UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO SÉRGIO DESTÁCIO FARO OS CONHECIMENTOS SUPOSTOS DISPONÍVEIS NA TRANSIÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E O ENSINO SUPERIOR: O CASO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA UNIBAN SÃO PAULO 2010 UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA SÉRGIO DESTÁCIO FARO OS CONHECIMENTOS SUPOSTOS DISPONÍVEIS NA TRANSIÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E O ENSINO SUPERIOR: O CASO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES Dissertação submetida à banca examinadora da Universidade Bandeirante de São Paulo, como exigência para defesa de dissertação para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática, sob a orientação da Professora Doutora Marlene Alves Dias. UNIBAN SÃO PAULO 2010 i F251c.Faro, Sérgio Destácio Os conhecimentos supostos disponíveis na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior: o caso da noção de sistemas de equações lineares. / Sérgio Destácio Faro. São Paulo: [s.n.], 2010. 224 f. il. ; 30 cm. Dissertação de Mestrado para a obtenção do Título de Mestre em Educação Matemática. Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo. Orientadora: Professora Dra. Marlene Alves Dias 1. Sistemas de equações lineares oficiais 4. Álgebra Linear 2. Níveis de conhecimentos 3. Documentos 5. Quadros 6. Ostensivos e não ostensivos 7. Educação Matemática. I. Título CDD: 372.7 ii SÉRGIO DESTÁCIO FARO OS CONHECIMENTOS SUPOSTOS DISPONÍVEIS NA TRANSIÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E O ENSINO SUPERIOR: O CASO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES DISSERTAÇÃO APRESENTADA A UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO COMO EXIGÊNCIA DO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Presidente e Orientador Nome:____________________________________________________ Titulação:__________________________________________________ Instituição:_________________________________________________ Assinatura:_________________________________________________ 2ª Examinador Nome:____________________________________________________ Titulação:__________________________________________________ Instituição:_________________________________________________ Assinatura:_________________________________________________ 3ª Examinador Nome:____________________________________________________ Titulação:__________________________________________________ Instituição:_________________________________________________ Assinatura:_________________________________________________ Biblioteca Bibliotecário:_______________________________________________ Assinatura:________________________________ DATA ___/___/___ . São Paulo, ___ de __________ de iii Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura:________________________________ Local e Data:___________________ iv À minha família que sempre esteve presente, compreensão decisivos. oferecendo nos amor momentos e mais v AGRADECIMENTOS À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo, pela condução do curso. À Professora Doutora Marlene Alves Dias., pela paciência e dedicação com que me orientou e acompanhou neste processo de pesquisa. O apoio que dela recebi foi fundamental para todo o processo de elaboração desta dissertação. A todos os professores do programa que, direta ou indiretamente, influenciaram no trabalho de pesquisa; assim como todos os colegas com os quais compartilhei de experiências e sentimentos. Ao primo e jornalista Mauro Celso Destácio, por sua dedicação e cuidado na revisão deste trabalho. Aos Professores Doutores Luiz Gonzaga Xavier de Barros e Maria Tereza Carneiro Soares por aceitarem o convite para participarem da banca examinadora deste trabalho e poder contar com suas contribuições valiosas. vi ...E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta, Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta, E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida... ÁLVARO DE CAMPOS (FERNANDO PESSOA) vii RESUMO FARO, S.D. Os conhecimentos supostos disponíveis na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior: o caso da noção de sistemas de equações lineares. 2010. 224 f. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Universidade Bandeirante de São Paulo, São Paulo, 2010. Neste trabalho estudam-se alguns aspectos relevantes na transição entre o Ensino Médio e Superior, quando se considera a noção de sistemas de equações lineares. Mais precisamente, analisam-se os conhecimentos supostos mobilizáveis ou disponíveis pelos estudantes quando ingressam no Ensino Superior. Escolhe-se estudar a noção de sistemas de equações lineares, por se tratar de uma noção que se articula com outras noções da própria matemática ou de outras ciências, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior. Trata-se de uma pesquisa documental em que se analisam as relações institucionais esperadas, as relações institucionais existentes e as relações pessoais esperadas dos estudantes. Esse estudo é feito via documentos oficiais, livros didáticos e caderno da nova proposta do Estado de São Paulo e macroavaliações, respectivamente. Para isso, constrói-se uma grade de análise para melhor identificar os diferentes tipos de tarefas e técnicas desenvolvidas e as tecnologias e teorias necessárias, tanto no Ensino Médio como no Superior. Assim, foi possível verificar que existem problemas de coerência entre relações pessoais e institucionais para o Ensino Médio que são consideradas pelo Ensino Superior e que permitem afirmar que os estudantes dos cursos de Matemática que terminam o Ensino Superior dispõem dos conhecimentos prévios necessários, sobre a noção de sistemas de equações lineares, para ter sucesso na macroavaliação de final de curso uma vez que os mesmos são desenvolvidos no Ensino Médio e revisitados, em particular, nas disciplinas de Geometria Analítica e Álgebra Linear no Ensino Superior. Palavras-chave: Sistemas de equações lineares, tipos de tarefas, níveis de conhecimentos, documentos oficiais, Álgebra Linear, quadros, Educação Matemática. viii ABSTRACT FARO, S.D. The supposed knowledge availabe in the transition between the Medium Education and the Higher Educations levels: the case of the notion of systems of liner equations. 2010. 224f. Master’s Dissertation – Post-Graduation Program in Mathematical Education, Universidade Bandeirante de São Paulo, São Paulo, 2010. This work studies a few relevant aspects of the transition between the Medium and the Higher Education levels, when the notion of systems of linear equations is taken into consideration. More precisely, analyses the knowledge considered mobilizable or available by the students when they get into Higher Education. The notion of systems of linear equations is what is chosen to be studied in this research, due to the fact that it is a notion that articulates with other notions of the mathematics itself or the ones of other sciences, both in the Medium and in the Higher Education levels. It’s a documental research in which the expected institutional relationships available for the Medium Education level are analyzed through the National Curricular Parameters and school books and the brochure of the New Proposal of the State of São Paulo respectively. Therefore, an analysis screen is created for a better identification of the different types of tasks developed both in the Medium and in the Higher Education levels, which allowed us to notice the existence of problems of coherence between personal and institutional relationships for the Medium Education level which are taken into consideration by the Higher Education one and that allow us to state that the students enrolled in the Mathematic courses, who have accomplished the Higher Education level, have acquired the previous knowledge of systems of linear equations required for their being successful in their end-of-course macro-evaluation, once such knowledge is developed during the Medium Education level and particularly recalled in the subjects of Analytical Geometry and Linear Algebra in the Higher Education level. Key words: Systems of linear equations, type of tasks, knowledge levels, official documents, linear Algebra, frames, Mathematical Education. ix LISTA DE ABREVIATURAS CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior COFECUB Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil CONAES Comissão de Avaliação da Educação Superior DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio EF Ensino Fundamental EM Ensino Médio ENADE Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ES Ensino Superior FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação e Cultura do Brasil N Conjunto dos Números Naturais PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PCN+ Parâmetro Curricular Nacional para o Ensino Médio (complementar) PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PNLD Plano Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação e Cultura do Brasil PNLEM Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio Q Conjunto dos Números Racionais Relativos R Conjunto dos Números Reais SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior x TAD Teoria Antropológica do Didático UNIBAN Universidade Bandeirante (de São Paulo) UNICAMP Universidade Estadual de Campinas Z Conjunto dos Números Inteiros Relativos xi LISTA DE FIGURAS pág Figura 1 Exemplo de nível de conhecimento técnico 44 Figura 2 Exemplo de nível de conhecimento mobilizável 44 Figura 3 Exemplo de nível de conhecimento mobilizável 45 Figura 4 Exemplo de nível de conhecimento disponível 46 Figura 5 Exemplo de nível de conhecimento disponível 47 Figura 6 Exemplo de aplicação de sistemas lineares 2x2. 49 Figura 7 Exemplo de aplicação de sistemas lineares 2x2 50 Figura 8 Exemplo de aplicação de sistemas lineares 2x2 51 Figura 9 Tarefa para identificação de solução em diferentes quadros 52 Figura 10 Representações de retas e planos em R³: diferentes pontos de vista 58 Figura 11 Exemplo de quadro numérico 77 Figura 12 Exemplo de quadro algébrico 79 Figura 13 Sistema linear 3 x 2 80 Figura 14 Exemplo de quadro geométrico 80 Figura 15 Ostensivo (Exemplos de representação explícita de sistemas de equações lineares 2x2) 82 Figura 16 Ostensivo (Representação explícita de sistemas de equações lineares 3x3) 82 Figura 17 Ostensivo (Representação explícita de sistemas de equações lineares mxn) 82 Figura 18 Ostensivo (Representação matricial de um sistema de equações lineares) 83 Figura 19 Ostensivo (Representação de conjuntos-solução de sistemas lineares) 83 Figura 20 Ostensivo (Discussão e classificação de sistemas lineares) 84 Figura 21 Ostensivo (Método do “escalonamento” de sistema e de matrizes) 84 Figura 22 Ostensivo (Método do “escalonamento” de sistema e de matrizes) 85 Figura 23 Ostensivo (Regra de Cramer, matrizes e determinantes) 86 Figura 24 Ostensivo (Representação em língua natural) 86 Figura 25 Ostensivo (Representação algébrica simbólica explícita) 86 Figura 26 Ostensivo(Representação cartesiano ortogonal) Figura 27 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 87 Figura 28 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 87 Figura 29 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 88 Figura 30 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 88 geométrica de equações em um sistema 87 xii Figura 31 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 88 Figura 32 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 88 Figura 33 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 89 Figura 34 Ostensivo (Representação geométrica de três planos no espaço) 89 Figura 35 Ponto de vista geométrico (plano IR2) 91 Figura 36 Ponto de vista geométrico (no espaço IR3) 91 Figura 37 Tarefa referente ao nível técnico 92 Figura 38 Tarefa referente ao nível mobilizável 95 Figura 39 Tarefa referente ao nível disponível 95 Figura 40 Tarefa referente ao nível disponível 97 Figura 41 Tarefa referente ao nível disponível 98 Figura 42 Exemplos da tarefa 1 103 Figura 43 Exemplo da tarefa 2 104 Figura 44 Exemplos da tarefa 2 104 Figura 45 Exemplo da tarefa 2 106 Figura 46 Exemplo da tarefa 2 106 Figura 47 Exemplo da tarefa 2 107 Figura 48 Exemplo da tarefa 2 107 Figura 49 Exemplo da tarefa 2 108 Figura 50 Exemplo da tarefa 2 109 Figura 51 Exemplo da tarefa 3 111 Figura 52 Exemplo da tarefa 3 111 Figura 53 Exemplo da tarefa 3 112 Figura 54 Exemplo da tarefa 4 113 Figura 55 Exemplos da tarefa 4 115 Figura 56 Exemplo da tarefa 5 117 Figura 57 Exemplo da tarefa 6 118 Figura 58 Exemplo da tarefa 7 119 Figura 59 Solução da tarefa da figura 57 120 Figura 60 Exemplo da tarefa 8 121 Figura 61 Exemplo da tarefa 8 122 Figura 62 Exemplos de pares e ternos ordenados 130 xiii Figura 63 Noção de equações lineares 138 Figura 64 Situação contextualizada: Sistema linear 2x2 139 Figura 65 Equivalência de dois sistemas lineares 141 Figura 66 Etapas do escalonamento 146 Figura 67 Observações sobre escalonamento 147 Figura 68 Afirmações equivalentes sobre matrizes 155 Figura 69 Determinação de consistência por eliminação 156 Figura 70 Teorema sobre afirmações equivalentes 157 Figura 71 Propriedades de vetores em IR Figura 72 Método da Eliminação 161 Figura 73 Procedimentos de resolução de sistema Ax=b 163 Figura 74 Questão da 1ª Tarefa 171 Figura 75 Resposta esperada da questão da figura 73 171 Figura 76 Questão da 2ª Tarefa 172 Figura 77 Resposta esperada da questão da figura 75 172 Figura 78 Questão da 3ª Tarefa 173 Figura 79 Resposta esperada da questão da figura 77 173 Figura 80 Questão da 1ª Tarefa 174 Figura 81 Resposta esperada da questão da figura 79 174 Figura 82 Resposta acima da média / questão da figura 79 175 Figura 83 Questão da 2ª Tarefa 176 Figura 84 Resposta esperada da questão da figura 82 176 Figura 85 Resposta esperada da questão da figura 82 177 Figura 86 Resposta esperada da questão da figura 82 178 Figura 87 Questão da 3ª Tarefa 179 Figura 88 Resposta esperada da questão da figura 86 179 Figura 89 Questão da 4ª Tarefa 179 Figura 90 Resposta esperada da questão da figura 88 181 Figura 91 Questão da 1ª Tarefa 182 Figura 92 Resposta esperada da questão da figura 90 183 Figura 93 Questão da 1ª Tarefa 184 Figura 94 Resposta esperada da questão da figura 92 184 n 158 xiv Figura 95 Questão da 2ª Tarefa 185 Figura 96 Resposta esperada da questão da figura 94 186 Figura 97 Resposta esperada da questão da figura 94 186 Figura 98 Questão da 1ª Tarefa 187 Figura 99 Resposta esperada da questão da figura 97 188 Figura 100 Questão da 2ª Tarefa 189 Figura 101 Resposta esperada da questão da figura 99 189 Figura 102 Questão da 3ª Tarefa 190 Figura 103 Resposta esperada da questão da figura 101 191 Figura 104 Questão da 1ª Tarefa 193 Figura 105 Resposta esperada da questão da figura 103 194 Figura 106 Resposta acima da média / questão da figura 103 195 Figura 107 Questão da 2ª Tarefa 196 Figura 108 Resposta esperada da questão da figura 106 196 Figura 109 Questão da 3ª Tarefa 197 Figura 110 Resposta esperada da questão da figura 108 197 Figura 111 Questão de situação contextualizada 200 Figura 112 Questão de situação de contexto extramatemático 203 Figura 113 Questão de sistema linear explícito 204 xv LISTA DE QUADROS pág. Quadro 1 Questionamentos iniciais da pesquisa 31 Quadro 2 Obras do Ensino Médio escolhidas para análise 34 Quadro 3 Obras do Ensino Superior escolhidas para análise 34 Quadro 4 Questões que orientam a organização da análise 127 Quadro 5 Possibilidades de um sistema 2 x 2. Fonte: Dante, 2008, p. 254 132 Quadro 6 Questionamentos iniciais da pesquisa 206 Quadro 7 Questões que orientam a organização da análise 208 xvi LISTA DE TABELAS pág. Tabela 1 Nove tarefas comumente encontradas no Ensino Médio e/ou no Ensino Superior. 101 Tabela 2 Obras didáticas analisadas na pesquisa. 125 Tabela 3 Nove tarefas comumente encontradas no Ensino Médio e/ou no Ensino Superior. 128 Tabela 4 Obras didáticas do Ensino Médio analisadas na pesquisa. 129 Tabela 5 Tarefas desenvolvidas na obra de Dante (2008). 135 Tabela 6 Tarefas desenvolvidas na obra de Smole e Diniz (2006). 142 Tabela 7 Tarefas desenvolvidas na obra de Iezzi e Hazzan (1993). 148 Tabela 8 Tarefas desenvolvidas no Caderno do Aluno – Ensino Médio – 2ª Série – Volume 2 (2009) da Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo. 151 Tabela 9 Obras didáticas do Ensino Superior investigadas na pesquisa. 153 Tabela 10 Tarefas desenvolvidas na obra de Anton e Rorres (2001). 159 Tabela 11 Tarefas desenvolvidas na obra de Kolman e Hill (2006). 164 xvii SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................ 20 Capítulo 1: Problemática, objetivo e metodologia da pesquisa 24 Trajetória e contexto da pesquisa................................................................ 24 Problemática da pesquisa ............................................................................ 29 Objetivos da pesquisa................................................................................... 31 Metodologia da pesquisa .............................................................................. 33 Capítulo 2: Referencial teórico 37 Considerações iniciais sobre o capítulo ....................................................... 37 Níveis de conhecimento esperados dos estudantes - Aline Robert.............. 38 Noção de Quadros e mudanças de quadros – Régine Douady.................... Ostensivos e não ostensivos - Bosh e Chevallard........................................ Noção de ponto de vista- Marc Rogalski....................................................... Considerações finais sobre o capítulo .......................................................... Capítulo 3: Topos do professor e do estudante via documentos oficiais 47 53 54 59 60 Considerações iniciais sobre o capítulo ....................................................... 60 Contexto Histórico ........................................................................................ 61 Orientações Curriculares para o Ensino Médio ( 2006)................................ 65 A Proposta Curricular para o Ensino de Matemática no nível Ensino Médio do Estado de São Paulo................................................................................ 71 Considerações finais sobre o capítulo........................................................... 74 xviii Capítulo 4: Os tipos de tarefas usuais para o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior 76 Considerações iniciais sobre o capítulo ....................................................... 76 Possíveis quadros em que a noção de Sistemas Lineares pode ser trabalhada.................................................................................................. 77 Possíveis não ostensivos e ostensivos que podem ser trabalhados com os estudantes no desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares na transição Ensino Médio e Ensino Superior............. Pontos de vista possíveis para o desenvolvimento da noção de 81 sistemas lineares na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior..................................................................................................... Níveis de conhecimento esperados dos estudantes para 90 o desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares na transição entre Ensino Médio e Ensino Superior...................................... 92 A Grade de Análise....................................................................................... 99 Exemplos de Funcionamento da Grade........................................................ 102 Considerações finais sobre o capítulo.......................................................... 123 Capítulo 5: Análise das relações institucionais existentes 124 Considerações iniciais sobre o capítulo ....................................................... 124 Organização da Análise .............................................................................. 127 A análise do “topos” do professor e do estudante nas tarefas apresentadas............................................................................................. 128 A análise das obras....................................................................................... A análise da obra de Dante (2008) .......................................................... A análise da obra de Smole e Diniz (2006)............................................... A análise da obra de Iezzi e Hazzan (1993)............................................. A análise do Caderno do Aluno-Ensino Médio-2ª série-v. 2 (2009) da 129 129 137 144 Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo............................ 150 xix A análise da obra de Anton e Rorres (2001)............................................. 153 A análise da obra de Kolman e Hill (2006)................................................ 161 Considerações finais sobre o capítulo........................................................... 165 Capítulo 6: Análise das relações pessoais esperadas dos estudantes 169 Introdução ..................................................................................................... 169 .As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP........................................ 170 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2005............................ 171 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2006............................ 174 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2007............................ 182 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2008............................ 184 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2009............................ 187 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2010............................ 193 As tarefas sobre sistemas de equações lineares do ENADE........................ 198 Análise e Comentários das tarefas sobre sistemas lineares de 2005....... 199 Análise e Comentários das tarefas sobre sistemas lineares de 2008....... 202 Considerações finais sobre o capítulo ......................................................... 205 Considerações finais e perspectivas futuras ................................................... 206 Referências bibliográficas .................................................................................. 214 20 INTRODUÇÃO Algumas noções matemáticas são extremamente importantes para a formação dos estudantes em geral e em particular para aqueles que escolhem os cursos em que essas noções predominam. Os sistemas de equações lineares são abordados inicialmente no segmento Fundamental II, revisitados e aprofundados no Médio e supostamente retomados e estendidos em termos de grau de dificuldade no Superior. No entanto, constata-se que os estudantes encontram muitas dificuldades para avançar nas diferentes etapas de escolaridade. Assim sendo, a noção de sistemas de equações lineares foi escolhida para que se possa entender melhor a transição do Ensino Médio para o Ensino Superior, considerando esta noção. Identificar as diferentes formas de tratamento de uma determinada noção pode auxiliar a compreender as dificuldades, empecilhos e bloqueios que surgem durante o processo de aprendizagem, pois permite que se tenha uma visão mais abrangente das possíveis variáveis que influenciam nesse processo. O trabalho de pesquisa foi motivado pela busca de respostas para vários questionamentos feitos. No capítulo 1, todos os questionamentos são apresentados. Resumidamente, pode-se dizer que, na sua essência, o grande anseio é pela compreensão da transição do Ensino Médio para o Ensino Superior quando é considerada a noção de sistemas lineares. Como se dá esse processo? O que dizem os documentos oficiais, relacionados ao processo de ensino e aprendizagem dessa noção? Como os livros didáticos apresentam essas noções? Qual é o papel do estudante ou como deveria ser; da mesma forma o do professor? Quando o estudante ingressa no Ensino Superior, quais os conhecimentos prévios que supostamente são considerados? E para compreender melhor essa transição em particular, escolhe-se fazer uma pesquisa documental, analisando documentos oficiais, livros didáticos, o “Caderno da Nova Proposta para o Estado de São Paulo” e macroavaliações. 20 21 No capítulo 1 é apresentada minha trajetória mostrando aquilo que de fato foi relevante, desde a formação como estudante até meu caminho profissional e como educador sempre ávido pelo processo de aprendizagem. Feito isso, é colocado em que contexto esta pesquisa surge, seus objetivos, problemática, bem como a metodologia empregada. O intuito do primeiro capítulo é deixar claro o propósito deste trabalho. No capítulo 2, busca-se fundamentar teoricamente esta pesquisa. Para tanto, escolhe-se como referencial teórico central a abordagem em termos de níveis de conhecimento esperados dos estudantes conforme definição de Robert (Robert, 1997), que permite compreender melhor as possíveis articulações de quadros conforme definição de Douady (Douady, 1984, 1992); os ostensivos de representação necessários para a manipulação dos não ostensivos que são evocados nas diferentes tarefas que compõem as relações institucionais existentes e, consequentemente, podem corresponder às relações pessoais desenvolvidas pelos estudantes que a elas se submetem. No capítulo 3, faz-se uma abordagem sobre os “topos” do professor e do estudante, via documentos oficiais. Para isso, foram considerados a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (BRASIL, 2002) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006). Visando melhorar a compreensão do processo de ensino e aprendizagem e o papel que professor e estudante devem desempenhar nesse processo, escolhe-se a noção de “topos” introduzida por Chevallard (1997), que permite analisar o que se espera do professor e do estudante, tanto em relação aos conhecimentos que devem ser disponíveis quando se introduz novo conceito matemático, como as atividades e atitudes envolvidas. Feitas as abordagens sobre os topos do professor e dos estudantes via documentos oficiais, que mostram a importância do trabalho do professor como mediador que possibilite uma formação de um estudante autônomo que seja responsável pelo seu próprio desenvolvimento. No capítulo 4, busca-se identificar os tipos de tarefas trabalhadas na transição 21 22 entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, quando se considera a noção de sistemas de equações lineares. Primeiramente, faz-se uma apresentação das ferramentas didáticas de análise utilizadas, com respectivos exemplos; na sequência, apresenta-se a grade de análise identificando as tarefas usuais para o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares nessa transição. Considerando essas tarefas, por meio de exemplos aplica-se a grade que auxilia a melhor compreender o nível de conhecimento esperado dos estudantes dessas etapas escolares, em função dos quadros em que as tarefas podem ser resolvidas, dos ostensivos manipulados nas diferentes técnicas associadas a esses quadros e dos não ostensivos que as descrevem, justificam e permitem controlar os resultados encontrados, assim como dos diferentes pontos de vista em jogo que possibilitam a articulação de diferentes quadros em função das escolhas de abordagem. A seguir, nos capítulos 5 e 6, busca-se fazer uma análise, respectivamente, das relações institucionais existentes (livros didáticos para os Ensinos Médio e Superior) e das relações pessoais esperadas dos estudantes por meio das macroavaliações escolhidas, a saber: UNICAMP (transição entre Ensino Médio e Ensino Superior) e ENADE (Ensino Superior). Estudam-se, por meio dos livros didáticos, quais as possibilidades de intervenção e expectativas apresentadas nos documentos analisados. Para isso, escolhe-se um total de cinco livros didáticos, sendo três indicados para o Ensino Médio e dois livros de Álgebra Linear para o Ensino Superior, além do Caderno do Aluno da Nova Proposta do Estado de São Paulo, que corresponde à expectativa institucional de trabalho com os estudantes do Ensino Médio das escolas públicas de São Paulo. Após escolher os livros e justificar a seleção, inicia-se a análise desse material, tomando como base a fundamentação teórica explicitada no capítulo 2 e da grade de análise construída para esse fim. O objetivo dessas análises é verificar se as relações pessoais esperadas estão em conformidade com as relações institucionais esperadas e existentes e se elas podem ser desenvolvidas considerando o nível de conhecimento identificado por meio 22 23 das tarefas usuais apresentadas no capítulo 4, ou seja, se é possível considerar os conhecimentos que se supõe tenham sido adquiridos no Ensino Médio como conhecimentos prévios pelo menos mobilizáveis quando se introduzem novas noções onde esses servem, em geral, de ferramentas explícitas. Portanto, verificar se existe coerência entre as relações institucionais existentes analisadas via alguns livros didáticos e as relações pessoais esperadas dos estudantes em uma macroavaliação destinada à entrada na universidade e outra para os egressos dos cursos de Matemática do Ensino Superior é importante para a compreensão da transição entre o Ensino Médio e o Superior, quando se consideram a noção de sistemas de equações lineares e algumas de suas possíveis aplicações. É importante observar que os resultados encontrados apontam que a noção de sistemas de equações lineares da forma como é proposta para ser desenvolvida no Ensino Médio possibilita a articulação entre os quadros algébrico e geométrico e privilegia o método de Gauss para determinar a solução desses sistemas e estudar as possibilidades de solução, ou seja, esses conhecimentos podem ser considerados como a base tecnológica para o desenvolvimento da teoria dos espaços vetoriais de IRn e, consequentemente, da articulação de pontos de vista cartesiano e paramétrico no ensino da Álgebra Linear. Acredita-se que de fato este trabalho de pesquisa possa trazer contribuições significativas para a pesquisa sobre sistemas de equações lineares, auxiliando docentes e estudantes para uma visão mais abrangente sobre o tema em questão, compreendendo a dimensão teórica que descreve, justifica e controla as tecnologias possíveis de por sua vez descrever, justificar e controlar as técnicas apresentadas que certamente dependem das escolhas de abordagem que estão associadas aos possíveis quadros de trabalho. Observa-se ainda que as análises e comentários são restritos aos documentos escolhidos para desenvolver a pesquisa, mas esses correspondem ao trabalho habitual que ocorre nas escolas brasileiras. É preciso lembrar, porém, que existem ainda outras relações institucionais que dependem da forma de desenvolvimento do curso dos professores e da autonomia dos estudantes. 23 24 CAPÍTULO 1 PROBLEMÁTICA, OBJETIVO E METODOLOGIA DA PESQUISA 1.1. Trajetória e contexto da pesquisa A trajetória que percorri, tanto no aspecto acadêmico como no profissional, está inserida quase que exclusivamente na área das Ciências Exatas, em particular, nos domínios da Física e da Matemática, embora também aprecie as Ciências Humanas e as Ciências Biológicas. Concluí o Ensino Médio regular e na mesma escola complementei com algumas disciplinas técnicas o curso, adquirindo habilitação profissionalizante básica – Setor Terciário. Em 1982, iniciei o bacharelado em Ciências Exatas com Habilitação em Física, nas Faculdades Oswaldo Cruz, e no ano seguinte comecei minhas atividades no magistério nas disciplinas de Matemática e Desenho Geométrico. Em paralelo lecionava Inglês na Escola “Active Center of English”, em que passei mais de uma década estudando, aprendendo e ensinando o idioma. A partir de 1986, comecei a lecionar Matemática e Física para o Ensino Médio regular e cursos técnicos como Radiologia Médica e Auxiliar de Enfermagem. Em 2002, iniciei o curso de Pós-graduação Lato-Sensu em História da Ciência e Ensino da Física, tendo apresentado a monografia “O Ensino da Física na formação dos técnicos em Radiologia Médica”, ou seja, minha formação mais especifica é em Física. Neste período, trabalhei como professor de Física no Centro de Ensino Método de Radiologia Médica, o que facilitou a escolha e coleta de dados para a monografia acima mencionada. Em 2004, fiz a equivalência à licenciatura em Matemática nas Faculdades Oswaldo Cruz, o que me permitiu iniciar o percurso acadêmico universitário, pois leciono disciplinas relacionadas à Matemática e à Física na UNIBAN, o que possibilitou 24 25 iniciar o mestrado em Educação Matemática em 2008. Em função da minha formação e trajetória profissional, tanto no Ensino Médio como no Superior, intercalando disciplinas de Física e Matemática, meu interesse é encontrar meio de justificar o trabalho que vinha realizando, ou seja, procurar usar os conhecimentos prévios dos estudantes ao introduzir uma nova noção. Em geral, propunha uma tarefa e identificava os conhecimentos que os estudantes utilizavam para resolvê-la; em seguida, discutíamos as diferentes soluções e a partir desses resultados introduzia um novo conhecimento apoiado nos conhecimentos prévios dos estudantes. Nesse momento, observei que os conhecimentos apresentados por um mesmo grupo de estudantes eram bastante heterogêneos e me interessei em saber como trabalhar com isso e qual a melhor forma para considerá-los e articulá-los. Certamente, não é possível desenvolver um trabalho que leve em conta todas as noções, sendo assim, escolhi pesquisar sobre a noção de sistemas de equações lineares, por se tratar de uma noção que é trabalhada nos Ensinos Fundamental e Médio e volta a ser desenvolvida ainda como objeto matemático no Ensino Superior. Além de ser utilizada como ferramenta para a modelagem e resolução de problemas de outras disciplinas ou mesmo de situações cotidianas e contextualizadas, permitindo aos estudantes que dispõem desses conhecimentos aplicá-los de forma autônoma, sem que para isso seja necessária qualquer referência. Uma vez determinado meu interesse e o objeto matemático que gostaria de estudar, em reunião com o grupo de estudantes para a apresentação dos projetos dos professores do Programa de Pós-Graduação nos apresentaram o projeto CAPESCOFECUB e me identifiquei com a proposta do eixo que trata da transição entre o Ensino Médio e Superior, pois vinha ao encontro das minhas expectativas. Dessa forma, meu projeto de pesquisa está associado a um projeto maior, que é o da cooperação CAPES-COFECUB, cujo tema geral é “Estudo do professor e de sua atividade no ensino da Matemática: concepções e recursos em e para sua atuação profissional” e cujo objetivo é estudar o professor e sua atividade na sala de aula de Matemática e a concepção e apropriação pelo professor de fontes pedagógicas digitais. 