A AVALIAÇÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA MENTAL:
DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Lelyane Silva e Luz∗
Arlete Aparecida Bertoldo Miranda∗∗
RESUMO
Este artigo apresenta reflexões sobre uma pesquisa que tem como objetivo compreender a
prática pedagógica utilizada por um (a) professor (a), referente á avaliação do aluno com
deficiência mental em sala de aula do ensino regular e quais os instrumentos utilizados para
avaliar o aluno com deficiência mental. A presente pesquisa encontra-se em desenvolvimento
numa escola estadual da cidade de Uberlândia/MG. Os instrumentos ou procedimentos
metodológicos que priorizamos são a realização de entrevista semi-estruturada e observação
participante em sala de aula, associada com a escrita de notas de campo, com uma abordagem
qualitativa. Considerando a atual situação do atendimento escolar oferecido ao aluno
deficiente mental, torna-se urgente o desenvolvimento de pesquisas e estudos sobre os
diversos aspectos envolvidos neste atendimento, pois só assim poderemos encontrar novas
alternativas para este atendimento para que ele, de fato, promova o desenvolvimento global
deste aluno e o prepare para uma inserção social plena.
Palavras-chave: Avaliação. Deficiência Mental. Inclusão Escolar.
Estudar avaliação é refletir sobre um tema que envolve inúmeras discussões em busca
de condições de aprendizagem que permitam ao aluno, qualquer que seja seu nível, evoluir na
construção de seu conhecimento.
O processo avaliativo está relacionado à relação inclusão-exclusão, de modelos
hegemônicos de relações sociais, práticas pedagógicas e dinâmica escolar. Esteban (2000, p.8)
retrata que o processo de avaliação de resultados escolares dos alunos e alunas está
profundamente marcado pela necessidade de criação de uma nova cultura sobre avaliação, que
ultrapasse limites da técnica e incorpore em sua dinâmica a dimensão ética. Deste modo, fazse necessário desqualificar essa tendência dos instrumentos de avaliação através do excesso
de provas, promovendo um verdadeiro massacre nas instituições escolares.
Embora a prática avaliativa tenha surgido com a finalidade de analisar a aprendizagem
Aluna do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia e do Programa de Iniciação Cientifica
(PIBIC/FAPEMIG/UFU). Email: [email protected].
∗∗
Professora orientadora da pesquisa. Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, docente
na Universidade Federal de Uberlândia. Email: [email protected].
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1
dos alunos na escola, o processo histórico traz consigo uma concepção de avaliação que não
está relacionada com a escola. O termo avaliação surge para camuflar a sua função
controladora, facilitando sua ação.
Deste modo, em busca de novas alternativas, é necessário que se quebre essa
configuração autoritária, classificatória e excludente que possui bases antidemocráticas
substituindo para um modelo democrático e inclusivo.
De todos os aspectos relacionados à prática pedagógica no cotidiano do professor, a
avaliação vem sendo objeto de reflexões e necessita de propostas de renovação em seu âmbito
escolar. A partir dos anos de 1960, os estudos relativos à avaliação da aprendizagem no Brasil
sofreram uma forte influência do pensamento norte-americano de Ralph W. Tyler. Tyler foi
um educador que trabalhou no campo da avaliação influenciando a política subjacente ao
Ensino Fundamental e Médio de 1965.
Em sua obra “Princípios Básicos de Currículo e Ensino” (1983), relata que a sua
concepção de avaliação fundamenta-se em pressupostos do positivismo e tecnicismo. Desse
modo, o avaliador deve medir a mudança de comportamento do aluno de maneira neutra, livre
de julgamentos. Assim, os instrumentos avaliativos devem ter como princípios norteadores a
objetividade, a fidedignidade e a validade, enfatizando os aspectos técnicos da avaliação.
Porém, esta avaliação técnica, capaz de aferir de forma objetiva e neutra continua sendo
concebida por muitos estudiosos. De acordo com Sousa (1994) esta influência norteamericana ainda é marcante no pensamento educacional brasileiro. No entanto, tem-se
caminhado para uma abordagem política da temática buscando-se a formação de novos
referenciais teóricos.
