucional do art. 225, parágrafo 3º, e, em termos materiais, nas próprias necessidades existenciais do homem.141 Desse modo a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) tipifica condutas proibidas e fixa pena aos seus deturpadores, visando a que as pessoas se abstenham de tais atos, contudo, quando essa prevenção geral não surte o efeito desejado, a pena é aplicada ao infrator objetivando a sua reeducação e a restauração do bem ofendido. Reitera-se aqui o poder de dissuasão da tutela criminal, também presente em sede de tutela penal ambiental.142 136 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78. 137 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 65. 138 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 65. 139 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 32. 140 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 25. 141 PRADO, Luiz Regis. Princípios penais de garantia e a nova lei ambiental. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 70, ed. especial, p. 10, set. 1998. 142 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 72. Podemos reconhecer, portanto, a existência e a relevância do meio ambiente para o homem, bem como a sua autonomia enquanto bem jurídico, devendo para tanto o ordenamento jurídico lançar mão da pena, ainda que em ultima ratio, para tutelá-lo e garanti-lo. 2.2 DO TIPO PENAL AMBIENTAL O tipo penal, conforme dita Francisco de Assis Toledo, “é um modelo abstrato de comportamento proibido. É, em outras palavras, descrição esquemática de uma classe de condutas que possuam características danosas ou ético-socialmente reprovadas, a ponto de serem reputadas intoleráveis pela ordem jurídica”.143 Noutro dizer, o tipo penal incriminador pode ser considerado modelo de conduta vedada pelo Direito Penal, sob ameaça de pena.144 Nesse sentido, ressalta-se que a tutela penal de bens jurídicos se perfaz através da criação desses tipos penais, que descrevem abstratamente as condutas proibidas e as quais todos devem abster-se, sob pena de terem sobre si a incidência de uma sanção criminal. Desse modo, o tipo penal, além de proteger os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade cominando penas aos seus ofensores, também possui uma função de garantia ao possibilitar o conhecimento prévio por parte dos cidadãos da conduta tida como proibida e da consequência de sua prática.145 Importante ressaltar que os tipos penais, a fim de cumprir a sua função de garantia, bem como materializar o Princípio da Reserva Legal, devem descrever abstratamente as condutas proibidas de forma precisa e detalhada, evitando conceitos vagos e indeterminados, de modo a não afastar a legitimidade da sanção cominada.146 Em sede de tutela penal do meio ambiente, contudo, conforme bem ressalta Ivan Luiz da Silva, a construção do tipo penal ambiental tem suscitado grande polêmica, em razão da complexidade e do caráter difuso do bem jurídico protegido, bem como em função da dificuldade de se individualizar o bem a ser amparado pelos tipos.147 Assevera-se que a complexidade do objeto a ser protegido pela norma penal ambiental, levou o legislador a elaborar tipos penais em discordância com os princípios regentes do Direito Penal, mormente o princípio da taxatividade.148 Desse modo, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 143 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 130. 145 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 72. 146 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 73. 147 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 73. 148 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 74. 144 9.605/98) restou por empregar muitas vezes termos vagos, amplos e indeterminados aos tipos penais abstratos, os quais, para sua integral compreensão e delimitação, necessitam de complementação por outras normas ou atos administrativos, bem como de juízos de valor auferidos pelo aplicador da lei penal (vide artigos 32, 40, 54 e 68, da Lei n.º 9.605/98). Em razão dessa dificuldade na elaboração do tipo penal ambiental, o legislador optou, como técnica legiferante, fazer uso das normas penais em branco e dos tipos penais abertos. Segundo leciona Regis Prado, o Direito Penal, em regra, deve definir de modo autônomo os pressupostos de suas normas, evitando, assim, remissão a outras regras do ordenamento jurídico. Contudo, certos setores, considerados dinâmicos e que são condicionados por fatores históricosociais, como, por exemplo, o meio ambiente, a economia ou mesmo as relações de consumo, exigem uma atividade normativa constante e variável. Para esses casos, assevera o jurista que é comum o uso da técnica legislativa denominada norma penal em branco.149 As normas penais em branco são aquelas em que a conduta descrita precisa de complementação normativa.150 Ensina a doutrina que o complemento preenchedor das normas penais em branco pode encontrar-se na mesma lei ou em outra lei, neste caso emanada do mesmo poder, ou ainda pode emanar de disposição normativa de outro poder, isto é, de um ato administrativo.151 Há inúmeras críticas quanto ao uso dessa técnica legislativa na tutela penal do meio ambiente, uma vez que tal método pode ofender o Princípio da Legalidade, fundamental para um Direito Penal consoante com os preceitos de um Estado Democrático de Direito. É o que atenta Herman Benjamin ao afirmar que “o excesso de normas penais em branco, por sua vez, pode infringir o princípio da legalidade dos delitos e das penas, por tornar o tipo penal pouco taxativo”. 152 Desse modo, infere Regis Prado que, para que não haja inconstitucionalidade do dispositivo incriminador, o preceito da norma penal deve determinar com transparência os precisos limites de 149 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 92. Regis Prado ressalta em sua obra que a principal vantagem da norma penal em branco é a estabilidade do dispositivo principal, emanado de autoridade legislativa de maior categoria através de complicado processo. Nesse caso, as mutações impostas em razão do tempo e do lugar se fazem por meio de atos mais simples, de fácil maleabilidade, como é o caso da alteração da tabela de preços, dependente de mero ato administrativo e não do laborioso sistema de edição de lei ordinária. 150 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 151 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 93. 152 BENJAMIN, Antônio Herman, apud LEONARDO, Marcelo.Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. sua integração por outro diploma, uma vez que o caráter ilícito da conduta somente pode ser delimitado pelo Poder Legislativo com competência constitucional para tanto. 153 Conforme referido, nos crimes contra o meio ambiente, a detalhada e exaustiva descrição do comportamento do agente mostra-se, na maioria das vezes, muito difícil ou quase impossível, em razão da complexidade da matéria. Por essa razão é que, com freqüência, o legislador faz uso de remissões a disposições externas, a normas e a conceitos técnicos. 154 Quanto a este aspecto, vale conferir importante observação feita pelos irmãos Freitas:155 Por força do princípio da legalidade ou da reserva legal (CP, art. 1.º), a norma penal deve descrever por completo as características do fato, a fim de que o agente possa defender-se. Em matéria de Direito Penal Ambiental isto nem sempre é possível. É que as condutas lesivas ao meio ambiente não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva. Não é possível querer no crime ambiental a simplicidade existente nos delitos comuns. Por exemplo, o homicídio tem a descrição mais clara possível: matar alguém. Mas isto jamais será possível em um crime de poluição, cujas formas são múltiplas e se modificam permanentemente. Assim, além das normas penais em branco, a Lei n.º 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), buscando tipificar as condutas ofensivas ao meio ambiente, utiliza também os denominados tipos penais abertos. O tipo penal aberto, conforme assevera Ivan Luiz da Silva, é aquele que apresenta uma descrição incompleta, devendo sua complementação ser realizada por um juízo valorativo do julgador.156 Em outras palavras, é aquele tipo que contém elementos normativos, de modo que dependem de interpretação para que adquiram um sentido e tenham aplicação. 157 Convém ressaltar que os elementos normativos do tipo “são aqueles componentes do tipo que exigem, para sua verificação in concreto, um juízo de valor dentro do próprio plano da tipicidade”.158 É possível observar a ingerência desses elementos normativos nos tipos penais ambientais, os quais apresentam muitas vezes expressões como “indevidamente”, “sem licença”, “sem autorização”, “em desacordo com a determinação legal obtida”,159 ou ainda, “espécie rara”, 153 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 94. 154 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 35. 155 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 36. 156 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 157 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 192. 158 MARQUES, Frederico, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37. 159 MARQUES, Frederico, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37. “ato de abuso”, “recursos alternativos”, “dano indireto”, “níveis tais”, “obrigação de relevante interesse ambiental”, “destruição significativa” etc.160 A utilização desses elementos normativos e das normas penais em branco pela Lei dos Crimes Ambientais é alvo de ferrenhas críticas por parte da doutrina, uma vez que dificulta sobremaneira o juízo de tipicidade penal ambiental.161 Marcelo Leonardo considera os tipos penais abertos “de manifesta 162 inconstitucionalidade”. Noutro sentido, dispõe Ivan Luiz da Silva que embora a utilização dos tipos penais abertos e das normas penais em branco enfraqueça a tutela penal ambiental, tendo em vista que diminui a determinabilidade e certeza indispensáveis à configuração do tipo penal, o risco, tratando-se de matéria ambiental, é inevitável.163 Tem-se, nesse passo, que o meio ambiente em razão da sua natureza complexa e difusa, bem como por encontrar-se sujeito a constantes inovações tecnológicas potencialmente lesivas ao mesmo, “não se presta a uma codificação precisa”.164 Isto significa, segundo Regis Prado, que a necessidade e a natureza da matéria ambiental justificam o emprego de técnicas legislativas como as normas em branco, devendo, contudo, respeitar os parâmetros constitucionais-penais. Nesse sentido, a norma penal carente de complementação deve conter o núcleo essencial da ação proibida, descrevendo a conduta típica reprovada e delimitando o âmbito de sua complementação por outro diploma, para que assim não haja violação ao Princípio da Legalidade.165 Este posicionamento, contudo, não é unânime. Para Montovani, a norma penal em branco afronta o Princípio da Reserva Legal, uma vez que se exige uma tipificação completa. Segundo o autor, a tipificação incompleta deve ser descriminalizada, substituindo-se-lhe por sanções administrativas.166 Por seu turno, Luís Paulo Sirvinskas afirma que:167 160 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. 