25 26 A proposta é de desenvolver um estudo comparado entre o Brasil e a França, que é trabalhado em quatro eixos, a saber: 1. Representações sociais de professores e seus impactos sobre as práticas docentes; 2. Decisões didáticas de professores e os conhecimentos que as influenciam; 3. Integração de tecnologias educativas no ensino de Matemática, associada ao trabalho documental de professores; 4. Transição entre o Ensino Médio e a Universidade. Como já anunciamos acima, nosso interesse está em trabalhar a proposta do eixo 4, que trata da transição entre o Ensino Médio e o Superior, cujo objetivo é conceber e experimentar um dispositivo de aprendizagem em torno das noções associadas aos domínios da Álgebra Linear e da Análise Matemática, que será apoiado em um banco de tarefas, integrando a utilização de tecnologias e recursos on-line. Para isso, em um primeiro momento a proposta é estudar e comparar as culturas de ensino do Brasil e da França em relação aos respectivos sistemas educativos no nível secundário e superior. Para melhor compreender os problemas associados à transição entre Ensino Médio e Superior, a proposta é, em um primeiro momento, analisar os contextos institucionais e culturais em relação ao ensino secundário e ao superior, principalmente os aspectos associados às propostas curriculares e às práticas docentes. Considera-se ainda que existem indícios de que os professores não possuem uma visão plena dos conhecimentos prévios dos estudantes nas diferentes etapas de escolaridade e de que eles, os estudantes, não dispõem dos conhecimentos necessários para desenvolver os conteúdos matemáticos indicados para determinada etapa e que essa situação parece ser ainda mais grave no Ensino Superior, onde os professores precisam desenvolver os conteúdos que constam dos planos de ensino, ou seja, é preciso trabalhar todos os conteúdos do programa, mesmo que muitas vezes os estudantes não disponham dos conhecimentos prévios que serão utilizados como 26 27 ferramentas para a solução das tarefas que podem ser propostas em relação a esses conteúdos. Dessa forma, numa tentativa de compreender melhor esses dois sistemas de ensino e identificar possíveis problemas relacionados aos conhecimentos prévios que podem ser pelo menos mobilizados quando os estudantes iniciam o Ensino Superior, escolhe-se estudar nessa pesquisa o que se propõe como estudo da noção de sistemas de equações lineares no Ensino Médio e como esse conhecimento pode ser utilizado como apoio para a introdução de novos conhecimentos no Ensino Superior, em particular, na disciplina de Álgebra Linear. Ressalta-se que essa questão da transição entre o Ensino Médio e o Superior tem sido uma preocupação constante de pesquisadores de Educação Matemática, em particular quando se consideram as dificuldades que os estudantes apresentam nas disciplinas de Álgebra Linear e Análise Matemática quando iniciam seus estudos universitários, como pode-se identificar nos trabalhos abaixo: González-Martín et al (2009), sobre o conceito de soma infinita e sua complexidade epistemológica, que torna difícil sua aceitabilidade, podendo ser a causa de sua redução aos aspectos algorítmicos. Kidron (2002), que identifica as dificuldades de compreender a dualidade processo-objeto referente ao conceito de série. Mamoma (1990), que identifica a existência da confusão entre os conceitos de sequências e séries e a resistência em enxergar as sequências como um tipo de função. Robert (1982), que afirma que as tarefas propostas no ensino universitário não permitem que os estudantes construam uma noção correta de convergência para as series numéricas. Artigue (2004), que, ao analisar as condições do ensino universitário na França, identifica muitos desafios e ressalta a massificação do ensino, a defasagem em relação ao secundário e a evolução tecnológica como problemas que merecem a 27 28 atenção dos pesquisadores de Educação Matemática. Artigue e Dias (1995), que estudam as possibilidades de articulação entre os pontos de vista cartesiano e paramétrico em Álgebra Linear. Dorier (1993), que apresenta um estudo epistemológico da emergência do conceito de posto no estudo dos sistemas de equações lineares. Rogalski (1990), que discute as dificuldades encontradas pelos estudantes de um curso de introdução à Álgebra Linear. Trata-se de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida por Rogalski, Robert, Dorier e Robinet para a qual Rogalski (1995) construiu e implementou um curso de introdução à Álgebra Linear centrado no estudo dos espaços vetoriais de IRn. Hillel et Sierpinska (1994), que, se referindo ao trabalho de Piaget e Garcia (1983), se interrogam sobre os três níveis de desenvolvimento das ações cognitivas (intra, inter e trans) em jogo em um curso de introdução à Álgebra Linear. E o trabalho de Sierspinska, Defense Khatcherien e Sadanha sobre o que eles denominam os três modos de pensar em Álgebra Linear – o modo sintéticogeométrico, o modo analítico e aritmético e o modo analítico estrutural, publicado no livro de Dorier et al (1997). Os trabalhos acima correspondem a uma rápida demonstração da importância do estudo da transição entre o Ensino Médio e Superior e a atenção que vem sendo dada pelos pesquisadores de Educação Matemática. Escolheram-se os que estão mais associados a nossa pesquisa, mas não se trata de uma relação exaustiva. Observa-se ainda que no Brasil a noção de sistemas de equações lineares é introduzida na sexta série (sétimo ano) do ensino fundamental II e retomada no Ensino Médio, o que nos permite supor que os estudantes já tenham certa familiaridade com essa noção e com suas representações, podendo aplicá-las pelo menos no nível mobilizável quando necessário já no Ensino Médio, onde se supõe que eles disponham pelo menos de métodos de resolução de sistemas lineares de duas equações e duas 28 29 incógnitas e sejam capazes de analisar as condições de solução desse tipo de sistema, conforme resultado das análises institucionais apresentadas no trabalho de Costa (2008). Apresentadas minhas escolhas pessoais e o contexto em que é realizada a pesquisa, descreve-se abaixo a problemática especifica do trabalho desenvolvido. 1.2. Problemática da Pesquisa Tendo escolhido a linha Ensino e Aprendizagem de Matemática e suas Inovações, que está mais próxima da minha formação, inicia-se o processo de pesquisa com a proposta de desenvolver um estudo onde se possa mostrar a relevância de um trabalho em que se propõem tarefas que permitem considerar os conhecimentos prévios dos estudantes, isto é, tarefas que possam ser resolvidas de diferentes formas, dependendo dos conceitos que os estudantes são capazes de utilizar de maneira autônoma. Escolheu-se assim desenvolver um estudo sobre a noção de sistemas de equações lineares, de forma a compreender quais conhecimentos podem ser considerados mobilizáveis e disponíveis nessa transição em função das técnicas, tecnologias e teorias que os sustentam. O tema da pesquisa que foi escolhido vem ao encontro das minhas expectativas, pois, para compreender se os conhecimentos mobilizáveis ou disponíveis para os estudantes do Ensino Médio contemplam as necessidades do Ensino Superior, é necessário um estudo sobre essas necessidades, o que também permite um trabalho interdisciplinar, em particular com a Física, pois a aplicação da noção de sistemas de equações lineares é uma ferramenta para a modelagem de situações matemáticas e das outras ciências. Assim, a escolha de trabalhar com a noção de sistemas de equações lineares está ainda associada aos seguintes fatores: A dificuldade que, em geral, é sentida pelos professores do Ensino Médio e 29 30 Superior e que muitas vezes é tratada como falta de conhecimento sobre essa noção, mas não como um caso mais específico de possuir uma ferramenta e não ser capaz de utilizá-la quando necessário, por dificuldade em associá-la a situações conhecidas. A importância matemática da noção de sistemas de equações lineares, tanto para os que pretendem continuar seus estudos em matemática, como em outras ciências, tais como a física, engenharia, química, computação e informática, entre outras. Sendo a noção de sistemas de equações lineares uma ferramenta que permite modelar situações e problemas de outras ciências, ela possibilita a análise desses modelos e problemas, assim como a proposta de projetos interdisciplinares. A noção de sistemas de equações lineares possibilita ainda a análise das relações institucionais existentes para esse objeto matemático, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, assim como a análise das relações que se espera tenham sido desenvolvidas em função das relações institucionais existentes. A partir da reconhecida importância da noção de sistemas de equações lineares, tanto no Ensino Médio como Ensino Superior, para a resolução de diferentes tipos de tarefas, considera-se como problema central da pesquisa o estudo de algumas propostas atuais para o trabalho com essa noção no Ensino Médio, de forma a identificar os conhecimentos prévios que se supõe possam ser pelo menos mobilizados pelos estudantes que iniciam o Ensino Superior, em particular aqueles que seguem curso de Licenciatura em Matemática e que passarão por um curso de introdução à Álgebra Linear. 30 31 Estabelecida a problemática central da pesquisa, inicia-se o trabalho com os seguintes questionamentos: Com que finalidade estudar a transição entre Ensino Médio e Superior, considerando a noção de sistema de equações lineares? Por que se preocupar com essa noção? Como se dá à transição do Ensino Médio para o Superior, considerando essa noção? Quais os conhecimentos que podem ser considerados pelo menos mobilizáveis em relação à noção de sistemas de equações lineares para os estudantes que terminam o Ensino Médio? esperados pelos estudantes, supostos disponíveis, nesta transição? Quais as relações institucionais esperadas e existentes para o trabalho com a noção de sistemas de equações lineares tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior? As relações institucionais esperadas estão em conformidade com as existentes? Qual a relação pessoal esperada dos estudantes nas avaliações institucionais com o objeto sistema de equações lineares? A relação pessoal esperada dos estudantes está em conformidade com as relações institucionais existentes, ou seja, o tipo de tarefas e técnicas trabalhadas é adequado para o que se espera como conhecimento pelo menos mobilizável dos estudantes? Quadro 1: Questionamentos iniciais da pesquisa. Na sequência, consideram-se o objetivo geral e os objetivos específicos da pesquisa. 1.3. Objetivos da Pesquisa Objetivo Geral A proposta de estudar a noção de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e o Superior é verificar se as dificuldades dos estudantes do Ensino Superior em relação a esse objeto matemático estão associadas à falta de conhecimentos prévios que, em geral, são supostos disponíveis pelos professores do Ensino Superior. O que pode também ser considerado como uma proposta de reflexão sobre quais os conhecimentos que podem servir de base para o trabalho com os estudantes do Ensino Superior. 31 32 Objetivos Específicos Os objetivos específicos dessa pesquisa são: i) O estudo da noção de sistemas de equações lineares no Ensino Médio para compreender melhor quais os conhecimentos que podem ser considerados como mobilizáveis ou disponíveis pelos estudantes quando ingressam no Ensino Superior. ii) Em que sistema de tarefas e práticas se inserem esses conhecimentos. iii) Analisar as exigências institucionais para o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, via documentos oficiais. iv) Analisar as propostas existentes para desenvolver a noção de sistemas de equações lineares tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, via livros didáticos analisados e indicados para esses níveis. v) Analisar por meio dos exames e das avaliações institucionais quais as relações pessoais se supõem que os estudantes desenvolvem no decorrer do Ensino Médio e do Ensino Superior. vi) Estabelecer um conjunto de tarefas que possam ser utilizadas no Ensino Médio de forma que essas sirvam de referência para o desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares e que possam servir como base para a identificação de conhecimentos prévios pelo menos mobilizáveis. Centrou-se o estudo dos sistemas de equações lineares, inicialmente, no Ensino Médio, para: i. compreender sobre que conhecimentos é possível construir as bases para a introdução das noções de Álgebra Linear em IRn. ii. mostrar a importância de um trabalho onde, por meio de um certo número de tarefas usuais, é possível considerar os conhecimentos prévios dos estudantes. 32 33 Para isso, considerou-se a metodologia descrita abaixo para o desenvolvimento da pesquisa. 1.4. Metodologia da Pesquisa Para atingir os objetivos acima anunciados, realizamos um estudo bibliográfico que permitiu identificar algumas pesquisas que vêm sendo realizadas sobre a transição entre o Ensino Médio e Superior, em particular para os domínios da Álgebra Linear e da Análise Matemática. Esse estudo também possibilitou a escolha do referencial teórico da pesquisa, que será apresentado no capítulo que segue. Além disso, desenvolveu-se uma pesquisa documental para identificar as propostas institucionais esperadas e existentes quando se introduz o conceito de sistemas de equações lineares, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, para construir um banco de dados das tarefas usuais encontradas no Ensino Médio que podem servir de base para o desenvolvimento de tarefas onde a noção de sistemas de equações lineares é utilizada como ferramenta explícita do trabalho matemático a ser realizado. Para identificar as propostas institucionais esperadas de professores e estudantes, utiliza-se a noção de “topos” do professor e do estudante, que significa o papel do professor e do estudante no processo de ensino e aprendizagem, e analisamse alguns documentos oficiais, a saber: a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (BRASIL, 2002), Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio +: Ciências da Natureza e suas Tecnologias (BRASIL, 2002) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006). Efetua-se um levantamento dos diferentes tipos de tarefas usuais na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, quando se considera a noção de sistemas de equações lineares. Para organizar este processo, constrói-se uma grade de análise, conforme modelo utilizado por Dias (1998) em sua tese sobre a articulação de ponto de vista cartesiano e paramétrico no ensino de Álgebra Linear, com as tarefas encontradas 33 34 nos diferentes materiais didáticos destinados aos dois segmentos que se escolheram para realizar a pesquisa, isto é, os ensinos Médio e Superior. Por se tratar de uma pesquisa documental, escolheu-se analisar as relações institucionais existentes por meio de livros didáticos indicados nos documentos oficiais e as relações pessoais esperadas dos estudantes por meio de macroavaliações aplicadas ao final do Ensino Médio e da macroavaliação ENADE, aplicada para os estudantes do primeiro e último ano do Ensino Superior. Para isso, escolhe-se um total de cinco livros didáticos, sendo três indicados para o Ensino Médio, além do Caderno do Estudante da Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2009), e dois para o Ensino Superior. As obras escolhidas para análise são: Ensino Médio Matemática, de Luiz Roberto Dante (2008). Matemática - Ensino Médio, de Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz (2006). Fundamentos da Matemática Elementar, de Gelson Iezzi e Samuel Hazzan (1993). Caderno do Aluno, da Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2009). Quadro 2: Obras do Ensino Médio escolhidas para análise. Para o Ensino Superior Álgebra Linear: com aplicações, de Anton Howard e Chris Rorres (2001). Introdução à Álgebra Linear: com aplicações, de Bernard Kolman e David R. Hill (2006). Quadro 3: Obras do Ensino Superior escolhidas para análise. Algumas condições foram determinantes na escolha dos livros. Os livros escolhidos para o Ensino Médio foram bem avaliados pelo PNLEM ou são considerados referência bibliográfica para o concurso para professores da rede pública do estado de São Paulo. Já os livros voltados para o Ensino Superior são obras modernas que apresentam diversos exemplos de aplicações, dentre outros fatores. 34 35 Após escolher os livros e justificar a seleção, inicia-se a análise desse material por meio da grade de análise construída com esse propósito e fundamentada no quadro teórico que será apresentado no capítulo que segue. Após as análises dos documentos oficiais e dos livros didáticos escolhidos, considerando a noção de sistemas de equações lineares, buscou-se fazer um estudo das exigências institucionais para o ensino e aprendizagem desta noção, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, considerando as macroavaliações institucionais. As macroavaliações institucionais escolhidas foram UNICAMP (transição) e ENADE (Ensino Superior). Verificou-se ainda se as relações pessoais esperadas estão em conformidade com as relações institucionais esperadas e existentes e se elas podem ser desenvolvidas considerando o nível de conhecimento trabalhado na escola; ou seja, se é possível considerar os conhecimentos adquiridos no Ensino Médio como conhecimentos prévios quando se introduzem novas noções onde esses servem, em geral, de ferramentas explícitas. Em resumo, esta pesquisa foi desenvolvida considerando as sete etapas a seguir: 1. Primeira etapa: Estudo bibliográfico sobre a transição entre o Ensino Médio e o Superior, em particular os trabalhos sobre Álgebra Linear. 2. Segunda etapa: Escolha da noção matemática a ser estudada e seleção do referencial teórico da pesquisa, de forma que o mesmo pudesse fundamentar o trabalho a ser realizado e servisse de ferramenta para as análises propostas. 3. Terceira etapa: Análise das relações institucionais esperadas para a introdução da noção de sistemas de equações lineares, considerando a transição entre o Ensino Médio e o Superior, via documentos oficiais. 4. Construção de uma grade de análise, inspirada na grade de Dias (1998); essa grade tem a função de contribuir para análise das relações institucionais existentes para o ensino e aprendizagem do conceito de sistemas de equações lineares, assim como compreender melhor a transição entre o Ensino Médio e o 35 36 Ensino Superior quando se considera esta noção matemática. Esta grade possibilita também a identificação das relações institucionais possíveis em função das tarefas e das variáveis das tarefas encontradas nos livros didáticos analisados, que podem ser exploradas tanto com os estudantes do Ensino Médio como com os do Ensino Superior. Além disso, a grade permite a identificação das relações pessoais esperadas dos estudantes, que nessa pesquisa foram analisadas via avaliações institucionais. 5. Análise das relações institucionais existentes por meio da grade de análise construída com esse objetivo via livros didáticos anunciados anteriormente. 6. Análise das relações pessoais esperadas dos estudantes via macroavaliações anunciadas anteriormente. 7. Análise comparativa dos resultados encontrados. No próximo capítulo, como já proclamado acima, apresenta-se o referencial teórico escolhido para subsidiar as análises propostas. 36 37 CAPÍTULO 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. Considerações iniciais Para fundamentação teórica desta pesquisa, escolhe-se como referencial teórico central a abordagem em termos de níveis de conhecimento esperados dos estudantes conforme definição de Robert (Robert, 1997), que permite compreender melhor as possíveis articulações de quadros conforme definição de Douady (Douady, 1984); os ostensivos de representação necessários para a manipulação dos não ostensivos que são evocados nas diferentes tarefas que compõem as relações institucionais existentes e, consequentemente, podem corresponder às relações pessoais desenvolvidas pelos estudantes que a elas se submetem. A análise das relações institucionais existentes é realizada por meio de uma grade de análise especificamente construída para essa função, ou seja, identificam-se as organizações praxeológicas, isto é, os tipos de tarefas ou tarefas problemáticas e as técnicas que permitem executá-las, sendo que ambas formam a “práxis”, bloco prático ou “saber fazer”, e as tecnologias e teorias que correspondem ao “logos”, razão ou bloco teórico do “conhecimento”. São as tecnologias e as teorias que possibilitam descrever, explicar e justificar as práticas que coexistem quando se introduz uma noção matemática, em particular, a noção de sistemas de equações lineares. Distingue-se ainda, por meio das diferentes tarefas identificadas como habituais para o trabalho, a noção de sistemas de equações lineares tanto para o Ensino Médio como no Ensino Superior, quais técnicas, tecnologias e teorias são privilegiadas quando se consideram as macroavalições, ou seja, quais as expectativas institucionais para as relações pessoais desenvolvidas pelos estudantes. O estudo das relações institucionais e pessoais, assim como das organizações praxeológicas ou praxeologias que sobrevivem tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, quando se considera a noção de sistemas de equações lineares, é 37 38 desenvolvido utilizando teoria antropológica do didático de Bosch e Chevallard (Bosch e Chevallard, 1999), como quadro teórico para sustentar as análises que são complementadas pela noção de pontos de vista conforme definição de Rogalski (Rogalski, 1995), que permite associar a noção de sistemas de equações lineares às representações de espaços vetoriais de IRn. Apresenta-se a seguir uma breve descrição da noção de níveis de conhecimento esperados dos estudantes, conforme abordagem teórica de Robert (1997, 1998). 2.2. Níveis de conhecimento esperados dos estudantes - Aline Robert Inicia-se destacando alguns problemas levantados por Robert (1997, 1998) para os estudantes franceses do “lycée”1 e da universidade, e que são compatíveis com os que os professores enfrentam em nossas escolas de Ensino Médio e nas universidades, quando se considera o ensino da Matemática, a saber: os fracassos numerosos e as perdas de sentido; a falta de curiosidade; as dificuldades de compreender o pensamento científico; a gestão das classes cada vez mais heterogêneas; as mudanças de programas (julgadas redutoras com a força da simplificação), que no Brasil não correspondem a programas (Ensino Médio) e Diretrizes Curriculares Nacionais (Ensino Superior), mas a propostas que seguem sempre essa perspectiva de simplificação; a introdução das novas tecnologias, com as interrogações sobre os conteúdos que a ela estão associados. Ainda para Robert (1997, 1998), quando o pesquisador deseja efetuar uma 1 “Lycée”: equivalente ao nosso ensino médio em termos de etapa escolar e duração do curso (3 anos). 38 39 pesquisa considerando essas duas etapas da escolaridade, é preciso levar em conta que em ambas a matemática começa a ficar mais parecida com a dos especialistas, tanto no que concerne ao saber matemático, como às práticas a ele associadas. Sendo assim, segundo Robert (1997, 1998), é preciso considerar os conhecimentos prévios dos estudantes e que estes têm certa experiência sobre o trabalho que lhes é destinado quando se trata de desenvolver as matemáticas escolares, o que leva Robert a considerar que: as ferramentas cognitivas de “base” foram construídas (referindo-se aos trabalhos de Piaget). Ao contrário, as representações das matemáticas e sua aprendizagem são ainda bastante transitórias, dependendo, num primeiro momento, do professor “em curso” (ROBERT, 1997, p. 194) Em particular, no trabalho « Quelques outils d’analyse épistemologique et didactique de connaissances mathématiques à enseigner au lycée et à l’université » (ROBERT, 1997), algumas observações foram feitas sobre as atividades esperadas dos estudantes (escrita, trabalho pessoal e demonstrações) e sobre a complexidade das noções em jogo, que merecem reflexões por parte dos educadores. Escolhe-se aqui o exemplo abaixo apresentado por Robert (1997): Os quantificadores podem tornar-se indispensáveis; mas não é fácil saber anteriormente se é o caso de utilizá-los. Podemos ter a necessidade de raciocinar de forma qualitativa para decidir. É o que F. Praslon chama de relação variável para a formalização). Na mesma ordem de idéias, certos quantificadores “escondidos” não são efetivamente indispensáveis, enquanto outros são. Se começamos simplesmente do fato que f=g, podemos omitir que é verdadeiro para todo x, portanto para este em particular. Se, ao contrário, queremos desconsiderar que f e g são iguais, omitir o primeiro quantificador conduz a toda sorte de imprecisões, a partir de “f(x) é diferente de g(x)”. E se queremos demonstrar que f e g são iguais, então esta mesma omissão pode gerar erros do tipo “como f e g são iguais para três elementos (porque não!) elas são iguais” – o que encontramos nas soluções dos estudantes para as aplicações afins, mas sem que o número 3 tenha qualquer relação com o caráter afim. Finalmente, podemos ter várias variáveis, não nomeá-las como de hábito ou, ao contrário, nomeá-las (daí a necessidade de identificar as variáveis). (ROBERT, 1997, p. 196) 39 40 Robert (1997) enfatiza a importância do trabalho em casa, porém lembrando que não devemos esperar que tudo possa ser visto fora da sala de aula, o que, obviamente, não é verdade! É preciso reconhecer os conhecimentos prévios dos estudantes e a experiência sobre o trabalho que lhes é destinado quando se trata de desenvolver as matemáticas escolares. Este texto, também, faz referência aos teóricos, como Piaget e Vygotski, e como o objetivo da autora é conceber cenários de aprendizagem para serem experimentados em aulas por meio da construção de “engenharias didáticas”, Robert se refere a Piaget para destacar o sucesso das “mudanças de quadros” na aprendizagem que têm em parte como origem os fenômenos de ordem de desequilíbrios – equilíbrios (equilibração2) por ele descritos. Quanto a Vygotski, Robert (1997) destaca o papel da mediação3 do outro, e o jogo dialético entre representação e conceito e a zona de desenvolvimento proximal4 são destacados por permitirem pensar o desenvolvimento cognitivo do adulto. Robert (1997), referindo-se ao trabalho de Vergnaud (1990), pondera que, ao se admitir que os invariantes operatórios (os implícitos, que são as concepções, e os explícitos, que são os teoremas e conceitos em ação) são os núcleos dos esquemas (formas de organização das atividades), orientados para a ação, pode-se considerar que o acesso aos conceitos está aberto aos invariantes operatórios que asseguram o sucesso da ação e às representações que permitem uma modelagem que conduz a 2 Segundo Piaget, a teoria da equilibração é considerada como um mecanismo autorregulador, necessário para assegurar à criança uma interação eficiente dela com o meio ambiente. Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo está sempre passando por equilíbrios e desequilíbrios. (WADSWORTH, 1996) 3 Mediação - grande parte do conhecimento da escola não pode ser aprendido pelo sujeito sem a ajuda de um docente que lhe ofereça a oportunidade de lidar com signos, procedimentos e valores, que são da ordem do social e que transcendem e preexistem a ambos. (VYGOTSKY, 1998) 4 Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através de solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de solução de problemas sob a direção de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. É a série de informações que a pessoa tem enquanto potencialidade de aprender, mas ainda não completou o processo, com conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. (VYGOTSKY, 1998) 40 41 conceituação. Após considerar o programa do “lycée” para o concurso que recruta professores para o “collège” e “lycée”, Robert (1997) identifica ainda os novos conhecimentos a serem introduzidos na universidade: as estruturas algébricas e sua utilização, topologia (conjuntos e formas), noção formal de convergências, as funções de diferentes variáveis e de uma variável complexa, a análise numérica, os desenvolvimentos limitados e assintóticos, as séries numéricas e a integração. Isso lhe permite concluir que a contribuição das classes científicas do “lycée” é restrita, ou seja, os conhecimentos prévios desenvolvidos não são suficientes para o desenvolvimento dos novos conhecimentos que devem ser introduzidos no ensino superior. Além das atividades esperadas dos estudantes (escrita, trabalho individual e demonstrações) já tratadas acima, Robert (1997) descreve algumas das práticas dos matemáticos de profissão, que são o que se pretende desenvolver no ensino superior, ou seja, além de desenvolver os conteúdos descritos acima, o estudante deve ser capaz de trabalhar com a matemática como um especialista, ou seja, adquirindo também os hábitos desse profissional. Após constatar, por meio de alguns trabalhos já realizados por diversos didatas, que as dificuldades dos estudantes podem estar associadas a concepções e erros, às dificuldades dos estudantes em fazer apelo a conhecimentos prévios, uma vez que esses parecem atomizados, desorganizados, correspondendo apenas a uma acumulação de saberes justapostos, sem esquecer dos novos “lycée” e dos novos estudantes. Em relação a essa última rubrica, Robert (1997) indica os trabalhos de Bautier e Rochex (1996). Robert (1997) apresenta alguns esclarecimentos epistemológicos e didáticos centrados na habilitação de Dorier (1997), que considera as relações entre história das matemáticas, epistemológica e didática, ou seja, uma análise histórica da gênese do saber, visando subentender uma reflexão epistemológica. O trabalho histórico pode ser conduzido paralelamente às primeiras análises didáticas. Como já apresentado acima, para os esclarecimentos cognitivos Robert (1997) considera o trabalho de Douady (1984), que em parte se inspira nas noções de 41 42 desequilíbrios e equilíbrios de Piaget, e o trabalho de Pastré (1994) sobre desenvolvimento e aprendizagem de jovens adultos, fundamentado na teoria de Vygotsky. Finalmente, após todas as considerações apresentadas acima, Robert (1997) explicita que para ela conhecimento corresponde às noções e modos de raciocínio e introduz quatro dimensões que podem auxiliar o acesso à complexidade das noções, a saber: 1) As características ferramenta e objeto e os quadros em que a noção se insere, assim como os diferentes registros que permitem representá-las e suas conversões. Essas ferramentas permitem elaborar situações de introdução para novas noções. 2) As diferentes naturezas das noções para se ensinar, que induzem a autora a se interrogar sobre a necessidade de caracterizar as noções matemáticas de forma a levar em conta os conhecimentos prévios a que elas estão associadas e suas funções, ou seja, como introduzi-las para que elas possam ser úteis no panorama matemático já construído pelos estudantes. Para isso, Robert (1997) se detém nos seguintes caracteres: o grau de generalização da noção em relação às noções anteriores apresentadas nos programas (integrar novos conhecimentos), o grau de formalismo (introduzir ou não um novo formalismo), o caractere unificador da noção em relação às noções anteriores, a função que ocupa a nova noção na matemática de que os estudantes dispõem. Essa distinção da noção em função dos caracteres acima induz a autora a distinguir diferentes tipos de noções: 1) as que podem ser apresentadas como extensões de outras já introduzidas, exemplo: as funções polinomiais após o estudo das funções afim e quadrática; 2) as noções que podem ser apresentadas aos estudantes com respostas a problemas novos e precisos, que os mesmos podem compreender, mas não são capazes de resolvê-los completamente, exemplo: o caractere par, ímpar ou periódico de uma função como resposta ao problema eventual do intervalo onde estudá-la; 3) as noções que correspondem apenas à introdução de um formalismo adaptado, exemplo: valor absoluto; 4) as noções 42 43 generalizadoras, unificadoras que sustentam um novo formalismo, exemplo: a noção de variável em álgebra elementar. 