Os estudos sobre a temática em questão, até os anos de 1970, dimensionavam-se
principalmente para orientações de como realizar a avaliação do aluno da forma mais
eficiente. A partir dos anos de 1980 e 1990, as pesquisas trazem uma contribuição
significativa produzindo uma mudança na perspectiva de analise até então adotada pelos
estudiosos buscando a compreensão e a interpretação do cotidiano na escola.
Na perspectiva inclusiva, o processo de avaliação pode representar uma inclusão ou
exclusão de um aluno, principalmente se este for deficiente mental. O trabalho em sala de aula
com o aluno deficiente mental costuma gerar duvidas nos educadores envolvidos, gerando
sentimento de impotência. Ao tratar desse tipo de deficiência, Fierro (2004, p.208) destaca a
importância do respeito e educabilidade de todo ser humano: “deve-se insistir que toda
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pessoa, mesmo afetada por uma deficiência mental profunda, é capaz não apenas de aprender,
mas de adquirir a educação propriamente dita”.
O papel do professor/avaliador é de valorizar o conhecimento que o aluno com
deficiência mental constrói, em sua interação com o mundo. Muitas vezes o aluno não
consegue expressar o que pensa ou sente como gostaria. Em sua prática pedagógica, o
professor precisa acompanhar e interpretar as aprendizagens do seu aluno, compreendendo
seus limites e ampliando suas possibilidades no processo ensino- aprendizagem.
A avaliação precisa estar a serviço da aprendizagem do aluno, da formação, da promoção
da cidadania. É preciso um esforço coletivo para direcionar os caminhos da avaliação
educacional, na direção do seu significado ético de contribuição à evolução da sociedade. As
práticas avaliativas classificatórias excluem o aluno, na medida em que em sua prática está a
classificação.
Com uma abordagem pensando na aprendizagem como objetivo educativo e fomentador
do desenvolvimento, Vygotsky (1988) através dos conceitos de Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP), Interação Social e Mediação, mostra que devemos valorizar as habilidades
do aluno, buscando novas formas e instrumentos avaliativos, substituindo a interpretação de
natureza excludente, propondo uma avaliação como processo que pressupõe inclusão e
multiplicidade.
Muitos profissionais não acreditam no desenvolvimento das crianças com deficiência
mental em sala de aula. Nessa perspectiva, Vygotsky (1997, p. 198) relata em seus estudos
que:
Sob a influência do ponto de vista pessimista sobre as crianças retardadas mentais1
tem lugar geralmente à redução das exigências, o estreitamento notório, a redução dos
limites e fronteiras que coloca a educação destas crianças. Sob a influência deste
ponto de vista, como é natural, surge a tendência a minimizar a aspiração, a reduzir as
tarefas educativas com respeito a estas crianças, até o mínimo possível, e limitar-se ao
mais necessário.
Assim, os instrumentos avaliativos devem ser adequados aos objetivos e finalidades do
ensino e da avaliação. É preciso estar claro que avaliar não é sinônimo de atribuir nota.
Avaliar implica levantar dificuldades, colocando questionamentos para a reflexão do aluno,
apontando caminhos.
1
Vygotsky utiliza na maioria dos seus textos o termo retardo mental, mais utilizado em sua época.
3
Portanto, nos propusemos a compreender este universo avaliativo em busca de possíveis
respostas que possam ser pontos de partida para estudos que abordem avaliação na inclusão
escolar, com um enfoque no aluno com deficiência mental.
METODOLOGIA DA PESQUISA
Iniciamos esta pesquisa, realizando uma revisão bibliográfica apoiada em teses,
artigos e dissertação na Biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), para
verificarmos o estado da arte referente ao estudo.
O presente projeto encontra-se em andamento em uma escola da rede estadual na cidade
de Uberlândia/MG, em uma sala de aula do 4º ano do ensino fundamental, onde os alunos
nesta serie encontram-se com idade entre 9 e 10 anos. Dentre seus projetos, estão o Escola de
Tempo Integral2.
Este trabalho tem como objetivo observar a prática pedagógica utilizada pela
professora em sala de aula, de modo especifico, procuramos verificar quais instrumentos que
a professora utiliza para avaliar o seu aluno (a) com deficiência mental.
Para alcançarmos este objetivo procuramos a Diretora da escola estadual, onde
apresentamos o projeto de pesquisa e também solicitamos a participação da escola no
trabalho. A Diretora considerou a pesquisa interessante e não colocou nenhum impedimento
para participar. Assim como a Diretora, a professora se colocou bastante disponível com a
idéia de participar de uma pesquisa.