161 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 162 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. 163 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 164 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37. 165 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 94 e 97. 166 MONTOVANI, apud LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 159, jan./mar. 2002. 167 SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 42. A lei é estática; e o meio ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente é necessário adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie silvestre ameaça de extinção, por exemplo. Há espécies em estado avançado de extinção a curto prazo e consideradas ameaçadas de extinção a médio prazo (espécies nacionais, regionais e locais). E por ato administrativo emanado de órgãos ambientais integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) é que melhor se protegerá a espécie silvestre ameaçada. Como se vê, a maior parte da doutrina pesquisada neste trabalho entende que a natureza complexa e difusa da matéria ambiental objeto de tutela, justifica o emprego de técnicas legislativas como as normas penais em branco. Contudo, deve-se ter o cuidado para que os tipos penais não restem por descrever meras infrações administrativas, servindo, assim, apenas como garantidores das normais de Direito Administrativo e prejudicando, por conseguinte, a sua função principal consistente na tutela dos bens jurídicos mais relevantes para a ordem social. Convém ressaltar, contudo, que a doutrina pátria é uníssona ao considerar que a Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) não zelou pela boa técnica legislativa na elaboração dos tipos penais ambientais incriminadores. Isto é, embora as técnicas legislativas supramencionadas estejam a autorizar uma tipificação diferenciada dos crimes ambientais, podendo ser estes integrados por atos normativos não penais a fim de melhor atender às peculiaridades da tutela penal ambiental, o que se observou, de acordo com Marcelo Leonardo, foi que o legislador penal, na definição dos crimes ambientais, utilizou-se reiteradamente de conceitos imprecisos e fluidos fazendo uso excessivo de normas penais em branco e de tipos penais abertos, violando, desse modo, os princípios da Legalidade e da taxatividade em muitos dos dispositivos da Lei Ambiental (Lei n.º 9.605/98).168 A título de exemplo desses dispositivos por demais indeterminados e que enfraquecem a conformação da tipicidade, podemos destacar os artigos 40169, 54170 e 68171 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98). 168 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. 169 O artigo 40, caput, da lei, comina pena de reclusão, de um a cinco anos, para quem “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Dec. 99.274, de 06.06.1990, independentemente de sua localização”. A crítica mais contundente realizada pela doutrina quanto a esse dispositivo diz respeito à expressão “causar dano indireto”. Tal expressão, segundo Marcelo Leonardo, “é imprecisa e geradora de insegurança jurídica, e é incompatível com o princípio da taxatividade, orientador e elaborador de tipos penais”. (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 161, jan./mar. 2002.). 170 O artigo 54, da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98), refere-se ao crime de poluição, dispondo: “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Nesse dispositivo, as expressões “em níveis tais” e “destruição significativa” encerram a mesma incerteza legal averiguada no tipo anterior (art. 40). (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva A partir da leitura da Lei n.º 9.605/98 é possível constatar que a mesma apresenta problemas técnicos na descrição de tipos penais ambientais, dificultando, com isso, a constatação da tipicidade penal, a qual deve conferir certeza quanto à conduta criminosa e sua respectiva sanção, a fim de não violar o Princípio da Legalidade. Nesse diapasão, vale conferir as palavras de Regis Prado em suas observações gerais sobre a Lei dos Crimes Ambientais:172 Com efeito, o legislador de 1998 é pródigo no emprego de conceitos amplos e indeterminados – permeados, em grande parte, por impropriedades linguísticas, técnicas e lógicas -, o que contrasta com o imperativo inafastável de clareza, precisão e certeza na descrição da conduta típica. [...] A nova lei dos crimes ambientais é marcada por seu caráter altamente criminalizador, e, ao mesmo tempo, por uma ligação por demais estreita com a disciplina administrativa. Desse entrecruzamento resulta que foram erigidos à categoria de delitos numerosos comportamentos que, a rigor, não deveriam passar de meras infrações administrativas ou, quando muito, de contravenções penais. Exemplos emblemáticos dessa clara violação aos postulados da intervenção mínima e da fragmentariedade são os arts. 30, 34, 42, 44 ,49, 52 e 60, da Lei n.º 9.605/98. Por fim, ainda no que diz respeito à estrutura do tipo de injusto penal ambiental, cumpre realizar algumas considerações no que se refere aos crimes de dano e aos crimes de perigo. Conforme asseveram Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, até a entrada em vigor da Lei n.º 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) a maior parte dos crimes ambientais estava incluída na espécie de crime de dano, caracterizados por apenas se consumarem com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado pela norma. Tal circunstância justificava-se, segundo os autores, tendo em vista que a maior parte dos delitos se encontrava prevista em legislações ambientais esparsas anteriores à década de 1970, quando a problemática ambiental ainda não era tratada com a profundidade que se atribui a ela hoje.173 legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 164, jan./mar. 2002.). 171 O artigo 68, da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98), descreve: “deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”. Aqui, refere-se que a expressão “obrigação de relevante interesse ambiental” é, do mesmo modo, conforme elucida Marcelo Leonardo, imprecisa e fluida. (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 166, jan./mar. 2002.). Édis Milaré conclui que “trata-se, também aqui, de tipo extremamente aberto, do qual é difícil (senão impossível) extrair situações definidas e precisas, em prejuízo dos valores da certeza e da segurança, essenciais à garantia dos direitos da pessoa humana [...+”. (MILARÉ, Édis, apud LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 167, jan./mar. 2002.). 172 PRADO, Luiz Regis. Princípios penais de garantia e a nova lei ambiental. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 70, ed. especial, p. 10, set. 1998. 173 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 38. A tutela jurídica conferida pela Constituição Federal de 1988 ao meio ambiente, por outro lado, demonstrou que a melhor forma de proteção desse bem se perfaz através da prevenção, embasando dessa forma os princípios da Prevenção e da Precaução do Direito Ambiental. O Direito Penal, por seu turno, a fim de também atender a esses princípios de tutela preventiva do meio ambiente, estabeleceu os crimes de perigo como forma eficaz de proteção do meio ambiente, sancionando condutas que apresentem probabilidade de lesionar o bem jurídico citado.174 Nesse sentido, Regis Prado acentua que175 A doutrina majoritária tem consagrado, sobretudo para os tipos penais básicos – em matéria ambiental -, a forma de delito de perigo, especialmente de perigo abstrato, em detrimento do delito de lesão ou de resultado (material), mediante um rígido processo de tipificação que leve sempre em conta a relação entre o bem protegido e a conduta perigosa. Na mesma linha, Vladimir e Gilberto Passos de Freitas asseveram que a proteção penal ambiental melhor se adapta à figura do crime de perigo, tendo em vista que este se consuma com a simples possibilidade de dano. Sustentam os autores que, na maioria das vezes, o dano ambiental, uma vez consumado, torna-se irreparável, de forma que dificilmente as características primitivas do meio ambiente poderão ser recuperadas. Diante disso, impõe-se a necessidade de evitar a lesão antes de sua efetiva ocorrência.176 A doutrina penal, conforme dispõe Helena Regina Lobo da Costa, costuma distinguir os delitos de dano ou de lesão e os delitos de perigo, considerando os primeiros aqueles dos quais resulta um dano imediato ao bem jurídico protegido, e os segundos, aqueles cuja conduta não ocasiona, imediatamente, uma lesão, mas leva a uma situação da qual pode advir um dano ao bem tutelado.177 Em outras palavras, os delitos de dano são os que se consumam com a efetiva lesão a um bem jurídico tutelado, e os crimes de perigo são aqueles que se consumam com a mera probabilidade de haver um dano para o bem jurídico protegido, sem produzir, contudo, um dano efetivo.178 Ainda, dentre os crimes de perigo, diferenciam-se os crimes de perigo concreto e os crimes de perigo abstrato. 174 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. Os crimes de perigo e a tutela preventiva do meio ambiente. Artigo em meio eletrônico. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/63x 2bz.pdf>. Acesso em: 05 set. 2010. 175 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 135. 176 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 38. 177 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34. 178 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 180. Os crimes de perigo concreto são aqueles nos quais a exigência do perigo faz parte do tipo, integrando-o como elemento normativo, de forma que o delito apenas se consuma com a real ocorrência do perigo para o bem jurídico.179 Conforme leciona Nucci, nestes crimes, a probabilidade de ocorrência do dano, ou seja, o perigo concreto ao qual é exposto o interesse protegido, deve ser investigado e comprovado.180 Já nos crimes de perigo abstrato, segundo dita Helena Regina Lobo da Costa, a existência do perigo não é um elemento do tipo penal, mas sim o motivo que levou o legislador à criação da norma.181 Ou seja, nos delitos de perigo abstrato, “o perigo constitui unicamente a ratio legis, isto é, o motivo que inspirou o legislador a criar a figura delitiva”.182 Nessa situação, o crime se consuma mesmo que não se verifique no caso concreto perigo ao bem jurídico tutelado, bastando a simples realização de uma atividade que o tipo caracteriza como perigosa.183 Nucci184 refere que nesses casos a probabilidade de ocorrência de dano está presumida pelo tipo penal, independendo de prova. 