Conduta médica na Anemia Aguda Luciana Carlos HEMORRAGIA E MORTALIDADE • A hemorragia severa ou suas consequências está associada a 40% de mortalidade em pacientes com sangramento, sendo a principal causa de morte inesperada em estatísticas mundiais. • Relação entre hemorragia grave e mau prognóstico está bem estabelecida, permanecendo taxa de 50% de mortalidade entre os pacientes que necessitam de transfusão maciça ou que desenvolvem coagulopatia. Curry et al. Critical Care 2011, 15 R92 ABORDAGEM NA ANEMIA AGUDA • Rápida restauração do volume sanguíneo circulante. • Correção e manutenção da hemostasia, da oferta tissular de oxigênio e da pressão coloidosmótica. • Correção das alterações bioquímicas e ácidobásicas. • Diagnóstico e tratamento apropriado da causa da hemorragia. CORRELAÇÃO Hb/Hto E VOLEMIA Perda crônica Normal Hemodiluição Hemoconcentração Hemorragia aguda Hto Normal Volemia Normal Hb Normal Normal Normal OXIGENAÇÃO TECIDUAL Oferta de O2 tecidual = Hb x 1,36 x Saturação x Débito Cardíaco (mL/min) (g/dL) (%) (mL/min) Pressão de O2 no ar inspirado Concentração de Hb Curva de dissociação da Hb Ventilação Relação ventilação/fluxo sanguíneo pulmonar Troca gasosa no pulmão (alvéolo) Retorno venoso Contratilidade cardíaca MECANISMOS FISIOLÓGICOS DE ADAPTAÇÃO À ANEMIA AGUDA • Restauração do volume plasmático: Mobilização de fluidos do extravascular para o intravascular (queda do DC e PA) Mobilização de líquidos do intra para o extracelular • Restauração do débito cardíaco: Ação do SNA (simpático) a partir dos baroreceptores • Compensação circulatória: Vasoconstrição de arteríolas (pele, intestino e músculos) MECANISMOS FISIOLÓGICOS DE ADAPTAÇÃO À ANEMIA AGUDA • Estimulação da ventilação: Estimulação do centro respiratório a partir da acidose metabólica (quimioreceptores) • Mudanças na curva de dissociação da Hemoglobina: Diminuição da afinidade da Hb pelo O2 secundária a acidose metabólica • Reposta hormonal: Ação do ADH, aldosterona, catecolaminas e eritropoietina EFEITOS DA HEMORRAGIA AGUDA HEMORRAGIA AGUDA HIPOVOLEMIA QUEDA DA CONCENTRAÇÃO DE HB DIMINUIÇÃO DO RETORNO VENOSO REDUÇÃO NA CAPACIDADE TOTAL DE TRANSPORTAR O2 DIMINUIÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO REDUÇÃO DA PRESSÃO PARCIAL PULMONAR DE O2 DIMINUIÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO TECIDUAL REDUÇÃO DA SATURAÇÃO DE HEMOGLOBINA CIRCULANTE REDUÇÃO DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO Hb x Saturação x Débito Cardíaco = Oferta de O2 tecidual ABORDAGEM NA ANEMIA AGUDA • Fluidos de reposição intravenosa (colóides ou cristalóides) são a primeira linha de tratamento da hipovolemia. • Plasma nunca deve ser usado como líquido de expansão de volume. • Outras vias de administração (intraóssea, retal ou subcutânea) podem ser utilizadas para administração de fluidos. SOBREVIDA AO CHOQUE HEMORRÁGICO 70 60 50 40 30 20 10 0 Sangue Sangue e plasma Ringer lactato Canizaro et al. Surg Clin North Am 53; 1973 SOLUÇÕES CRISTALÓIDES • Concentração de sódio similar ao plasma. • Se mantém no espaço extracelular em função da impermeabilidade da membrana celular. • Atravessa a membrana capilar saindo do intravascular para o compartimento intersticiallar • Distribuído em todo o compartimento extracelular. • Apenas ¼ do volume infundido permanece no compartimento