Os dados com os quais trabalhamos nesta pesquisa estão sendo construídos a partir de
nossa convivência no dia-a-dia da escola, onde fazemos observações e registramos os dados
em notas de campo. Utilizamos entrevista com a professora, e, ainda tivemos acesso aos
materiais pedagógicos utilizados pela professora.
A sala de aula observada possui dois alunos com deficiência mental com idade
diferentes, sendo André com 9 anos e Luiz com 19 anos.
2
O projeto de Tempo Integral foi implantado nas escolas públicas de Minas Gerais, no ano de 2005. O inicio da
aplicação deste projeto na escola aconteceu no dia 12/04/2008.
4
Alguns dados de Observação na sala de aula
Os resultados iniciais evidenciam que os instrumentos utilizados pela professora
Valéria3 para avaliar André e Luiz, eram os mesmos utilizados com os outros alunos. Como
artefato da avaliação, os exames, provas estruturadas em torno de perguntas no qual o aluno
devia responder, foram realizados no mês de maio e julho, em duplas4 e outras
individualmente. Para a realização desta atividade, Valéria autorizou a pesquisa em livros ou
no caderno.
Segundo ela, é uma oportunidade de aprendizagem, pois os alunos não devem decorar
os conteúdos disciplinares, mas compreendê-los, para que assim o aprendizado aconteça.
Nesse sentido, os estudos de Comenio (1922) revelam que não se deve aprender pela
memória, mas sim sobre o que realmente foi compreendido pela inteligência. E não se deve
exigir da memória mais do que estejamos certos do que a criança sabe.
O exame em si, enquanto instrumento bem utilizado, cumpre funções que podem ser
válidas. No entanto, na maioria das vezes, é utilizado de modo a avaliar se os alunos são bons
memorizadores e receptores.
No cotidiano em sala de aula, a professora também avalia seus alunos em cada atividade
realizada, bem como recortes, colagens, teatros, escrita e leitura, exercícios individuais ou em
duplas por meio da observação. Vale destacar, nesse sentido, que a observação participante e
reflexiva possui seu valor. Para que tenha sentido, o professor precisa documentar esse tipo de
avaliação mediante diários, anotações, sobre os quais seja possível fornecer a informação
conveniente para quem aprende.
Considerando a prática pedagógica da professora Valéria referente à avaliação dos
seus alunos André e Luiz, com deficiência mental, algumas considerações são necessárias
para uma compreensão da realidade encontrada pela pesquisa.
Importante considerarmos a forma como a professora se sobressai no cotidiano
escolar com atividades mecânicas de cópias de pequenos textos retirados dos livros didáticos.
Vale destacar que na prática educativa da professora Valéria não é utilizada uma metodologia
especifica, mas podemos dizer que é uma metodologia muito próxima de um modelo
tradicional. Não foi observado o uso de livros literários, contação de história ou musicas.
Percebemos uma seqüência de atividades repetitivas todos os dias observados. O fato
de, se os alunos André e Luiz realizam ou não as atividades acadêmicas não representa
3
O nome da professora e dos alunos participantes são fictícios para preservar as suas identidades.
5
preocupação para a professora Valéria. Nos momentos avaliativos, consegue estabelecer
critérios que ajudem os seus alunos na realização das atividades propostas nas avaliações. No
entanto, suas concepções influenciam sua prática, estabelecendo um limite para o
desenvolvimento e aprendizado dos alunos.
Outro fator importante constatado no cotidiano desta sala, é que os colegas de André
e Luiz não apresentam atitudes discriminatórias, pelo contrário, gostam de estar com eles
estabelecendo dialogo a todo o momento.
Verificamos que a professora Valéria confunde os conceitos de dificuldade de
aprendizagem com deficiência. Para ela, as crianças que tem dificuldade de aprendizagem são
consideradas deficientes mentais.
Alguns dados da Entrevista com a Professora
1-O projeto tem como objetivo, compreender a sua prática pedagógica, bem como os
instrumentos que a Senhora utiliza para avaliar os alunos André e Luiz. Nesse sentido, quais
os limites e as possibilidades que a Senhora encontra ao avaliá-los?