185 Refere-se que a atual abundância de crimes de perigo abstrato pelo Direito Penal contemporâneo, não apenas em sede de tutela ambiental, mas na seara criminal como um todo, tem acarretado inúmeras críticas por parte dos estudiosos do Direito Penal. Coloca-se em dúvida a legitimidade dessa espécie delituosa, uma vez que nos crimes de perigo abstrato não é necessária a verificação da lesão ou a colocação em perigo do bem jurídico protegido para a perfectibilização do tipo,186 acarretando, conforme assevera Marco Aurélio Costa de Oliveira, uma fragilização do conceito substancial de crime e, por conseguinte, da segurança jurídico-penal e do próprio sistema do Direito Penal.187 Marco Aurélio Costa de Oliveira, em sua crítica aos crimes de perigo abstrato, afirma que o perigo de dano apenas pode ser entendido como algo concreto, decorrente de uma conduta que 179 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 136. 180 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 180. 181 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34. 182 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 137. 183 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 137. 184 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 180. 185 Exemplos de crimes de perigo concreto e de perigo abstrato presentes na Legislação Penal Ambiental (Lei n.º 9.605/98). Delitos de perigo concreto: arts. 54, caput, (“possam resultar em danos à saúde humana”) e 61 (“possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora e aos ecossistemas”). Delitos de perigo abstrato: arts. 31, 33, parágrafo único, inciso II; 51, 52, 55, 60 etc. 186 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 35. 187 OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira de. Crimes de perigo abstrato. IBCCRIM. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=6486>. Acesso em: 07 set. 2010. coloque em “real probabilidade de perecimento o bem jurídico protegido pela norma incriminadora”. Aufere o jurista que, nos crimes de perigo abstrato, ao contrário, sanciona-se condutas que apenas formalmente são contrárias a uma lei e não comportamentos realmente lesivos ou com probabilidade de dano concreto aos bens jurídicos tutelados. Acentua o autor que essa ampliação nasceu da falta de efetividade das normas não penais, adotando-se como solução simplista a aplicação de sanções criminais, em desacordo com o conceito substancial de crime. Admitiu-se, dessa forma, a intervenção máxima do Direito Penal e, inclusive a anteposição deste aos demais ramos do Direito, invertendo-se assim a destinação normal dos ramos que compõem o ordenamento jurídico. Nas palavras do jurista, “o direito penal, que somente deveria atuar quando já tivessem falhado os demais ramos do direito, passou a ser prioritário”. Por outro lado, Fábio Roberto D’Ávila188 busca em seu estudo identificar nos crimes de perigo abstrato um conteúdo de ofensividade, de forma a permitir a recuperação do conteúdo material dessa espécie de ilícito aplicável também em âmbito ambiental.189 Reconhece o autor que o Direito Penal Ambiental tem sido marcado por uma demasiada antecipação de tutela, na qual “o distanciamento entre a conduta e o objeto de proteção da norma tem favorecido, significativamente, a formulação de tipos de ilícito meramente formais, nos quais a violação do dever passa a ocupar o espaço tradicionalmente atribuído à ofensividade”. Todavia, procura o autor conferir um sentido material aos delitos de perigo abstrato a fim de não deslegitimar tal espécie delitiva.190 Para isto, refere o jurista que o critério limite de verificação de uma situação de perigo abstrato é um critério objetivo-normativo, expresso na ideia de possibilidade não-insignificante de dano ao bem jurídico, a ser constatada pelo magistrado através de um juízo ex ante de base total, ou seja, “um juízo em que são consideradas todas as circunstâncias objetivas in casu relevantes, independentemente do seu conhecimento por parte do autor”.191 Nesse sentido, sustenta o autor que o ilícito-típico de perigo abstrato satisfaz-se com uma interferência na esfera de manifestação do bem jurídico, a qual retira deste a segurança da sua continuidade existencial. Assim, é desnecessária 188 189 190 191 D’ÁVILA, Fábio Roberto. O ilícito penal nos crimes ambientais: algumas reflexões sobre a ofensa a bens jurídicos e os crimes de perigo abstrato no âmbito do direito penal ambiental. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 35, jul./ago. 2007. Importante destacar que a tese defendida pelo autor Fábio Roberto D’Ávila baseia-se na ofensa aos bens jurídicos tutelados pela norma penal como forma de legitimidade do ilícito-típico, sendo a ofensividade compreendida não apenas pela lesão, mas também pelo perigo de lesão a bens jurídico-penais. D’ÁVILA, Fábio Roberto. O ilícito penal nos crimes ambientais: algumas reflexões sobre a ofensa a bens jurídicos e os crimes de perigo abstrato no âmbito do direito penal ambiental. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 35, jul./ago. 2007. D’ÁVILA, Fábio Roberto. O ilícito penal nos crimes ambientais: algumas reflexões sobre a ofensa a bens jurídicos e os crimes de perigo abstrato no âmbito do direito penal ambiental. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 38, jul./ago. 2007. a entrada do bem jurídico no raio de ação da conduta perigosa do agente, diferentemente do que ocorre nos crimes de dano e nos crimes de perigo concreto no qual esta é imprescindível, uma vez que nos crimes de perigo abstrato protege-se a “dimensão dinâmica” do bem jurídico, através da ampliação da tutela penal ao campo de atuação desse mesmo bem. Sendo assim, assevera D’Ávila que o legislador pode, a fim de garantir a tranquilidade existencial de certos bens jurídicos, oferecer uma proteção penal que abranja também a sua esfera de manifestação. Com isso, quer dizer o autor que em uma perspectiva ex ante, a conduta praticada cria uma situação de perigo que invade a esfera de “manifestação do bem jurídico”.192 Acentua o jurista, também, que não há que se falar em perigo ao bem jurídico, se não for possível averiguar mediante um juízo ex ante, uma possibilidade não-insignificante de dano ao mesmo. Ilustrando tal assertiva, o estudioso indica o artigo 44, da Lei n.º 9.605/98,193 o qual estabelece o crime de extração não-autorizada de minerais:194 caso da extração não-autorizada não advenha qualquer possibilidade não-insignificante, ex ante verificada, de dano aos respectivos valores ambientais tutelados, afastado estará, de pronto, a existência do ilícito-típico de perigo abstrato, pela absoluta ausência de ofensividade [...]. A simples falta de autorização, por si só, não significa desacordo material com as exigências técnicas que permitiriam conferir a respectiva autorização, as quais, no caso concreto, podem muito bem ter sido atendidas pelo autor. [...] Podemos estar diante de hipóteses bagatelares, insignificantes, mas cujo reconhecimento só se torna possível tomado o ilícito-típico para além de uma mera desobediência às prescrições administrativas. [grifo nosso]. Ademais, importante salientar que o autor afirma também que a técnica de tipificação por meio de crimes de perigo abstrato deve ser excepcional, “utilizada apenas quando as circunstâncias que envolvem o fato e as características do bem jurídico a proteger, cotejadas à luz dos interesses de política criminal, indicarem-na como meio de tutela necessário e indispensável”.195 Luiz Flávio Gomes, por outro lado, refuta o reconhecimento dos crimes de perigo abstrato no ordenamento jurídico brasileiro em razão da adoção, pela Constituição Federal, do Princípio da Ofensividade ou da Lesividade.196Sustenta o autor que a ofensividade é condição necessária para que 192 D’ÁVILA, Fábio Roberto. O ilícito penal nos crimes ambientais: algumas reflexões sobre a ofensa a bens jurídicos e os crimes de perigo abstrato no âmbito do direito penal ambiental. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 42, jul./ago. 2007. 193 Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa. 194 D’ÁVILA, Fábio Roberto. O ilícito penal nos crimes ambientais: algumas reflexões sobre a ofensa a bens jurídicos e os crimes de perigo abstrato no âmbito do direito penal ambiental. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 67, p. 44, jul./ago. 2007. 195 D’ÁVILA, Fábio Roberto, apud COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 48. 196 GOMES, Luiz Flávio. A constituição federal e os crimes de perigo abstrato: comentários do Professor Luiz Flávio Gomes sobre a conservação dos crimes de perigo abstrato frente à Constituição Federal de 1988. haja intervenção penal. Sendo assim, deve-se exigir, também do legislador, a descrição do fato típico como uma ofensa a determinado bem jurídico, estando vedada, segundo o jurista, a possibilidade de o legislador configurar o delito como uma mera desobediência ou simples infração da norma, sem considerar qualquer ofensa a um bem.197 Argumenta nesse liame que a descrição típica que revela tão-somente a conduta potencialmente causadora de riscos, não atende ao Princípio da Ofensividade, uma vez que admite que a infração penal concretize-se com o simples perigo da conduta, o qual, ainda que “apenas imaginário”, mostra-se suficiente para caracterizar o delito. Leciona o autor, nesse sentido, que todos os delitos exigem um resultado jurídico, consistente na lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal.198 Ademais, salienta Flávio Gomes que os delitos de perigo abstrato e sua presunção legal de perigo confrontam com o princípio constitucional da Presunção de Inocência. 