3) Os níveis de conceituação que, segundo a autora, correspondem a uma organização coerente de um campo conceitual (campo de conhecimentos matemáticos), caracterizado por objetos apresentados de uma determinada forma, dos teoremas sobre esses objetos, dos métodos a eles associados e dos problemas que os estudantes são capazes de resolver trabalhando nesse campo conceitual. 4) Os níveis de conhecimento esperados para o funcionamento dos estudantes (técnico, mobilizável e disponível) que são relativos a um determinado nível de conceituação. Uma vez descrito o percurso de Robert (1997) para introduzir os três níveis de conhecimento esperados dos estudantes, considera-se para a análise dos diferentes tipos de tarefas e das técnicas associadas à noção de sistemas de equações lineares, tanto para o Ensino Médio como para o Ensino Superior, e do caderno da Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo, que representam as relações institucionais existentes, a noção de níveis de conhecimento esperados dos estudantes conforme definição de Robert (1997), a saber: O nível técnico corresponde a um trabalho isolado, local e concreto. Está relacionado principalmente às ferramentas e definições utilizadas em uma determinada tarefa. Destacam-se, a seguir, exemplos deste nível de conhecimento, em que se espera que o estudante, munido de ferramentas, propriedades e definições necessárias, desenvolva cada etapa de resolução. 43 44 Figura 1: Exemplo de nível de conhecimento técnico. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 38. Na atividade acima, basta aplicar o método de Gauss-Jordan, onde se supõem disponíveis as operações no conjunto dos números reais. O nível mobilizável corresponde a um início de justaposição de saberes de certo domínio, podendo até corresponder a uma organização. Vários métodos podem ser mobilizados. O que se questiona é explicitamente pedido. Nos exemplos mostrados a seguir, para que o estudante discuta sobre possíveis soluções triviais, faz-se necessário mobilizar determinados conhecimentos. 22. Para que valor(es) de λ o sistema de equações (λ – 3) X + y =0 X + ( λ – 3) y = 0 tem soluções não triviais? Figura 2: Exemplo de nível de conhecimento mobilizável. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 39. É pedido explicitamente que se resolva o sistema dado e que se estudem as possibilidades de solução em função do parâmetro, o que supõe a mobilização da noção de equação e do método mais adequado para a solução do sistema. Para resolver esta tarefa, é conveniente trocar a ordem das equações. Após a 44 45 aplicação de um método de resolução de sistema linear, por exemplo, o método de escalonamento de Gauss, assim encontra-se uma equação em λ. No exemplo, trata-se de uma equação do 2º grau, que exige conhecimentos disponíveis sobre a solução desse tipo de equação e a verificação das condições de solução do sistema para os distintos valores de λ. 30 . Considere o sistema de equações ax + by = 0 cx + dy = 0 ex + fy = 0 Discuta as posições relativas das retas ax + by = 0, cx + dy = 0 e ex + fy = 0 quando o sistema (a) tem somente a solução trivial e (b) tem soluções não triviais. Figura 3: Exemplo de nível de conhecimento mobilizável. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 40. Neste caso, a discussão sobre as posições relativas das retas quando o sistema tem somente solução trivial pressupõe que pelo menos duas das três retas sejam distintas, e, para soluções não triviais, as três retas seriam idênticas. Aqui também é necessário mobilizar estes conhecimentos. Portanto, a discussão depende da mobilização desses conhecimentos e se faz de forma explícita. É importante observar que se trata de uma tarefa que exige a articulação entre conhecimentos algébricos e geométricos. O nível disponível corresponde a responder corretamente o que é proposto sem indicações. Esse nível de conhecimento está associado à familiaridade, ao conhecimento de situações de referência variadas. Como exemplo deste nível de conhecimento esperado na resolução, em que cabe ao estudante identificar que se trata da aplicação da noção de sistema de equação linear, destacamos a seguinte tarefa: 45 46 32. Decida se a afirmação dada é sempre verdadeira ou às vezes falsa. Justifique sua resposta dando um argumento lógico ou um contra-exemplo. (a) Um sistema linear de três equações em cinco incógnitas é consistente. (b) Um sistema linear de cinco equações em três incógnitas não pode ser consistente. (c) Se um sistema linear de n equações em n incógnitas tiver n entradas líder na forma escalonada reduzida por linhas de sua matriz aumentada, então o sistema terá exatamente uma solução. (d) Se um sistema linear de n equações em n incógnitas tiver duas equações que são múltiplos uma da outra, então o sistema será inconsistente. Figura 4: Exemplo de nível de conhecimento disponível. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 41. Nesta tarefa, para julgar se a afirmação dada é sempre verdadeira, ou às vezes falsa, é necessário conhecer em que circunstâncias o sistema possui pelo menos uma solução (sistema consistente) ou não possui solução (sistema inconsistente). Este é o nível de conhecimento esperado para justificar a resposta com argumento lógico ou por meio de contraexemplos. No capítulo 4, será feita uma retomada de cada um dos três níveis de conhecimentos citados e outros exemplos serão apresentados. Em seguida, trata-se a noção de quadros de Douady (1984, 1992), em particular o conceito de mudança de quadros, apenas citado anteriormente. Essas noções complementam as análises, pois é possível observar no exemplo sobre o nível de conhecimento mobilizável que é necessário que o estudante tenha a capacidade de pelo menos mobilizar seus conhecimentos sobre equações e suas representações, tanto no quadro algébrico como no quadro geométrico, aqui, mais especificamente, no quadro da Geometria Analítica. 46 47 2.3. Noção de Quadros e mudanças de quadros - Régine Douady Douady introduz a noção de quadro em sua tese em 1984, em uma perspectiva de teorização didática, baseada sobre uma análise epistemológica do trabalho do matemático, que ela transpõe para a didática da matemática por meio das noções de ferramenta implícita e explicita e objeto, quadros e mudança de quadros. Para a autora, os conceitos matemáticos, em geral, funcionam como ferramenta implícita, isto é, um conceito em elaboração, e em seguida explicita, ou seja, quando ela é utilizada intencionalmente para resolver um problema antes de adquirirem o status de objeto do saber. Um objeto é matematicamente definido, independente de sua utilização. Por exemplo: a noção de sistema de equações lineares, quando trabalhada apenas como método para a solução de tarefas do tipo do exemplo dado para os níveis técnico e mobilizável, corresponde apenas a um conceito em elaboração. No exemplo a seguir, a noção de sistema de equações é utilizada intencionalmente para resolver um problema de química, ou seja, trata-se de uma ferramenta explicita para solução desse tipo de problema. Figura 5: Exemplo de nível de conhecimento disponível. Fonte: Boldrini et al, 1978, p. 28. 47 48 Já o exemplo apresentado acima para ilustrar o nível disponível exige que o estudante disponha do objeto sistema de equações lineares, sendo capaz de associar número de equações independentes e conjunto solução, o que corresponde a conhecer o objeto sistema de equações lineares. Dessa forma, o objeto é parte de um edifício mais amplo, que é o saber matemático: isso conduz Douady (1992) a definir quadro. Um quadro é constituído de objeto de um determinado ramo da matemática, de suas relações com outros objetos, de suas possíveis formulações e das representações internas que lhes são associadas. Sendo assim, para Douady, dois quadros podem conter os mesmo objetos, mas diferir apenas pelas imagens mentais (representações internas) e problemáticas desenvolvidas. No exemplo dado para ilustrar o nível mobilizável, pode-se pensar nas equações enquanto retas no plano e que as mesmas podem ser coincidentes, concorrentes ou paralelas, o que corresponde a trabalhar no quadro geométrico. Para a noção de sistemas de equações lineares, observa-se que no Ensino Médio, em geral, ela é desenvolvida quase que exclusivamente no quadro algébrico, considerando apenas os métodos de solução. O trabalho de articulação dos diferentes quadros fica quase exclusivamente para ser desenvolvido no Ensino Superior, mesmo se existem algumas orientações para que se inicie esse tratamento no Ensino Médio. Essa articulação entre os diferentes quadros, segundo Douady, é importante e faz parte do trabalho do matemático, que efetua as mudanças necessárias quando tem dificuldades para fazer funcionar as ferramentas e técnicas que não aparecem na primeira formulação, ou seja, ele efetua o que Douady denomina mudança de quadro, e são elas que sempre permitem encontrar novos resultados, novas técnicas, ou ainda criar novos objetos matemáticos que enriquecem o quadro original e os quadros auxiliares. As noções apresentadas acima conduzem às definições de jogos de quadros e dialética ferramenta-objeto introduzidas por Douady (1984) e consideradas como meios privilegiados para suscitar desequilíbrios cognitivos e permitir a ultrapassagem dos mesmos em um novo equilíbrio de nível superior. Dessa forma, a noção de quadro é centrada no fato de que uma mesma noção pode funcionar em diferentes ambientes 48 49 conceituais e técnicos, podendo apresentar características específicas em cada um desses ambientes, sendo as diferenças um dos motores e ferramentas para a criação matemática. Considerando a noção de sistemas de equações lineares que no Brasil, atualmente, é introduzida no Ensino Fundamental II por meio de exemplos de aplicação e revisitada nos Ensinos Médio e Superior, ainda fazendo apelo às aplicações, como se pode observar nos exemplos a seguir: Figura 6: Exemplo de aplicação de sistemas lineares 2x2. Fonte: Giovanni e Castrucci, 2009, p. 159. Este primeiro exemplo, extraído de um livro do Ensino Fundamental II, mostra como a noção de sistemas de duas equações do 1º grau com duas incógnitas é introduzida. Neste caso, temos uma aplicação na área de esportes. Área esta que desperta um interesse especial por parte dos alunos adolescentes. A intenção aqui é a de gerar um significado para trabalhar com esta noção, que nessa etapa da escolaridade é desenvolvida para a modelagem de situações simples de forma a facilitar a compreensão e iniciar a aplicação de diferentes métodos que funcionam como ferramentas explicitas para a solução dessas equações.. Considerando a dialética ferramenta-objeto definida por Douady (1984), observase que em determinado momento um conceito matemático é objeto de estudo e em 49 50 outro ele é utilizado como ferramenta implícita na construção de um novo conceito, como por exemplo, ao introduzir a noção de sistemas de duas equações e duas incógnitas supõe-se que os estudantes disponham da noção de equação que funciona como ferramenta implícita para o desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares, que será trabalhado por meio desse conceito até se tornar uma ferramenta explícita e adquirir status de objeto matemático, o que só ocorre quando se associam as equações de um sistema linear com seu conjunto solução, ou seja, quando se consideram as definições, teoremas e propriedades associadas à relação equação e condições de solução enunciadas por meio do Teorema de Rouchè. Figura 7: Exemplo de aplicação de sistemas lineares 2x2. Fonte: Paiva, 2005, p. 314. O exemplo acima, extraído de um livro do Ensino Médio, mostra que ainda no Ensino Médio a noção de sistemas de equações lineares é tratada apenas sob seu caráter de ferramenta implícita para solução de situações com m equações e n incógnitas. 50 51 Figura 8: Exemplo de aplicação de sistemas lineares 2x2. Fonte: Kolman e Hill, 2006, p. 2. No exemplo acima, de um livro do Ensino Superior, observa-se que os autores revisitam a noção de sistemas de equações lineares ainda sob a forma de ferramenta implícita do trabalho matemático a ser desenvolvido para solucionar uma situação e, a partir desse exemplos, chamam a atenção para os diferentes tipos de sistemas, introduzindo os sistemas mxn, outros métodos para solucionar esse tipo de sistema e o Teorema de Rouché, que permite discutir as possibilidades de solução. Observa-se, aqui, que no Brasil a noção de sistemas de equações lineares é introduzida na sexta série do Ensino Fundamental II (sétimo ano, alunos de 13-14 anos) e é retomada nos Ensinos Médio e Superior, como ilustrado por meio dos exemplos considerados acima, o que nos permite supor que os estudantes já tenham certa familiaridade com essa noção e com suas representações, podendo aplicar pelo menos as técnicas que lhe são associadas, considerando os quadros da Álgebra para o Ensino Fundamental II, da Geometria Analítica para o Ensino Médio e Geometria Analítica e Álgebra Linear para o Ensino Superior. O exemplo extraído de livro de Ensino Médio ilustra a preocupação de se trabalhar nos diferentes quadros, neste caso, tanto no de Geometria Analítica quanto no de Álgebra. 51 52 Figura 9: Tarefa para identificação de solução em diferentes quadros. Fonte: Smole e Dinis, 2006, p. 130. Nesta tarefa, a proposta é de que o estudante identifique a solução do sistema proposto nos diferentes quadros. Espera-se que o mesmo faça uma estimativa do valor aproximado da ordenada do ponto que representa a solução do sistema de duas equações e duas incógnitas, a partir da leitura do gráfico apresentado. Para a determinação da solução, o estudante poderá resolver o sistema dado por um dos métodos algébricos que julgar mais conveniente ou apenas substituir o valor da abscissa x = 3 em uma das duas equações, obtendo o valor de y. Esta tarefa possibilita uma discussão sobre a questão da escala ou falta dela (o gráfico não respeita a devida escala) e a possível divergência entre o valor estimado, a partir do gráfico, e o valor calculado. Observa-se ainda que, para Douady, o objeto e sua representação se confundem, mas é preciso reconhecer as diferentes representações que apontam para um mesmo objeto e que é por meio dessas representações que podemos manipular os 52 53 objetos frutos de nossas representações internas, que podem apenas ser evocadas. Sendo assim, recorremos às noções de ostensivos e não ostensivos introduzidas por Bosch e Chevallard (1999). Segundo os autores, são eles que permitem identificar os ingredientes que compõem uma técnica e possibilitam sua execução. Na sequência, faz-se uma breve descrição dos conceitos de ostensivos e não ostensivos, definidos por Bosch e Chevallard. 2.4. Ostensivos e não ostensivos – Bosch e Chevallard Para melhor compreender o papel da noção de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e o Superior, utilizamos a Teoria Antropológica do Didático - TAD de Bosch e Chevallard (1999), que consideram que a atividade matemática é composta por certo número de tarefas, assim como toda atividade humana, e, para cumprir essas tarefas, são desenvolvidas as técnicas, que para se tornarem viáveis devem ser compreensíveis e justificáveis, dando assim lugar ao desenvolvimento das “tecnologias” ou discurso tecnológico; essas tecnologias sendo, por sua vez, objetos de novas tecnologias que Chevallard identifica como teorias. O conjunto tipos de tarefas, técnicas, tecnologias e teorias constitui o que Chevallard denomina organizações praxeológicas ou praxeologias. Em resumo, as praxeologias são compostas de um bloco prático (praxis) que corresponde aos tipos de tarefas e às técnicas que lhe são associadas e um bloco teórico (logos) composto das tecnologias e teorias, sendo que esses últimos permitem descrever, explicar e justificar as técnicas. Para isso, devemos dispor dos ostensivos, que permitem manipular e manusear as técnicas, e não ostensivos, que são evocados quando se utilizam os ostensivos associados, ou seja, o conjunto tarefa-técnica e tecnologia-teoria necessita de diferentes tipos de representações para que as técnicas possam ser manipuladas e justificadas por meio de tecnologias, que por sua vez colocam em jogo noções e ideias que sustentam essa manipulação. 53 54 Para isso, Bosch e Chevallard (1999) definem os ostensivos (representações externas), ou seja, as escritas, símbolos, palavras e gestos mobilizados na atividade matemática que permitem a manipulação das técnicas e a apresentação do discurso tecnológico, tanto sobre as técnicas como sobre as tecnologias, como por exemplo: um nome, uma notação, um gráfico ou ainda um esquema gestual que pode estar realmente presente e ser efetivamente manipulado na sua materialidade, e não ostensivos (representações internas), que são as noções, conceitos, ideias que aparecem como a matéria-prima das técnicas, tecnologias e teorias e que só podem ser evocados com a ajuda dos objetos ostensivos, ou seja, a manipulação dos ostensivos é regrada pelos não ostensivos e estes só podem ser evocados com a ajuda dos ostensivos, existindo assim uma dialética necessária entre eles. Dessa forma, as noções de ostensivos e não ostensivos são essenciais para a realização de tarefas associadas a uma determinada prática institucional e permitem compreender a importância das técnicas, que, por meio de um discurso tecnológico adequado, podem ser planejadas, justificadas e controladas dependendo do trabalho matemático em jogo, que por sua vez está associado às possíveis abordagens de uma mesma noção em função, que irá permitir a escolha da técnica mais adequada em função dos ostensivos e não ostensivos culturais que sustentam essa técnica. O presente estudo conduziu à noção de ponto de vista de Rogalski, para a qual se faz uma breve referência na sequência. 2.5. Noção de ponto de vista - Marc Rogalski É importante considerar também a noção de ponto de vista de Rogalski (1995): Dois pontos de vista diferentes sobre um objeto matemático são diferentes maneiras de observá-los, de fazê-los funcionar, eventualmente de defini-los. Nesse sentido, observar um objeto em diferentes quadros, é considerar diferentes pontos de vista. Mas, pode-se considerar vários pontos de vista em um mesmo quadro. (Rogalski, 1995, apud ANDRADE, 2006). 54 55 Apesar da noção de ponto de vista ser considerada pelo próprio autor como menos exata que as noções de quadro e registro, existe uma proposta de esclarecimento quando o autor apresenta alguns exemplos na tentativa de explicitá-la. Considerando o estudo da Álgebra Linear, em particular quando se consideram os espaços vetoriais de IRn, para a noção de posto, Rogalski destaca os seguintes pontos de vista: Posto de uma família de vetores: O posto de uma família de vetores é a dimensão do subespaço vetorial gerado por essa família, isto é, o número máximo de vetores linearmente independentes que se pode extrair da família. Posto de uma aplicação linear: Dados dois espaços vetoriais de dimensão finita E, F e uma aplicação linear f de E em F, o posto da aplicação linear f é a dimensão da imagem de f. Posto de uma matriz: O posto de uma matriz é o número maximal de vetores linhas (ou colunas) linearmente independentes, isto é, o número de linhas (ou colunas) diferentes de zero após o escalonamento da matriz. Posto de um sistema linear: O posto de um sistema linear é igual ao número de equações independentes do sistema de equações lineares homogêneas associado ao sistema dado, após a aplicação do método de Gauss. As passagens entre esses pontos de vista são teoremas, que não são uma simples tradução de um quadro para outro ou uma simples mudança de representação. Em Geometria Analítica, a descrição dos objetos geométricos pode ser dada por meio do ponto de vista cartesiano, ou seja, o objeto é definido por suas equações, ou por meio do ponto de vista paramétrico, isto é, utilizam-se parâmetros para a sua definição. Por exemplo: a definição de uma circunferência pode ser dada: i) por meio da equação reduzida ( x - a )² + ( y – b )² = r ², que corresponde ao ponto de vista cartesiano. A representação abaixo corresponde a uma representação 55 56 gráfica do objeto circunferência dado pela equação acima. ii) por meio do sistema de equações com parâmetros: x = a + r cos(t) y = b + r.sen(t) que corresponde ao ponto de vista paramétrico. O sistema acima implica dizer que x – a = rcos(t) e y – b = rsen(t). Utiliza-se o ponto de vista mais adequado para o trabalho matemático que se deseja efetuar. Em Álgebra Linear, a dualidade de ponto de vista é particularmente adequada à descrição de subespaços vetoriais. Por exemplo: Em IR3, uma reta vetorial pode ser definida, segundo o ponto de vista cartesiano, por meio de duas equações homogêneas independentes e um plano vetorial por uma equação homogênea. Segundo o ponto de vista paramétrico, uma reta vetorial é um espaço vetorial contendo vetores não nulos, no qual todos os vetores são colineares entre si. Em uma reta vetorial todo vetor não nulo constitui uma base. Um plano vetorial é um espaço vetorial contendo dois vetores não colineares, no qual todo vetor é combinação linear desses dois vetores. Em um plano vetorial todo par de vetores não colineares é uma base desse plano. No caso de IR3, se D é uma reta vetorial e i IR3 é uma base de D, para todo vetor u D, existe um único real tal que u = i . Desta forma, temos a 56 57 representação paramétrica da reta vetorial D; isto é, sua caracterização por meio do ponto de vista paramétrico. Sendo P um plano vetorial e ( i , j ) uma base de P, todo vetor u de P se escreve como combinação linear dos vetores da base, isto é, existe um único par de reais ( , ) tal que u = i + j . Desta forma, temos a representação paramétrica do plano vetorial P, isto é, sua caracterização por meio do ponto de vista paramétrico. Rogalski (2001) observa que cada um desses pontos é adequado a um tipo de problema, por exemplo: para resolver problemas de inclusão ou interseção entre subespaços vetoriais, somos conduzidos a utilizar um ou outro ponto de vista ou mesmo os dois. Além disso, existem particularidades que são mais visíveis em um determinado ponto de vista que em outro. Na figura a seguir, Rogalski (2001) sintetiza as representações de retas e planos em IR3 nos quadros da geometria analítica e da geometria vetorial, destacando os diferentes pontos de vista para cada quadro. 57 58 Figura 10: Representações de retas e planos em R³: diferentes pontos de vista. Fonte: ROGALSKI et al, 2001, p 18. Rogalski (2001) destaca ainda que a passagem de um ponto de vista a outro é sustentada por um teorema, por exemplo: em um espaço vetorial de dimensão n, um subespaço vetorial de dimensão k é parametrado linearmente por k parâmetros independentes ou é definido por n – k equações linearmente independentes. 58 59 2.6. Considerações finais As diferentes ferramentas de análise didática expostas acima ressaltam a importância de um trabalho explícito de articulação entre os diferentes quadros em jogo, quando da introdução de uma determinada noção matemática, assim como da identificação dos tipos de tarefas relacionadas a esses quadros, das técnicas, tecnologias e teorias associadas a essas tarefas e dos ostensivos e não ostensivos que permitem manipulá-las e justificá-las. Observa-se que são os ostensivos que permitem visualizar o objeto matemático sob diferentes pontos de vista e manipulá-lo, obedecendo às regras e leis dos não ostensivos que os justificam. No capítulo que segue, apresenta-se o estudo das expectativas institucionais para a introdução e desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares no Ensino Médio e o que se espera do trabalho a ser realizado tanto pelo professor como pelo estudante. 59 60 CAPÍTULO 3 TOPOS DO PROFESSOR E DO ESTUDANTE VIA DOCUMENTOS OFICIAIS 3.1. Considerações iniciais Neste capítulo, para identificar as relações institucionais esperadas de professores e estudantes, utiliza-se a noção de “topos” do professor e do estudante e analisam-se os documentos oficiais que indicam o que se espera do professor e do estudante tanto do ponto de vista pedagógico, ou seja, como desenvolver o trabalho em sala de aula, como do ponto de vista didático, isto é, qual o conteúdo a ser abordado com sugestões para o seu desenvolvimento. Para isso, foram considerados a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (BRASIL, 2002) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006). O objetivo da pesquisa é determinar que conhecimentos sobre a noção de sistemas de equações lineares desenvolvidos no Ensino Médio podem ser supostos disponíveis para os estudantes que iniciam as carreiras de ciências exatas no Ensino Superior, em particular aqueles que ingressam nos cursos de Licenciatura em Matemática. Para tanto, escolhe-se estudar quais as propostas institucionais para a introdução da noção de sistemas de equações lineares no Ensino Médio e para isso utiliza-se a noção de “topos”5 de Chevallard e Grenier (CHEVALLARD e GRENIER, 1997), que permite compreender qual o papel a ser desempenhado por professor e estudante para o desenvolvimento do processo educativo. palavra grega que significa “lugar”. O “topos” do aluno é o lugar onde ele opera com relativa autonomia em relação ao professor o papel que lhe é próprio na realização de uma tarefa didática. Este trabalho que reúne professor e aluno exige uma ação orquestrada, em que ambos são chamados a desempenhar seu papel em fases cooperativas (CHEVALLARD e GRENIER, 1997, p.186) 5 60 61 Observa-se aqui que, em geral, cabe ao professor o papel da escolha de determinadas tarefas, utilizando-se de técnicas e tecnologias pertinentes, dentro de um discurso tecnológico adequado e baseado em teorias consistentes. Para essas escolhas, o professor deve ser capaz de identificar os conhecimentos prévios de seus estudantes para organizar atividades que permitam um trabalho cooperativo com a real participação dos estudantes. Ou seja, as praxeologias propostas nos documentos oficiais são apenas indicações que podem servir de apoio para que os professores construam suas próprias organizações em função dos conhecimentos disponíveis de seus estudantes. Estabelecido o objetivo da pesquisa e escolhida a ferramenta de análise e os documentos a serem analisados para identificar as relações institucionais esperadas de professores e estudantes do Ensino Médio, busca-se, inicialmente, estabelecer um panorama histórico dos documentos oficiais, destacando aquilo que tem maior relevância para esta abordagem, não perdendo o foco da noção matemática escolhida para esse estudo, ou seja, a noção de sistemas de equações lineares. 3.2. Contexto Histórico O Congresso Nacional promulgou em 1996 a Lei 9394, das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96); ela mesma constitui um fator de mudança. Em consequência, em 1998, o Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) e, no segundo semestre de 1999, a Secretaria da Educação Básica divulgou os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). As DCNEM interpretam e especificam a LDB/96, sendo referencial para a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para as três áreas do Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Como referenciais para as propostas pedagógicas, elas estabelecem as competências e habilidades e 61 62 recomendam a interdisciplinaridade e a contextualização, princípios condutores da organização curricular. O documento explora esses dois princípios como recursos pedagógicos para um ensino que priorize como centro de sua aprendizagem o aluno. Apesar de explicitar competências e habilidades e indicar a interdisciplinaridade e a contextualização como propostas pedagógicas para o trabalho com os estudantes do Ensino Médio, observa-se que nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 2002 já se consideram essas propostas pedagógicas como inatingíveis e impraticáveis, ou seja, as propostas eram gerais e poucas foram as escolas que conseguiram implantar essas novas propostas para o Ensino Médio. A proposição das Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNEM) não foi suficiente para definir uma nova organização desse nível de ensino. Houve tal distanciamento entre o Ensino Médio idealizado pelas DCNEM e o ensino real praticado efetivamente nas escolas que poucas se viram refletidas naquelas propostas, que terminaram por parecer inatingíveis e impraticáveis. (BRASIL, 2006, p.15.) Esse distanciamento entre o ideal e o real conduz à publicação de um novo documento para auxiliar professores, estudantes e dirigentes em geral. Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM – 1999) vêm complementar as DCNEM (1998). Esse novo documento faz referência explícita às disciplinas, vinculadas às três áreas do conhecimento citadas anteriormente, propondo, entretanto, uma visão integradora das disciplinas de modo a se reconhecer a relação entre aquelas de uma mesma área e entre as de áreas diversas, ou seja, explicita-se o que se pretende para o trabalho interdisciplinar. Esse novo documento apresenta, também, os objetivos específicos de cada área do conhecimento reunidos em torno de competências gerais. O problema que se verifica neste documento consiste na falta de sugestões e propostas práticas do “como fazer”. De qualquer forma, ele apresenta orientações gerais sobre os princípios norteadores da prática didática. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNEM (BRASIL, 1999), espera-se que sejam difundidos os princípios da reforma curricular e que sirvam de orientação para os professores buscarem inovações no que se refere às suas 62 63 abordagens e/ou metodologias. O Ministério da Educação, numa parceria com educadores do país e partindo de princípios definidos na LDB, mudou o perfil do currículo, de tal forma que tivesse como base as competências básicas. A proposta é de uma ruptura de um ensino descontextualizado, compartimentado e baseado no acúmulo de informações, meramente enciclopedistas, para um rico em significados inseridos numa diversidade de contextos, promovendo a interdisciplinaridade e incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender. Desta forma, propõe-se uma participação efetiva das escolas com relação à integração de seus alunos com o mundo contemporâneo nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho. O processo é contínuo e busca a participação e o comprometimento dos professores, visando o aprimoramento da prática educativa. Sendo assim, temos a possibilidade de rever e alterar estes parâmetros, uma vez que se trata de propostas, e cabe a cada escola escolher aquela que se adapta melhor aos seus estudantes. É importante ressaltar, neste momento, que a realidade do estudante deve ser levada em consideração, respeitando seu desenvolvimento em todos os aspectos (biológico, psicológico e intelectual). O Ensino Médio é definido como etapa final da formação básica do educando, aquela necessária para todo cidadão educado e visa "introduzir o jovem no mundo como um todo", porque depois vem uma etapa especializada (no trabalho ou na universidade, etc.). O que se enfatiza é que não é objetivo principal deste segmento de ensino preparar os alunos para os vestibulares. O ensino proposto tem como fundamentos filosóficos: a estética da sensibilidade (que valoriza o criativo, o curioso e favorece o trabalho autônomo, não padronizado); a política da igualdade (que busca a solidariedade e respeita a diversidade, sendo base da cidadania); a ética da identidade (que promove a autonomia do educando, da escola, das propostas pedagógicas etc.). Na parte do PCNEM relativa à Matemática, apresentam-se as finalidades do 63 64 ensino da disciplina. Leva-se em conta seu caráter formativo (desenvolve capacidades específicas), seu aspecto instrumental (as aplicações na realidade e nas ciências) e seu status como ciência (métodos próprios de pesquisa e validação, bem como sua organização). Destacam-se ainda as relações entre Matemática e tecnologia: a primeira como instrumento para ingresso no universo tecnológico e este como fonte de transformações na Educação Matemática. Há uma sintonia entre os princípios contidos nas DCNEM e os parâmetros relativos à Matemática, embora os textos tenham autores diferentes. Os parâmetros propõem como objetivo para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática que é preciso que os estudantes percebam as aplicações dessa ciência em situações variadas e têm como objetivo que os educandos percebam as aplicações da Matemática em variadas situações, o que ecoa a ideia de um ensino contextualizado; nos parâmetros recomenda-se que os educandos desenvolvam a prática de planejar, executar, justificar e controlar as tarefas associadas à resolução de problemas, à comunicação e à representação, o que corresponde a uma visão de aprendizagem como "construção de competências". Ainda nos parâmetros, são apresentadas como finalidade do ensino da Matemática sua compreensão, a confiança no seu uso e certa satisfação pessoal com ela, o que reflete, entre outras ideias, a ética da identidade e a promoção da autonomia. Para suprir a falta de sugestões e propostas práticas do “como fazer”, citadas anteriormente sobre os PCNEM (BRASIL, 2002), surgem os PCN+ (BRASIL, 2002), propostos como orientações complementares, apresentando um diálogo direto com os professores e os educadores, tornando menor a distância entre a proposição das ideias e sua execução, a teoria e a prática. Pode-se considerar que é nesse novo documento que encontramos as propostas didáticas de trabalho com a Matemática que auxiliam na implementação das novas propostas pedagógicas. O texto dos PCN+ (BRASIL, 2002) representou um avanço, na medida em que propõe sugestões de organização de cursos e de aulas, além de uma diversidade de abordagens sobre os temas da disciplina. Os professores passam a ter inúmeros exemplos de aplicação das propostas previstas nos Parâmetros, além de permitir as 64 65 inovações, levando em consideração o perfil do aluno, a realidade de cada escola e de seu projeto político-pedagógico. É importante destacar que este documento é passível de esclarecimentos, divulgações e discussões, promovendo reflexões que favoreçam a melhoria do processo de ensino e aprendizagem. Os PCN+ (BRASIL, 2002), por seu maior aprofundamento nas questões referentes a cada área e disciplina, serviram de base para muitas das reflexões que se seguem, com orientações para o cumprimento dos pressupostos estabelecidos para o Ensino Médio na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 – LDBEN, e que podem servir de subsídios à escola e sistemas de ensino, na definição de seleção e ordenação de conteúdos, procedimentos, atitudes e valores que concretizam os caminhos a serem trilhados nessa etapa conclusiva da educação básica. Após essa breve discussão sobre as necessidades que levaram à construção de novos documentos que pudessem auxiliar professores, dirigentes e estudantes a compreender o que se espera desenvolver no Ensino Médio, tanto do ponto de vista pedagógico como didático, destacam-se abaixo as indicações das Orientações Curriculares para o Ensino Médio de 2006, cujo objetivo é auxiliar na construção das organizações pedagógico-didáticas do Ensino Médio em função das necessidades e expectativas de cada escola. 