2-André participa do Projeto de Tempo integral da escola. Deste modo, como a senhora avalia
o desenvolvimento do seu aluno, pois participa de atividades no período matutino e estuda no
período vespertino.
3-Sobre o desenvolvimento de Luiz, como um adolescente de 19 anos está em uma sala do 4o
ano, com crianças entre 9 e 10 anos, e o que senhora pensa a esse respeito?
4-Qual concepção que a senhora possui sobre deficiência mental?
Em entrevista com a professora ela destaca que precisa buscar na pós-graduação
argumentos e estratégias para poder avaliar melhor os seus alunos com deficiência mental.
Conforme Carvalho (1996, p.113), a formação de nossos professores ainda não contempla,
suficientemente, o respeito à diferença, e as matérias do currículo, os estágios e a prática de
ensino são, geralmente, programadas para crianças ditas normais.
Nesse sentido, pretende buscar na Psicopedagogia5 argumentos e concepções sobre as
deficiências. Confessa que muitos dos seus alunos que apresentam dificuldades de
4
A professora escolhe as duplas para que os alunos com deficiência mental não sejam excluídos.
A Psicopedagogia surgiu com o intuito de estudar o comportamento humano voltado para a aprendizagem dos
fatores que levam os indivíduos a desenvolverem a sua aprendizagem e as causas de suas dificuldades
individuais no processo do aprender.
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aprendizagem são deficientes e que deveriam ter um acompanhamento em unidades especiais.
Para Guerra (2001), crianças com dificuldades de aprendizagem não são deficientes,
demonstram apenas dificuldades para aprender. Incapacidades de aprendizagem não devem
ser confundidas com dificuldades de aprendizagem.
Luiz não participa do projeto Tempo Integral da Escola. No entanto, realiza
atividades na Escola Estadual de Educação Especial Novo Horizonte, onde aprende a cozinhar
considerado por ele a melhor atividade desta instituição. Valéria afirma que este tipo de
atividade desenvolve em seu aluno outras habilidades e com isso o seu desenvolvimento na
escola é positivo, pois interage com os outros alunos que consideram sua companhia
agradável. Ela sabe que no próximo ano Luiz estará novamente em sua sala, no entanto o que
mais a impressiona é a vontade em aprender e o respeito que este aluno tem por ela. Neste
momento ela se emociona e acrescenta que para que a inclusão de fato aconteça, é preciso
amor pela profissão, acreditando nas potencialidades dos seus alunos.
Dando continuidade a entrevista, foi perguntado se o projeto Tempo Integral
atrapalha o desenvolvimento de André durante as aulas no período vespertino. Valéria
responde acenando positivamente, acrescentado que ele deveria participar de outros projetos
em espaços não escolares, já que a escola não possui o atendimento educacional especializado
(AEE)6, para que desenvolva outras habilidades. Relata que ele se dispersa muito em sala de
aula e por isso o deixa sair quando pede para beber água ou ir ao banheiro. Embora a Diretora
tenha feito reclamações, ela diz não ter condições de mantê-lo preso em sala de aula. A mãe,
disse à professora que ele faz acompanhamento com psicólogo e psiquiatra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática pedagógica e a avaliação da aprendizagem sempre foram temas recorrentes
nos estudos em educação. Na perspectiva inclusiva e no contexto político educacional, a
avaliação dos alunos com deficiência mental é elemento fundamental para subsidiar sua
aprendizagem e acompanhar o processo de escolarização desses alunos em classes comuns.
O processo de escolarização do aluno com deficiência mental ainda causa
“estranheza”, pois o professor diante de um aluno com deficiência, muitas vezes não sabe
conduzir
e
superar
as
dificuldades
encontradas
no
cotidiano
escolar.
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Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é diferente do currículo do ensino comum e
que é necessário para que possam ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência. Atualmente, acontece nas
escolas da rede municipal de Uberlândia.
7
Contudo, destacamos a importância das práticas avaliativas no processo de inclusão do
aluno com deficiência mental. Em sala de aula, o professor deve acompanhar o progresso no
desenvolvimento e na aprendizagem do aluno deficiente. A ação pedagógica deve resultar em
opções que indiquem à possibilidade de reorganizar situações de aprendizagem que
favoreçam esse processo.
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