199 Luigi Ferrajoli, do mesmo modo, destaca o fato de que o delito existe para a proteção de bens jurídicos, não devendo haver criminalização de meras desobediências. Assevera o jurista, nesse sentido, a respeito dos crimes de perigo abstrato ou presumido, que:200 [...] tampouco se requer um perigo concreto, como “perigo” que corre um bem, senão que se presume, em abstrato, pela lei; deste forma, nas situações em que, de fato, nenhum perigo subsista, o que se castiga é a mera desobediência ou a violação formal da lei por parte de uma ação inócua em si mesma. Também estes tipos deveriam ser reestruturados, sobre a base do princípio da lesividade, como delitos de lesão, ou, pelo menos, de perigo concreto, segundo mereça o bem em questão uma tutela limitada ao prejuízo ou antecipada à mera colocação em perigo. Como se pode ver, trata-se de questão delicada, uma vez que, o excesso de crimes de perigo abstrato na legislação brasileira resta por flexibilizar os princípios garantistas que embasam o Direito Penal moderno. A respeito da legitimidade dos delitos de perigo abstrato, Helena Regina Lobo da Costa conclui que não há na doutrina respostas satisfatórias para a questão, estando esta ainda em aberto.201 Assevera, nesse ponto a jurista:202 Artigo em meio eletrônico. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070214091633277>. Acesso em: 05 set. 2010. 197 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 6, p. 35. [Série As Ciências Criminais no Século XXI]. 198 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 6, p. 38. [Série As Ciências Criminais no Século XXI]. 199 GOMES, Luiz Flávio, apud WUNDERLICH, Alexandre. Delitos do perigo abstrato: uma crítica necessária. Artigo em meio eletrônico. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/in dex.php/buscalegis/article/viewFile/10785/10350>. Acesso em: 13 set. 2010. 200 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 440. 201 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 50. Idealmente, deveria o legislador, ao menos, buscar tipificar condutas com conteúdo de injusto mais evidente, evitando-se a criminalização de meras desobediências. Não é o que se tem verificado na prática, principalmente na seara ambiental, razão pela qual o estabelecimento de critérios dogmáticos para delimitar os crimes de perigo abstrato se torna ainda mais premente. Importante salientar que buscou-se aqui apenas demonstrar a acirrada discussão doutrinária quanto aos crimes de perigo abstrato, tendo em vista a sua ampla utilização pela legislação criminal brasileira atual, mormente na seara ambiental, sem o escopo de esgotar o tema, o qual poderia ser, exclusivamente, objeto de um trabalho específico. 2.3 DA CONCEPÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL AMBIENTAL Ainda no que se refere à tipicidade penal ambiental, convém destacar o seu aspecto material para que a conduta típica praticada seja corretamente sancionada pelo Direito Penal. Analisando tal questão, introduzimos o ponto central deste trabalho que versa sobre a aplicação do Princípio da Insignificância, abordado no primeiro capítulo, aos crimes ambientais. A concepção material da tipicidade penal consiste, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, na exigência de a conduta descrita abstratamente no tipo penal ser concretamente lesiva ao bem jurídico protegido.203 Carlos Vico Mañas, nesse sentido preleciona:204 De acordo com sua concepção formal, a tipicidade sempre foi vista como mera correspondência entre a conduta da vida real e o tipo legal de crime. Tal postura, contudo, não satisfaz a moderna tendência de reduzir ao máximo a área de influência do direito penal diante de seu reconhecido caráter subsidiário [...]. Como os tipos penais são conceitos abstratos, é impossível evitar que sua previsão legal tenha alcance maior do que o desejado. [...] Para evitar situações de tal ordem, procura-se, atualmente, atribuir ao tipo penal, além do sentido puramente formal, um caráter material. Podemos dizer, portanto, que em razão da moderna concepção material da tipicidade penal, não basta apenas que a conduta praticada subsuma-se à descrição abstratamente prevista na norma penal, devendo ser materialmente lesiva ao interesse tutelado para ser típica. Em outras palavras, somente haverá ação típica sujeita à sanção criminal quando existir ofensa a bens jurídicos. Tal entendimento coaduna-se com um Direito Penal moderno, que preza pela sua intervenção somente quando estritamente necessário para proteger os bens jurídicos mais relevantes de condutas efetivamente lesivas aos mesmos. 202 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 51. 203 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 76. 204 MAÑAS, Carlos Vico. Princípio da insignificância: excludente da tipicidade ou da ilicitude? In: Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 148. Tal postura, segundo dispõe Ivan Luiz da Silva, aplica-se também aos tipos penais ambientais previstos na Lei n.º 9.605/98, os quais, conforme explanado neste trabalho, apresentam imperfeições técnicas, tais como a falta de precisão e de taxatividade, que muitas vezes acabam por conferir uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem ambiental tutelado, podendo assim, alcançar condutas que, analisadas no caso concreto, não apresentam relevância para o Direito Penal por não atingirem de modo significante o bem jurídico protegido.205 Nesse sentido, conclui Carlos Vico Mañas que o legislador, ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social, não dispondo de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. É, pois, nessa sistemática que tem lugar o Princípio da Insignificância supramencionado, o qual surge justamente para afastar a incidência da lei penal sobre lesões ínfimas e, por isso mesmo, insignificantes para o Direito Penal, reduzindo o campo de atuação deste e confirmando, assim, o seu caráter fragmentário e subsidiário, corolários naturais da regra da intervenção mínima.206 Cumpre mencionar que a aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais é questão que gera discussão entre os doutrinadores e os aplicadores do Direito, tendo em vista a relevância do bem jurídico a ser tutelado. Tal problemática será analisa no capítulo que segue, demonstrando-se os diferentes posicionamentos referentes à questão, bem como explicando porque entendemos aplicável o princípio, também em sede de tutela penal ambiental. 3 DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES AMBIENTAIS 3.1 DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES AMBIENTAIS Vimos até aqui que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, erigido pela Constituição da República a direito fundamental da pessoa humana, figura-se como bem jurídico autônomo, de relevantíssimo valor social, e, em razão da importância conferida ao mesmo, passou a ser tutelado também pelo Direito Penal. Assevera-se, no entanto, que embora a tutela penal ambiental vise proteger bem jurídico de importantíssimo valor para a sociedade, não deve, contudo, deixar de “observar os princípios 205 206 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 76. MAÑAS, Carlos Vico. Princípio da insignificância: excludente da tipicidade ou da ilicitude? In: Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 150. constitucionais que orientam o Direito Penal em face dos direitos e garantias fundamentais do cidadão”.207 Nesse sentido, segundo salienta Murilo Brião da Silva, muito se discute acerca da possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância em sede de Direito Penal Ambiental, cuja base de discussão está justamente na grande relevância do bem jurídico protegido.208 Conforme examinado no capítulo 2 deste trabalho, a imperfeição da técnica legiferante na construção dos tipos penais ambientais, restou por conferir uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem ambiental tutelado, abarcando condutas que, analisadas no caso concreto, podem não ser ofensivas ao meio ambiente. Referimos também que tal fenômeno não é exclusivo da seara criminal ambiental, uma vez que o legislador penal não dispõe de meios para determinar, na descrição dos tipos penais, a intensidade da lesão que deverá ser objeto de sanção penal.209 Desse modo, objetivando limitar essa tipificação abrangente, o Princípio da Insignificância atua como instrumento de interpretação restritiva dos tipos penais, “aferindo o grau de lesividade da conduta, para excluir da incidência penal os fatos de poder ofensivo insignificante aos bens jurídicos penalmente protegidos”.210 Tal princípio coaduna-se com os preceitos da Fragmentariedade e da Intervenção Mínima do Direito Penal, buscando afastar o ponto material da tipicidade penal,211 excluindo condutas que, embora formalmente típicas, não afetam de forma relevante os bens jurídicos tutelados e que devem, por isto, ficar fora do âmbito de atuação do Direito Penal. Nesse sentido, leciona Murilo Brião da Silva que, não obstante a relevância do bem jurídico tutelado pelos tipos penais ambientais, tal circunstância não importa inaplicabilidade do Princípio da Insignificância em casos concretos. Sustenta o jurista que:212 O Direito Penal deverá ser chamado naqueles casos em que a relevância do bem jurídico protegido, agregada à reprovabilidade social da conduta àquele lesiva, exija a respectiva intervenção como solução punitiva criminal do conflito. Fora disso, por ser a ultima ratio, não deverá ser invocado. Isso também vale (ou deveria valer) para o Direito Penal Ambiental. 207 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 80. 208 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 39. 209 QUEIROZ, Paulo de Souza, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 79. 210 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 9. 211 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 59. 212 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 55. A propósito, antes de analisarmos com mais detalhe o conteúdo deste capítulo, cumpre esclarecer para que não reste dúvida, que o Direito Penal enquanto última alternativa de controle social, deve intervir somente quando a lesão aos bens jurídicos tutelados for realmente significante e relevante, independentemente do bem ser classificado como individual ou supraindividual, como é o caso do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Infere-se, pois, que a aplicação do Princípio da Insignificância penal deve ocorrer, conforme visto, nos casos em que a afetação ao bem jurídico for ínfima ou mínima, levando-se em consideração não o que está sendo tutelado (se bem jurídico individual ou coletivo, uma vez que ambos devem ser objetos de tutela penal), mas a gravidade da lesão a que o bem jurídico é exposto. 