Cultura, Mudança e Aprendizagem
Organizacional
Profesora Dra. Maria Andrea Fernandez
Gestão de Conhecimento e Gestão de Projetos: uma
perspectiva crítica
Aluno: Mário Luis Sampaio Pereira
1
O ambiente geral prevalecente para as organizações, particularmente nas últimas décadas,
é o de transição ininterrupta, de mudanças constantes e de redução crescente da
previsibilidade.
Segundo Valle (2007), a evolução que culminou nesta condição
contemporânea pode ser dividida em quatro eras subseqüentes: a da caça e colheita, cujo foco
eram os recursos naturais para a sobrevivência imediata disponíveis nos arredores; a da
agricultura, que ampliou os limites geográficos da ocupação humana através do plantio e das
colheitas em maior volume; a industrial, da produção seriada de bens de consumo com base
no uso intensivo da “mão-de-obra” e dos recursos financeiros; e a da informação, baseada nas
habilidades mentais que superam as físicas como fator crítico de sucesso individual e coletivo.
Tais características são inerentes ao que Drucker definiu como “sociedade do
conhecimento”, e cujo principal agente é o knowledge worker, responsável por adicionar valor
aos produtos e serviços a partir da aplicação daquilo que Perez Lindo (2005) define como
capital
operativo1,
ativo
que,
aliás,
pertence
ao
profissional
do
conhecimento
independentemente do vínculo empregatício. Ainda segundo Drucker, sua motivação central
compreende o desafio da inovação, a busca intencional por mudanças e suas respectivas
oportunidades; enquanto que sua demanda-chave é por maior autonomia, ansiando
reconhecimento e recompensas proporcionais à adição de valor organizacional gerada por seu
trabalho. Em função desta percepção da importância do conhecimento, as organizações
desenvolvem esforços deliberados para gerir seu capital intelectual, que, conforme Perez
Lindo (2005), corresponde à combinação de ativos imateriais que permitem uma organização
funcionar: conhecimento, informação, propriedade intelectual e experiência; e é formado pelo
capital humano (conhecimento emocional e operativo), pelo capital estrutural (capital
organizacional e tecnológico) e pelo capital relacional (agentes externos e internos).
Por conseguinte, a gestão do conhecimento, ou “a arte de criar valor a partir dos ativos
intangíveis” (SVEIBY, 1997) assume relevância ímpar - afinal, segundo Davenport & Prusak
(1999), as únicas vantagens competitivas que uma empresa tem são o que ela coletivamente
sabe, a eficiência com que usa este ativo, e a prontidão com que adquire e utiliza novos
conhecimentos.
Um dos principais marcos do estudo epistemológico da gestão do
conhecimento organizacional é a abordagem de Michel Polanyi (in HELLER, p.54), na
década de 60, baseada nas definições de que 1) o conhecimento autêntico não é explicável por
1 Refere-se às atitudes dos recursos humanos, capacidades inerentes aos indivíduos e o que põem a serviço da
organização: habilidade, formação técnica, experiência, capacidade para trabalhar em grupo (PEREZ LINDO,
2005).
2
um conjunto de regras articuladas ou de algoritmos; 2) o conhecimento é público, mas
também é pessoal; e 3) todo conhecimento é tácito ou está enraizado no tácito, ou seja, não é
formalmente expresso. Para o autor, há duas dimensões-chave de conhecimento: o focal,
sobre o objeto ou fenômeno observado; e o tácito, utilizado como instrumento ou ferramenta
para melhorar a interpretação do observado - e três mecanismos sociais tácitos prevalecem na
transferência deste conhecimento: a imitação, a identificação e a aprendizagem pela prática.
Já para Nonaka & Takeuchi (1997), as dimensões de conhecimento tácito (não passível
de registro completo formal, subjetivo, da experiência) e explícito (passível de registro
completo formal, objetivo, teórico) são, antes de mais nada, entidades mutuamente
complementares, e não totalmente separadas. Segundo os autores, “o conhecimento humano é
criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento
explícito, num processo contínuo de ‘conversão’ na forma de ‘espiral’ acionada pelas
combinações possíveis entre ambas as dimensões:
• Tácito a tácito (socialização): criação de conhecimento tácito, como modelos mentais
ou habilidades técnicas, a partir do compartilhamento de experiências – liga-se às
teorias dos processos de grupo e da cultura organizacional.