3.3. Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) Os professores recebem um documento da Secretaria de Educação Básica, por intermédio do Departamento de Política do Ensino Médio, com o intuito de refletirem sobre suas práticas docentes, concebendo a prática cotidiana como objeto de reflexão permanente; documento este denominado de “Orientações Curriculares para o Ensino Médio” (BRASIL, 2006). A demanda era pela retomada da discussão dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2002), não só no sentido de aprofundar a compreensão sobre pontos que mereciam esclarecimentos, como 65 66 também de apontar e desenvolver indicativos que pudessem oferecer alternativas didático-pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico, a fim de atender às necessidades e às expectativas das escolas e dos professores na estruturação do currículo para o Ensino Médio. Nesse documento, são destacados dois aspectos relevantes: O primeiro diz respeito às finalidades atribuídas ao Ensino Médio: o aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado (Art. 35, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - nº 9394/96); O segundo propõe a organização curricular com os seguintes componentes: • base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada que atenda a especificidades regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e do próprio aluno (Art. 26, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - nº 9394/96); • planejamento e desenvolvimento orgânico do currículo, superando a organização por disciplinas estanques; • integração e articulação dos conhecimentos em processo permanente de interdisciplinaridade e contextualização; • proposta pedagógica elaborada e executada pelos estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu sistema de ensino; • participação dos docentes na elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino. Sobre a contextualização, o documento alerta que ela deva aparecer não como uma forma de “ilustrar” o enunciado de um problema, mas como uma maneira de dar sentido ao conhecimento matemático na escola. Cabe ao professor antecipar os conteúdos que são objetos de aprendizagem, ou seja, preparar situações 66 67 contextualizadas é uma das tarefas que fazem parte do “topos” do professor. Outra recomendação dada é de que é preciso estar atento aos problemas “fechados”, porque esses pouco incentivam o desenvolvimento de habilidades. Isto se justifica, pois o estudante identifica o conteúdo a ser utilizado de antemão, sem que haja maiores provocações quanto à construção de conhecimento e quanto à utilização de raciocínio matemático. Ele o faz de forma mecanicamente arrolada, não existindo uma efetiva aprendizagem. Isso provoca a cristalização de certo contrato didático, que tem como uma das regras implícitas que o estudante não deve se preocupar com o enunciado do problema, basta operar com os números que estão presentes, sem que haja qualquer reflexão sobre o resultado final, mesmo que eventualmente absurdo. Este documento ressalta o quanto é importante, para o exercício da cidadania, a competência de analisar um problema e tomar as decisões necessárias à sua resolução, competência que fica prejudicada quando se trabalha só com problemas “fechados”. Considerando que se espera que o estudante do Ensino Médio seja autônomo e capaz de controlar o seu próprio desenvolvimento, pode-se considerar que procurar situações que possibilitem um planejamento, uma análise, a execução, a justificativa e seu controle fazem parte tanto do “topos” do professor como do estudante, que pode procurar novas tarefas e novas técnicas para solucionar problemas matemáticos associados aos conteúdos que estão sendo desenvolvidos. Nesse caso, o professor é visto como um orientador e auxilia os estudantes a desenvolverem seus projetos pessoais de aprendizagem. Este documento ainda enfatiza que, ao final do Ensino Médio, espera-se que os estudantes saibam usar a Matemática para resolver problemas práticos do quotidiano; para modelar fenômenos em outras áreas do conhecimento; compreendam que a Matemática é uma ciência com características próprias, que se organiza via teoremas e demonstrações; percebam a Matemática como um conhecimento social e historicamente construído; saibam apreciar a importância da Matemática no desenvolvimento científico e tecnológico. Ainda recomenda que os estudantes sejam colocados em um processo de aprendizagem que valorize o raciocínio matemático – nos aspectos de formular 67 68 questões, perguntar-se sobre a existência de solução, estabelecer hipóteses e tirar conclusões, apresentar exemplos e contra-exemplos, generalizar situações, abstrair regularidades, criar modelos, argumentar com fundamentação lógico-dedutiva. Também significa um processo de ensino que valorize tanto a apresentação de propriedades matemáticas acompanhadas de explicação quanto a de fórmulas acompanhadas de dedução, e que valorize o uso da Matemática para a resolução de problemas interessantes, quer sejam de aplicação ou de natureza simplesmente teórica. Nos dois últimos parágrafos, observa-se a ênfase dada ao trabalho individual de cada estudante ao ser colocado frente a situações que exigem que os mesmos trabalhem de forma autônoma, utilizando a Matemática como ferramenta para a solução de problemas que ultrapassam a simples aplicação de fórmulas de forma mecânica, sem uma reflexão sobre o trabalho matemático a ser realizado. Isso reforça a necessidade de um estudante que esteja atento ao seu próprio desenvolvimento. Quanto às questões metodológicas, este documento inicia da seguinte maneira: Falar de ensino e aprendizagem implica a compreensão de certas relações entre alguém que ensina, alguém que aprende e algo que é o objeto de estudo – no caso, o saber matemático. Nessa tríade, professor-aluno-saber, tem-se presente a subjetividade do professor e dos alunos, que em parte é condicionadora do processo de ensino e aprendizagem. (BRASIL, 2006, p. 80) No sentido proposto pela abordagem antropológica de Chevallard (1996), existe uma intenção institucional de que se desenvolva com os estudantes um trabalho que torne estes últimos autônomos e responsáveis por seu próprio desenvolvimento. Sendo assim, fica para o professor e para o estudante um grande trabalho que permitirá não somente um desenvolvimento para o trabalho científico, mas também para a inserção no mercado profissional, que exige cada vez mais indivíduos bem preparados, que sejam capazes de articular diferentes conhecimentos e trabalhar com esses conhecimentos de forma flexível em grupos multidisciplinares. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), o Ensino Médio tem como finalidades centrais não apenas a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos durante o nível fundamental, no 68 69 intuito de garantir a continuidade de estudos, mas também a preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania, a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e a compreensão dos processos produtivos. Nessa definição de propósitos, percebe-se que a escola de hoje não pode mais ficar restrita ao ensino disciplinar de natureza enciclopédica. De acordo com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, deve-se considerar um amplo espectro de competências e habilidades a serem desenvolvidas no conjunto das disciplinas. O trabalho disciplinar pode e deve contribuir para esse desenvolvimento. Conforme destacam os PCNEM (2002) e os PCN+ (2002), o ensino da Matemática pode contribuir para que os estudantes desenvolvam habilidades relacionadas à representação, compreensão, comunicação, investigação e, também, à contextualização sociocultural. Quando se considera a questão dos conteúdos matemáticos a serem trabalhados no Ensino Médio, em particular o estudo da noção de sistemas de equações lineares, além de trabalhar a técnica de resolução desses sistemas, o documento das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) recomenda colocar a álgebra sob o olhar da geometria. A resolução de um sistema 2x2 de duas equações e duas incógnitas pode ser associada ao estudo da posição relativa de duas retas no plano. Com operações elementares simples, pode-se determinar a existência ou não de soluções desse sistema, o que significa geometricamente os casos de intersecção: retas concorrentes, retas coincidentes ou retas paralelas. Os sistemas 2x2 de duas equações e duas incógnitas são trabalhados no Ensino Fundamental, utilizando os métodos algébricos (adição, substituição e comparação) e geométrico (gráfico). Dos métodos algébricos, trabalhados no Ensino Fundamental, somente o método da adição pode servir de conhecimento prévio de apoio para desenvolver o método de Gauss ou escalonamento. Considerando o trabalho realizado no Ensino Fundamental, seria possível dar ênfase aos sistemas 2x3 e 3x3 no Ensino Médio. Nessas escolhas, fica totalmente a cargo do professor, do Ensino Médio, revisitar a noção de sistemas de equações lineares desenvolvida no Ensino Fundamental. 69 70 A resolução de sistemas 2x3 ou 3x3 também deve ser feita, segundo estas orientações, via operações elementares (o processo de escalonamento), com discussão das diferentes possibilidades de solução (sistemas com uma única solução, com infinitas soluções e sem solução). Ainda de acordo com estas orientações curriculares, quanto à resolução de sistemas de equação 3x3, a regra de Cramer deve ser abandonada. O argumento dado é de que constitui um procedimento custoso (no geral, apresentado sem demonstração e, portanto, de pouco significado para o estudante), que só permite resolver os sistemas quadrados com solução única. Desta forma, fica sem sentido a abordagem dos determinantes quando se considera apenas o estudo dos sistemas de equações lineares, pois em Geometria Analítica essa ferramenta pode se mostrar necessária dependendo do ponto de vista adotado para determinar a equação de retas e planos. Fazendo um paralelo com as tarefas propostas aos estudantes, estas devem propiciar a formação de conceitos; isto é, ao se trabalhar com tarefas onde o conceito funciona como ferramenta implícita, pode-se, posteriormente, ter acesso às ferramentas explícitas até que se compreenda a noção como um objeto dentro do edifício do saber matemático, que permitirá sintetizar ideias já trabalhadas de forma a aplicá-las em outras situações ou tarefas nas quais estes conhecimentos estejam em jogo, mas exigem que os próprios estudantes os reconheçam e os apliquem de forma disponível. Desta forma, consideram-se os sistemas 2x2 (método da adição), trabalhados no Ensino Fundamental como ferramentas explícitas, e para o Ensino Médio são considerados como ferramentas implícitas para os sistemas 2x3 e 3x3. A noção de sistemas de equações lineares, previamente desenvolvidas no Ensino Médio, deveria levar os estudantes a resolver determinados problemas da própria matemática, problemas interdisciplinares e dar subsídios para utilização desta noção inclusive em cursos superiores, uma vez que os métodos de solução de um sistema de equações lineares e o estudo das possibilidades de solução devem estar num nível, pelo menos, mobilizável. Após essa breve descrição das propostas institucionais nacionais e considerando que a partir de 2008 o estado de São Paulo desenvolveu uma nova Proposta com a 70 71 intenção de organizar o trabalho que vem sendo desenvolvido na rede pública estadual e desenvolver um conteúdo mínimo que permita aos estudantes enfrentar os desafios sociais, culturais, escolares e profissionais do mundo em que vivem. 3.4. A Proposta Curricular para o Ensino de Matemática no nível Ensino Médio do Estado de São Paulo. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, partindo da sistematização, revisão e recuperação de documentos, publicações e diagnósticos já existentes, propõe um currículo para os níveis de Ensino Fundamental II e Médio. Busca, desta forma, contribuir com a melhoria da qualidade das aprendizagens de seus estudantes e cumprir seu dever de garantir a todos uma base comum de conhecimentos e competências, para que nossas escolas funcionem de fato como uma rede. Este documento básico apresenta os princípios orientadores para uma escola capaz de promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo. Priorizando a competência de leitura e escrita, esta proposta define a escola como espaço de cultura e de articulação de competências e conteúdos disciplinares. No Estado de São Paulo, nas propostas curriculares elaboradas a partir de 1986 e em vigor até o presente momento, a Matemática era apresentada como uma área específica. Tais propostas constituíram um esforço expressivo, e em alguns sentidos pioneiro, na busca de uma aproximação entre os conteúdos escolares e o universo da cultura, especialmente no que tange às contextualizações e à busca de uma instrumentação crítica para o mundo do trabalho. Essa rica herança pedagógica sobreviveu a uma avalanche de novidades passageiras e serve agora de ponto de partida para que, incorporadas as necessárias atualizações, novos passos sejam dados para sua efetivação nas práticas escolares. Particularmente no que tange às áreas em que se organiza, a nova proposta inspirou-se na anterior, mantendo a área de Matemática como um terreno específico, distinto tanto das Linguagens quanto das Ciências Naturais. 71 72 A Proposta Curricular se completa com um conjunto de documentos dirigidos especialmente aos professores. São os Cadernos do Professor, organizados por bimestre e por disciplina. Neles, são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos, habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares. Sendo assim, observa-se nesse novo documento uma preocupação em estabelecer claramente o “topos” do professor e do estudante, orientando o professor sobre estratégias e métodos que podem auxiliar nos trabalhos extraclasse. Quando se considera mais especificamente a noção de sistemas de equações lineares, esta é apresentada no caderno, volume 2 da 2ª série do Ensino Médio. São propostos vários problemas contextualizados em que equações e sistemas de equações lineares convertem-se em importante ferramenta na busca da solução desejada. Na orientação dada aos professores, fica um alerta para que a construção conceitual seja planejada e gradativa, ou seja, que se considerem os conhecimentos prévios dos estudantes. Da mesma forma, adverte que os professores devem tomar cuidado ao avaliar a importância do cálculo de determinantes associados às matrizes quadradas, no contexto de resolução de sistemas lineares, pois os determinantes, frequentemente, são utilizados como ferramenta quase única para a resolução e a discussão de sistemas de equações lineares por intermédio da regra de Cramer. O que se valoriza aqui são as diversas estratégias de raciocínio em detrimento da mobilização, meramente, da habilidade de memorização. Este aspecto é convergente em relação àquele discutido no documento “Orientações Curriculares para o Ensino Médio de 2006”, na medida em que prioriza a resolução e a discussão de sistemas lineares por intermédio do processo de escalonamento, ou seja, não se trata apenas de resolver um sistema de equações lineares, mas é importante analisar as possibilidades de solução dos mesmos, o que permite um trabalho intra e extramatemático, que certamente fica a cargo do professor. 72 73 Com relação às expectativas do “topos” do professor ao trabalhar com os estudantes, destacam-se, já nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino da Matemática de 5ª a 8ª séries (PCN), atualmente 6º ao 9º anos: Reconhecer os conhecimentos prévios dos alunos com os quais irão trabalhar; propor situações para os alunos que permitam que os mesmos sejam capazes de solucioná-las utilizando seus conhecimentos prévios para a formação de novos conhecimentos; auxiliar os alunos no desenvolvimento destas situações propondo as ajudas necessárias em função do estado de desenvolvimento real destes alunos; avaliar o desenvolvimento destes mesmos alunos, verificando se ao final do trabalho proposto eles são capazes de pelo menos mobilizar os conhecimentos desenvolvidos em outras situações e em novos contextos; mediar à relação entre os alunos, o que é fundamental quando se deseja que o próprio aluno seja responsável pela construção de seu conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 39). Nesse mesmo documento observa-se que existe uma preocupação em colocar em evidência qual o “topos” esperado dos estudantes e implicitamente verifica-se uma proposta de utilização da estratégia de trabalhos em grupo. Certamente, essa proposta faz parte do “topos” do professor, que pode utilizar outras maneiras de conduzir seu trabalho, auxiliando os estudantes a realizarem seu papel, como definido abaixo. Construir seu conhecimento utilizando seus conhecimentos prévios a partir da solução de situações propostas pelo professor; explicitar seu trabalho e o de seus pares na solução das situações que lhe são propostas; persistir e estimular seus colegas quando dificuldades se apresentarem. (BRASIL, 1998, p. 40). Isso confirma a expectativa apresentada por COSTA (2008) em relação a essa proposta de trabalho dos estudantes, a saber: “Observa-se assim, a expectativa de que o estudante seja capaz de, não só construir seu conhecimento, mas de explicitá-lo de forma coerente e auxiliar seus pares quando apresentarem dificuldades [...]”. Considera-se, assim, que os estudantes, ao final do processo de ensino e aprendizagem, sejam capazes de identificar os ostensivos e não ostensivos presentes nas tarefas propostas, sendo elas escolares ou não, e consigam fazer uma aplicação dos mesmos em suas resoluções. 73 74 Destacam-se, aqui, as observações feitas por Costa (2008) sobre o “topos” dos estudantes, onde ela coloca em evidência a importância da identificação dos ostensivos que permitem executar as diferentes tarefas que são propostas aos estudantes e dos não ostensivos que possibilitam o planejamento, o controle e a justificativa por meio de um discurso sobre as técnicas empregadas. Além disso, observa-se que Costa (2008) identifica nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), para a Educação Básica, a metodologia de resolução de problemas como uma indicação importante para o desenvolvimento dos “topos” do estudante e do professor, conforme a proposta desse documento. Ou seja, o estudante deve estar consciente de seu papel e reconhecer os objetos ostensivos e não ostensivos que permitem resolver as situações matemáticas propostas pelo professor, de forma a ser capaz de utilizar um discurso tecnológico que explicite o planejamento, a execução, o controle e a justificativa do trabalho a ser efetuado para a solução de uma determinada situação. [...] Continuando a análise proposta, observa-se que os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam a metodologia de resolução de problemas como uma alternativa para o desenvolvimento do “topos” dos estudantes, sendo esta adequada, uma vez que o próprio estudante deve construir seu conhecimento, auxiliado pelo professor cujo papel é organizar e mediar este trabalho. (COSTA, 2008, p.47) 3.5. Considerações Finais Percebe-se, nos documentos estudados, que existe uma preocupação em auxiliar o professor em suas práticas, destacando a importância das diferentes abordagens, fornecendo diversas sugestões, indicações e pistas, inclusive as metodológicas, ou seja, tenta-se instrumentar o professor para desenvolver o “topos” que lhe é proposto. Desta forma, possibilita-se uma nova forma de ação tanto por parte do professor como por parte do aluno, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio, destacando a nova concepção do papel do Ensino Médio na formação básica e buscando facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Verifica-se, portanto, uma atenção especial dispensada nas orientações apresentadas pelos documentos oficiais analisados, com relação aos “topos” do professor e do estudante. 74 75 Ainda com base na análise dos documentos e especialmente nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, pode-se observar que há outros atores que não apenas estudantes e professores no cenário educacional: Os documentos curriculares produzidos no âmbito das redes públicas do país servem como subsídios para a construção dos projetos pedagógicos das escolas. Mas documentos são simples referências para discussão. A educação é um processo essencialmente social e político que se concretiza e avança com as necessárias mudanças no diálogo e nas ações de atores, em diferentes instâncias: alunos, professores, coordenadores e diretores de escolas; professores formadores e gestores nas universidades; gestores nas Secretárias de Educação e no MEC. (BRASIL, 2006, p.91 e 92) Nota-se que em todos os documentos analisados há uma preocupação em melhorar a qualidade das aprendizagens dos estudantes; uma visão que em absoluto se fecha no conteúdo em si mesmo. Pela retrospectiva histórica que foi traçada e pela análise dos documentos citados, há indícios de que as mudanças “estruturais” na Educação, pelo menos no aspecto de sua concepção, têm ocorrido para atender à necessidade de adaptação frente a uma nova realidade que se coloca, principalmente quando se considera o Ensino Médio. No capítulo que segue apresentamos a grade de análise construída para estudar as relações institucionais existentes e as relações pessoais esperadas dos estudantes que terminam o Ensino Médio e o Ensino Superior. 75 76 CAPÍTULO 4 OS TIPOS DE TAREFAS USUAIS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE EQUAÇÕES LINEARES NA TRANSIÇÃO ENTRE O ENSINO MÉDIO E O ENSINO SUPERIOR 4.1. Considerações iniciais Neste capítulo identificam-se os tipos de tarefas trabalhadas na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, quando se considera a noção de sistemas de equações lineares. Primeiramente, faz-se uma apresentação das ferramentas didáticas de análise utilizadas, com respectivos exemplos; na sequência, apresenta-se a grade de análise identificando as tarefas usuais para o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e o Superior. A grade de análise foi construída seguindo o modelo da apresentada por Dias (1998) em sua tese sobre a articulação de pontos de vista cartesiano e paramétrico no ensino de Álgebra Linear. A partir da identificação das tarefas usuais, estudam-se os quadros em que a tarefa é enunciada e resolvida, os ostensivos utilizados no enunciado e na solução da tarefa, os pontos de vista em jogo e o nível de conhecimento esperado dos estudantes em função da técnica proposta. Consideram-se assim os tipos de tarefas e, por meio de exemplos, aplica-se a grade que auxilia a melhor compreender o nível de conhecimento esperado dos estudantes entre as duas etapas escolares escolhidas para esse pesquisa (Ensino Médio e Superior). Identificam-se os quadros em que as tarefas podem ser resolvidas, os ostensivos manipulados nas diferentes técnicas associadas a esses quadros e os não ostensivos evocados para justificá-las, assim como os diferentes pontos de vista em jogo. Dessa forma, essa grade serve de instrumento para as análises nos dois capítulos seguintes, que tratam das relações institucionais existentes, analisadas via 76 77 livros didáticos indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLEM, 2008), e das relações pessoais esperadas dos estudantes, analisadas via avaliações institucionais UNICAMP (2005-2010), quando se consideram as expectativas institucionais para o Ensino Médio, e ENADE (2005, 2008) quando se consideram as expectativas institucionais para os cursos de Licenciatura em Matemática. No desenvolvimento do processo de construção da grade de análise das tarefas, necessitou-se de algumas noções de didática da matemática, relativas ao referencial teórico escolhido para a pesquisa, que são apresentadas a seguir, acompanhadas de explicitações e exemplos que mostram como elas são consideradas nas analises propostas. 4.1.1. Possíveis quadros em que a noção de Sistemas Lineares pode ser trabalhada Quadro numérico: no caso dos sistemas lineares explícitos, isto é, quando no sistema não existem parâmetros para que se analisem as possibilidades de solução. Nesse caso, os estudantes precisam dispor da noção de números reais, suas operações e propriedades e de um método de resolução de sistemas lineares. No exemplo abaixo, as equações são dadas no quadro numérico. Figura 11: Exemplo de quadro numérico. Fonte: Dante, 2008, p. 250. 77 78 Quadro algébrico: no caso dos sistemas lineares em que os coeficientes das equações são letras. No caso dos sistemas lineares com parâmetros, os estudantes devem dispor de conhecimentos sobre as possibilidades de solução dos sistemas lineares, assim como das operações e propriedades dos números reais e de um método de resolução de sistemas lineares e de métodos para resolução de equações, em particular, de equações de primeiro grau. No primeiro exemplo, o autor considera todas as soluções da equação 3x + 2y = 18 por meio da representação algébrica do conjunto solução, isto é, o par (α , (18 – 3α)/2), com α Є R, é a sua solução geral. Trata-se aqui da representação do conjunto solução quando se considera o ponto de vista paramétrico. O exemplo a seguir, no qual se pode observar que os coeficientes das equações são letras, foi extraído de um livro de Ensino Médio. No exemplo é apresentada a discussão das possibilidades de solução para este sistema em função do parâmetro a. 78 79 Figura 12: Exemplo de quadro algébrico. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 153. Quadro geométrico: que possibilita a mudança do ostensivo de representação algébrica dos sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas e dos sistemas de três equações lineares e três incógnitas que podem ser manipulados e representados pelo ostensivo de representação geométrica em sistemas cartesianos ortogonais de IR2 e IR3 respectivamente. A discussão geométrica dos sistemas 2x2 no plano IR2 e 3x3 no espaço IR3 permitem uma melhor 79 80 visualização das intersecções de retas no plano e retas e planos no espaço, facilitando assim a discussão das possibilidades de solução, pois em IR2, 0 = 0 representa retas coincidentes e 0 = α, com α ≠ 0 representa retas paralelas e esse mesmo tipo de interpretação pode ser utilizado para planos em IR3 e hiperplanos em espaços de dimensão n > 3. Retomando o exemplo dado no quadro numérico, cujas equações são 3x +2y = 18 e 3x + y – 2z = 8, o autor considera o quadro geométrico quando observa que os pontos que satisfazem a primeira equação são pontos do plano que pertencem a uma mesma reta e que os pontos que satisfazem a segunda equação são pontos do espaço que pertencem a um mesmo plano. Figura 13: Sistema linear 3 x 2. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.139 Observa-se, como é mostrado abaixo, que, para esta situação, no quadro geométrico, as três retas são concorrentes duas a duas, mas não existe um ponto em comum a todas elas. Logo se conclui que o sistema é impossível, e portanto o conjunto solução é: S= Ø. Figura 14: Exemplo de quadro geométrico. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.139. 80 81 Assim como para os quadros, apresentamos abaixo uma lista dos não ostensivos e ostensivos seguidos de exemplos para ilustrá-los. 4.1.2. Possíveis não ostensivos e ostensivos que podem ser trabalhados com os estudantes no desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares na transição Ensino Médio e Ensino Superior. não ostensivos - Noção de sistemas de equações lineares; - Noção de equações lineares; - Noção de retas no plano e suas propriedades; - Noção de retas no espaço e suas propriedades; - Noção de planos no espaço e suas propriedades; - Noção de hiperplanos em espaços de dimensão > 3 e suas propriedades; - Noção de porcentagem; - Noções de matrizes e suas propriedades; - Noções de cálculo algébrico e suas propriedades; -Noções relativas às operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) para os conjuntos numéricos; - Métodos de resolução de sistemas de equações lineares em IR², IR³, ... IRn (noções associadas às resoluções algébricas (métodos de Cramer, método de Gauss ou escalonamento) de sistemas mxn, resoluções geométricas de sistemas lineares 2x2 e, em alguns casos, para sistemas 3x3); - Propriedades de estrutura de espaço vetorial (para o método da adição para sistemas 2x2 e método do escalonamento ou método de Gauss para sistemas de m equações e n incógnitas). Considera-se apenas o método de Gauss ou escalonamento, por ser atualmente indicado como o mais adequado para o estudo das possibilidades de solução de um sistema de equações lineares e, consequentemente, para a determinação do subespaço das soluções de um sistema de equações lineares homogêneas ou não, conforme Dorier (1997). 81 82 Ostensivos - representação explícita de sistemas de equações lineares 2x2 Figura 15: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 254. - representação explícita de sistemas de equações lineares 3x3 Figura 16: Ostensivo. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 137. - representação explícita de sistemas de equações lineares mxn Figura 17: Ostensivo. Fonte: Paiva, 2005, p. 316. 82 83 - representação matricial de um sistema de equações lineares Figura 18: Ostensivo. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 129. - representação de conjuntos-solução de sistemas lineares Figura 19: Ostensivo. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 129. 83 84 - discussão e classificação de sistemas lineares Figura 20: Ostensivo. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 154. - método do “escalonamento” de sistema e de matrizes Figura 21: Ostensivo. Fonte: Paiva, 2005, p. 323. 84 85 Figura 22: Ostensivo. Fonte: Paiva, 2005, p. 324 85 86 - Regra de Cramer, matrizes e determinantes Figura 23: Ostensivo. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 95. Trata-se de um método que vem sendo abandonado progressivamente, por só permitir o estudo de sistemas lineares com uma única solução. O método do escalonamento ou método de Gauss é mais adequado quando se deseja estudar as possibilidades de solução do sistema. - representação em língua natural Figura 24: Ostensivo. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.140. - representação algébrica simbólica explícita Figura 25: Ostensivo. Fonte: Paiva, 2005, p. 318. 86 87 - representação geométrica de equações em um sistema cartesiano o r t o g o n a l Figura 26: Ostensivo. Fonte: Paiva, 2005, p. 318. - representações álgébrica simbólica explícita e geométrica de três planos no espaço 1ª possibilidade: os três planos coincidem. x + y – z =1 2x + 2y - 2z =2 4x + 4y - 4z =4 Figura 27: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 258. 2ª possibilidade: dois planos coincidem e o terceiro é paralelo a eles. x+y–z=1 2x + 2y – 2z = 2 4x + 4y – 4z = 7 Figura 28: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 258. 87 88 3ª possibilidade: dois planos coincidem e o terceiro os intercepta segundo uma reta. x+y–z=1 2x + 2y – 2z = 2 4x + 4y – z = 4 Figura 29: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 259. 