213 A esse respeito o Supremo Tribunal Federal também se manifestou, afirmando que a circunstância de se ter como bem jurídico protegido o meio ambiente não é óbice a afastar os princípios da Insignificância e da Intervenção Mínima do Estado em matéria penal. Confira, nesse sentido, as palavras do Ministro Marco Aurélio, ao julgar crime previsto tipicamente na lei ambiental:214 Conforme lição de Francisco de Assis Toledo, contida em Princípios Básicos de Direito Penal, “segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro por sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”. Sufragando essa óptica, a Segunda Turma, ao julgar o Habeas Corpus n.º 92.463-8/RS, relator Ministro Celso de Mello, ressaltou o princípio da intervenção mínima do Estado em matéria penal. A circunstância de ter-se como bem protegido o meio ambiente não é de molde a afastar esse entendimento. [grifou-se]. No que diz respeito à tutela penal ambiental, a primeira questão a saber é se existe lesão ao meio ambiente que possa ser considerada insignificante, haja vista a relevância do bem jurídico protegido. Segundo a doutrina penalista, a resposta para tal arguição é afirmativa, uma vez que, conforme mencionado anteriormente, a amplitude conferida aos tipos penais ambientais pode alcançar condutas que, embora formalmente típicas, não ofendem concretamente o meio ambiente e, por essa razão, não têm importância para o Direito Penal.215 Nessa linha, Ivan Luiz da Silva entende ser aplicável o Princípio da Insignificância para excluir da incidência penal as condutas de ínfima lesividade ao bem jurídico ambiental tutelado. 216 Na mesma linha de pensamento, Murilo Brião da Silva entende que o Princípio da Insignificância pode ser aplicado também em matéria ambiental. Sustenta o jurista que, mesmo na 213 NOGUEIRA, Tiago de Souza. A insignificância e os bens jurídicos supraindividuais. IBCCRIM, fev. 2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10315>. Acesso em: 05 jul. 2010. 214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Ação Penal n.º 439/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. Data do julgamento: 12/06/2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010. 215 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 88. 216 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 81. esfera ambiental não se pode deixar de lado os aspectos peculiares do Direito Penal, como a Intervenção Mínima e a Fragmentariedade, preceitos que embasam atualmente toda a ordem jurídico-penal.217 Confira, nesse sentido, importante observação do jurista: 218 Não se pode discutir acerca da aplicabilidade ou não do princípio da insignificância em matéria ambiental de maneira apaixonada e com a visão única e exclusiva de que é direito fundamental transgeracional e que sua especialidade protetiva tem status constitucional. Acredito que assim, sem que se também analisem aspectos acerca da peculiaridade do Direito Penal, sobretudo a mínima intervenção e fragmentariedade, tratar-se-ia de limitar o tema a sua mera aparência, desconsiderando-se as relações estruturais da sociedade que precisamente dão a razão e o porquê daquela forma normativa operacional e prática, deixando de ver o sistema à distância para melhor julgá-lo. No mesmo sentido, Luiz Regis Prado assim leciona:219 A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa. Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais – legalidade dos delitos e das penas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros -, pilares que são do Estado de Direito democrático. Observamos neste estudo que a maior parte da doutrina penalista entende pela aplicação do Princípio da Insignificância também aos crimes ambientais. Desse modo, ainda que se tratando de matéria penal complexa e peculiar, ao observar-se, no caso concreto, que a conduta formalmente típica não lesionou de forma relevante o bem jurídico ambiental tutelado, não há porque invocar efeitos penais, uma vez que ainda restam as esferas cível e administrativa, de modo que o bem jurídico não ficará desprotegido recebendo o tratamento e proteção adequados. 220 Assim, mais uma vez conclui Murilo Brião da Silva:221 A especial proteção que merece o meio ambiente, por si só, não é capaz de afastar em todas as situações concretas o princípio da insignificância, sob pena de se esquecer que, em 217 218 219 220 221 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 39. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 62. PRADO, Luiz Regis, apud SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 63. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 64. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 64. essência, de Direito Penal se cuida, cujas características são próprias, em especial da fragmentariedade e da intervenção mínima. Não é o outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, que ao julgar suposto delito contra o meio ambiente, enquadrado no artigo 34 222, da Lei n.º 9.605/98, entendeu pela aplicação do Princípio da Insignificância e consequente absolvição do acusado, sustentando que, no caso concreto, a pesca de apenas três peixes, ainda que em período proibido, é fato irrelevante para o Direito Penal, na medida em que não provoca dano significativo ao equilíbrio ecológico e à preservação das espécies, não confundindo-se com a pesca em larga escala, de natureza predatória, a qual é objeto de preocupação pelo legislador penal.223 Nesse liame, cumpre lembrar que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu critérios objetivos de aplicação do Princípio da Insignificância aos casos concretos, sendo tais vetores reiteradamente mencionados pela doutrina e pela jurisprudência pátrias. Tais critérios são: a) mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.224 Assim sendo, diante de conduta que se enquadra a um tipo de injusto penal ambiental, deverá o aplicador da lei penal averiguar se ocorreu dano efetivo ou ao menos perigo concreto de dano ao equilíbrio ambiental, ou, por outro lado, se trata-se apenas de conduta com ofensa mínima/ínfima ao bem jurídico ambiental tutelado e de inexpressiva lesão jurídica provocada, as quais, somadas à nenhuma periculosidade social da ação e ao reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, caracterizarão a insignificância penal do fato formalmente típico. 225 Salienta, nesse sentido, Murilo Brião da Silva, que não há dúvida de que o meio ambiente é bem especial e juridicamente protegido também na esfera penal,226 contudo, conforme bem dispõe Francisco de Assis Toledo não se deve “supor que essa especial proteção penal deva ser abrangente 222 Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. 223 MAÑAS, Carlos Vico. Crime ambiental. Pesca. Princípio da insignificância. Boletim IBCCRIM/JURISPRUDÊNCIA, São Paulo, v. 11, n. 131, p. 737-738, out. 2003. 224 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus n.º 84412/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 19/10/2004. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010. 225 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 65. 226 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 70. de todos os tipos de lesões possíveis. Mesmo em relação aos bens jurídico-penalmente protegidos, restringe o direito penal sua tutela a certas espécies e formas de lesão, real ou potencial”.227 Destaca-se, outrossim, que a própria Constituição Federal, no parágrafo 3º do artigo 225, estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais”.228 Nesse sentido, Ivan Luiz da Silva entende que também a Lei n.º 9.605/98, a qual prevê os crimes cometidos contra o meio ambiente, reconhece a possibilidade de a lesão ambiental ser penalmente insignificante, uma vez que em seu artigo 54 dispõe que somente haverá crime de poluição quando houver “destruição significativa da flora”. Conclui o autor que, dessa forma, quando a conduta praticada não for materialmente lesiva ao meio ambiente, poderá invocar-se o Princípio da Insignificância a fim de afastar a incidência da lei penal sobre o fato formalmente típico praticado. 229 Para que tal análise não pareça demasiadamente abstrata, Ivan Luiz da Silva prevê em sua obra que a lesão ao meio ambiente considerada penalmente insignificante será determinada através do que o autor chama de “critério de insignificância concreta”, consistente na avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado do injusto penal ambiental cometido, com vistas a aferir seu grau de lesividade. Nos dizeres do autor, “haverá uma lesão ambiental penalmente insignificante quando nessa avaliação concluirmos que ambos os índices demonstram que é ínfimo o grau de lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado”.230 Explica nesse sentido o jurista, que a avaliação dos índices de desvalor da ação e do resultado, no que concerne aos crimes ambientais, deve ser feita em duas etapas: a) na primeira, avalia-se esses índices em relação ao próprio bem atacado (por exemplo, a quantidade de exemplares abatidos e a possibilidade de extinção da espécie, nos casos de crimes contra a fauna); b) na segunda, avalia-se esses mesmos índices em relação ao meio ambiente como um todo (importância e função da espécie, afetação do equilíbrio ecológico etc.). Desse modo, sustenta o autor que quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado, nas duas etapas supracitadas, demonstrar um grau de lesividade ínfimo, poderá ser reconhecida a lesão ambiental penalmente insignificante e que, portanto, não será objeto de sanção criminal.231 227 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 17. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 68. 229 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 88. 230 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 89. 231 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 90. 