• Explícito a explícito (combinação): criação de conhecimento explícito a partir da
sistematização de conceitos suportada por documentos, reuniões, conversas ao
telefone ou redes de comunicação digital – tem suas raízes no processamento das
informações.
• Tácito a explícito (externalização): conversão do conhecimento tácito em conceitos
explícitos tangíveis e sua integração à cultura da organização através de metáforas,
analogias, conceitos, hipóteses ou modelos - é a atividade essencial na criação do
conhecimento.
•
Explícito a tácito (internalização): processo de incorporação de conhecimento explícito
ao
conhecimento
tácito,
intimamente
relacionada
ao
“aprender
fazendo”,
(aprendizagem organizacional) – quando são internalizadas nas bases do conhecimento
tácito dos indivíduos sob a forma de modelos mentais ou know-how técnico
compartilhado, as experiências através da socialização, externalização e combinação
tornam-se ativos valiosos.
Vale ressaltar também que os autores apresentam
distinções importantes entre empresas ocidentais e japonesas: nas primeiras, a criação
de conhecimento é uma atividade normalmente orientada a objetivos, analisando
3
conjunto de dados mais ou menos estáticos e realizando-se em torno de um trabalho
que tende a ser estático: o projeto, que segundo uma definição clássica, é um
“empreendimento temporário, com o objetivo de gerar um resultado, produto ou
serviço singular” (PMI, 2004).
Já no Japão, a criação do conhecimento se dá em
torno de técnicas dinâmicas, que alimentam a evolução do que tem relevância para o
conhecimento, a partir das dimensões epistemiológica (orientada ao conhecimento);
ontológica (como uma extensão da organização) e do próprio tempo/duração.
Ainda em relação aos esforços de gestão do conhecimento, uma perspectiva evolucionária,
segundo Valhondo (2002), indica que até o final dos anos 70, o esforço era para explicar a
criação, difusão e uso do conhecimento dentro das organizações (Everett, Rogers e Stanford);
em meados da década de 80, já era clara a importância do conhecimento como um recurso
competitivo, embora a maioria das empresas não tivesse desenvolvido estratégias de como
usar o conhecimento, nem como gerenciá-lo. Nesta fase, surgiram os sistemas eletrônicos de
gestão do conhecimento, acompanhados de conceitos como ‘aquisição de conhecimento’,
‘engenharia de conhecimento’ e ‘sistemas baseados em conhecimento’. Já no começo dos
anos 90 as principais consultorias americanas, européias e japonesas usavam programas de
gestão do conhecimento que, de 1991 em diante, converteu-se em termo empresarial. Ainda
no início desta mesma década, graças à popularização do processamento eletrônico de dados
através da microinformática e da viabilização do compartilhamento instantâneo de
informações em escala global através da Internet, as iniciativas de gestão do conhecimento se
disseminaram e se transformaram num importante ramo de negócios para consultorias
internacionais como Accenture, Booz-Allen & Hamilton, Cap Gemini – Ernst & Young e
KPMG. É nesta período, também, que a gestão do conhecimento inaugura sua associação
com abordagens estruturadas como benchmarking, gerenciamento de riscos, de mudanças e de
projetos.