4ª possibilidade: os planos são paralelos dois a dois. x+y–z=1 2x + 2y – 2z = 3 4x + 4y – 4z = 7 Figura 30: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 259. 5ª possibilidade: dois planos são paralelos e o outro os intercecta segundo retas paralelas r e s. x+y–z=1 2x + 2y – 2z = 3 4x + 4y – z = 4 Figura 31: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 259 6ª possibilidade: os três planos são distintos e têm uma reta em comum x +y+z=1 2x – y + z = 5 4x + y + 3z =7 Figura 32: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 260 88 89 7ª possibilidade: os três planos se intersectam, dois a dois, segundo retas paralelas umas às outras. x + y – 3z = 1 5x + 2y + z = 2 9x + 3y + 5z = 5 Figura 33: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 260 8ª possibilidade: os três planos têm um único ponto em comum. x + 2y – 3z = 4 2x + 3y + 4z = 5 4x + 7y – z = 13 Figura 34: Ostensivo. Fonte: Dante, 2008, p. 260 Após as considerações feitas sobre os possíveis quadros em que a noção de sistemas lineares pode ser trabalhada e os ostensivos e não ostensivos associados, passa-se para a abordagem da noção didática de apoio para esta pesquisa, que é a de pontos de vista cartesiano e paramétrico. 89 90 4.1.3. Pontos de vista possíveis para o desenvolvimento da noção de sistemas lineares na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior. Para levar em conta os diferentes pontos de vista, conforme definição de Rogalski (1995), que podem ser encontrados no desenvolvimento da noção de sistemas lineares na transição entre o Ensino Médio e Ensino Superior, distinguiu-se: Pontos de vista cartesiano, paramétrico e geométrico. Ponto de vista cartesiano: quando o conjunto solução de um sistema de i) equações lineares é dado por meio de um conjunto de equações independentes. Exemplos: 1) A equação 3x + 2y = 18 do plano IR2. 2) O sistema de três equações e três incógnitas do espaço IR3 x + y – 3z = 1 5x + 2y + z = 2 9x + 3y + 5z = 5 ii) Ponto de vista paramétrico: quando o conjunto solução de um sistema de equações lineares é dado pelos vetores que geram esse subespaço solução. Exemplos: 1) O conjunto solução da equação 2x + 3y = 18 representado parametricamente por (α, (18 – 2α)/3) para qualquer valor real de α. 2) O conjunto solução do sistema de equações x+y+z =1 2x – y + z = 5 4x + y +3z =7, representado parametricamente por ( α, (-4 + α)/2, (6 - 3α)/2) para qualquer valor real de α. 90 91 ii) Ponto de vista geométrico: quando as equações de sistemas de equações lineares no plano IR2 ou no espaço IR3 são identificadas a retas ou planos, respectivamente, e o conjunto solução desses mesmos sistemas são tratados como intersecções dessas retas ou planos. Exemplos: 1) No plano IR2 Figura 35: Ponto de vista geométrico (plano IR2). Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.128. 2) No espaço IR3 Figura 36: Ponto de vista geométrico (no espaço IR3). Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.137. Consideram-se, ainda, alguns exemplos associados à noção de sistemas de equações lineares para ilustrar como são trabalhados os três níveis de conhecimento esperados dos estudantes, conforme definição de Robert (1997), na transição entre o Ensino Médio e o Superior. 91 92 4.1.4. Níveis de conhecimento esperados dos estudantes para o desenvolvimento da noção de sistemas de equações lineares na transição entre Ensino Médio e Ensino Superior Apresentam-se brevemente as definições dos três níveis de conhecimento esperados dos estudantes, conforme definição de Robert (1997), que são seguidos de exemplos associados à noção de sistemas de equações lineares como ilustração. O nível técnico corresponde a um trabalho isolado, local e concreto. Está relacionado principalmente às ferramentas e definições utilizadas em uma determinada tarefa. Por exemplo: Figura 37: Tarefa referente ao nível técnico. Fonte: Dante, 2008, p.250. Nesse caso, basta considerar os pares e ternos ordenados que são as soluções das equações dadas. Para isso, escolhem-se pontos de IR2 e IR3, respectivamente, e calcula-se o valor numérico da equação no ponto correspondente, cujo significado é verificar se o ponto pertence ou não ao conjunto solução da equação. A proposta de reflexão conduz ao ponto de vista paramétrico e ao ponto de vista geométrico. Certamente, essas reflexões exigem a disponibilidade e a mobilização de outros conhecimentos, em particular, da articulação dos pontos de vista cartesiano, paramétrico e geométrico. Para isso, é preciso dispor de um algoritmo de passagem de uma representação 92 93 cartesiana para uma representação paramétrica e vice-versa, o que supõe um desenvolvimento teórico que descreva, interprete e justifique essa passagem. Da mesma forma, é preciso dispor de conhecimentos de Geometria, Geometria Analítica e Álgebra Linear para articular os pontos de vista cartesiano, paramétrico e geométrico. Observa-se aqui que a reflexão proposta pelo autor corresponde a uma tecnologia para articular as diferentes técnicas de passagem de um ponto de vista para outro que só podem ser justificadas por meio de conhecimentos teóricos associados à estrutura de espaço vetorial. No exemplo apresentado, verifica-se que o autor solicita que o estudante observe as duas equações lineares dadas: 1ª) 3x + 2y = 18 2ª) 3x + y - 2z = 8 A solução proposta leva em conta implicitamente a questão do espaço onde estão definidas as equações, pois para a primeira equação o autor considera os pares ordenados que representam pontos no plano e para a segunda equação ele trata dos ternos ordenados que correspondem aos pontos no espaço. Nesse caso, é preciso considerar que os sistemas de equações lineares no Ensino Médio são tratados apenas no plano e no espaço e que os sistemas com duas incógnitas representam sistemas de equações lineares no plano e os sistemas de equações lineares com três incógnitas representam sistemas no espaço, o que conduz a considerar que se trata de uma questão cujo nível esperado dos estudantes para a sua solução é o técnico. Mas as reflexões apresentadas ao lado exigem outros níveis de conhecimento, como já descrito acima, e as outras noções que permitem a solução da tarefa, tais como: i) operações e propriedades nos conjuntos numéricos Neste exemplo, pressupõem-se um conhecimento das quatro operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão), e um domínio das regras de sinais associadas a essas operações, isto é, é preciso dispor de conhecimentos sobre os diferentes conjuntos numéricos N, Z, e Q e IR, suas operações, relações e 93 94 propriedades. ii) ordem de simplificação de expressões numéricas Para as devidas verificações de possíveis soluções, faz-se necessário respeitar a ordem de simplificação na resolução das identidades, uma vez que o primeiro membro da igualdade deverá ser equivalente ao segundo membro da igualdade. O nível mobilizável corresponde a um início de justaposição de saberes de certo quadro, podendo até corresponder a uma organização. Vários métodos podem ser mobilizados. O que se questiona é explicitamente pedido. Na tarefa citada anteriormente, há uma justaposição dos saberes de quadros aritméticos, algébricos e geométricos quando o autor propõe a tarefa de reflexão; talvez seja um salto para muitos estudantes no que se refere à sua compreensão, ou seja, a passagem de um ponto de vista ao outro representa uma diferença de nível de exigência para a solução da mesma, como explicitado acima. Não se trata apenas de encontrar uma solução para a tarefa, uma vez que esta já é dada no problema, mas de escolher pares ordenados no primeiro caso e ternos ordenados no segundo caso, o que supõe a apresentação prévia de uma definição que associe a primeira equação à representação de um conjunto de pontos no plano e a segunda equação à representação de um conjunto de pontos no espaço. Observa-se ainda que na reflexão descreve-se, interpreta-se e justifica-se o que representa esse conjunto. Essa reflexão exige outros conhecimentos que modificam a tarefa, tornando-a mais complexa, e pode-se considerá-la mobilizável se explicita-se o pedido em termos de retas no plano e planos no espaço ou retas em IR2 e planos em IR3, e disponível quando a tarefa é interpretada nesses termos espontaneamente. Para melhor ilustrar o nível mobilizável, considera-se o exemplo a seguir. 94 95 Exemplo do nível mobilizável: discutir as possibilidades de solução de um sistema mxn pelo método de escalonamento de Gauss. Figura 38: Tarefa referente ao nível mobilizável. Fonte: Dante, 2008, p.26. Neste exemplo, o método de resolução é explicitado, basta aplicar a técnica para resolver o sistema e a partir do resultado encontrado mobilizar os conhecimentos associados às possibilidades de solução. O nível disponível corresponde a saber responder corretamente o que é proposto sem indicações. Esse nível está associado à familiaridade, ao conhecimento de situações de referência variadas que o estudante conhece e é capaz de transpor para outros casos. Figura 39: Tarefa referente ao nível disponível. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.139. 95 96 Nesta tarefa, assim como na próxima, espera-se que o estudante reconheça a possibilidade de aplicar a noção de sistemas de equações lineares para a sua solução, isto é, ele deve dispor desse conhecimento para resolvê-la. Nesse caso, o estudante pode aplicar qualquer método para a solução do sistema, que depende de seus conhecimentos prévios e das situações já encontradas anteriormente. Os exemplos contextualizados apresentados a seguir correspondem a uma otimização de resultados, muito utilizada nas empresas e trabalhada mais especificamente na disciplina de pesquisa operacional para auxiliar na tomada de decisão. Eles deixam evidente a importância de desenvolver com os estudantes o nível disponível exigido para esse tipo de tarefa, uma vez que é necessário que se escolham as noções matemáticas e o método a ser utilizado para resolver a questão e posteriormente estudar a melhor condição para trabalhar o problema. 96 97 Figura 40: Tarefa referente ao nível disponível. Fonte: Dante, 2008, p. 270. Trata-se de uma tarefa do Ensino Médio e, considerando o enunciado e a solução apresentados, observa-se que é preciso mobilizar conhecimentos sobre porcentagem e dispor de situações de referência que auxiliem a identificar que a noção de sistemas de equações lineares é adequada para a sua solução. 97 98 Figura 41: Tarefa referente ao nível disponível. Fonte: Kolman e Hill, 2006, p. 6-7 98 99 A solução da tarefa apresentada pelo autor deixa evidente a necessidade de dispor de situações de referência que auxiliem a identificar que a noção de sistemas de equações lineares é adequada, sendo ainda necessário saber analisar as condições para que o sistema tenha solução em função da escolha de um valor para o parâmetro escolhido. Após essa breve discussão sobre as ferramentas matemáticas escolhidas para o desenvolvimento dessa pesquisa e para melhor compreender as possibilidades de trabalho com a noção de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e Superior em função das relações institucionais esperadas e existentes, constrói-se a grade de análise a seguir. Essa grade tem como objetivo a identificação das diferentes formas de tratamento dos diferentes tipos tarefas usualmente propostas nas duas etapas escolares escolhidas para a pesquisa, observando que, dependendo do caminho escolhido, são necessários diferentes níveis de conhecimento em relação às noções matemáticas em jogo. 4.2. A Grade de Análise A grade que será apresentada a seguir tem a função de contribuir para análise das relações institucionais existentes para o ensino e aprendizagem do conceito de sistemas de equações lineares, assim como compreender melhor a transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior quando se considera esta noção matemática. Esta grade possibilita também a identificação das relações institucionais possíveis em função das tarefas e das variáveis das tarefas encontradas nos livros didáticos analisados, que podem ser exploradas tanto com os estudantes do Ensino Médio como com os do Ensino Superior. Essa grade possibilita ainda a identificação das relações pessoais esperadas dos estudantes, que nessa pesquisa serão analisadas via avaliações institucionais. Além disso, a grade de análise é uma ferramenta que permite mostrar as diferentes técnicas que podem ser associadas a uma determinada tarefa dependendo 99 100 do quadro que se deseja desenvolvê-la, dos ostensivos que permitem manipular essas técnicas e dos não ostensivos que as justificam, dos pontos de vista em jogo e do nível de conhecimento que se espera desenvolver com os estudantes. Sendo que para esse estudo a ênfase é dada no nível de conhecimento esperado dos estudantes tanto do Ensino Médio como do Ensino Superior. Para isso, selecionam-se os diferentes tipos de tarefas relacionadas à noção de sistemas de equações lineares, que, em geral, são trabalhadas tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior. Essa seleção foi feita pela identificação das tarefas existentes em livros didáticos e avaliações institucionais. Certamente não se trata da única forma de escolher essas tarefas e muito menos de um trabalho exaustivo em que todos os tipos possíveis de tarefas foram assinalados. Observa-se ainda que esse grupo de tarefas, em particular as já encontradas no Ensino Médio, pode servir de ferramenta para a introdução de novos conceitos no Ensino Superior, em particular no desenvolvimento das noções de Álgebra Linear em IRn. Inicialmente consideraram-se as tarefas associadas à noção de sistemas de equações lineares, que, em geral, são trabalhadas no Ensino Médio e/ou no Ensino Superior. 100 101 Para a noção de sistemas lineares selecionaram-se as seguintes tarefas: Tabela 1: Nove tarefas comumente encontradas no Ensino Médio e/ou no Ensino Superior. Tarefa 1 Verificar se um elemento dado é solução de um sistema de equações lineares. Tarefa 2 Resolver um sistema de equações lineares 2x2 ou 3x3, e discutir as possibilidades de solução. Tarefa 3 Representar graficamente o conjunto solução de um sistema de 2 equações e 2 incógnitas e discutir as possibilidades de solução. Tarefa 4 Identificar situações de contexto extramatemático em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares. Tarefa 5 Obter sistemas de equações lineares a partir de determinadas soluções dadas ou condições. Tarefa 6 Analisar a resolução de um sistema de equações lineares, descobrir o erro e corrigi-lo. Tarefa 7 Resolver um sistema de equações lineares pelo método de escalonamento (eliminação gaussiana ou de Gauss-Jordan). Tarefa 8 Utilizar Regra de Cramer para resolver um sistema de equações lineares. Tarefa 9 Articular sistemas de equações lineares e função. Considerando as tarefas associadas à noção de sistemas de equações lineares encontradas no Ensino Médio e/ou Superior para melhor identificar as possíveis técnicas que lhes são associadas, destacam-se as variáveis destas tarefas, para as quais se deu ênfase ao nível de conhecimento pedido explicitamente no enunciado e aos diferentes níveis de conhecimento que podem ser identificados em relação a outras noções que devem ser utilizadas para a solução da tarefa. Sendo assim, consideraram-se as seguintes variáveis da tarefa para compor a grade de análise apresentada a seguir. Quadros em que a tarefa é enunciada Nível de conhecimento exigido na solução da tarefa 101 102 Ostensivos utilizados no enunciado Pontos de vista possíveis de serem utilizados na tarefa Ostensivos utilizados na solução da tarefa Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas As variáveis das tarefas, acima citadas, são ferramentas que permitem diferenciar o trabalho matemático em jogo, isto é, as técnicas e as necessidades tecnológicas e teóricas que podem ser encontradas quando se trabalha com a noção de sistemas de equações lineares tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior. Na sequência, apresentam-se exemplos de funcionamento da grade para as nove tarefas identificadas. 4.3. Exemplos de Funcionamento da Grade Para apresentar os exemplos de funcionamento da grade de análise das tarefas apresentadas na tabela anterior, considera-se a tarefa geral e, em seguida, apresentam-se um ou mais exemplos, seguidos da aplicação da grade que justifica as técnicas empregadas em função do quadro e do ponto de vista considerado e do nível de conhecimento esperado dos estudantes. Tarefa 1 Verificar se um elemento dado é solução de um sistema de equações lineares. Para esta tarefa, destaca-se a situação abaixo, na qual são feitas as verificações de dois pares ordenados, um deles sendo solução do sistema 2x2 e outro não. Feito isto, solicita-se que sejam feitas duas outras verificações, agora para sistemas 3x3. 102 103 Exemplos: Figura 42: Exemplos da tarefa 1. Fonte: Dante, 2008, p. 252. Quadros em que a tarefa é enunciada: numérico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável em relação à representação de pontos em IR2 e IR3 (EM) e IRn (ES); Ostensivos utilizados no enunciado: ostensivo de representação explícita de sistemas de equações lineares; Pontos de vista: cartesiano; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: pares ordenados, ternos ordenados, valor numérico; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: disponível em relação à determinação do valor numérico, isto é, identificar x, y e z na representação de ponto dada e substituir em todas as equações. Tarefa 2 Resolver um sistema de equações lineares e discutir as possibilidades de solução. O exemplo a seguir é de um sistema linear 2x2 possível e indeterminado. Ao ser apresentada sua resolução, pelo método da adição, nota-se que a equação obtida é 0y 103 104 = 0, o que constitui uma verdade independente do valor de y. Desta forma, o sistema admite infinitas soluções e o seu conjunto solução é expresso de forma paramétrica em função de α. Exemplo 1: Figura 43: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 253. Para esta mesma tarefa, destaca-se outro exemplo; isto é, um exercício proposto no qual é preciso mobilizar conhecimentos sobre o método algébrico da adição, assim como o método geométrico e a classificação dos sistemas dados. Exemplo 2: Figura 44: Exemplos da tarefa 2. Fonte: Dante,2008, p.254. 104 105 Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável, quando explicita o método a ser utilizado para a solução do sistema linear e disponível quando não explicita; Ostensivos utilizados no enunciado: representação explícita de sistemas de equações lineares; Pontos de vista: cartesiano e paramétrico; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: método da adição, método geométrico, pares ordenados e discussão das possibilidades de solução, representação paramétrica do conjunto solução, representação cartesiana do conjunto solução; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Métodos algébricos e geométricos para resolução dos sistemas lineares dados pedidos explicitamente, logo se trata do nível mobilizável. - Discussão e classificação dos sistemas, o que se refere aos níveis mobilizável e disponível, respectivamente. - Representação cartesiana e paramétrica do conjunto solução de sistemas de equações lineares, que exige um pedido explícito e, quando esse não e feito, supõe-se que os estudantes disponham de conhecimentos sobre essas representações. Ainda para esta mesma tarefa, escolhem-se duas situações em que se discutem as possibilidades de solução de um sistema linear 2x2 e suas respectivas classificações, observando apenas os coeficientes de suas equações. 105 106 Exemplo 3 Figura 45: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 255. Figura 46: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 255. Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico e algébrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: disponível; Ostensivos utilizados no enunciado: representação explícita de sistemas de equações lineares; Pontos de vista: cartesiano e paramétrico; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: determinantes, pares ordenados, equivalência dos coeficientes das equações e discussão da solução; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Determinantes e suas propriedades devem ser disponíveis quando se considera a discussão das possibilidades de solução no quadro dos determinantes. - Discussão e classificação dos sistemas são pedidas explicitamente, mas o estudante deve dispor de um método para efetuar o trabalho matemático pedido, podendo utilizar método de eliminação de Gauss ou escalonamento, o método 106 107 de representação de retas e planos em um sistema cartesiano ortogonal para sistemas 2x2 e 3x3, respectivamente, ou o método dos determinantes. A discussão e classificação podem ainda ser realizadas por meio da representação paramétrica ou cartesiana de sistemas de equações lineares; a passagem de uma representação à outra supõe que o estudante disponha de conhecimentos da noção de espaço vetorial de IRn, seus teoremas e suas propriedades para descrever, interpretar e justificar o trabalho matemático realizado. Buscam-se, a seguir, situações nas quais se discutem as possibilidades de solução de um sistema em função de um ou mais parâmetros (2x2 e 3x3). Exemplo 4 Figura 47: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 257. Figura 48: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 259. 107 108 Figura 49: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 260. Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico, algébrico e geométrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável se consideramos apenas a solução do sistema e disponível quando justificamos, por meio da noção de dependência de vetores, a passagem para o ostensivo de representação figural dos planos e suas respectivas intersecções. Neste caso, temos ainda uma mudança de quadros, pois passamos do ostensivo de representação algébrica do sistema considerado para os ostensivos de representação figural de retas e planos; Ostensivos utilizados no enunciado: representação explicita de sistemas de equações lineares; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: determinantes, pares e ternos ordenados, equivalência dos coeficientes das equações e discussão da solução, 108 109 retas, pontos, representação figural, vetores, representação de vetores em coordenadas, representação cartesiana e paramétrica de retas e planos no espaço IR3 ou representação cartesiana e paramétrica do conjunto solução de um sistema linear para os espaços vetoriais IRn; Pontos de vista: cartesiano e paramétrico; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Determinantes e suas propriedades: disponível. - Discussão e classificação dos sistemas: mobilizável e disponível dependendo das interpretações efetuadas, das mudanças de quadros e de pontos de vista. Para encerrar esta seção de exemplos desta tarefa 2, passa-se à discussão das possibilidades de solução de um sistema mxn pelo método de escalonamento de Gauss. Exemplo 5 Figura 50: Exemplo da tarefa 2. Fonte: Dante, 2008, p. 264. Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico; 109 110 Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável; Ostensivos utilizados no enunciado: representação explícita de sistemas de equações lineares; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: pares ordenados, equivalência dos coeficientes das equações e discussão da solução; Pontos de vista: cartesiano e paramétrico; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Disponível em relação à noção de equivalência de sistemas lineares. - Discussão e classificação dos sistemas: mobilizável e disponível dependendo das interpretações efetuadas, das mudanças de quadros e de pontos de vista. Tarefa 3 Representar graficamente o conjunto solução de um sistema de 2 equações e 2 incógnitas e discutir as possibilidades de solução. Para esta tarefa são apresentados três sistemas 2x2, e resolvidos por meio do método gráfico. Destacam-se as três possibilidades de solução para um sistema 2x2, que são: i) sistema possível e determinado; ii) sistema impossível; iii) sistema possível e indeterminado. 110 111 Exemplos: Figura 51: Exemplo da tarefa 3. Fonte: Dante, 2008, p. 253. Figura 52: Exemplo da tarefa 3. Fonte: Dante, 2008, p. 254. 111 112 Figura 53: Exemplo da tarefa 3. Fonte: Dante, 2008, p. 254. Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico, algébrico e geométrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável; Ostensivos utilizados no enunciado: representação explícita de sistemas de equações lineares; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: pares ordenados, discussão da solução, representação gráfica de retas no sistema cartesiano ortogonal; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Método geométrico para resolução dos sistemas dados, o que supõe que o estudante disponha de conhecimentos sobre a passagem de uma representação cartesiana de uma reta para sua representação geométrica. Além disso, o estudante deve dispor de conhecimentos de geometria plana para justificar quando as retas são concorrentes, coincidentes e paralelas. - Discussão e classificação dos sistemas exigem que o estudante articule seus conhecimentos de geometria plana e espacial com os conhecimentos algébricos e com as representações dos conjuntos soluções dos sistemas lineares, portanto o estudante precisa dispor desses conhecimentos e das formas de representações de pares e ternos ordenados e retas no plano e retas e planos no espaço. 112 113 Tarefa 4 Utilizar a noção de sistema de equações lineares em situações contextualizadas O exemplo a seguir propõe uma possível interdisciplinaridade da Matemática com a Física, na medida em que se trabalha com as funções horárias das posições ou dos espaços entre dois ciclistas. É importante observar que não é possível ficar apenas no quadro geométrico para responder às perguntas propostas, pois o gráfico não indica com precisão determinadas coordenadas de pontos geométricos. O estudante terá que dispor, sobretudo, de conhecimentos de funções polinomiais do primeiro grau. Exemplo: Figura 54: Exemplo da tarefa 4. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p. 139 113 114 Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico e geométrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: disponível; Ostensivos utilizados no enunciado: representação geométrica de duas funções horárias das posições; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: pares ordenados (distância x tempo), representação gráfica de retas, funções polinomiais do 1º grau; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Leitura e interpretação gráfica: mobilizável. - Métodos algébricos para resolução do sistema a ser construído – disponível tanto para a construção do sistema como para sua solução. - Representação de pares ordenados e retas no plano, dispor de conhecimentos sobre a passagem da representação geométrica para a representação algébrica da equação de uma reta no plano. Nesse caso, por se tratar de um exemplo do contexto da física, o estudante deve associar distância com o eixo das ordenadas (y) e tempo com o eixo das abscissas (x) para escrever as equações do movimento de cada ciclista. Como se trata de uma tarefa que pode já ter sido trabalhada no contexto da física, o estudante pode dispor de outros métodos para resolvê-la, sendo necessária uma discussão preliminar para aqueles que não dispõem desses conhecimentos. Trata-se aqui de uma tarefa que permite um trabalho interdisciplinar que pode servir de facilitador para o desenvolvimento das duas disciplinas, isto é, uma se serve dos conhecimentos prévios desenvolvidos na outra. Da mesma forma, a seguir se propõe, agora de uma forma explícita, uma tarefa que permite a interdisciplinaridade da Matemática com a Química, na medida em que se trabalha com o balanceamento de uma reação química; isto é, constrói-se um sistema com três equações e três incógnitas a partir dos coeficientes da equação química. 114 115 Exemplo 2: Figura 55: Exemplos da tarefa 4. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.140-141 115 116 Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico e algébrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: disponível e mobilizável; Ostensivos utilizados no enunciado: representação explícita de sistemas de equações lineares e representação simbólica de equações químicas e respectivos balanceamentos; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: ternos ordenados, discussão da solução de sistemas lineares, representação das equações químicas e respectivos balanceamentos; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Métodos de resolução dos sistemas construídos, mobilizável; -Discussão e classificação dos sistemas: mobilizável e disponível, respectivamente. - Conhecimentos específicos de Química, no que se refere aos elementos químicos e balanceamentos das reações químicas: disponível. Tarefa 5 Obter sistemas de equações a partir de determinadas soluções dadas ou condições. Nesta tarefa proposta, parte-se do pressuposto de que o estudante seja capaz não só de resolver os problemas de um livro didático, mas também desenvolver seus próprios enunciados. Determinados conhecimentos são exigidos tanto no nível disponível como no mobilizável, na medida em que esta tarefa permite que os alunos relacionem e articulem os três elementos de um problema, que são: dados, pergunta e resposta. 116 117 Figura 56: Exemplo da tarefa 5. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p. 131. Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico e algébrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: disponível (no nº 4) e mobilizável (no nº 5); Ostensivos utilizados no enunciado: representação de sistemas de equações lineares 2x2, representação de conjuntos-solução: solução única e indeterminada (com parâmetros), classificação de sistemas de equações lineares; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: métodos de resolução de sistemas de equações lineares, pares ordenados; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Métodos de resolução dos sistemas de equações lineares: algébricos ou geométricos: disponível. - Discussão e classificação dos sistemas: mobilizável e disponível, respectivamente. 117 118 Tarefa 6 Analisar a resolução de um sistema de equações lineares, descobrir o erro e corrigi-lo. Para esta tarefa escolhe-se um exemplo no qual se exigem dos estudantes conhecimentos sobre as etapas de resolução de um sistema de equações lineares 3x3. O estudante terá que dispor de um conhecimento de redução de termos semelhantes para identificar e corrigir o erro na resolução apresentada. Figura 57: Exemplo da tarefa 6. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p.136-137 118 119 Quadro em que a tarefa é enunciada: numérico e algébrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável e disponível; Ostensivos utilizados no enunciado: representação de sistemas de equações lineares 3x3, resolução de sistema de equações lineares pelo método algébrico da substituição e representação do conjunto-solução: solução única; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: métodos de resolução de sistemas lineares, ternos ordenados; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Métodos de resolução dos sistemas: algébricos: mobilizável e disponível. Tarefa 7 Resolver um sistema de equações lineares pelo método de Gauss-Jordan ou pelo escalonamento da matriz aumentada do sistema. No exemplo dado para esta tarefa, apresenta-se a resolução de um sistema de equações lineares 3x3 de duas formas; sendo que em uma delas opera-se com as equações do sistema (quadro algébrico) e na outra opera-se com as linhas da matriz aumentada. O importante é destacar aqui o nível técnico de conhecimento que é exigido na apresentação de resolução deste sistema. Figura 58: Exemplo da tarefa 7. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 29 119 120 Figura 59: Solução da tarefa da figura 57. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 30. Quadro em que a tarefa é enunciada: algébrico e matricial; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: técnico; Ostensivos utilizados no enunciado: ostensivo de representação explícita de sistemas de equações lineares e representação matricial (matriz aumentada do sistema); Pontos de Vista: cartesiano e paramétrico; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: método do “escalonamento” de sistema e de matrizes; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Disponível: método de escalonamento de sistemas de equações lineares ou da matriz aumentada do sistema. É importante observar o discurso que acompanha o desenvolvimento dos dois métodos, que na realidade correspondem à aplicação do método de Gauss sobre as linhas do sistema de equações lineares e sobre as colunas da matriz aumentada. 120 121 Tarefa 8 Utilização da Regra de Cramer para resolver um sistema de equações lineares. O exemplo extraído para esta tarefa, assim como o da tarefa anterior, mostra o nível técnico exigido dos estudantes para a compreensão das respectivas etapas de resolução; e para esta tarefa espera-se que os mesmos disponham, especialmente, de conhecimentos relativos à resolução de determinantes. Figura 60: Exemplo da tarefa 8. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 95. Quadro em que a tarefa é enunciada: algébrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: técnico; Ostensivos utilizados no enunciado: ostensivo de representação explícita de sistemas de equações lineares; Pontos de Vista: cartesiano; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: Regra de Cramer, matrizes, determinantes, pares ordenados; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Mobilizável: Regra de Cramer para resolução do sistema. - Disponível: Cálculo do determinante de uma matriz – métodos de Sarrus (para sistemas 3x3) e Laplace (para sistemas nxn). - Representação de um ponto em coordenadas. 121 122 Tarefa 9 Articular sistema de equações lineares com função. A tarefa merece destaque, pois fica implícito que em sua solução terá que ser feita uma articulação entre os diversos quadros (algébrico, numérico e geométrico) e exige-se um nível de conhecimento mobilizável. Esta tarefa consiste em resolver um sistema de equações lineares. Para isso, é preciso considerar a, b, c como as incógnitas do sistema de equações lineares em que x2, x, e 1 são os respectivos coeficientes. Figura 61: Exemplo da tarefa 8. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 31 Quadro em que a tarefa é enunciada: algébrico e geométrico; Nível de conhecimento exigido na solução tarefa: mobilizável; Ostensivos utilizados no enunciado: representação matricial de sistema, função polinomial do 2º grau (representações algébrica e geométrica); Pontos de Vista: cartesiano; Ostensivos utilizados na solução da tarefa: matrizes, sistemas de equações lineares, pares ordenados, gráficos; Níveis de conhecimento necessários para a execução da tarefa em relação às noções que serão utilizadas: - Articulação da noção de sistemas de equações lineares e função polinomial do 122 123 segundo grau: disponível. - Conhecimentos algébricos sobre funções quadráticas e suas propriedades. . 4.4 Considerações Finais O estudo feito anteriormente, com as tarefas usuais encontradas tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, tenta propiciar uma visão geral do trabalho que pode estar sendo desenvolvido no processo de ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares e serve de apoio para as análises das relações institucionais existentes e das relações pessoais esperadas dos estudantes, pois permite verificar quais tarefas são privilegiadas. Verifica-se, ainda, que esta grade permite considerar uma diversidade de formas de aplicação do conhecimento associado à noção de sistemas de equações lineares, de acordo com cada tarefa, considerando suas variáveis, uma vez que o número de tarefas é reduzido e as diferenças estão associadas às possíveis alterações das variáveis. No capítulo que segue, escolhem-se alguns livros didáticos para identificar se as relações institucionais existentes estão em consonância com as relações institucionais esperadas, e como elas podem auxiliar professores e estudantes a desenvolver os papéis indicados nas diferentes propostas. 123 124 CAPÍTULO 5 ANÁLISE DAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS EXISTENTES 5.1. Considerações Iniciais Neste capítulo, faz-se uma análise das relações institucionais existentes para o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, via livros didáticos para esses níveis. Observa-se aqui que essa escolha está associada ao trabalho que vem sendo efetuado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), que prevê a universalização de livros didáticos para os alunos do ensino médio público de todo o país. Este programa, implantado em 2004, avalia e distribui livros de matemática para todos os estudantes. Isso conduz a considerar que o livro didático é hoje uma fonte de acesso aos conteúdos matemáticos que assessora a implantação de novas relações institucionais propostas para o Ensino Médio, e que além disso pode auxiliar professores e estudantes no desenvolvimento dessas relações. Sendo assim, considera-se neste trabalho que o livro didático expõe algumas das possíveis organizações praxeológicas, isto é, nele são apresentados diferentes tipos de tarefas e técnicas associadas a uma determinada noção matemática e em cada obra o discurso que descreve, explica e justifica as técnicas é variado e acompanhado quando possível do discurso teórico que o sustenta. Essas diferentes organizações matemáticas e didáticas apresentadas nos livros didáticos permitem analisar os diferentes tipos de tarefas e práticas que sobrevivem atualmente no Ensino Médio. Observa-se ainda que o estudo das relações institucionais esperadas para o Ensino Médio, via Parâmetros Curriculares Nacionais (2002) e Nova Proposta do Estado de São Paulo (2008), possibilitou a análise das regularidades e diferenças encontradas entre o que se espera desenvolver com os estudantes do Ensino Médio e 124 125 o que corresponde ao trabalho proposto e que pode ser utilizado pelo professor. A análise das organizações praxeológicas existentes aqui proposta está longe de ser exaustiva, pois existem outros materiais que não serão analisados e o material preparado pelos próprios professores, mas, em função da proposta de se observar regularidades e diferenças entre as relações institucionais esperadas e existentes, escolheu-se como recurso a análise de alguns livros didáticos. Estudam-se, por meio desses livros, quais as possibilidades de intervenção e se os mesmos atendem às expectativas apresentadas nos documentos oficiais analisados. Para isso, escolhe-se um total de cinco livros didáticos, sendo três indicados para o Ensino Médio e dois livros de Álgebra Linear para o Ensino Superior. Os livros escolhidos são apresentados na tabela a seguir, que indica: livro, autor, volume, ano de edição e etapa escolar a que se destina. Tabela 2: Obras didáticas analisadas na pesquisa. LIVRO AUTOR VOLUME ANO SEGMENTO Matemática DANTE, L. R. 2 2008 E.M. Matemática – Ensino SMOLE, K.C.S. e 2 2006 E.M Médio DINIZ, M. I. Fundamentos da IEZZI, G. e HAZZAN, S. 4 1993 E.M. Álgebra Linear: com ANTON, H. e RORRES, Único 2001 E.S. aplicações C. Introdução à Álgebra KOLMAN, B. e HILL, D. Único 2006 E.S. Linear: com aplicações R. Matemática Elementar Algumas condições foram determinantes na escolha dos livros. Para o Ensino Médio, os dois livros relacionados na tabela acima foram bem avaliados pelo PNLEM – o livro de Dante, em 2008, e a obra de Smole e Diniz, em 2006. Esses dois livros foram avaliados em 2009 e continuam sendo indicados e bem avaliados, mas em relação ao conteúdo de sistemas de equações lineares não houve mudanças que levassem à 125 126 necessidade de considerar a obra mais recente, pois no conjunto as tarefas são praticamente as mesmas. O terceiro livro, de Iezzi e Hazzan (1993), embora não tenha sido indicado pelo PNLEM, é referência bibliográfica para o concurso para professores da rede pública do estado de São Paulo e utilizou-se o livro dessa coleção na disciplina de Tópicos Fundamentais de Geometria no próprio curso de mestrado, além de constar da bibliografia complementar de diversos cursos de Licenciatura em Matemática. Ainda para o Ensino Médio será analisado o Caderno do Aluno da Nova Proposta do Estado de São Paulo, que corresponde à expectativa institucional de trabalho com os estudantes do Ensino Médio das escolas públicas de São Paulo a partir de 2009. O objetivo da Nova Proposta é garantir um currículo mínimo e uniforme, uma vez que os estudantes são avaliados por meio da macroavaliação SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, aplicada no final do ano letivo para algumas séries do Ensino Básico, em particular para a terceira série do Ensino Médio. Já para o Ensino Superior, o livro Álgebra Linear: com aplicações, de Anton e Rorres (2001), constitui-se numa obra moderna que introduz o estudo de Álgebra Linear por meio de noção de sistemas lineares e matrizes e apresenta diversos exemplos; da mesma forma tem-se no livro Introdução à Álgebra Linear: com aplicações, de Kolman e Hill (2008), que traz uma abordagem atual, com diversas aplicações para computação e informática e com exemplos que são motivadores para estudantes de todos os níveis e áreas. Essa escolha, na licenciatura, pode auxiliar os professores a conhecer algumas aplicações que podem servir de instrumentos para justificar, junto aos seus estudantes, a importância do estudo da noção de sistemas lineares. Observa-se ainda que os autores introduzem a Álgebra Linear em IRn utilizando os quadros dos sistemas lineares e matrizes antes de dar o tratamento axiomático e teórico habitualmente encontrado nas obras mais antigas. Após escolher os livros e justificar a seleção, inicia-se a análise desse material, lembrando que a ferramenta didática central dessa análise é a noção de níveis de conhecimento esperado dos estudantes conforme definição de Robert (1997), 126 127 complementada pelas noções de quadro segundo definição de Douady (1984), pontos de vista conforme definição de Rogalski (1995) e ostensivos e não ostensivos conforme definição de Bosch e Chevallard (1999), utilizados nas técnicas escolhidas para desenvolver as diferentes tarefas. Inicia-se apresentando a forma como se desenvolveram as análises das obras escolhidas e destacadas acima. 5.2. Organização da Análise Para as análises será considerada, como parte do professor (“topos” do professor), a introdução teórica da noção e os exercícios resolvidos e, como parte do estudante (“topos” do estudante), os exercícios propostos. Verifica-se que tipos de tarefas são privilegiados e qual a porcentagem que corresponde ao trabalho aqui identificado como do professor e analogamente ao do estudante. Uma vez estabelecida a forma como será apresentada a análise, as questões que a orientam são: 1. Quais os quadros utilizados, tanto na apresentação teórica como nos enunciados das tarefas resolvidas e propostas, assim como nas soluções propostas? 2. Quais as técnicas desenvolvidas no processo de resolução dessas tarefas? 3. Quais os ostensivos utilizados na manipulação das técnicas? 4. Quais os não ostensivos evocados para sustentar a manipulação dos ostensivos? 5. Qual o nível de conhecimento esperado do professor e do estudante que será analisado em termos de tecnologias e das teorias que as justificam? Quadro 4: Questões que orientam a organização da análise. 127 128 5.2.1. A análise do “topos” do professor e do estudante nas tarefas apresentadas Considerando as questões acima, para cada obra escolhida faz-se uma breve análise da forma como é proposta a introdução da noção de sistemas lineares e na sequência, por meio da grade de análise e dos diferentes tipos de tarefas nela apresentadas, faz-se a distinção entre o que corresponde ao “topos” do professor, ou seja, os exemplos e exercícios resolvidos, e o que corresponde ao “topos” do estudante, ou seja, os exercícios propostos. Certamente, essa escolha é feita para facilitar a análise. Retomando os tipos usuais de tarefas para o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior destacadas no capítulo 3, fazem-se os comentários e análises das obras escolhidas observando que tipo de tarefas são privilegiadas nas obras escolhidas. Tabela 3: Nove tarefas comumente encontradas no Ensino Médio e/ou no Ensino Superior. Tarefa 1 Verificar se um elemento dado é solução de um sistema de equações lineares. Tarefa 2 Resolver um sistema de equações lineares 2x2 ou 3x3, e discutir as possibilidades de solução. Tarefa 3 Representar graficamente o conjunto solução de um sistema de 2 equações e 2 incógnitas e discutir as possibilidades de solução. Tarefa 4 Identificar situações de contexto extramatemático em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares. Tarefa 5 Obter sistemas de equações a partir de determinadas soluções dadas ou condições. Tarefa 6 Analisar a resolução de um sistema de equações lineares, descobrir o erro e corrigi-lo. Tarefa 7 Resolver um sistema de equações lineares pelo método de escalonamento (eliminação gaussiana ou de Gauss-Jordan). Tarefa 8 Utilizar Regra de Cramer para resolver um sistema linear. Tarefa 9 Articular sistemas lineares e função. 128 129 Inicia-se apresentando a análise das obras escolhidas para o Ensino Médio e na sequência consideram-se as obras que representam uma inovação na introdução da Álgebra Linear no Ensino Superior. 5.3. A análise das obras ENSINO MÉDIO Tabela 4: Obras didáticas do Ensino Médio analisadas na pesquisa. LIVRO AUTOR VOLUME ANO SEGMENTO Matemática DANTE, L. R. 2 2008 E.M. Matemática – Ensino SMOLE, K.C.S. e 2 2006 E.M Médio DINIZ, M. I. Fundamentos da IEZZI, G. E HAZZAN, S. 4 1993 E.M. Matemática Elementar Para as obras do Ensino Médio, segue-se a ordem da tabela acima, ou seja, a obra Matemática, de Luiz Roberto Dante, aqui denominada Dante (2008), em seguida a obra Matemática – Ensino Médio, de Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz, na sequência designada por Smole e Diniz (2006), e a obra Fundamentos da Matemática Elementar, de Gelson Iezzi e Samuel Hazzan, denominada Iezzi e Hazzan (1993). 5.3.1. A análise da obra de Dante (2008) A obra de Dante (2008), assim como a de 2010, foi bem avaliada pelo Programa Nacional do Livro Didático. Além disso, trata-se de uma obra em que se encontram várias aplicações contextualizadas, tanto na própria matemática como nas outras ciências, o que permite a articulação de diferentes quadros e a manipulação dos ostensivos de representação escrita no tratamento das técnicas associadas às noções introduzidas no Ensino Médio. 129 130 Comentários e Análise O autor inicia o capítulo 13, que se refere à noção de sistemas lineares, fazendo uma introdução por meio de duas situações contextualizadas, sendo a primeira extramatemática (jogo de basquete – contexto cotidiano) e a segunda intramatemática (geometria – áreas – contexto matemático). A primeira recai numa equação com duas incógnitas e, portanto, admite várias soluções que dependem do valor de cada incógnita, e a segunda corresponde a um sistema de duas equações e duas incógnitas que admite apenas uma solução. A partir dos resultados encontrados para as duas situações acima, o autor chama a atenção para o caso em que o sistema não admite solução. Na sequência o autor revisita a noção de equação linear, dando exemplos de pares e ternos ordenados que podem ser considerados como soluções das mesmas, ou seja, implicitamente duas incógnitas correspondem a um par ordenado e três incógnitas a um terno ordenado. O autor não relaciona equação e o espaço a que ela pertence, isto é, a equação com duas incógnitas é trabalhada apenas no plano e a equação com três incógnitas é trabalhada apenas no espaço. Isso fica mais evidente quando o autor introduz a interpretação geométrica dessas equações. A figura abaixo deixa evidente a relação par ordenado e equação com duas incógnitas e terno ordenado e equação com três incógnitas. Figura 62: Exemplos de pares e ternos ordenados. Fonte: Dante, 2008, p. 250. 130 131 Os exemplos e exercícios propostos exigem que os estudantes disponham de conhecimentos prévios, especialmente equação do 1o grau, que se supõem tenham sido trabalhados nas séries anteriores, pois esse conhecimento é utilizado como ferramenta explícita para desenvolvimento do trabalho matemático em jogo. Uma vez feita esta abordagem inicial, inicia-se o tópico de sistemas de equações lineares. O autor, após definir sistema de equações lineares de m equações e n incógnitas, apresenta exemplos de sistemas lineares 2x2, 3x3 e 2x3 nas incógnitas x e y e x, y e z e, na sequência, como nos exemplos os coeficientes são numéricos, o autor mostra que pares ordenados (x, y) podem ser ou não solução dos sistemas com duas incógnitas e que ternos ordenados (x, y, z) podem ou não ser solução de sistemas com três incógnitas, mais uma vez implicitamente duas incógnitas estão relacionadas ao plano e três incógnitas ao espaço. Após considerar esses casos particulares, o autor introduz o método da adição para a resolução de sistemas de equações lineares 2x2, considerando os três casos possíveis: sistema possível e determinado ou uma única solução, sistema possível e indeterminado ou infinitas soluções e sistema impossível ou não tem solução. Logo, o autor revisita o método da adição que já tinha sido trabalhado no Ensino Fundamental e menciona a possibilidade de utilizar os métodos da substituição e comparação também desenvolvidos no Ensino Fundamental. Além disso, o autor articula o novo conhecimento, ou seja, a noção de equação linear com duas incógnitas com a noção de reta no plano, o que lhe permite fazer a representação gráfica dessas retas e mostrar que para o sistema possível e determinado as retas são concorrentes, ou seja, se interceptam em um ponto, para o sistema impossível as retas são paralelas e para o sistema possível e indeterminado as retas são coincidentes; isso deixa evidente a relação duas incógnitas correspondem a uma solução par ordenado. Nesse caso, verifica-se ainda que o autor articula os novos conhecimentos com os conhecimentos prévios de geometria plana e função afim, uma vez que a noção de sistemas lineares é proposta para ser desenvolvida na segunda série do Ensino Médio. Resumindo, o autor utiliza o quadro geométrico para controlar a técnica 131 132 empregada para solução de sistemas de duas equações com duas incógnitas e para justificar a existência de elementos no conjunto solução, a saber: Sistema possível e determinado: retas concorrentes que indicam a existência de um único par que é solução do sistema. Sistema impossível: retas paralelas e distintas que indicam que não existe par que seja solução do sistema. Sistema possível e indeterminado: retas coincidentes indicam que existem infinitos pares que são soluções do sistema. O quadro abaixo resume as possibilidades de solução de um sistema de duas equações e duas incógnitas. Quadro 5: Possibilidades de um sistema 2 x 2. Fonte: Dante, 2008, p. 254. O autor mostra ainda a relação entre os coeficientes do sistema e seus segundos a x b1 y k1 não são proporcionais membros, ou seja, se os coeficientes do sistema 1 a 2 x b2 y k 2 a1 b1 , o sistema é possível e determinado, o que será em seguida tratado por meio a 2 b2 da propriedade: Se o determinante da matriz dos coeficientes de um sistema linear é diferente de zero, o sistema é possível e determinado. Essa propriedade é importante para o estudo do sistema com parâmetros, ou seja, sistemas em que alguns dos 132 133 coeficientes são desconhecidos. Para os sistemas impossível e possível e indeterminado, o autor mostra que valem as condições a1 b1 k1 a b k e 1 1 1 , respectivamente. Essas propriedades a 2 b2 k 2 a 2 b2 k 2 também são importantes para estudar sistemas com parâmetros. Na sequência, o autor passa para os sistemas com três equações e três incógnitas, considera a matriz dos coeficientes e a matriz aumentada do sistema, que corresponde à matriz dos coeficientes mais a coluna de segundos membros. Isso lhe permite definir três vetores linhas com coordenadas para a matriz dos coeficientes e três vetores linhas com quatro coordenadas para a matriz aumentada do sistema. Nesse momento, o autor recorre à noção de vetor linha para justificar a técnica de escalonamento da matriz, ou seja, ele utiliza um discurso tecnológico para descrever, explicar e justificar a técnica empregada. É importante ressaltar que o autor introduz a noção de vetor, suas representações, operações e propriedades como opcional, no capítulo sobre a noção de determinantes de uma matriz, tratando explicitamente a questão da dependência linear e utilizando a noção de sistemas de equações lineares para verificar se três vetores de IR3 são dependentes. A noção de sistemas de equações lineares é introduzida na sequência. Logo, ao recorrer à noção de vetor para escalonar a matriz aumentada do sistema, supõe-se que as noções de combinação linear e dependência linear tenham sido trabalhadas explicitamente. Utilizando a noção de proporcionalidade entre os vetores linha da matriz aumentada e da matriz dos coeficientes do sistema, o autor considera as possibilidades de solução dos sistemas de três equações e três incógnitas, representando por meio de interseções de planos e das posições relativas dos três planos dados pelas três equações lineares. Isso permite ainda descrever, explicar e justificar as condições para que sistemas de três equações e três incógnitas tenham solução. Após mostrar os oito casos possíveis, o autor introduz o método do escalonamento e por meio de exemplos classifica e determina o conjunto solução de sistemas 3x3, 4x4, 2x4. Para os sistemas indeterminados, o autor escreve a solução 133 134 geral por meio de uma representação paramétrica de um elemento do conjunto solução, considerando a noção de incógnitas livres que representam os parâmetros do ostensivo de representação do conjunto solução. Nesse momento, o autor utiliza um discurso tecnológico para justificar a técnica empregada. Esse trabalho, se desenvolvido no Ensino Médio, poderá ser utilizado pelos professores do Ensino Superior como conhecimento prévio para introduzir a noção de espaços vetoriais de IRn; basta tomar o sistema de equações lineares homogêneo associado ao sistema dado, pois determinar o conjunto solução de um sistema de equações lineares e homogêneo corresponde ao algoritmo de passagem de uma representação cartesiana de um subespaço vetorial definido por um conjunto minimal ou não de equações para uma representação paramétrica, ou seja, definido por um conjunto minimal de vetores geradores. Na finalização do capítulo referente aos sistemas de equações lineares, o autor propõe aplicações no cotidiano e nas outras ciências, mostrando a importância dessa ferramenta para a modelagem desse tipo de tarefa. Considera-se a seguir, conforme a proposta de análise já descrita, o que corresponde ao trabalho do professor (“topos” do professor) e o que fica a cargo dos estudantes. O papel do professor e dos estudantes A tabela a seguir apresenta a quantidade de tarefas propostas e resolvidas, assim como o total, em relação a cada uma das tarefas levantadas para esta obra. 134 135 Tabela 5: Tarefas desenvolvidas na obra de Dante (2008). TAREFAS RESOLVIDAS % PROPOSTAS % TOTAL 1 2 4,8 8 12,3 10 47,7 55 2 A (10) B (14) 57,1 A (20) B (11) 3 3 7,1 3 4,6 6 4 2 4,8 5 7,7 7 5 0 0 0 0 0 6 0 0 0 0 0 7 11 26,2 18 27,7 29 8 0 0 0 0 0 9 0 0 0 0 0 TOTAL 42 100 65 100 107 Na tabela anterior, a tarefa 2, “Resolver um sistema de equações lineares 2x2 ou 3x3, e discutir as possibilidades de solução”, foi subdividida em: 2 A, para sistemas com parâmetros, e 2 B para sistemas sem parâmetros. Nesta obra, por meio da tabela acima, é possível observar que a tarefa 2 é privilegiada seja quando se considera o trabalho a ser desenvolvido pelo professor como para o que é deixado a cargo dos estudantes, observando que o total de tarefas deixadas para os estudantes é maior que o trabalho a ser desenvolvido pelo professor. Isso é coerente, pois há uma quantidade razoável de exemplos para posteriormente deixar a cargo dos estudantes o trabalho de fixação das técnicas de resolução de sistemas de equações lineares e habilidades direcionadas às discussões de suas possibilidades de soluções. Outra tarefa que é privilegiada na obra é a 7, “Resolver um sistema de equações lineares pelo método de Gauss-Jordan ou pelo escalonamento da matriz aumentada do sistema”. O escalonamento é um processo adequado para o estudo de sistemas e de suas condições de solução e, se trabalhado da forma como está proposto, poderá ser uma ferramenta disponível importante num curso de introdução à Álgebra Linear. Sobre a tarefa 1, “Verificar se um elemento dado é solução de um sistema de equações lineares”, destaca-se que a maior parte fica para o estudante, sendo que apenas 2 exemplos são dados, o que mostra que para a parte proposta aos estudantes 135 136 considera-se esta noção como conhecimento prévio, logo os exemplos são para uma breve retomada do aspecto procedimental. A tarefa 3, “Representar graficamente o conjunto solução de um sistema de 2 equações e 2 incógnitas e discutir as possibilidades de solução”, é contemplada com exemplos dos três casos possíveis, isto é, das posições relativas de duas retas no plano cartesiano, ficando para o estudante a mesma quantidade para que possa fazer as aplicações devidas. O autor propõe que o estudante resolva no quadro geométrico, mas antes solicita que ele resolva pelo método da adição e classifique-os quanto ao número de soluções, mostrando a importância de trabalhar nos diferentes quadros. Sobre a tarefa 4, o autor apresenta dois exemplos envolvendo aplicações na disciplina de química e deixa a cargo dos estudantes a aplicação nas diversas áreas do conhecimento, tais como área médica e área financeira, entre outras. Observa-se ainda que as tarefas 5, 6, 8 e 9 não são tratadas nessa obra. A tarefa 5, “Obter sistemas de equações a partir de determinadas soluções dadas ou condições”, não é contemplada e poderia ser interessante para trabalhar a questão do estudo das possibilidades de solução. O mesmo ocorre para a tarefa 6, “Analisar a resolução de um sistema de equações lineares, descobrir o erro e corrigi-lo”, o que corresponde a uma nova forma de verificar se os estudantes compreenderam realmente o método ou apenas repetem procedimentos sem muito sentido. Já a tarefa 8, “Utilizar Regra de Cramer para resolver um sistema linear”, se a escolha do autor foi dar ênfase ao método do escalonamento, a regra de Cramer seria apenas mais um procedimento que é adequado apenas para um determinado tipo de sistema, não possibilitando a articulação com a noção de vetores, como apresentada pelo autor ao introduzir os sistemas de três equações. Para a tarefa 9, “Articular sistemas lineares e função”, observa-se que, mesmo não sendo trabalhada explicitamente por meio de tarefas e exemplos específicos, ao introduzir noções de programação linear, o autor justifica a importância dos sistemas de equações e inequações simultâneas em muitos problemas de economia, transporte, dietas, entre outros, ou seja, a articulação com a noção de função pode ser considerada quando se faz a interpretação dos sistemas de duas equações e duas incógnitas, 136 137 ficando a cargo do professor. O livro ainda apresenta uma seção de questões de múltipla escolha de diversos vestibulares, todas elas de situações de contexto extramatemático em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares, ou seja, pode-se avançar que, em geral, nesse tipo de macroavaliação a noção de sistemas de equações lineares é considerada disponível pelo menos como ferramenta explícita para modelagem e resolução de situações contextualizadas. Na sequência apresentam-se as análises efetuadas para a obra de Smole e Diniz (2006). 5.3.2. A análise da obra de Smole e Diniz (2006) Trata-se de uma obra com características específicas, em que as autoras procuram motivar os estudantes propondo tarefas diferenciadas e revisitando conceitos que serão utilizados na sequência. Como a obra anterior, a introdução de uma nova noção é feita por meio de uma situação contextualizada, que nem sempre é adequada, algumas vezes são artificiais e não permitem uma real associação com a noção que está sendo introduzida, pois essa última ou não é necessária ou já funciona como ferramenta explícita do trabalho matemático em jogo. Comentários e Análise As autoras iniciam o capítulo revisitando a noção de equações lineares e discutindo suas possíveis soluções. Esta abordagem inicial é feita de uma forma contextualizada. Na figura abaixo, trata-se de um elevador que permite transportar um máximo de 600 Kg e dois funcionários que devem carregá-lo com pacotes de 60 Kg e 20 Kg. Deseja-se saber qual o “máximo” de pacotes que eles podem transportar? Apesar de as autoras terem encontrado uma equação do primeiro grau com duas incógnitas para resolver o problema, observa-se que apenas com uma tabela seria 137 138 possível identificar qual o número máximo de pacotes, ou seja, pode-se utilizar apenas o ponto de vista “tentativas”, considerado por Costa (2008) em sua dissertação. Figura 63: Noção de equações lineares. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p. 122 Após esse exemplo, as autoras definem equação linear com n incógnitas e apresentam várias equações mostrando implicitamente que para duas incógnitas a solução é um par ordenado, três incógnitas a solução é um terno ordenado e assim sucessivamente. Trata-se de uma escolha didática feita pelas duas autoras. Observa-se aqui que essa escolha pode se tornar um obstáculo didático6 para a articulação dos pontos de vista cartesiano e paramétrico quando se considera a representação de espaços vetoriais de IRn, pois uma equação linear e homogênea com duas incógnitas, por exemplo 2x + y = 0, só poderá ter seu conjunto solução formado por pares ordenados quando representa um subespaço de IR2; o mesmo ocorre para a equação linear não homogênea 2x + y = 7, que representa um subespaço afim, ou seja, a translação do subespaço vetorial definido por 2x + y = 0 pelo vetor a = (0,7). Isso mostra a importância da explicitação do espaço de trabalho. Na sequência, para as duas tarefas resolvidas sobre equações lineares, as autoras recorrem à noção de função afim, justificando a escolha e apresentando essa 6 Obstáculos didáticos: os obstáculos de origem didática são aqueles que parecem depender apenas de uma escolha ou de um projeto educativo. (BROUSSEAU, 2003) 138 139 função por meio do ostensivo de representação algébrico (y= ax + b), do ostensivo de representação tabela e do ostensivo de representação gráfica, concluindo que uma equação com duas incógnitas tem infinitas soluções que correspondem aos pontos sobre uma reta. Isso deixa evidente que as autoras consideram as equações com duas incógnitas apenas no plano. Nesse momento, elas retomam a situação dos caixotes para dizer que nem todas as soluções são adequadas para a situação, ou seja, constata-se aqui a observação de que a situação poderia realmente ser trabalhada apenas por meio do ponto de vista das tentativas. Na sequência, as autoras introduzem a noção de sistemas de duas equações e duas incógnitas com uma situação contextualizada para a qual valem as mesmas observações apresentadas acima. Figura 64: Situação contextualizada: Sistema linear 2x2 Fonte: Smole e Diniz, 2006, p. 126 139 140 Após definir sistema de duas equações e duas incógnitas, as autoras apresentam um exemplo revisitando o método da adição e passam para a representação gráfica de um sistema de equações lineares que serve de apoio para a discussão das possibilidades de solução, ou seja, as autoras articulam o quadro algébrico com o quadro geométrico para mostrar que, se o sistema é possível e determinado, as retas que representam cada equação são concorrentes; se o sistema é possível e indeterminado, as retas que representam cada equação são coincidentes e, quando o sistema é impossível, as retas que representam suas equações são paralelas. Apresentado o método da adição para solução de sistemas de duas equações e duas incógnitas e a classificação dos sistemas de equações lineares em função das possibilidades de solução, as autoras introduzem os sistemas de três equações e três incógnitas, novamente por meio de uma situação contextualizada, e definem um sistema linear 3x3. Após aplicar o método do escalonamento, separando as equações de duas em duas e explicitando as adições e multiplicações feitas, as autoras classificam os sistemas de três equações e três incógnitas como possível e determinado (uma única solução), impossível (nenhuma solução) e possível e indeterminado (mais de uma solução), ou seja, parece que o argumento tecnológico implícito nessa classificação é a analogia com os sistemas 2x2. As autoras apresentam as considerações a seguir sobre equivalência de dois sistemas de equações lineares, que justifica o método aplicado no exemplo proposto, ou seja, o método do escalonamento ou método de Gauss, que não é explicitado enquanto tal nesse momento, mas é retomado no capítulo sobre matrizes, em que as autoras apresentam dois exemplos de escalonamento da matriz aumentada do sistema. 140 141 Figura 65: Equivalência de dois sistemas lineares. Fonte: Smole e Diniz, 2006, p. 133 A articulação entre as equações de três incógnitas que representam planos quando fixamos o espaço solução como a dos ternos ordenados é apresentada apenas como um “flash matemático”, sem uma justificativa que mostre como é feita essa articulação. No capítulo sobre determinantes, as autoras enunciam e aplicam a propriedade do determinante da matriz dos coeficientes para verificar se um sistema é possível e determinado (determinante 0), indeterminado ou impossível (determinante = 0). Ainda no capítulo sobre determinantes, as autoras indicam na seção “Flash Matemático”, em que destacam os métodos de Cramer, da eliminação de Gauss ou escalonamento. É nesse momento que se explicitam os métodos desenvolvidos nos capítulos sobre sistemas de equações lineares, matrizes e determinantes. Nessa obra são trabalhados os sistemas com parâmetros somente no capítulo sobre determinantes, após a introdução da Regra de Cramer. Para melhor compreender a escolha das autoras para o “topos” do professor e do estudante, analisa-se essa proposta de trabalho da forma como anunciado no início do capítulo. O papel do professor e do estudante Inicia-se apresentando a tabela a seguir com a quantidade de tarefas propostas e resolvidas, assim como o total, considerando as nove tarefas habitualmente encontradas e destacadas no capítulo 4. 