228 No mesmo sentido, Luís Carlos de Moraes também sustenta a necessidade de avaliação da lesão ambiental em relação ao objeto atacado e a todo o ecossistema a fim de constatar-se a gravidade da mesma. Nas palavras do autor:232 quando formos verificar se o objeto jurídico foi lesionado, mais do que o animal, a planta, o rio etc., especificamente, há de se monitorar todo o ecossistema em que o objeto material se inclui, para verificar também se os processos essenciais foram afetados, se há risco de extinção da espécie. Desse exame é que se retira a constatação de lesão e sua gravidade. Além disso, cumpre destacar que o exame de cabimento do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, deve ser feito de forma casuística, levando em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto e verificando o aplicador da lei penal se houve ou não ofensa significativa ao equilíbrio ambiental que possa ser objeto de sanção criminal em cada caso específico. Por outro lado, não podemos deixar de destacar também posicionamento contrário à aplicabilidade do Princípio da Insignificância no tocante aos crimes ambientais. Nesse sentido é o entendimento de Osvaldo Capelari Júnior, o qual argumenta que:233 A Constituição Federal de 1988, afastando-se do antropocentrismo clássico, positivou no seu art. 225 o chamado “antropocentrismo alargado”, que se consubstancia no reconhecimento de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, devendo ser resguardado como patrimônio comum da humanidade (equidade intergeracional). Disso decorre a impossibilidade de quantificação do dano ambiental, mormente porque, especificamente no campo da fauna, a tutela penal não considera mais a representatividade econômica do objeto material do crime, mas o fato de ter sido eliminada uma vida não humana integrante do ecossistema equilibrado. Contrapondo-se a tal entendimento, Murilo Brião da Silva argumenta que a análise da tipicidade material dos crimes ambientais não deve ser vista sob uma ótica meramente econômica. Leciona o jurista que, “o fato de ter sido eliminada uma vida não humana integrante do ecossistema equilibrado” somente irá sustentar a tipicidade material do delito quando, por exemplo, houver influência no ecossistema local. Nos dizeres do autor: 234 [...] para tanto se poderá também analisar ou sopesar a quantidade de espécimes lesadas ou se estão ameaçadas de extinção, cujo corolário lógico, se positivo, é o risco ao meio ambiente. Se houve efetivo risco (perigo) haverá resultado jurídico e, assim, lesão ao bem jurídico meio ambiente, portanto implementada a tipicidade material. Desse modo, entende-se correta a aplicação do Princípio da Insignificância em matéria penal ambiental, não significando, com isso, que deva haver desfundamentada e generalizada 232 MORAES, Luís Carlos Silva de, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 90. 233 CAPELARI JÚNIOR, Osvaldo. Meio ambiente, descabimento de aplicação do princípio da insignificância. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 56, p. 383, set./out. 2005. 234 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 71. aplicação do mesmo, uma vez que devem ser respeitadas as condições do caso concreto, “mediante cautelosa e completa fundamentação”. 235 Ademais, importa observar que a adequada incidência do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais não visa à simples abstenção da lei penal, de forma a deixar desprotegido o meio ambiente, pelo contrário, busca-se a correta aplicação da lei penal e o respeito aos princípios e características próprios de um Direito Penal moderno que preza por sua intervenção apenas em casos nos quais a lesão ao bem jurídico tutelado seja relevante. Além disso, frisa-se, novamente, que o fato de determinada conduta ser considerada atípica para o Direito Penal, não significa que o bem juridicamente tutelado ficará despido de proteção, uma vez que restam ainda as esferas cível e administrativa para tutelá-lo adequadamente.236 Júnior A. Taglialenha, a respeito da aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos delitos ambientais, assim se posiciona:237 [...] sem dúvida, é possível, viável e desejável a aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos crimes contra a ictiofauna, sempre que houver insignificante dano ambiental, ou quando uma conduta, embora socialmente adequada, venha a formalmente constituir em um fato típico. [...] não cabe ao operador do direito negar a aplicação da sanção penal sob o argumento de que os peixes, ou os crustáceos, ou os moluscos, ou os vegetais hidróbios não possuem relevância para o Direito Penal. Porém, sempre que a lesão ao bem tutelado for ínfima caberá, plenamente, a incidência do princípio da insignificância. Nicolao Dino Costa Neto, por seu turno, leciona: 238 em verdade, a aplicação do princípio da insignificância no tocante aos crimes ambientais impõe o máximo de cautela e prudência, a fim de não inviabilizar na prática a proteção penal do meio ambiente. Pretende-se, apenas, coerentemente com os atuais postulados que informam o direito punitivo, reservar para o campo da repressão penal as condutas que efetivamente impliquem ofensa a valores fundamentais do meio social. Ademais, cumpre também referir que há autores que entendem pela não aplicação do Princípio da Insignificância aos ilícitos penais ambientais, ou por sua aplicação excepcionalíssima, 235 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 76. 236 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 40. 237 TAGLIALENHA, Júnior A. O princípio da insignificância e os crimes contra a ictiofauna. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 57, p. 100-101, nov./dez. 2005. 238 COSTA NETO, Nicolao Dino, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 81. argumentando que a própria Lei n.º 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) já considerou as condutas de menor expressão ofensiva ao meio ambiente, prevendo penas alternativas e mais brandas.239 Nesse sentido, lecionam Vladimir e Gilberto Passos de Freitas:240 O reconhecimento do princípio da insignificância deverá ser reservado para hipóteses excepcionais, principalmente pelo fato de que as penas previstas na Lei 9.605/98 são, na sua maioria, leves e admitem transação ou suspensão do processo (Lei 9.099/95, arts. 76 e 89). Em outras palavras, nos casos de menor relevância a própria lei dá a solução, ou seja, a composição entre o Ministério Público e o infrator, sendo esta a posição mais acertada. Na mesma linha é o posicionamento de Osvaldo Capelari Júnior, que assim nota:241 [...] veio a lume a Lei 9.099/95, inteiramente sensível ao princípio da ofensividade e aberta à Justiça consensual e isso, [...], é o instrumento jurídico-penal aplicável na seara ambiental, sempre com vistas ao objetivo último da lei ambiental que é a reparação do dano, inclinada à educação ambiental [...]. Também, Douglas Bernardes Romão sustenta a inaplicabilidade do Princípio da Insignificância em matéria ambiental, tendo em vista não à Lei n.º 9.099/95, mas a própria Lei dos Crimes Ambientais, a qual estabelece institutos despenalizadores. Veja-se:242 [...] ante os institutos despenalizadores da Lei 9.605/98, e considerando o ressurgimento da análise da significância da lesão, em sede de gradação da pena (art. 6º, inc. I, primeira parte, Lei 9.605/98), o equilíbrio entre jus puniendi e jus libertatis é restabelecido, inexistindo, portanto, laivos de direito penal máximo na exclusão de destipificação pelo princípio da insignificância. Discordando de tais posicionamentos, Murilo Brião da Silva salienta que a análise da aplicabilidade ou não do Princípio da Insignificância em matéria ambiental, não deve pautar-se pelo fato de que as penas previstas na Lei dos Crimes Ambientais são leves e admitem transação ou suspensão condicional do processo, ou porque há possibilidade a aferir-se a gravidade do fato para a gradação da penalidade aplicável, uma vez que para o exame da aplicação de quaisquer destes institutos, necessariamente, deverá preceder a existência de delito.243 239 LEAL JÚNIOR, Cândido Alfredo Silva. O princípio da insignificância nos crimes ambientais: a insignificância da insignificância atípica nos crimes contra o meio ambiente da Lei 9.605/98. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 17, abr. 2007. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao017/Candido_Leal.htm>. Acesso em: 27 ago. 2010. 240 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 44. 241 CAPELARI JÚNIOR, Osvaldo. Meio ambiente, descabimento de aplicação do princípio da insignificância. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 56, p. 389, set./out. 2005. 242 ROMÃO, Douglas Bernardes, apud SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 76. 243 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 72. Tal entendimento foi o que tentamos explicar no primeiro capítulo deste trabalho, ao analisarmos a possibilidade de coexistência do Princípio da Insignificância em um sistema jurídico que criminaliza condutas penais de menor potencial ofensivo. O importante a salientar aqui, é o fato de que as condutas atingidas pelo Princípio da Insignificância são, conforme explica Ivan Luiz da Silva,244 um “não-crime”, enquanto que as condutas afetas aos Juizados Especiais Criminais, quais sejam, aquelas condutas que se enquadram nos requisitos do artigo 61245, da Lei n.º 9.099/95 e que serão objeto dos institutos previstos na referida lei, são consideras criminosas, isto é, apresentam tipicidade formal e material, ainda que contenham pouco potencial ofensivo. Posto isto, embora o presente trabalho não tenha o objetivo de realizar uma análise jurisprudencial ampla e detalhada a respeito da aplicação do Princípio da Insignificância no tocante aos crimes ambientais pelos tribunais pátrios, consideramos importante colacionar alguns julgados que demonstram que no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça predomina a possibilidade de aplicação do referido princípio aos crimes ambientais. Por outro lado, é possível observar que nos Tribunais Regionais Federais, bem como nos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, segundo salienta Murilo Brião da Silva, “a abordagem é um pouco diversa, mas conta com decisões em ambos os sentidos”. 246 No âmbito do Supremo Tribunal Federal, destacamos dois julgados que demonstram claramente o posicionamento da Corte no que diz respeito à aplicação do Princípio da Insignificância penal quando da ocorrência de dano ínfimo ao meio ambiente tutelado. O primeiro deles trata de Habeas Corpus247 com pedido liminar, no qual o paciente responde pela prática do delito previsto no artigo 50, da Lei n.º 9.605/98, por ter efetuado o corte de duas árvores da espécie nativa Pinheiro brasileiro (Araucaria angustifólia) em sua propriedade. Veja parte da decisão proferida pela Suprema Corte: [...] O art. 50 da Lei n° 9.605/98 prevê pena de detenção, de três meses a um ano, e multa, para quem "destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação". Como se pode constatar, a norma penal protege o valor fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, assegurado pelo art. 225 da Constituição da República. 244 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114. Art. 61. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. 246 SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 78. 247 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 88880 MC/SC. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Data do Julgamento: 05/06/2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/hdocumento/informativo430.htm>. Acesso em: 17 set. 2010. 