intra-vascular. SOLUÇÕES CRISTALÓIDES • Em geral são necessárias doses elevadas para aumentar a précarga. • Um litro de salina expande 100-200 ml com uma vida média de 1 hora. • A regra 3x1 pode ser insuficiente podendo chegar a uma relação de substituição de 10x1. • 75% se distribui no espaço extravascular podendo gerar edema. SOLUÇÕES COLÓIDES • Inicialmente tendem a permanecer no compartimento intravascular. • Mimetizam as proteínas plasmáticas mantendo a pressão coloidosmótica do sangue. • Proporcionam maior duração do efeito de expansão de volume em comparação com os cristalóides. • Necessitam da infusão de menores volumes. SOLUÇÕES COLÓIDES TIPO PRODUTOS VANTAGENS DESVANTAGENS Albumina humana soluções a 5% e a 20% Haemaccel Isocel Gelafundin Custo Proteína humana Hipotensão arterial Distúrbio de coagulação Proteínas sintéticas Diminuição da fibronectina derivadas do colágeno Reações anafilafiláticas anafilactóides Transmissão de DCJ Falência renal (altas doses) Dextranas Dextran 70 Dextran 40 Polissacarídeos de origem bacteriana derivados do açúcar da beterraba Redução da viscosidade e agregação plaquetária e aumentam a fibrinólise Interferem na tipagem sanguínea Hidroxietilamidos HES Colóide sintético Diminuem FvW e FVIII Alargam o TAP e reduzem agregação plaquetária Albumina Gelatinas (contém Ca++) CRISTALÓIDES X COLÓIDES The Clinical Use of Blood, OMS, 2004 CRISTALÓIDES X COLÓIDES • Considerar custos, disponibilidade e experiência clínica. • Não foi demonstrado claramente efeito na mortalidade, salvo em alguns estudos que sugerem menor mortalidade em pacientes politraumatizados submetidos a expansão com cristalóides. REPOSIÇÃO DE VOLUME • Lesões penetrantes com indicação para intervenção cirúrgica urgente, em meio urbano, com tempo curto de traslado a reposição agressiva de volume não parece ser a melhor abordagem; • em trauma fechado a reposição maciça de volume pode estar justificada; • no TCE grave não utilizar soluções hipotônicas e preferir soluções hipertônicas, quando possível. MANUSEIO DA HIPOVOLEMIA DE ACORDO COM A RESPOSTA INICIAL À REPOSIÇÃO DE VOLUME Hipovolemia classificada como Classe II ou acima Infundir 20-30 ml/Kg de cristalóide ou 10-20 ml/Kg de colóide Rápida melhora Diminuir infusão de fluidos; solicitar compatibilidade (tx imediata desnecessária); reavaliação periódica e detalhada; tratamento definitivo Melhora transitória Manter admnistração rápida de fluidos; iniciar transfusão sanguínea; reavaliação periódica e detalhada; correção cirúrgica tão logo quanto possível. Sem melhora Administração vigorosa de fluidos; transfusão urgente; correção cirúrgica imediata. Spahn e Rossaint, Coagulopathy and blood component transfusion in trauma, BJA, 95 (2): 130–9 (2005) COAGULOPATIA NO TRAUMA Maegele, Acute Traumatic Coagulopathy in Severe Injury Dtsch Arztebl Int. 2011 COAGULOPATIA NO TRAUMA Spahn e Rossaint, Coagulopathy and blood component transfusion in trauma, BJA, 95 (2): 130–9 (2005) COAGULOPATIA NO TRAUMA • Quando presente é de difícil correção e é um fator independente preditivo de mortalidade. • A manutenção da coagulação plasmática com no mínimo 40% da atividade dos fatores da coagulação com relação ao valor normal e uma contagem de plaquetas nos limites de 50 a 100 x 10E9/l habitualmente sustentam uma hemostasia