A convergência / interseção entre a gestão do conhecimento e tais técnicas e
ferramentas de administração, em particular o gerenciamento de projetos (a aplicação de
conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas em atividades de projetos a fim de
satisfazer os requisitos do empreendimento), tem impactado a modelagem e o funcionamento
dos arranjos organizacionais, ou capital estrutural. Para fins de planejamento e controle desta
“força de trabalho” das organizações, é possível dividi-la entre rotinas operacionais (suporte
ao cotidiano do negócio) e projetos que são, por excelência, vetores da inovação ou adaptação
4
de portfólio de produtos e serviços. A tabela (Tab.1) a seguir resume as semelhanças e
diferenças entre estes dois componentes-chave:
Tabela 1 – Trabalho nas empresas
Fonte: adaptado de PMI (2004) e Valle (2007)
Finalmente, com base nesta divisão de trabalho, e no foco e relevância conferidos a cada
um dos componentes (rotinas e projetos), as organizações, segundo Prado (2004), podem ser
genericamente classificadas em três dimensões: orientadas para rotina; orientadas para
projetos e híbridas. A tabela (Tab.2) a seguir descreve cada uma delas:
Tabela 2 – Classificação genérica das organizações com base na orientação para rotinas e projetos
Fonte: adaptado de Prado (2004)
Tendo como referência o panorama central descrito anteriormente, é possível estabelecer
uma correlação entre a estruturação do capital intelectual, segundo Perez Lindo (2005); o
5
balanceamento dos esforços de rotinas e projetos nas organizações; e a definição empírica de
organização, representada na figura (Fig.1) abaixo, seguida das respectivas definições:
Definición empírica de organización
CULTURA
ESTRATEGIA
ESTRUCTURA
SISTEMAS
PROJETOS
PROCEDIMIENTOS
TAREAS
OPERACIONES
Figura 1 – Definição Empírica de Organização Fonte : Adaptado de Fernandez (2009, slide #7)
Cultura: “El grupo de normas o maneras de
Estratégia: creación de una posición
Estructura: la suma total de las formas
comportamiento que un grupo de perosnas
única y valiosa que comprende un
en que su trabajo es dividido entre
han desarrollado a lo largo de los años” -
conjunto distinto de actividades” -
distintas tareas y luego es lograda su
John Kotter
Michael Porter (2003)
coordinación entre estas tareas” Henry Mintzberg (1998)
de
Procedimientos: secuencia de tareas
Tareas: “trabajos que se ejecutan en un
procedimientos que prescriben tareas y que
que se realizan generalmente con la
puesto
incluyen información y decisión que a través
participación de varias personas en una
procedimiento
del procesamiento de los elementos que
o
Volpentesta (2004)
surgen de la realización de las tareas
asegurar el manejo uniforme de las
organizacionales, produce la información
transacciones repetitivas” - Lardent
Operaciones:
necesaria para todos los niveles de la
(2006)
completos en si mismos que en
Sistemas:
“conjunto
integrado
más
oficinas,
establecida
para
de
trabajo
dentro
de
un
determinado
”
-
“trabajos
organización y además provee archivos y
conjunto
registros
Volpentesta (2004)
necesarios
para
generar
esa
integran
una
individuales
tarea
”-
información” - Lardent (2006)
Tabela 3 – Definição Empírica de Organização Fonte : Adaptado de Fernandez (2009, slide #7)
6
A articulação entre estes elementos suscita algumas indagações:
o como os projetos podem apoiar a sistematização do conhecimento ao longo das
vertentes “cultura” + “estratégia” -> “estrutura” -> “sistemas” -> “procedimentos” ->
“tarefas” -> “operações” (correspondentes e às “rotinas”)?;
o como o aparato de “automação” e “informatização”; e de “gestão” e “controle” da
informação pode prover suporte efetivo à gestão do capital intelectual?
o como o capital humano pode ser registrado e disseminado? os knowledge workers
também poderão prosperar nas organizações orientadas a rotinas? Os “trabalhadores
industriais” nas organizações híbridas representam uma espécie de knowledge worker
de “2ª.classe”?
A abordagem de gestão por projetos, “quando uma organização visualiza suas principais
demandas como projetos a serem executados e responde a essas demandas se organizando por
projetos” (VALLE, 2007), combinada com as perspectivas de gerenciamento de programas2 e
de portifólio3, preconizadas pelo PMI, pode prover alguma orientação preliminar ao desafio
de combinar as vertentes de “rotinas” e “projetos” nas organizações. A adição da visão da
estratégia organizacional a este conjunto, através de um processo sistemático e deliberado de
planejamento e revisão, pode ampliar este panorama, conectá-lo ao capital relacional4 e
integrar melhor os diversos stakeholders, conferindo-lhes, adicionalmente às suas atividades
tradicionais, responsabilidades típicas de knowledge workers – cabe reforçar, especialmente
em relação ao “trabalhador industrial”, que “rotinas” também demandam intensamente a
criação e o aprimoramento do conhecimento que as suporta, num esforço típico de inovação,
geração e re-uso do conhecimento passíveis, tanto quanto novos produtos, de serem
concebidas e geridas como projetos. O dinamismo inerente à interação entre as vertentes de
conhecimento das “rotinas” e dos “projetos” deve estimular a evolução e a expansão da
espiral do conhecimento, aumentando sua complexidade e riqueza de contexto para, então, dar
lugar a uma fonte de novo conhecimento para a empresa, também ela submetida ao ciclo
2
É um grupo de projetos relacionados, coordenados de forma a obter beneficios e controles difíceis de obter se
fossem gerenciados individualmente. Podem incluir elementos, tais como rotinas operacionais, que não
pertencem ao escopo de nenhum dos projetos (PMI, 2006).