141 142 Tabela 6: Tarefas desenvolvidas na obra de Smole e Diniz (2006) TAREFAS RESOLVIDAS % PROPOSTAS % TOTAL 1 1 5 1 1,6 2 55 A ( 9 ) B ( 18 ) 42,2 38 2 A(3) B (8) 3 3 15 7 10,9 10 4 3 15 10 15,6 13 5 0 0 8 12,5 8 6 0 0 2 3,1 2 7 1 5 5 7,8 6 8 1 5 3 4,7 4 9 0 0 1 1,6 1 TOTAL 20 100 64 100 84 A tarefa 1, “Verificar se um elemento dado é solução de um sistema de equações lineares”, é trabalhada para mostrar que pares ordenados são soluções de sistemas lineares 2x2 e ternos ordenados são soluções de sistemas lineares 3x3, o que justifica ser pouco exigida tanto do professor como do estudante. Na realidade pode-se dizer que implicitamente essa tarefa é utilizada para associar sistemas 2x2 ao plano e sistemas 3x3 ao espaço. Na tabela acima, a tarefa 2, “Resolver um sistema de equações lineares 2x2 ou 3x3, e discutir as possibilidades de solução”, foi subdividida em: 2 A, para sistemas com parâmetros, e 2 B, para sistemas sem parâmetros. Aqui vale destacar que tanto as resolvidas quanto as propostas da subdivisão 2A, para sistemas com parâmetros, foram encontradas no capítulo sobre determinantes, após a introdução das noções de sistemas lineares e matrizes. Ao trabalhar com o escalonamento da matriz aumentada dos sistemas, as autoras utilizam um discurso que articula o método de escalonamento de Gauss ao escalonamento da matriz aumentada do sistema. Nesse momento, as autoras explicitam as operações possíveis com as equações e desenvolvem o método sobre as linhas da matriz aumentada sem utilizar a noção de vetor, como fez Dante, que introduziu as noções de combinação linear e dependência linear. Nesta obra, a tarefa 2, “Resolver um sistema de equações lineares 2x2 ou 3x3, e 142 143 discutir as possibilidades de solução”, é, também, aquela que é mais trabalhada, tanto para os resolvidos, como para os propostos. No entanto, nota-se que as autoras preocupam-se em retomar os métodos algébricos (adição e substituição) do Ensino Fundamental e trabalham com o método do escalonamento sem explicitá-lo o que será feito quando se representam sistemas de equações lineares por meio da matriz aumentada, como já se observou acima. O método de Cramer, a propriedade do determinante da matriz dos coeficientes e o método do escalonamento ou método de Gauss só serão explicitados na seção “Flash Matemático” e no capítulo de determinantes. Observa-se que o escalonamento é introduzido como um processo para decidir se um sistema é indeterminado ou impossível; isto é, quando o sistema não tem solução única. No exemplo dado, o sistema é escalonado, sendo explicitada cada etapa do processo, utilizando-se para tal a sua representação matricial. Quanto às tarefas 7 e 8, pouco é apresentado por parte do professor; ou seja, fica a cargo do estudante a aplicação da Regra de Cramer e o método do escalonamento. A tarefa 3, “Representar graficamente o conjunto solução de um sistema de 2 equações e 2 incógnitas e discutir as possibilidades de solução”, é contemplada, assim como na obra de Dante, com exemplos dos três casos possíveis, isto é, das posições relativas de duas retas no plano cartesiano, ficando para o estudante a mesma quantidade de tarefas, para que o mesmo possa fazer as aplicações devidas. Na primeira tarefa proposta, é solicitado que o estudante estude as possibilidades de solução um sistema de equações lineares 2x2 por meio do gráfico e determine sua solução; feito isso, pede-se que seja feita a verificação mediante a substituição do par encontrado. Isso permite que o estudante visualize o que representa o estudo de sistemas de equações lineares no plano, ou seja, passando ao quadro geométrico verifica-se que se trata da interseção de duas retas no plano. Existem assim três casos possíveis: sistema possível e determinado se as retas são concorrentes, sistema possível e indeterminado se as retas são coincidentes e sistema impossível se as retas são paralelas. Aqui a articulação entre quadro algébrico e geométrico é um meio importante para mostrar a aplicação da noção de sistemas de equações lineares na 143 144 própria matemática. Sobre a tarefa 4, “Identificar situações de contexto extramatemático em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares”, pode-se dizer que são apresentados apenas 3 resolvidos e 10 propostos, sendo que 2 dos propostos foram encontrados no capítulo de determinantes. As situações exigem outros conhecimentos, o que nem sempre auxilia os estudantes a compreender a noção de sistemas lineares e sua importância enquanto objeto matemático. Para a tarefa 5, “Obter sistemas de equações a partir de determinadas soluções dadas ou condições”, há 8 propostas, o que é compreensível, pois se trata de um recurso para conduzir o estudante à autonomia tão cobrada nas relações institucionais esperadas apresentadas no capítulo 3 deste trabalho. Na realidade, muitas vezes, mesmo para as tarefas extramatemáticas, supõe-se a solução e a partir dela cria-se o sistema. O interesse dessa tarefa está exatamente em dar ênfase ao estudo das possibilidades de solução de um sistema de equações lineares, o que não se resume a desenvolver um conjunto de técnicas ou algumas aplicações muito especificas de contexto. Da mesma forma, as tarefas 6 e 9 ficam praticamente a cargo dos estudantes, mas observa-se aqui que elas também correspondem ao tipo de tarefa que não se encontra habitualmente no Ensino Médio e cuja ênfase parece ser desenvolver um trabalho que ultrapasse a simples aplicação de um método de resolução de sistema, mas a compreensão dessa noção e as possibilidades de articulação com outros conhecimentos matemáticos. Apresenta-se a seguir a obra de Iezzi e Hazzan (1993), que ainda é utilizada por algumas universidades como material de apoio nos cursos de nivelamento. 5.3.3. A análise da obra de Iezzi e Hazzan (1993) A obra de Iezzi e Hazzan (1993), embora não tenha sido indicada pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLEM, é referência bibliográfica para o concurso para professores da rede pública do estado de São Paulo. A obra 144 145 analisada é também dirigida aos estudantes que se preparam para exames vestibulares e aos universitários que necessitam rever a Matemática Elementar. Comentários e Análise Nessa obra também se verifica uma preocupação com a retomada das equações lineares e com a diferenciação daquelas que não são lineares, assim como as possíveis soluções para uma equação linear. Define-se sistema de equações lineares e desde o início trabalha-se com sua representação matricial, o que não aparece nas obras analisadas anteriormente. Nessa obra, os autores introduzem as noções de matrizes, suas operações e propriedades, determinantes e suas regras e propriedades antes de considerar a noção de sistemas de equações lineares. Em função da escolha acima descrita, os autores iniciam a introdução dos sistemas de equações lineares dando a definição de um sistema de equações lineares mxn e sua representação na forma matricial. Isso lhes permite identificar a matriz dos coeficientes e a matriz aumentada do sistema que corresponde à matriz dos coeficientes aumentada da coluna dos segundos membros do sistema de equações lineares dado. Isso conduz os autores a iniciar das soluções de um sistema de equações lineares por meio do Teorema de Cramer, que é demonstrado, ou seja, os autores utilizam uma teoria para justificar as tecnologias que serão empregadas quando se utiliza a técnica desenvolvida por meio do Teorema de Cramer. Para isso, são empregados os conhecimentos sobre matrizes desenvolvidos nos capítulos anteriores. Nesse caso, o quadro das matrizes reúne os conhecimentos prévios necessários para a demonstração do teorema, ou seja, existe uma real articulação entre o quadro das matrizes e o quadro dos sistemas de equações lineares. Dessa forma, o teorema de Cramer é bastante valorizado, embora os autores admitam que ele tenha um interesse mais teórico do que prático; quando o número de equações é muito grande, fica bastante trabalhoso resolver o sistema por meio de sua aplicação. 145 146 Feitas estas considerações, o método do escalonamento é apresentado como uma forma mais simples de resolução de sistemas de equações lineares, embora em alguns de seus aspectos teóricos, ainda segundo os autores, o teorema de Cramer tenha que ser utilizado, pois, para justificar a tecnologia empregada no estudo das possibilidades de solução dos sistemas de equações lineares, os autores utilizam como teoria a propriedade do determinante da matriz dos coeficientes do sistema, quando se trata de um sistema de n equações e n incógnitas, e a relação entre número de variáveis livres e grau de indeterminação para sistemas de m equações e n incógnitas. Esse trabalho, quando realizado no Ensino Médio, pode auxiliar no estudo dos espaços vetoriais de IRn quando se introduz a Álgebra Linear no Ensino Superior. Observa-se ainda que os autores definem sistemas equivalentes e demonstram que dois sistemas equivalentes têm o mesmo conjunto solução, ou seja, os autores demonstram que se pode multiplicar uma equação por um número real não nulo que o sistema não se altera e que, ao se substituir uma equação pela soma membro a membro dela com outra, o sistema de equações lineares assim obtido será equivalente ao primeiro. Isso lhes permite considerar os passos para escalonar um sistema de equações lineares, o que representa uma tecnologia específica para descrever a técnica, como é possível observar na figura abaixo. Figura 66: Etapas do escalonamento. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 148 146 147 Após alguns exemplos, os autores colocam como observação os diferentes casos possíveis que correspondem à tecnologia que permite justificar e controlar os resultados encontrados, como mostra a figura a seguir. Figura 67: Observações sobre escalonamento. Fonte: Iezzi e Hazzan, 1993, p. 151. Para o estudo dos sistemas de equações lineares com parâmetros, a ênfase é dada à propriedade do determinante da matriz dos coeficientes e, em geral, para esse caso os sistemas de equações lineares dados são sistemas nxn. Os autores introduzem ainda os sistemas de equações lineares e homogêneos e apresentam um exemplo em que implicitamente tratam a passagem do ponto de vista cartesiano para o ponto de vista paramétrico. Finalmente, os autores demonstram o teorema de Rouché-Capelli recorrendo ao quadro das matrizes e utilizando a noção de característica de uma matriz que corresponde ao número de linhas não nulas, ou seja, trata-se da noção de posto de uma matriz. Os autores utilizam o quadro das matrizes para demonstrar propriedades e teoremas sobre a noção de sistemas de equações lineares. 147 148 Em relação ao trabalho aqui considerado como do professor e do estudante, indica-se abaixo a ênfase dada em função da grade de análise construída com este objetivo. O papel do professor e do estudante A tabela a seguir apresenta a quantidade de atividades propostas e resolvidas, assim como o total, em relação a cada uma das tarefas levantadas nesta obra, para que se possa compreender qual a escolha dos autores em relação ao trabalho do professor e dos estudantes. Tabela 7: Tarefas desenvolvidas na obra de Iezzi e Hazzan (1993). TAREFAS RESOLVIDOS % PROPOSTOS % TOTAL 1 1 5 2 1,7 3 69,8 94 2 A (5) B (8) 65 A (64) B (17) 3 0 0 0 0 0 4 0 0 0 0 0 5 0 0 0 0 0 6 0 0 0 0 0 7 4 20 20 17,2 24 8 2 10 13 11,2 15 9 0 0 0 0 0 TOTAL 20 100 116 100 136 Observa-se assim que: A tarefa 1, “Verificar se um elemento dado é solução de um sistema de equações lineares”, é trabalhada para mostrar que um terno ordenado é solução do sistema linear 3x3, o que justifica ser pouco exigida tanto do professor como do estudante. Ela serve apenas para que o professor possa considerar em seu discurso que sistemas 3x3 correspondem a sistemas lineares cujas soluções são conjuntos de ternos ordenados, enquanto que sistemas 2x2 correspondem a sistemas de equações lineares cujas soluções são conjuntos de pares ordenados. 148 149 Nesse livro, são utilizados outros tipos de sistemas de equações lineares e não se explicita o espaço solução, ficando a cargo do professor explicitar que, por exemplo, para sistemas lineares de 2 equações e 2 incógnitas, de 3 equações e 3 incógnitas, de 3 equações e 4 incógnitas, os conjuntos solução são compostos por pares ordenados, ternos ordenados e quádruplas, respectivamente, pois dependem do número de incógnitas. Esse trabalho também poderá ser revisitado no Ensino Superior, quando se introduzem os espaços vetoriais de IRn. Esta obra não contempla uma abordagem de sistemas lineares no quadro geométrico. Da mesma forma, não são exploradas situações dentro de um contexto extramatemático; sendo assim, as tarefas 3 e 4 não são contempladas. Da mesma forma, não são contempladas as tarefas 5, 6 e 9, ficando estas tarefas a cargo do professor e/ou do estudante. A ausência das questões acima coloca em evidência que o objetivo da obra é trabalhar definições, propriedades e teoremas associados à noção de sistemas de equações lineares por meio de uma abordagem teórica, apresentando tarefas cujas técnicas e tecnologias empregadas podem ser descritas, explicadas e justificadas por meio de uma teoria. No caso, escolheram-se os quadros das matrizes e determinantes como quadros teóricos disponíveis para o desenvolvimento das demonstrações de propriedades e teoremas associados à noção de sistemas de equações lineares. Dessa forma, a tarefa 2, que corresponde a resolver sistemas de equações lineares e estudar as possibilidades de solução dos mesmos, é privilegiada principalmente quando se considera o trabalho a ser realizado pelos estudantes, o que reforça a ideia de um trabalho mais centrado no estudo matemático dos sistemas de equações lineares, que conduz a uma explicitação teórica das técnicas utilizadas. Por se tratar de uma obra adequada aos exames vestibulares, no final do livro é apresentada uma coletânea de testes de vestibulares em que se observa que os sistemas de equações lineares são trabalhados em função da teoria proposta, o que, em geral, corresponde às exigências de algumas universidades renomadas do país. Apresenta-se a seguir uma breve análise do Caderno do Aluno da Nova Proposta que vem sendo implementada no Estado de São Paulo. 149 150 5.3.4. A análise do Caderno do Aluno – Ensino Médio – 2ª Série – Volume 2 (2009) da Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo. Trata-se de um projeto interdisciplinar cujo objetivo é relacionar teoria e prática e garantir um trabalho mais uniforme visando melhorar a qualidade do processo de ensino e aprendizagem nas escolas estaduais de São Paulo. Dessa forma, é interessante fazer a análise desse material, que constitui uma nova versão que inclui sugestões e críticas de docentes, apresentadas durante a primeira fase de implantação da referida proposta, com a finalidade de melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem nas escolas da Rede Estadual. Comentários e Análise No caderno, inicia-se a introdução de uma nova noção com tarefas, nas quais os conceitos e ideias associados a essa noção são apresentados por meio de situaçõesproblema; busca-se fazer uma contextualização e tenta-se, dessa forma, gerar um significado maior para o estudante. No caso, o significado está associado a uma motivação e muitas vezes a situação é artificial e acaba não cumprindo seu papel. Na “Nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo”, os professores são orientados a estimular os estudantes a utilizarem os métodos estudados no Ensino Fundamental, ou seja, adição, substituição ou comparação, além do método geométrico ou gráfico, principalmente porque se trabalha, em geral, apenas com sistemas de duas equações e duas incógnitas. Para os sistemas de três equações e três incógnitas, privilegia-se o método de escalonamento ou de Gauss, em detrimento da regra de Cramer. Enfatiza-se que a regra de Cramer sintetiza uma série de passagens algébricas que seriam realizadas caso o sistema fosse resolvido por meio de combinações lineares. Outra discussão que é feita refere-se ao tempo utilizado para a resolução dos sistemas lineares e a quantidade de operações elementares realizadas. Há uma nítida 150 151 vantagem do método do escalonamento sobre o de Cramer. Outra desvantagem, com relação ao uso da regra de Cramer, consiste na impossibilidade de discutir sistemas lineares utilizando esse método, pois apenas o método do escalonamento permite a discussão de qualquer sistema, sem restrições. Na realidade, o caderno prevê a utilização de outros materiais e sua apresentação teórica é bastante limitada, estando associada à utilização de exemplos contextualizados para motivar, e depois cabe ao professor escolher como complementar o trabalho a ser realizado com os estudantes. Para completar as análises, considera-se a parte do professor e do estudante identificada por meio da proposta dessa pesquisa. O papel do professor e do estudante Para o estudo do ”topos” do professor e do estudante, apresenta-se na tabela a quantidade de atividades propostas e resolvidas, assim como o total, em relação a cada uma das tarefas levantadas nesta obra. Tabela 8: Tarefas desenvolvidas no Caderno do Aluno – Ensino Médio – 2ª Série – Volume 2 (2009) da Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo. TAREFAS RESOLVIDOS % PROPOSTOS % TOTAL 1 0 0 0 0 0 32,3 16 2 A (1) B (5) 50 A (4) B (6) 3 0 0 0 0 0 4 0 0 11 35,5 11 5 0 0 0 0 0 6 0 0 0 0 0 7 6 50 10 32,3 16 8 0 0 0 0 0 9 0 0 0 0 0 TOTAL 12 100 31 100 43 151 152 A tarefa 7 tem as mesmas quantidades de propostos e resolvidos respectivamente à tarefa 2, uma vez que na proposta do caderno apenas o escalonamento é trabalhado. São essas as duas tarefas que mais aparecem, ou seja, a ênfase é dada ao estudo das possibilidades de solução dos sistemas de equações lineares com ou sem parâmetros. No caderno, seus autores partem do pressuposto de que o estudante dispõe de conhecimentos prévios, isto é, dos métodos estudados no Ensino Fundamental para a resolução de sistemas lineares e devem ser estimulados pelos professores para resgatá-los e aplicá-los nas situações-problema contextualizadas. Na estrutura da proposta apresentada no caderno, pode-se considerar que os autores esperam que o estudante busque aplicar os conhecimentos prévios supostamente adquiridos na etapa anterior de sua formação. Por esse motivo, apenas o método do escalonamento ou de Gauss é explicitado e são apresentados exemplos de sua aplicação. Em relação aos outros métodos, cabe ao professor buscar a melhor forma de trabalhar com seus estudantes, certamente considerando seus conhecimentos prévios. As tarefas 1, 3, 5, 6, 8 e 9 não aparecem tanto, considerando o topo do professor quanto do aluno. Há apenas um exemplo em que um sistema é resolvido pelo método de Cramer, no “caderno do professor” e nenhum no “caderno do aluno” Fica, portanto, a critério do professor fazer ou não a inserção desse método. Na sequência, são apresentadas as análises de dois livros recentes de Álgebra Linear escolhidos por representarem uma nova forma de abordagem, que inicia articulando os quadros das matrizes, determinantes, sistemas lineares e geometria analítica, possibilitando uma visualização geométrica e o estudo das propriedades geométricas, numéricas e algébricas de pontos e vetores antes de generalizar ainda mais o conceito de vetor, ou seja, de incluí-los no conjunto de objetos para os quais são definidas as operações de adição e multiplicação por um número que satisfazem determinados axiomas. Na tabela a seguir, indicam-se obra, autores, volume, ano de edição e etapa escolar a que se destinam os dois livros de Álgebra Linear escolhidos para análise. 152 153 ENSINO SUPERIOR Tabela 9: Obras didáticas do Ensino Superior investigadas na pesquisa. LIVRO AUTOR VOLUME ANO SEGMENTO Álgebra Linear: com ANTON, H. e RORRES, Único 2001 E.S. aplicações C. Introdução à Álgebra KOLMAN, B. e HILL, D. Único 2006 E.S. Linear: com aplicações R. 5.3.5. A análise da obra de Anton e Rorres (2001) Como já foi mencionado, esta obra constitui-se de uma nova abordagem que introduz o estudo de Álgebra Linear por meio da noção de sistemas lineares e matrizes e apresenta diversos exemplos, além de ser uma referência para o estudo da Álgebra Linear em alguns cursos de Licenciatura em Matemática. Comentários e Análise Os autores fazem uma breve retomada das equações lineares, assim como das possíveis soluções para introduzir a noção de sistemas lineares. A obra apresenta uma discussão sobre as representações gráficas, isto é, faz apelo ao quadro geométrico quando se consideram os sistemas lineares 2x2. Na sequência, os autores apresentam as matrizes aumentadas e as possíveis operações sobre as linhas, o que lhes permite dar um exemplo da solução de um sistema de equações lineares 3x3, utilizando o ostensivo de representação algébrica explícita do sistema e a sua matriz aumentada correspondente, o que mostra que ambas as formas correspondem à eliminação gaussiana. Dessa forma, os autores exploram as operações e propriedades permitidas pelo método de eliminação de Gauss. Observa-se aqui que esse método não se limita aos sistemas de equações lineares 2x2 e 3x3 e é considerado mais adequado para o estudo algébrico das 153 154 possibilidades de solução de sistemas de equações lineares. Apesar de mostrar que a aplicação do método de Gauss pode ser feita tanto sobre o sistema dado, como sobre a matriz aumentada do sistema, sendo ambos adequados para desenvolver o método, os autores privilegiam o trabalho sobre a matriz aumentada, explicitando as operações possíveis sobre as linhas dessa matriz. Após a descrição, explicação e justificativa do método de Gauss, os autores apresentam o conjunto solução. Isso lhes conduz a introduzir as noções de variáveis livres e líderes, sendo as líderes aquelas que dependem das variáveis livres. A apresentação do conjunto solução do sistema de equações lineares por meio da n-upla de vetores corresponde à representação paramétrica de um espaço afim ou vetorial cuja técnica de passagem de uma representação cartesiana para a paramétrica ou conjunto solução do sistema consiste em determinar a relação entre variáveis líderes e livres. Após identificar as variáveis líderes e livres, os autores introduzem um meio de controle do resultado encontrado, ou seja, o número de variáveis livres igual ao número de incógnitas menos o número de variáveis líderes. Essa propriedade possibilita relacionar a dimensão do subespaço solução com o número de equações independentes no estudo dos espaços vetoriais de IRn. Depois desse trabalho específico com o método de eliminação de Gauss, os autores tratam especificamente dos sistemas de equações lineares e homogêneas e retomam os sistemas de duas equações e duas incógnitas para apresentar uma interpretação geométrica desses sistemas e mostrar que todo sistema de equações lineares e homogêneas cujo número de incógnitas é maior que o de equações tem infinitas soluções. Na sequência, os autores introduzem as matrizes, suas operações e propriedades e consideram a representação matricial de um sistema de equações lineares Ax=b, o que lhes permite demonstrar que essa equação tem como solução x = A–1.b e considerar e provar o teorema abaixo. 154 155 Figura 68: Afirmações Equivalentes sobre Matrizes. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 63 Isso permite determinar quando um sistema de equações lineares é consistente, ou seja, estudar as condições sobre os segundos membros para que o sistema tenha solução. 155 156 Figura 69: Determinação de consistência por eliminação. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 64. 156 157 Os autores introduzem ainda um capítulo sobre determinante de uma matriz, métodos para o cálculo de determinantes de matrizes 2x2 e 3x3, suas propriedades e enunciam o teorema que serve de ferramenta explícita para o estudo e discussão de sistemas de equações lineares com parâmetros e para a introdução da regra de Cramer. Figura 70: Teorema sobre afirmações equivalentes. Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 89 Na sequência, os sistemas de equações lineares são utilizados como ferramentas explícitas para explorar as propriedades dos espaços bi e tridimensionais. Nesse momento, os autores introduzem a noção e vetores geométricos, que são 157 158 aqueles que podem ser representados por meio de segmentos orientados e consideram também a representação dos vetores nos espaços bi e tridimensionais por meio de suas coordenadas, o que lhes possibilita definir operações algébricas com vetores e estabelecer algumas propriedades dessas operações. Para os espaços tridimensionais, os autores propõem um estudo específico das retas e planos nesses espaços e revisitam algumas propriedades geométricas desenvolvidas em geometria analítica, mostrando a importância dos sistemas de equações lineares para esse estudo. Após visualizar propriedades de IR2 e IR3, os autores consideram que os estudantes já estejam familiarizados com algumas propriedades e introduzem propriedades numéricas e algébricas de pontos e vetores no espaço euclidiano ndimensional. Isso lhes permite considerar as propriedades de vetores em IRn, ou seja, a estrutura de espaço vetorial de IRn, que não é tratada nesses termos nesse momento, como é possível observar na figura abaixo. n Figura 71: Propriedades de vetores em IR . Fonte: Anton e Rorres, 2001, p. 130 Trata-se de uma obra atual, em que se enfatiza a importância do uso de 158 159 computadores quando possível, em particular para os sistemas de equações lineares que aparecem normalmente em situações das outras ciências, como por exemplo em economia, e como esses sistemas têm várias equações e incógnitas; em geral, os algoritmos computacionais para resolvê-los são baseados na eliminação gaussiana. Para auxiliar os professores, os autores apresentam no final de cada capítulo algumas tarefas para serem desenvolvidas utilizando softwares como Mathematica, Maple, Derive ou Mathcad. Para melhor compreender como se efetua a transição entre o Ensino Médio e o Superior e qual o papel esperado do professor e do estudante, verifica-se que tarefas associadas à grade de análise construída para essa pesquisa são privilegiadas. O papel do professor e do estudante Na tabela abaixo apresenta-se a quantidade de atividades propostas e resolvidas, assim como o total, em relação a cada uma das tarefas levantadas na obra de Anton e Rorres (2001). Tabela 10: Tarefas desenvolvidas na obra de Anton e Rorres (2001). TAREFAS RESOLVIDOS % PROPOSTOS % TOTAL 1 0 0 0 0 0 20 A (9) B (13) 41,5 26 2 A (0) B (4) 3 5 25 0 0 5 4 0 0 5 0 5 5 0 0 0 0 0 6 0 0 0 0 0 7 4 0 18 34 22 8 7 35 7 13,2 14 9 0 0 1 1,9 1 TOTAL 20 100 53 100 73 159 160 Para a tarefa 3, “Representar graficamente o conjunto solução de um sistema de 2 equações e 2 incógnitas e discutir as possibilidades de solução”, os autores fazem apenas uma representação geral dos casos dos sistemas 2x2 e não propõem tarefas para serem resolvidas pelos estudantes, pois consideram que se trata de um conhecimento prévio disponível, uma vez que esse tipo de tarefa é trabalhado no Ensino Fundamental e revisitada no Ensino Médio. Nesta obra, para a tarefa 4 é dada uma aplicação computacional que propõe como recurso os softwares MATLAB, Mathematica, Maple, Derive ou Mathcad, ou ainda outro tipo de software de Álgebra Linear ou uma calculadora científica com funcionalidade de Álgebra Linear. Trata-se aqui de uma tarefa bastante específica e que leva em conta a importância atual de utilizar recursos de computação e informática para auxiliar nos cálculos, mas é importante observar que os autores exploram o método do escalonamento e dão ênfase ao estudo das possibilidades de solução que necessitam de uma compreensão que ultrapassa a simples aplicação da técnica, que certamente pode ser efetuada pelo computador. A obra privilegia as tarefas 2, 7, e 8, que correspondem à aplicação dos métodos de resolução de sistemas de equações lineares que servirão de ferramentas explícitas para o desenvolvimento das propriedades numéricas e algébricas de pontos e vetores nos espaços bi, tri e n-dimensional. A noção de sistema de equações lineares é trabalhada de forma a se tornar uma ferramenta importante para considerar as propriedades numéricas e algébricas dos espaços euclidianos n-dimensionais. Na sequência, considera-se a obra de Kolman e Hill (2006) que, como a anterior, traz uma nova abordagem para a Álgebra Linear, levando em conta as atuais possibilidades de utilização de recursos de computação e informática para o desenvolvimento das propriedades numéricas e algébricas das noções de pontos e vetores. 160 161 5.3.6. A análise da obra de Kolman e Hill (2006) Trata-se de uma obra cuja abordagem é também moderna, com diversas aplicações para computação e informática, sendo indicada para estudantes de diversos cursos superiores. Essas aplicações são importantes na medida em que justificam a necessidade de utilização da noção de sistemas lineares. Os autores introduzem a Álgebra Linear em IRn utilizando os quadros dos sistemas de equações lineares e matrizes antes de dar o tratamento axiomático para as estruturas de espaço vetorial, com exemplos de diferentes conjuntos, o que torna esta obra diferenciada das tradicionalmente utilizadas para o desenvolvimento dessa disciplina. Comentários e Análise Os autores iniciam a obra introduzindo a noção de sistemas de equações lineares e matrizes e, após solucionar alguns sistemas pelo método de eliminação de Gauss, eles descrevem a técnica como é possível observar na figura abaixo. Figura 72: Método da Eliminação. Fonte: Kolman e Hill, 2006, p. 5. Para justificar e controlar os resultados encontrados, os autores empregam o quadro geométrico, articulando-o para sistemas 2x2 e 3x3 com o quadro algébrico, como já se encontrou na obra de Dante (2008). Na sequência, os autores introduzem a noção de matrizes, dando ênfase ao produto de matrizes e a representação matricial de um sistema de equações lineares, ou seja, é realizada uma rápida revisita às noções já trabalhadas no Ensino Médio. A 161 162 novidade é a introdução da matriz de bits, que possibilita mostrar a importância atual para os recursos de novas tecnologias. São considerados ainda exemplos de situações-problema das ciências naturais e sociais, assim como de engenharias e das ciências físicas. Após articular produto escalar e multiplicação de matrizes, os autores introduzem o produto de uma matriz por um vetor coluna e trabalham com a representação matricial de um sistema de equações lineares. Os autores introduzem ainda as propriedades da adição de matrizes e da multiplicação de um número por uma matriz e as transformações matriciais, como por exemplo a reflexão em torno do eixo dos x em IR2. Em seguida retomam a noção de sistemas de equações lineares e por meio de um longo discurso tecnológico definem a forma escalonada reduzida por linhas e operações elementares sobre as linhas para justificar o método do escalonamento aplicado nas linhas de uma matriz. Isso facilita a introdução do método de Gauss para solução de um sistema de equações lineares por meio de sua matriz aumentada, como mostra a descrição e justificativa do procedimento apresentada na figura a seguir. 162 163 Figura 73: Procedimentos de resolução de sistema Ax=b. Fonte: Kolman e Hill, 2006, p. 65. Ao estudar os sistemas de equações lineares e homogêneas, os autores demonstram o teorema que garante a existência de uma solução não trivial quando o número de incógnitas é maior que o número de equações, que corresponde à passagem do ponto de vista cartesiano para o ponto de vista paramétrico. Na demonstração, os autores definem o posto da matriz dos coeficientes do sistema e por meio deles encontram a relação entre variáveis livres e variáveis ligadas, que posteriormente pode ser usada para definir a dimensão do subespaço solução do sistema dado. Ou seja, os autores escolhem o ponto de vista matriz para demonstrar que para um sistema homogêneo de m equações lineares com n incógnitas, se o número de 163 164 equações é menor que o número de incógnitas, após a aplicação do método de eliminação de Gauss, o conjunto solução desse sistema é um subespaço vetorial de dimensão n – r do espaço vetorial de dimensão n onde r é o posto da matriz dos coeficientes do sistema. Em relação às tarefas identificadas por meio da grade de análise do capítulo 4, identifica-se o papel esperado do professor e do estudante ao revisitar as noções desenvolvidas no Ensino Médio. O papel do professor e do estudante A tabela abaixo apresenta a quantidade de atividades propostas e resolvidas, assim como o total, em relação a cada uma das tarefas levantadas nesta obra. Tabela 11: Tarefas desenvolvidas na obra de Kolman e Hill (2006). TAREFAS RESOLVIDAS % PROPOSTAS % TOTAL 1 0 0 6 15,8 6 2 A(0) B(5) 33,3 31,6 17 3 3 20 0 0 3 4 2 13,3 5 13,2 7 5 0 0 0 0 0 6 0 0 0 0 0 7 5 33,3 15 39,5 20 8 0 0 0 0 0 9 0 0 0 0 0 TOTAL 15 100 38 100 53 A(4) B(8) Da mesma forma que na obra de Dante, as tarefas 5, 6, 8 e 9 não foram encontradas nesta obra. A tarefa 5, “Obter sistemas de equações a partir de determinadas soluções dadas ou condições”, não é contemplada e poderia ser interessante, como já foi mencionado anteriormente, para trabalhar a questão do estudo das possibilidades de 164 165 solução. O mesmo ocorre para a tarefa 6, “Analisar a resolução de um sistema de equações lineares, descobrir o erro e corrigi-lo”, o que corresponde a uma nova forma de verificar se os estudantes dispõem de um entendimento mais relacional ou se reproduzem procedimentos de forma mecânica. Já na tarefa 8, “Utilizar Regra de Cramer para resolver um sistema linear”, os autores priorizam a resolução pelo método da eliminação de Gauss e não introduzem o método de Cramer. As tarefas 1 e 9 não são exigidas nem dos professores e nem dos estudantes. Embora tenham sido contabilizados na tarefa 3, para o papel do professor 6 resolvidas, são de forma muito genéricas, sem aplicações e sem exigir dos estudantes que explorem o quadro geométrico. Diferentemente do livro do Dante (2008), que faz a interpretação geométrica dos sistemas lineares 2x2 e explora as diferentes possibilidades para as posições relativas dos três planos no espaço, os estudantes podem recorrer a materiais do Ensino Médio quando necessário. Sobre a tarefa 4, o autor apresenta dois exemplos, sendo que um envolvendo aplicações na área da Economia (investimentos) e outro na área da Administração (planejamento de produção) e deixa a cargo dos estudantes diversas aplicações relacionadas, por exemplo, à fabricação de plásticos, nutrição, composição de alimentos e ao campo financeiro, entre outras. As tarefas mais presentes nesta obra são as 2 e 7, e ficam a cargo dos estudantes para que possam aplicar os procedimentos relacionadas à aplicação do método de Gauss. 