adequada. • COAGULOPATIA NO TRAUMA Maegele, Acute Traumatic Coagulopathy in Severe Injury Dtsch Arztebl Int. 2011 COAGULOPATIA NO TRAUMA • A hipotermia e acidose mesmo com adequada reposição de fatores da coagulação podem tornar a coagulopatia de difícil controle, mesmo com reposição adequada (tríade letal). • Quando corrigida adequadamente diminui potencialmente a mortalidade em pacientes com trauma severo. COAGULOPATIA NO TRAUMA Spahn e Rossaint Coagulopathy and blood component transfusion in trauma, BJA 95 (2): 130–9 (2005) Riscos associados à transfusão Riscos não infecciosos 100 a 1000 vezes maiores que os riscos não infecciosos da transfusão. AABB Bulletin 01-4, 14 Jun 2001 SEGURANÇA TRANSFUSIONAL Dzik, Hematology 2005, 476-482 ESTIMATIVA DA PERDA INICIAL DE SANGUE E FLUIDOS Classe I Classe II Classe III Classe IV Perda (mL) Até 750 750-1500 1500-2000 >2000 Perda % Até 15% 15 – 30% 30 – 40% >40% Pulso <100 >100 >120 >140 PA Normal Normal Diminuida Diminuida FR 14 - 20 20 - 30 30 - 40 >35 Débito urinário(mL/h) >30 20 - 30 5 - 15 Insignificante Estado mental Leve ansiedade Moderada ansiedade Confusão e ansiedade Confusão e letargia Reposição de fluidos Cristalóide Cristalóide Cristalóide e sangue Cristalóide e sangue American College of Surgeons, 1993 NÍVEL CRÍTICO DE HEMOGLOBINA Não houve alterações na oferta tecidual de oxigênio, no consumo de oxigênio, alterações no lactato plasmático e alterações eletrocardiográficas com esforço em indivíduos saudáveis com hemoglobina <5mg/dl. TRANSFUSÃO MACIÇA (TM) • Administração aguda de volume superior a uma vez e meia a volemia do paciente (o volume sanguíneo é equivalente a 75ml/kg - 10 unidades em um adulto de 75kg). • Reposição de sangue correspondente a uma volemia (75ml/kg), ou superior, em 24 horas (10U a 12U de concentrados de hemácias em um indivíduo adulto). • Reposição equivalente a 50% da volemia corporal de sangue em 3 horas. • Perda de 1,5 ml de sangue por kg/min por pelo menos 20 minutos. TRANSFUSÃO MACIÇA (TM) • A coagulopatia é comum. • Quando presente é de difícil correção. • A manutenção da coagulação plasmática com no mínimo 40% da atividade dos fatores da coagulação do valor normal e uma contagem de plaquetas nos limites de 50 a 100 x 109/l habitualmente sustentam uma hemostasia adequada. • A terapia intensiva e precoce com plasma e plaquetas está relacionada a melhores desfechos. Malone, Hess e Fingerhut (2006) RISCOS NA TM REPOSIÇÃO DE HEMOCOMPONENTES NA TM Spahn e Rossaint, Coagulopathy and blood component transfusion in trauma, BJA, 95 (2): 130–9 (2005) OBJETIVOS DA REPOSIÇÃO DE HEMOCOMPONENTES NA TM MANUSEIO DO PACIENTE NA TM Spahn e Rossaint, Coagulopathy and blood component transfusion in trauma, BJA, 95 (2): 130–9 (2005) CONTROVÉRSIAS • Uso de “sangue total fresco” na abordagem de pacientes com hemorragia grave • Reposição de PFC e CH na proporção de 1:1 USO DE SANGUE TOTAL • A reposição de CH:PFC:CP mesmo na proporção de 1:1:1 não tem a mesma eficácia de reposição do sangue total fresco em virtude das perdas e diluição no momento da produção. • O uso de sangue total fresco (<24 h) acarreta graves problemas de logística em função da disponibilidade desse componente a partir dos serviços de hemoterapia e os problemas de compatibilidade acarretados. Uso parcimonioso dessa nova abordagem até