245 A finalidade do Direito Penal é justamente conferir uma proteção reforçada aos valores fundamentais compartilhados culturalmente pela sociedade. Além dos valores clássicos, como a vida, liberdade, integridade física, a honra e imagem, o patrimônio etc., o Direito Penal, a partir de meados do século XX, passou a cuidar também do meio ambiente, que ascendeu paulatinamente ao posto de valor supremo das sociedades contemporâneas, passando a compor o rol de direitos fundamentais ditos de 3ª geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados Democráticos de Direito. Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Direito Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio ambiente; ou seja, a conduta somente pode ser tida como criminosa quando degrade ou no mínimo traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessas hipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém, a responsabilização da conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil. O Direito Penal atua, especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como ultima ratio, tendo caráter subsidiário em relação à responsabilização civil e administrativa de condutas ilegais. Esse é o sentido de um Direito Penal mínimo, que se preocupa apenas com os fatos que representam graves e reais lesões a bens e valores fundamentais da comunidade. No caso em questão, o recorrente, segundo consta do Termo Circunstanciado de Ocorrência Ambiental n° 59/ 5o PEL/CPMPA/2005 (fls. 17-21), "é responsável pelo corte seletivo de 2 (duas) árvores da espécie nativa Pinheiro brasileiro (Araucária angustifolia), em sua propriedade, sem autorização ou licença dos Órgãos Licenciadores competentes, federal e estadual, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA e Fundação do Meio Ambiente - FATMA, respectivamente; ou seja, desprovido de Plano de Corte Seletivo ou Autorização para Corte de Vegetação". Consta também do referido termo que o recorrente "assume total responsabilidade da execução do corte das árvores nativas, que determinou aos seus funcionários o corte dos pinheiros, para limpar e dar lugar no terreno para cultivo de milho e soja, conforme o Termo de Declaração acostado aos autos (...)". As circunstâncias do caso concreto levam-me a crer, neste primeiro contato com os autos, que o corte de dois pinheiros, de um conjunto de 7 outras árvores da mesma espécie, presentes no meio de uma lavoura de soja e milho e que, portanto, que não chegam a compor uma "floresta" (elemento normativo do tipo), não constitui fato relevante para o Direito Penal. Não há, em princípio, degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecossistema local, objeto de especial preservação, o que torna ilegítima a intervenção do Poder Público por meio do Direito Penal. No caso, portanto, há que se realizar um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como conseqüência da intervenção penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do processo penal. A jurisprudência desta Corte tem sido no sentido de que a insignificância da infração penal, que tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo, impõe o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC n° 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.11.2004; HC n° 83.526, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 7.5.2004). [...] [grifou-se]. O segundo julgado que destacamos, ainda no âmbito do Supremo Tribunal Federal, diz respeito à Ação Penal n.º 439/SP248, na qual o réu foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no artigo 40, da Lei n.º 9.605/98, por ter causado, em tese, danos diretos à Unidade de Conservação do Parque Estadual da Serra do Mar, ao contratar pessoas que, por meio de terraplanagem, desmataram vegetação capoeira em estágio inicial construindo uma estrada calçada no local. Tal acórdão apresentou a seguinte ementa: 248 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Ação Penal n.º 439/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. Data do Julgamento: 12/06/2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010. CRIME – INSIGNIFICÂNCIA – MEIO AMBIENTE. Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado. Ficou constatado no caso julgado que a área alterada pelo réu foi de pequena extensão (0,0652 hectares), e não afetou, desse modo, o meio ambiente de forma significativa. Nesse sentido foram, inclusive, as alegações finais acostadas pelo próprio Ministério Público Federal nos autos do processo, o qual restou por requerer a absolvição do acusado, face à aplicação do Princípio da Insignificância. A decisão final do processo foi unânime, absolvendo o acusado da imputação criminal, tendo em vista a atipicidade material da conduta praticada, e que, por essa razão, conforme constataram os julgadores, não deve ensejar a intervenção do Estado por meio do Direito Penal. Veja a conclusão do voto proferido pelo Ministro Relator Marco Aurélio: Em síntese, o fato apurado não consubstancia tipicidade suficiente a levar à condenação penal, presente a peculiaridade de se cogitar de desmatamento de vegetação capoeira em estágio inicial, conforme retratado na acusação (folha 2). Voto pela absolvição do paciente, tal como preconizado pelo Procurador- Geral da República. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, igualmente podemos observar a aplicação do Princípio da Insignificância em matéria penal ambiental quando não for verificada lesão significante ao bem jurídico protegido pela norma penal. Confira, nesse sentido, as seguintes ementas: EMENTA Nº 1 HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante. 3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. 4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC.249 [grifou-se]. EMENTA Nº 2 HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. GUARDA, EM RESIDÊNCIA, DE AVES SILVESTRES NÃO AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO (UMA ARARA VERMELHA, UM PASSARINHO CONCRIZ E UM XEXÉU, DOIS GALOS DE CAMPINA E UM PAPAGAIO). FLAGRANTE DURANTE BUSCA E APREENSÃO REALIZADA POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL EM OUTRO PROCESSO, QUE APURAVA CRIME TRIBUTÁRIO (OPERAÇÃO CEVADA). INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DO 249 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus n.º 143208/SC. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data do Julgamento: 25/05/2010. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010. PACIENTE DESAUTORIZADAS, NAQUELES AUTOS, POR FALTA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE (LANÇAMENTO DEFINITIVO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO). CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS. FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. INEXISTÊNCIA. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. CRIME PERMANENTE. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. ART. 5, XI DA CF. PRECEDENTES DO STJ. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE LESÃO AO BEM JURÍDICO PROTEGIDO PELA NORMA PENAL DE PROTEÇÃO À FAUNA. ORDEM CONCEDIDA, PARA TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO CONTRA O PACIENTE. 1. [...] 2. [...] 3. A Lei 9.605/98 objetiva concretizar o direito dos cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e preservado para as futuras gerações, referido no art. 225, caput da Constituição Federal, que, em seu § 1o., inciso VII, dispõe ser dever do Poder Público, para assegurar a efetividade desse direito, proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da Lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 4. Dessa forma, para incidir a norma penal incriminadora, é indispensável que a guarda, a manutenção em cativeiro ou em depósito de animais silvestres, possa, efetivamente, causar risco às espécies ou ao ecossistema, o que não se verifica no caso concreto, razão pela qual é plenamente aplicável, à hipótese, o princípio da insignificância penal. 5. A própria lei relativiza a conduta do paciente, quando, no § 2o. do art. 29, estabelece o chamado perdão judicial, conferindo ao Juiz o poder de não aplicar a pena no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não ameaçada de extinção, como no caso, restando evidente, por conseguinte, a ausência de justa causa para o prosseguimento do Inquérito Policial, pela desnecessidade de movimentar a máquina estatal, com todas as implicações conhecidas, para apurar conduta desimportante para o Direito Penal, por não representar ofensa a qualquer bem jurídico tutelado pela Lei Ambiental. 6. [...].250 [grifou-se]. Pelo exposto, é possível constatar que, assim como no Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça também se admite a aplicação do Princípio da Insignificância em sede de tutela penal do meio ambiente, quando a conduta praticada, ainda que formalmente típica, não apresentar força lesiva para atingir o bem jurídico ambiental tutelado, isto é, quando a conduta não alcançar a tipicidade material. Conforme bem dispõe Murilo Brião da Silva, a intervenção penal apenas se justifica quando o bem tutelado, mesmo que ambiental, tenha sido exposto a um dano impregnado de significativa lesividade. Nesse sentido, inocorrendo a tipicidade material, a conduta não possui relevância jurídica para o Direito Penal, mostrando-se desproporcional a imposição de pena criminal, uma vez que a lesão é absolutamente irrelevante.251 Pode-se dizer, portanto, que a aplicabilidade do Princípio da Insignificância em matéria criminal ambiental encontra respaldo na doutrina e na jurisprudência pátrias, tendo em vista que não cabe desconsiderar as características próprias do Direito Penal vigente, como a Intervenção 250 251 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus n.º 72234/PE. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Data do julgamento: 09/10/2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 93. Mínima e a Fragmentariedade, mesmo que o bem juridicamente tutelado seja o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ademais, apenas a título de observação, ressalta-se que foram analisados também precedentes de outros tribunais, federais252 e estaduais253, nos quais encontramos posicionamentos em ambos os sentidos, isto é, pela aplicação e pela não aplicação do Princípio da Insignificância em matéria ambiental. O que se ressalta é que não são comuns julgados que afastam totalmente e em qualquer caso a aplicabilidade do princípio. A maioria dos precedentes que o afastam, fazem isso no caso concreto ou entendem que, como regra não incide o Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, mas, excepcionalmente, dadas as circunstâncias do caso concreto, o preceito se aplica. 