3
É o conjunto de projetos, programas e demais elementos, tais como rotinas operacionais, agrupados para
facilitar o gerenciamente e atingir objetivos estratégicos (PMI, 2006).
4 Refere-se ao valor que tem para uma organização o conjunto de relações que mantém com o exterior e que
podem ter influência em sua gestão competitiva (concorrentes, clientes, fornecedores, administração pública,
organismos nacionais e internacionais). (PEREZ LINDO, 2005).
7
evolutivo da espiral.
A figura (Fig.2) a seguir representa a visão esquemática desta
combinação:
Figura 2-Gestão por Projetos
Fonte: Adaptado de PMI (2006)
Este modelo pode conferir ao capital estrutural um desenho mais orientado à inovação
contínua e à articulação com o capital relacional, bem como facilitar, a princípio, os esforços
de combinação e externalização do conhecimento.
Para este intuito, recursos de
“informatização” e “automatização” adequados (que também podem facilitar a internalização
do conhecimento) devem estar disponíveis, com algumas características e funcionalidades tais
como interfaces intuitivas e mecanismos de registro simples; acessibilidade (“anywhere /
anytime”) e disponibilidade; convergência de mídias, de sorte a permitir registro prático de
filmes e fotos, além de gravações de voz e transcrições documentais tradicionais, cuja
pesquisa e recuperação seja suportada por ferramentas como data mining, sistemas
inteligentes apoiados em padrões, clustering, indexação automática, etc.
Para o suporte à comunicação também devem ser consideradas as ferramentas de videoconferência a fim de mitigar o impacto da distância geográfica no contato face a face –
segundo Davenport & Prusak (1999), “estudos demonstram que os gerentes adquirem dois
8
terços de sua informação e conhecimento em reuniões face a face ou em conversas
telefônicas. Apenas um terço provém de documentos5”.
Em relação à questão crucial do capital humano, base da “geração do capital estrutural
e do capital relacional”, segundo Perez Lindo (2005), deve-se ressaltar que, longe de serem
simples ou imediatos, os esforços deliberados no tratamento deste componente devem estar
comprometidas com sua incorporação no circuito de ampliação da relevância, abrangência,
compartilhamento e disseminação do capital intelectual. Nesta direção, ganha destaque a
abordagem sistêmica de Senge (2005), responsável por levar à gestão do conhecimento o
conceito de “Learning Organization”, organizações cujos empregados são incentivados e
incentivam a desenvolver sistematicamente a capacidade de criar os resultados que realmente
desejam a partir de novas formas de pensar – o modelo mental da empresa como um projeto
comum, viabilizado pelo “aprendizado, desaprendizado e reaprendizado” contínuos, nos
planos individual e coletivo, e a sua tradução para a prática. O tripé motivacional dos
knowledge workers também é considerado na sistematização proposta por Senge (2005):
autonomia com responsabilidade, em um modelo de relações democráticas; desafio da
antecipação ao mercado (cuja definição é compatível com a noção de capital relacional de
Perez Lindo (2005); e o reconhecimento através da recompensa à produtividade e à geração
de conhecimento.
Todo este conjunto de idéias permite reiterar a importância atribuída à geração, à
apropriação, à prática e ao estímulo contínuo do aprimoramento do conhecimento em um
ciclo de gestão que deve ser capaz de harmonizar a contribuição individual e a coletiva dentro
de organizações constantemente confrontadas com crescentes níveis de exigência e
concorrência. As demandas dos knowledge workers por mais autonomia e reconhecimento,
em certa medida, correspondem à ampliação contínua da demanda por mais consciência
social, ético-comportamental e ecológica, numa combinação desafiadora que forma e
reconfigura constantemente ambientes internos e mercados cada vez mais interligados e com
menos obstáculos à transação não só de produtos ou serviços tangíveis, mas de idéias,
informações e, em última análise, do próprio conhecimento organizacional.
5
Para HELER (2007:65) a organização deve converter conhecimento tácito em explicito usando como
instrumentos as entrevistas, estudos de caso, análise de protocolos, simulações, observações, dentre outros
9
3) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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