que melhores evidências sejam geradas. Terapia com alta relação PFC:CH parece reduzir significativamente a mortalidade em pacientes em regime de TM. Terapia com alta relação PFC:CH não parece benéfica em pacientes sem coagulopatia pós-trauma Terapia com alta relação PFC:CH parece benéfica em pacientes com características específicas (TASH>15). TRANSFUSÃO EM EMERGÊNCIA • Autorização do médico assistente através da assinatura do termo de responsabilidade disponível nos formulários de solicitação de sangue em uso no hospital. • É obrigatória a conclusão do estudo prétransfusional mesmo após a liberação da bolsa. • O procedimento deve ser interrompido e a bolsa substituída caso seja detectado algum problema de incompatibilidade (risco de 0,5 a 1,5%). Portaria/MS 1353 de 14 de junho de 2012 Identificação do hospital e do paciente Declaro estar ciente dos riscos transfusionais a que possa estar submetendo o(a) Componente e hemoderivado paciente acima referido que solicitados e identificação do se encontra sob minha médico solicitante responsabilidade médica porque as condições clínicas do paciente do Dados paciente não permitem Provas Imunohematológicas aguardar a liberação das provas transfusionais. Bolsas transfundidas Termo para transfusão em urgência PROVAS PRÉ-TRANSFUSIONAIS • Classificação ABO e Rh do paciente • Reclassificação ABO e Rh do hemocomponente (CH) • Pesquisa de Anticorpos Irregulares do paciente (CH) • Identificação de anticorpos irregulares e fenotipagem da unidade para transfusão, se necessário • Prova de Compatibilidade (CH) PROVAS EM TUBO ETIQUETA DE TRANSFUSÃO PAULO SANCHES DE LIMA 201 O P 333333 A N 455667-5 MARIA JOSÉ COMPATÍVEL CH 15/05/2012 INSPEÇÃO DA IDENTIFICAÇÃO PACIENTE/BOLSA Correlacionar dados de identificação e grupo sanguíneo ESCOLHA DO COMPONENTE • CH O: não possui antígenos do sistema ABO. Sem risco de incompatibilidade ABO. Ideal para situações em que não é possível classificar o paciente. • CH isogrupo (A para A, B para B, etc.): Quando há tempo para concluir a classificação sanguínea do paciente antes da liberação da unidade. Nesse caso é fundamental a segurança na identificação do paciente, visto que uma troca de amostra ou de paciente pode acarretar uma reação hemolítica aguda com repercussões muito graves. ESCOLHA DO COMPONENTE • A necessidade transfusional do paciente é avaliada como imediata, a partir de seu quadro clínico e não apenas dos É possível utilizar CH RhD positivo níveis de hematócrito e hemoglobina apresentados. • O paciente não apresenta anti-D. • Com autorização do médico assistente e do hemoterapeuta em pacientes RhD negativos? do hospital. CH Rh POSITIVO PARA PACIENTES RH NEGATIVOS? • Risco de formação de anti-D em 80% dos pacientes sem aloimunização prévia. • Conduta mais segura em pacientes com PAI negativa por desencadeamento de hemólise em pacientes previamente aloimunizados (0,5 a 1,5%). • Evitar ao máximo em mulheres em idade fértil (>50 anos). CUIDADOS BÁSICOS NA TRANSFUSÃO DE EMERGÊNCIA • Identificação correta das unidades de sangue e dos pilotos • Bom acesso venoso • Uso de filtros standard (câmara dupla) • Uso de aquecedores de hemocomponentes • Monitoramento da resposta clínica (inclui testes laboratoriais seriados) • Acompanhamento da transfusão CUIDADOS BÁSICOS NA TRANSFUSÃO DE EMERGÊNCIA