254 A respeito da aplicabilidade ou não do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, sabiamente leciona Murilo Brião da Silva:255 [...] a aplicabilidade deve ser cautelosa, exaustivamente fundamentada e atentando-se aos casos concretos. Mas sem dúvida acredita-se desproporcional concluir-se pela completa inaplicabilidade do princípio bagatelar em direito penal ambiental, porque, apesar de talvez serem reduzidas as hipótese de incidência, por certo, existirão outras em que inocorre lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado, permitindo seu trânsito. A questão, pelo que vejo, não é discutir acerca da possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância em direito penal ambiental, porque, ao que extraio, aplica-se. Em realidade, deve-se discutir se no caso concreto houve ou não lesão ao bem jurídico meio ambiente e, em caso positivo, se esta lesão foi significativa; se houve lesão e foi significativa, não se fala em princípio da bagatela; todavia, se não houve lesão ou esta foi ínfima, materialmente atípico será o fato. 252 253 254 255 PARANÁ, RIO GRANDE DO SUL E SANTA CATARINA. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Quarta Seção. Embargos Infringentes e de Nulidade nº 2007.71.03.002702-0. Relator: Desembargador Néfi Cordeiro. Data do Julgamento: 16/04/2009. Disponível em: <www.trf4.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010; PARANÁ, RIO GRANDE DO SUL E SANTA CATARINA. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Sétima Turma. Habeas Corpus n.º 2006.71.03.002064. Relator: Desembargador Néfi Cordeiro. Data do Julgamento: 12/06/2007. Disponível em: <www.trf4.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010; PARANÁ, RIO GRANDE DO SUL E SANTA CATARINA. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Sétima Turma. Recurso em Sentido Estrito nº 2003.72.04.009820-1. Relator: Desembargador Néfi Cordeiro. Data do Julgamento: 08/08/2006. Disponível em: <www.trf4.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sétima Câmara Criminal. Apelação-Crime n.º 70012344107. Relator: Desembargador Alfredo Foerster. Data do Julgamento: 13/10/2005. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010; RIO GRANDE DO SUL. Juizado Especial Criminal. Turma Recursal Criminal. Recurso Crime nº 71002639326. Relatora: Ângela Maria Silveira. Data do Julgamento: 16/08/2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2010. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 144. SILVA, Murilo Brião da. O princípio da insignificância em matéria ambiental. In: BALTAZAR JÚNIOR, Jose Paulo (Org.). Estudos em homenagem ao Desembargador Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 144. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade protegendo bens que, por sua relevância social, merecem tratamento jurídico especial. Os bens jurídicos podem, assim, ser conceituados como aqueles valores considerados fundamentais para a vida em sociedade e que, por sua importância para a convivência social pacífica, são tutelados pelo Direito. Observamos que nem todo bem jurídico requer tutela penal, isto é, nem todo bem jurídico é considerado bem jurídico-penal. Desse modo, para que um bem jurídico seja protegido pelo Direito Penal é necessário que, além da sua relevância social, não sejam suficientes para sua adequada tutela outras esferas de proteção menos lesivas. Nesse sentido, o Direito Penal atua como ultima ratio na proteção dos bens jurídicos socialmente relevantes, intervindo apenas quando as demais formas de tutela desses bens revelarem-se insuficientes. Trata-se do Princípio da Subsidiariedade ou da Intervenção Mínima do Direito Penal. Ademais, ressalta-se que nem todas as ações que afetam bens jurídicos são sancionadas penalmente, mas apenas aquelas consideradas mais graves e intoleráveis, praticadas contra os bens jurídicos mais fundamentais. Não restam dúvidas de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem jurídico dos mais relevantes, tendo sido erigido pela Constituição Federal de 1988 a direito fundamental da pessoa humana, ficando determinado no artigo 225, caput, da Magna Carta, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Este ingresso do meio ambiente ao rol dos bens jurídicos fundamentais para a sociedade levou-o a ser tutelado também pelo Direito Penal, ao qual incumbe o dever de proteger os bens jurídicos mais importantes para a ordem social tipificando condutas lesivas aos mesmos, estando tal fato determinado inclusive por expresso mandato constitucional (artigo 225, parágrafo 3º). O que se infere, é que o fato de o meio ambiente ter sobre si, como mais uma forma de proteção, a tutela penal, faz com que seja adequada e necessária a observação dos princípios constitucionais que orientam o Direito Penal, também em face da proteção penal ambiental. Desse modo, embora a tutela criminal do meio ambiente vise proteger bem jurídico de relevantíssimo valor social, tratando-se, pois, de matéria penal peculiar, não deve, contudo, deixar de observar os princípios constitucionais penais, tais como a Intervenção Mínima e a Fragmentariedade, pilares do Estado Democrático e Social de Direito. Nessa seara é que também podemos entender cabível a aplicação do Princípio da Insignificância penal, de criação doutrinária e jurisprudencial e diretamente relacionado aos princípios penais supracitados, em sede de tutela penal ambiental. Isso porque, o Princípio da Insignificância, embora não se encontre legislado em nosso ordenamento jurídico, sendo, pois, princípio jurídico implícito, decorre de outras regras e princípios existentes na ordem constitucional bem como do próprio modelo de Direito Penal moderno, de caráter fragmentário e subsidiário. Pode-se dizer, outrossim, que o enunciado nullum crimen sine iniuria, fundamento do Princípio da Insignificância, serve também para revelar a natureza fragmentária do Direito Penal. O Princípio da Insignificância atua, assim, como forma de interpretação restritiva dos tipos penais em geral, de forma a afastar condutas que, embora formalmente típicas, não atinjam o bem juridicamente tutelado de forma relevante, fazendo com que a sanção cominada não seja desproporcional ao dano causado pela conduta praticada. Em outras palavras, exige que a conduta típica seja materialmente lesiva ao interesse resguardado, não se conformando com a mera adequação do fato à letra da lei. Sabe-se que, modernamente, a tipicidade penal não se esgota na mera adequação do fato realizado aos elementos integrantes do tipo abstrato. Mas, mais do que isso, a tipicidade penal exige ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico protegido, de modo que condutas insignificantes que não afetem de forma expressiva o bem jurídico tutelado, não devem ser objeto de preocupação pelo Direito Penal. Nesse sentido, entende-se que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância consiste efetivamente na tipicidade material, de modo que a conduta formalmente típica que não concretize o conteúdo material do tipo penal, isto é, não ofenda concretamente o bem jurídico protegido, deve ser excluída do âmbito criminal em razão da sua irrelevância para o Direito Penal. Isto, por outro lado, não significa que o bem referido ficará despido de proteção, apenas denota que a conduta sem relevância penal não será objeto de sanção criminal, podendo receber o tratamento adequado pelas esferas cível e administrativa. Destarte, o que se suscita no âmbito da tutela penal do meio ambiente, é se é possível haver lesão a este bem que possa ser considerada insignificante, de molde a afastar a incidência da lei penal frente a um fato formalmente típico, previsto na legislação ambiental. Conforme visto, a resposta para tal questão é afirmativa, uma vez que a amplitude conferida pelo legislador aos tipos penais ambientais pode alcançar condutas que, embora formalmente típicas, não ofendem de modo substancial o meio ambiente, e, por essa razão, não devem ser objeto de atenção pelo Direito Penal. Ressalta-se que a legislação penal ambiental apresenta problemas técnicos de tipificação, em razão da complexidade do bem ambiental tutelado, de modo que diversos são os tipos penais ambientais que não prezam pela certeza e taxatividade inerentes à tipicidade penal, por serem imprecisos ou amplos demais. Isso, por conseguinte, faz com que condutas que não deveriam ser objeto de ocupação por parte do Direito Penal, sejam consideradas criminosas. Neste andar, conclui-se que, não obstante a especialidade do meio ambiente enquanto bem jurídico penalmente tutelado, não se pode olvidar que de Direito Penal se trata e que, portanto, os seus preceitos devem ser respeitados. Dessa forma, ainda que no campo penal ambiental, o Direito Penal não poderá ocupar-se com condutas que, embora formalmente enquadráveis aos tipos penais ambientais, não causem ao meio ambiente nenhum tipo de lesão real ou potencial. Tais circunstâncias devem ser analisadas concretamente, em cada situação específica, e, quando verificado no caso concreto que a conduta cometida não lesionou o bem jurídico ambiental protegido, sendo, pois, irrelevante para a ordem jurídico-penal, cabível deve ser a aplicação do Princípio da Insignificância de molde a afastar a tipicidade material da conduta, excluindo-a da esfera penal. Entende-se, assim, ser possível e justificável a incidência do Princípio da Insignificância também em sede de tutela penal do meio ambiente, sempre de forma fundamentada e respeitando as circunstâncias de cada caso concreto. Tal entendimento encontra forte respaldo na doutrina e na jurisprudência pátrias, sendo raros os posicionamentos que afastam por completo e em qualquer situação a aplicação do preceito. Lembra-se, ainda, que a própria Constituição Federal, no parágrafo 3º do artigo 225, determina que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais”, expondo o entendimento de que somente atividades que efetivamente lesionem o meio ambiente devem ser objeto de repressão criminal. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Desvalor da ação e desvalor do resultado nos crimes culposos de trânsito. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 64, p. 14-15, mar. 1998. _______. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 fev. 1998. CAPELARI JÚNIOR, Osvaldo. Meio ambiente, descabimento de aplicação do princípio da insignificância. 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