5.4. Considerações finais Inicia-se este capítulo com cinco questões que orientaram as análises e que permitem relatar que no Ensino Médio a noção de sistemas de equações lineares é trabalhada nos quadros algébrico e geométrico, que são revisitados no Ensino Superior. Mas nesse momento a ênfase é dada ao quadro algébrico, pois trabalha-se com 165 166 sistemas mxn, que não possibilitam a representação geométrica. Em relação às técnicas para solução de sistemas de equações lineares, o método do escalonamento de Gauss, da solução de um sistema por meio da técnica da matriz aumentada do sistema são privilegiadas e o método de Cramer, em geral, é apresentado principalmente no Ensino Médio. Dessa forma, os ostensivos de representação de um sistema de equações lineares e de representação matricial são os mais utilizados, dependendo do quadro escolhido para descrever, justificar e controlar os resultados encontrados, o que determina o discurso tecnológico a ser utilizado, assim como os não ostensivos em jogo. Em geral, no Ensino Médio o nível de conhecimento esperado é o mobilizável, pois a noção de sistemas de equações lineares é introduzida enquanto ferramenta para solução de problemas cotidianos e de outras ciências, conduzindo a aplicação de diferentes técnicas de cálculo. Os pontos de vista cartesiano e paramétrico, que correspondem à representação de um espaço vetorial por meio de equações ou de um conjunto minimal de vetores, respectivamente, são apresentados e demonstrados apenas no Ensino Superior, por meio da explicitação das variáveis livres e ligadas. Observa-se que há uma incidência maior das tarefas 2 e 7 nos livros analisados, o que é compreensível, pois são as que correspondem à aplicação das técnicas de resolução de sistemas de equações lineares. Desta forma, há uma forte recomendação para utilização do escalonamento como método mais completo. Fica também claro que, para algumas situações muito específicas, o uso da Regra de Cramer é indicado. A propriedade da matriz dos coeficientes é interessante para estudar sistemas com parâmetro, mas o método do escalonamento ou método de Gauss, se aplicado corretamente, permite estudar as possibilidades diretamente e necessita apenas das operações de adição e multiplicação sobre as linhas do sistema. Os métodos auxiliam a discutir qual o mais adaptado em função dos conhecimentos necessários apara aplicá-los, a saber: método de Gauss- escalonamento, com os conhecimentos sobre adições e multiplicações das linhas do 166 167 sistema; matriz aumentada, com os conhecimentos sobre as adições e multiplicações das linhas da matriz, mas que pode criar confusão no momento de renomear as incógnitas; e Regra de Cramer, que serve apenas para um caso particular, exige conhecimento da noção de determinante e pode se tornar muito custoso do ponto de vista dos cálculos. Percebe-se que há uma ordem preferencial para se trabalhar com as noções matemáticas adjacentes aos sistemas de equações lineares. Sendo assim, as tarefas nem sempre se encontram nos capítulos de sistemas lineares. Nos livros do Dante (2008) e de Iezzi e Hazzan (1993), são introduzidas as matrizes, determinantes e sistemas lineares. No Caderno do Aluno da Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo há uma pequena mudança na nessa ordem, ou seja, são introduzidas matrizes, sistemas lineares e determinantes. Já no livro de Smole e Diniz (2006), a ordem é: sistemas lineares, matrizes e determinantes. Portanto, na obra de Smole e Diniz, a regra de Cramer é vista no capítulo de determinantes e neste momento é que são retomados os sistemas lineares e feitas as discussões dos sistemas com parâmetros. Parece mais adequada a ordem seguida na obra de Dante, por seguir uma sequência natural em termos do desenvolvimento dos conceitos matemáticos. Primeiramente, trabalha-se com as noções de matrizes, sua definição, representação, tipos diferentes de matrizes, operações com matrizes e equações matriciais. Feito isso, passa-se ao estudo dos determinantes das matrizes e só então se introduz a noção de sistemas de equações lineares. Dessa forma, a discussão dos sistemas com parâmetros teria como ser feita, assim como a introdução da Regra de Cramer, caso seja de interesse dos docentes. Observa-se que a proposta de Iezzi e Hazzan (1993) justifica a ordem escolhida pelos autores, que demonstram as propriedades associadas à noção de sistemas de equações lineares, em particular a passagem da representação cartesiana para uma representação paramétrica, mesmo se essa nomenclatura não é utilizada, utilizando como tecnologia para justificar as tecnologias apresentadas a teoria das matrizes. Os livros de Ensino Médio analisados, com exceção do livro do Iezzi e Hazzan 167 168 (1993), exploram as situações de contexto extramatemático em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares. Na obra de Iezzi e Hazzan (1993), é feita uma abordagem teórica centrada no quadro das matrizes. Pode-se dizer que, nas obras de Dante (2008) e Smole e Diniz (2006), a ênfase é introduzir a noção de sistemas por meio de situações contextualizadas, como propõem os documentos oficiais. Isso conduz a certo número de situações artificiais. No “Caderno do Aluno Nova Proposta”, a intenção é explorar de uma forma diferenciada os conteúdos, buscando evidenciar os princípios norteadores do presente currículo, destacando-se a contextualização dos conteúdos, as competências pessoais envolvidas, especialmente as relacionadas à leitura e à escrita matemática, bem como os elementos culturais intra e extramatemáticos. Portanto, também observa-se no caderno uma preocupação em propor tarefas centradas em situações contextualizadas que mostram as possíveis aplicações da noção de sistemas de equações lineares enquanto ferramenta de resolução de problemas cotidianos e de outras ciências. Nas obras de Anton e Rorres (2001) e Kolman e Hill (2006), observa-se a preocupação de introduzir a Álgebra Linear em IRn, trabalhando com equações e vetores e suas propriedades antes de introduzir a axiomática da noção de estrutura de espaço vetorial. É importante destacar que, em geral, nas obras destinadas ao Ensino Superior analisadas, existe uma preocupação em desenvolver tanto o caráter ferramenta como objeto da noção de sistemas de equações lineares, como mostram as análises apresentadas acima para os livros de Iezzi e Hazzan (1993), Anton e Rorres (2001) e Kolman e Hill (2006). As duas últimas obras trazem aplicações que podem responder à questão frequente dos estudantes, ou seja: para que serve aprender sistemas de equações lineares? Na sequência, apresenta-se o capítulo 6, em que se verifica se existe coerência entre as relações institucionais existentes via alguns livros didáticos e as relações pessoais esperadas dos estudantes em uma macroavaliação destinada à entrada na universidade e outra para os egressos dos cursos de Matemática do Ensino Superior. 168 169 CAPÍTULO 6 ANÁLISE DAS RELAÇÕES PESSOAIS ESPERADAS DOS ESTUDANTES 6.1. Introdução Neste capítulo, busca-se fazer uma análise das expectativas institucionais em relação à aprendizagem dos estudantes, isto é, das relações pessoais esperadas dos estudantes, sobre o ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, considerando as macroavaliações institucionais. As macroavaliações institucionais escolhidas foram a da UNICAMP (transição Ensino Médio e Ensino Superior) e o ENADE (Ensino Superior). Verifica-se assim se as relações pessoais esperadas estão em conformidade com as relações institucionais esperadas e existentes e se elas podem ser desenvolvidas considerando o nível de conhecimento identificado por meio das tarefas usuais apresentadas no capítulo 4, ou seja, se é possível considerar os conhecimentos que se supõe tenham sido adquiridos no Ensino Médio como conhecimentos prévios pelo menos mobilizáveis quando se introduzem novas noções em que esses servem, em geral, de ferramentas explícitas. Neste capítulo será feita uma análise das questões das avaliações institucionais escolhidas, associando a grade de tarefas e as relações institucionais existentes; isto é, os livros didáticos. Desta forma, a intenção é de estabelecer uma relação das tarefas propostas nas avaliações com o que é desenvolvido nos livros didáticos e verificar se de fato elas estão em conformidade com eles. Esta análise se justifica, pois, caso as avaliações estejam em concordância com o trabalho desenvolvido nos livros didáticos, pode-se supor que os estudantes sejam capazes de pelo menos mobilizar esses conhecimentos, uma vez que se espera que os estudantes do Ensino Médio sejam autônomos e procurem diversos meios para complementar o trabalho realizado na escola. 169 170 Inicia-se com a análise das tarefas sobre sistemas de equações lineares do vestibular da UNICAMP, por se tratar de uma avaliação que leva em conta essa formação autônoma dos estudantes. 6.2. As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP A Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP foi oficialmente fundada em 5 de outubro de 1966 e pode ser considerada uma instituição jovem, que já conquistou forte tradição no ensino, na pesquisa e nas relações com a sociedade. É uma autarquia, autônoma em política educacional, mas subordinada ao governo estadual no que se refere a subsídios para a sua operação. A UNICAMP tem três campi — em Campinas, Piracicaba e Limeira — e compreende 22 unidades de ensino e pesquisa. Possui também um vasto complexo de saúde (com duas grandes unidades hospitalares no campus de Campinas), além de 23 núcleos e centros interdisciplinares, dois colégios técnicos e uma série de unidades de apoio, num universo onde convivem cerca de 50 mil pessoas e se desenvolvem inúmeros projetos de pesquisa. A UNICAMP vem pondo em prática profundas alterações em seus exames vestibulares, com a intenção de que os resultados se aproximem cada vez mais das expectativas que a Universidade tem em relação àqueles que pretendem ingressar nela. Escolhe-se utilizar as avaliações da UNICAMP para a análise desta pesquisa por esta Universidade ser considerada uma referência de ensino em termos de qualidade, o que faz com que seja pretendida por um grande número de estudantes. A análise feita abrange as duas fases do vestibular da UNICAMP com relação à noção de sistemas de equações lineares, sendo que o período verificado para esta análise compreende de 2005 a 2010. A seguir será feita uma análise das relações pessoais esperadas dos estudantes que ingressam no Ensino Superior da UNICAMP, considerando apenas a noção de sistemas lineares. O objetivo dessa análise é verificar se existe coerência entre as relações institucionais a que se submetem os estudantes e as expectativas 170 171 institucionais. Apresentam-se na sequência as tarefas sobre sistemas de equações lineares encontradas na avaliação de 2005. 6.2.1. As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2005. Encontraram-se três tarefas na segunda fase para o ano de 2005. Apresenta-se a tarefa e a resposta esperada e na sequência faz-se um breve comentário e análise. - Primeira tarefa, segunda fase Figura 74: Questão da 1ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2005- 2ª fase Figura 75: Resposta esperada da questão da figura 73. Fonte: UNICAMP-2005- 2ª fase Embora esta questão possa ser feita utilizando-se apenas conceitos de proporção direta e inversa, vistos no Ensino Fundamental II, o estudante poderia eventualmente montar um sistema linear com três equações e três incógnitas e resolvêlo, o que corresponde à tarefa 2 proposta na grade de análise. 171 172 Ela explora uma questão de situação de contexto extramatemático em que, portanto, a tarefa 4 também é identificada. Observa-se aqui que a tarefa pode ser resolvida de diferentes formas e não se espera que o estudante utilize a noção de sistemas de equações lineares. O que deixa evidente, conforme a expectativa institucional, que cabe ao estudante dispor de diferentes conhecimentos e procurar o mais adequado para a solução da tarefa proposta. - Segunda tarefa, segunda fase Figura 76: Questão da 2ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2005- 2ª fase Figura 77: Resposta esperada da questão da figura 75. Fonte: UNICAMP-2005- 2ª fase Na proposta de resposta, mesmo que não explicitado, a noção matemática em jogo é a noção de função afim. Logo, como a tarefa anterior, existem vários métodos para resovê-la e um deles corresponde a utilizar a noção de sistema de equações lineares. Trata-se assim de uma tarefa em que, ao se utilizar a noção de sistemas de 172 173 equações lineares, é preciso dispor de um método para a sua solução. - Terceira tarefa, segunda fase Figura 78: Questão da 3ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2005- 2ª fase Figura 79: Resposta esperada da questão da figura 77. Fonte: UNICAMP-2005- 2ª fase Esta é uma questão que realmente exige que o estudante mobilize seus conhecimentos sobre função quadrática e, ao encontrar as três equações, disponha da noção de sistema de equações lineares e utilize as propriedades da noção de sistemas de equações lineares desenvolvidas por meio da noção de determinante de uma matriz para estudar as possibilidades de solução do sistema. Trata-se de uma tarefa que pode colocar muitas dificuldades para os estudantes que precisam articular o quadro das matrizes, determinantes, sistemas lineares e 173 174 geometria analítica. Entre os livros didáticos do Ensino Médio analisados nesse trabalho, somente o livro de Iezzi e Hazzan (1993) faz o tratamento teórico necessário para que se possa compreender a discusão proposta, ou seja, as expectativas institucionais. Apresentam-se a seguir as tarefas do ano de 2006. 6.2.2. As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2006. - Primeira tarefa, segunda fase Figura 80: Questão da 1ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Resposta Esperada Figura 81: Resposta esperada da questão da figura 79. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase 174 175 Apresenta-se a seguir o exemplo encontrado que mostra uma resposta considerada acima da média. Não se esperava que os estudantes recorressem aos diferentes ostensivos de representação de sistemas de equações lineares, como o desenvolvido no exemplo abaixo. Figura 82: Resposta acima da média / questão da figura 79. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Na tarefa proposta, além de mobilizar as noções de porcentagem e probabilidade, o estudante poderia dispor de conhecimentos sobre sistemas de equações lineares para desenvolê-la. Observa-se aqui a importância do ostensivo tabela apresentado no exemplo acima da média, que facilita a manipulação da noção de sistemas de equações lineares. Trata-se de uma tarefa que não corresponde ao trabalho desenvolvido nos livros didáticos. Além disso, ela exige uma articulação entre diferentes noções matemáticas que não são consideradas no Ensino Médio. Apresenta-se a seguir a segunda tarefa, com a respectiva resposta esperada. 175 176 - Segunda tarefa, segunda fase Figura 83: Questão da 2ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Figura 84: Resposta esperada da questão da figura 82. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase 176 177 Figura 85: Resposta esperada da questão da figura 82. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase 177 178 Figura 86: Resposta esperada da questão da figura 82. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Trata-se de uma tarefa contextualizada que exige que os estudantes mobilizem seus conhecimentos de trigonometria no triângulo retângulo, o teorema de Tales e números reais, ou seja, é preciso articular os quadros algébrico e geométrico. A noção de sistemas de equações lineares é uma ferramenta que deve ser disponível para auxiliar na solução da tarefa proposta e, por se tratar de um sistema de duas equações e duas incógnitas, é considerada como compatível com o trabalho realizado nas obras analisadas, isto é, existe coerência entre a relação institucional e a relação pessoal esparada dos estudantes. Na sequência apresenta-se a terceira tarefa em que a noção de sistemas de equações lineares deve ser mobilizada para a solução da tarefa. 178 179 - Terceira tarefa, segunda fase Figura 87: Questão da 3ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Figura 88: Resposta esperada da questão da figura 86. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Trata-se de uma tarefa sobre sistemas de equações lineares que exige 179 180 conhecimentos sobre a solução e as possibilidades de solução de um sistema de equações lineares. No caso, o sistema é dado implicitamente por meio do ostensivo de representação matricial e o estudante pode utilizar diretamente a propriedade do determinante da matriz do coeficiente e em seguida o determinante da matriz aumentada do sistema. Em todos os casos os estudantes podem utilizar o método do escalonamento ou de Gauss para estudar as possibilidades de solução. Essa tarefa é classificada de tipo 2 na grade de análise construída para esse trabalho e corresponde ao tipo mais trabalhado nas obras analisadas, portanto faz parte do conjunto de tarefas que poderia ser mobilizada pelos estudantes, mas o que se observou é que muitos deles utilizam Cramer, sem levar em conta que era preciso identificar as condições para que o sistema tenha solução, o que é compreensível quando se introduz o ostensivo de representação matricial de um sistema de equações lineares, dando ênfase ao método de Cramer sem mostrar sua importância para estudar as possibilidades de solução de sistemas com parâmetros. Na tarefa que segue, são dadas uma função afim e uma função modular, portanto é preciso mobilizar os conhecimentos sobre essas noções para construir o sistema de equações lineares que é utilizado como ferramenta para a solução da tarefa. - Quarta tarefa, segunda fase Figura 89: Questão da 4ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase 180 181 Figura 90: Resposta esperada da questão da figura 88. Fonte: UNICAMP-2006- 2ª fase Nesta tarefa, embora não seja pedida explicitamente a noção de sistemas de 181 182 equações lineares, é preciso dispor de um método de resolução de sistemas 2x2 para determinar as soluções dos dois sistemas da parte a. A parte b corresponde à articulação da noção de função afim e modular e as noções de coordenadas de pontos de geometria analítica, que permite mobilizar a noção de área de um triângulo, conhecidos os três pontos. Observa-se que para a parte b são propostas três abordagens diferentes da tarefa, que dependem do não ostensivo de que se dispõe para a sua solução. Para as três propostas, observa-se que a utilização do ostensivo de representação gráfica das três retas enunciadas por meio de seus ostensivos de representação algébrica é uma ferramenta importante que facilita a identificação dos três pontos considerados e a visualização das propriedades do triângulo que possibilita o estudo da condição sobre sua área. Na sequência apresentam-se as tarefas do vestibular de 2007 em que a noção de sistemas de equações lineares é utilizada pelo menos como ferramenta para a sua solução. 6.2.3 As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2007 - Primeira tarefa, segunda fase Figura 91: Questão da 1ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2007- 2ª fase 182 183 Figura 92: Resposta esperada da questão da figura 90. Fonte: UNICAMP-2007- 2ª fase Na tarefa é dado um sisema de 3 equações e 2 incógnitas e na parte a pede-se explicitamente que se utilize o ostensivo de representação gráfica para estudar as possibilidades de solução do sistema dado. Observa-se aqui que se trata de uma tarefa em que os estudantes podem mobilizar sem muitas dificuldades, pois é trabalhada a partir do Ensino Fundamental II. No item b, utiliza-se o método dos quadrados mínimos para determinar uma solução aproximada de um sistema linear Ax =b, sendo assim se pressupõe que este método já tenha sido trabalhado no Ensino Médio, mas as orientações dadas no problema permitem que os estudantes que são capazes de mobilizar a noção de transposta de uma matriz e disponham de um método de resolução de sistemas de equações lineares não encontrem dificuldades na solução da tarefa. Na única tarefa sobre sistemas de equações lineares encontrada no vestibular da UNICAMP 2007, a relação pessoal esperada dos estudantes está em conformidade 183 184 com as relações institucionais existentes e parece ser um conhecimento prévio que se pode supor disponível para aqueles que terminam o Ensino Médio. Apresentam-se a seguir as tarefas encontradas no vestibular da UNICAMP de 2008. 6.2.4. As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2008 - Primeira tarefa, segunda fase Figura 93: Questão da 1ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2008- 2ª fase Figura 94: Resposta esperada da questão da figura 92. Fonte: UNICAMP-2008- 2ª fase 184 185 Trata-se de uma tarefa próxima à terceira tarefa do vestibular de 2005, que exige apenas que se disponha do cálculo do valor numérico de uma função e de um método de resolução de sistemas de equações lineares com 3 equações e 3 incógnitas. Na parte b é preciso articular os conhecimentos matemáticos com noções de física para encontrar a equação do segundo grau e resolvê-la, o que está em conformidade com o trabalho que se desenvolve em Matemática e Física do Ensino Médio. A tarefa está adequada à proposta do Ensino Médio, que é de trabalhar a interdisciplinaridade desde o primeiro ano dessa etapa escolar, mostrando a importância da Matemática para a explicitação de fenômenos de outras ciências. - Segunda tarefa, segunda fase Figura 95: Questão da 2ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2008- 2ª fase 185 186 Figura 96: Resposta esperada da questão da figura 94. Fonte: UNICAMP-2008- 2ª fase Figura 97: Resposta esperada da questão da figura 94. Fonte: UNICAMP-2008- 2ª fase 186 187 Para resolver o item a desta questão, recai-se em um sistema de duas equações e duas incógnitas que pode ser resolvido por um dos métodos estudados no Ensino Fundamental ou Médio (tarefa 2). O sistema aqui é uma ferramenta para a resolução da tarefa. No item b, há um tratamento matricial do sistema, assim como para sua resolução, e o método do escalonamento é o mais adequado (tarefa 7). Nessa questão, a transposição e a inversão de matrizes são utilizadas para a solução de um sistema linear através de um método baseado na decomposição da matriz A no produto QR, em que Q é uma matriz ortogonal. Trata-se de uma tarefa que não é trabalhada no Ensino Médio e que está associada ao cálculo da inversa de uma matriz, como foi explicitado no enunciado da tarefa. Nas duas tarefas encontradas no vestibular da UNICAMP 2008, a noção de sistemas de equações lineares é um conhecimento considerado disponível por se tratar apenas de uma ferramenta para resolvê-la. Apresentam-se a seguir as tarefas em que se necessita da noção de sistemas de equações lineares para a sua solução no vestibular da UNICAMP 2009. 6.2.5 . As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2009. - Primeira tarefa, primeira fase Figura 98: Questão da 1ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2009- 1ª fase 187 188 Figura 99: Resposta esperada da questão da figura 97. Fonte: UNICAMP-2009- 2ª fase Trata-se de uma tarefa contextualizada em que é preciso transformar o enunciado dado em língua natural em um sistema de equações lineares e resolver o sistema 2x2 utilizando um método conhecido. Para o item b, é preciso mobilizar conhecimentos de geometria espacial e o resultado encontrado no item a permite determinar as dimensões do tanque. A tarefa articula noções de álgebra e geometria espacial e supõe a articulação de conhecimentos desses dois quadros. No que se refere à noção de sistemas de equações, pode-se considerar que essa tarefa não corresponde às relações institucionais existentes apresentadas no capítulo anterior, exigindo um trabalho autônomo dos estudantes, que devem procurar diferentes tipos de tarefas nos vestibulares do país para ter um certo número de situações de referência disponíveis e poder buscá-las quando necessário. 188 189 - Segunda tarefa, segunda fase Figura 100: Questão da 2ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2009- 2ª fase Figura 101: Resposta esperada da questão da figura 99. Fonte: UNICAMP-2009- 2ª fase Trata-se de uma tarefa contextualizada em que a noção de sistemas de equações lineares é implicitamente pedida no enunciado. Após a construção do sistema de duas equações e três incógnitas e sua solução, verifica-se que o sistema é indeterminado, o que corresponde a uma situação dificilmente trabalhada no Ensino Médio, quando se consideram situações intra ou extramatemáticas, ou seja, esse tipo 189 190 de tarefa não está em conformidade com as relações institucionais analisadas por meio das obras escolhidas. O estudo das possíveis soluções envolvendo desigualdades também não é trabalhado no Ensino Médio e poderá colocar dificuldades, pois as desigualdades em geral só são desenvolvidas no estudo das inequações no primeiro ano do Ensino Médio. - Terceira tarefa, segunda fase Figura 102: Questão da 3ª Tarefa . Fonte: UNICAMP-2009- 2ª fase 190 191 Figura 103: Resposta esperada da questão da figura 101. Fonte: UNICAMP-2009- 2ª fase A tarefa articula funções polinomiais de graus dois e três e a determinação do valor numérico e da taxa de variação. Além disso, no item b consideram-se as equações obtidas substituindo o valor numérico das raízes reais das funções dadas e se obtém um sistema de três equações lineares e três incógnitas. Nesse caso, como em tarefas anteriores, é preciso dispor de um método de solução de sistemas de equações lineares para encontrar a solução da tarefa quando se recorre a esse não ostensivo. Mais uma vez a noção de sistemas de equações lineares é apenas uma ferramenta para solucionar a tarefa que exige a mobilização de outros conhecimentos que poderão apresentar dificuldades para os estudantes antes de encontrar o sistema e 191 192 um método para a sua solução. Observa-se aqui que não se trata de uma tarefa que componha as situações de referência sobre sistemas de equações lineares de que os estudantes do Ensino Médio costumam dispor. Isso se confirma na apresentação dos resultados pela UNICAMP, que indica essa tarefa como a que apresenta a menor nota média de toda a prova de matemática do vestibular de 2009. Finalmente apresentam-se as tarefas do vestibular UNICAMP 2010, em que a noção de sistemas de equações lineares serve pelo menos de ferramenta para sua solução. 192 193 6.2.6. As tarefas sobre sistemas lineares da UNICAMP-2010 - Primeira tarefa, primeira fase Figura 104: Questão da 1ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2010- 1ª fase 193 194 Figura 105: Resposta esperada da questão da figura 103. Fonte: UNICAMP-2010- 1ª fase 194 195 Figura 106: Resposta acima da média / questão da figura 103. Fonte: UNICAMP-2010- 1ª fase O candidato que resolveu esta questão indicou, no item a, x como o ano, em lugar do número de anos decorridos desde 2030, o que tornou as operações mais complexas, embora todo o raciocínio seja correto. Observa-se que no exemplo acima da média utiliza-se a noção de sistemas de equações lineares para tratar a interseção de duas retas no plano, pois se supõe que a variação é linear, o que pode ser considerado como a interseção de duas funções afins. Nesse caso, em geral, a resolução do sistema após determinar as duas funções por meio da equação de uma reta é a mais adaptada para os estudantes no final do Ensino Médio. Esse tipo de tarefa é desenvolvido no quadro das funções no primeiro ano do Ensino Médio e no quadro da geometria analítica no terceiro ano do Ensino Médio, o que corresponde ao trabalho proposto pelo estudante, mas é importante ressaltar que a solução dada corresponde a uma proposta fora do contexto geral dos estudantes que participaram dessa avaliação. 195 196 - Segunda tarefa, segunda fase Figura 107: Questão da 2ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2010- 2ª fase Figura 108: Resposta esperada da questão da figura 106. Fonte: UNICAMP-2010- 2ª fase O item b exige que os estudantes construam e resolvam um sistema de equações lineares com duas equações e duas incógnitas. Trata-se de uma tarefa que, em geral, faz parte dos conhecimentos prévios dos estudantes. Na parte a dessa tarefa, os cálculos com os valores numéricos dados podem ser um facilitador para a construção do sistema de equações lineares da parte b. Trata-se de uma tarefa esperada como disponível para os estudantes do Ensino Médio e que está em conformidade com o trabalho sobre a noção de sistemas de equações lineares encontrado nas relações institucionais existentes apresentadas no capítulo anterior. 196 197 - Terceira tarefa segunda fase Figura 109: Questão da 3ª Tarefa. Fonte: UNICAMP-2010- 2ª fase Figura 110: Resposta esperada da questão da figura 108. Fonte: UNICAMP-2010- 2ª fase 197 198 O item b exigiu dos vestibulandos, além do domínio dos logaritmos, a resolução de um sistema linear simples 2x2. Neste caso, o sistema é tido como uma ferramenta para a resolução do problema e não é a noção de sistemas de equações lineares que pode dificultar a solução da tarefa. Não se trata do tipo de tarefa desenvolvida atualmente no Ensino Médio e esse tipo de trabalho, em geral, é desenvolvido no capítulo de logaritmos e funções exponenciais e logarítmicas nos livros que, como o de Iezzi e Hazzan (1993), tratam de conteúdos específicos, destinando praticamente um livro para cada um deles. Logo, esse tipo de tarefa não corresponde, em geral, às relações pessoais que os estudantes podem desenvolver no Ensino Médio, pois não estão em conformidade com as relações institucionais existentes apresentadas no capítulo anterior. A seguir, apresenta-se a análise das relações pessoais esperadas dos estudantes, que iniciam e terminam o Ensino Superior, sobre a noção de sistemas de equações lineares. Para isso, considera-se o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. 6.3. As tarefas sobre sistemas de equações lineares do ENADE. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE tem como objetivo avaliar o desempenho dos estudantes com relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao aprofundamento da formação geral e profissional e o nível de atualização dos estudantes com relação à realidade brasileira e mundial, integrando o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), juntamente com a avaliação institucional e a avaliação dos cursos de graduação. O Ministério da Educação define, anualmente, as áreas propostas pela Comissão de Avaliação da Educação Superior – CONAES, órgão colegiado de coordenação e supervisão do SINAES. A periodicidade máxima de aplicação do ENADE em cada área 198 199 é trienal. No caso desta pesquisa, as avaliações feitas nos anos de 2005 e 2008 é que foram consideradas, pois foram estas as avaliações realizadas para os cursos de Matemática, tanto para a licenciatura quanto para o bacharelado. A próxima avaliação para os cursos de Matemática será no ano de 2011. Estão habilitados a participar do ENADE todos os estudantes em final de primeiro ano e de último ano das áreas e cursos a serem avaliados. Sendo assim, os estudantes do primeiro ano são avaliados em função dos conhecimentos adquiridos nas etapas anteriores de sua escolaridade. O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação. Desta forma, justifica-se a escolha dessa avaliação para a análise nesta pesquisa, pois se trata de uma avaliação que considera os conhecimentos prévios disponíveis dos estudantes que iniciam o Ensino Superior e a evolução dos mesmos durante essa etapa escolar. A seguir são analisadas as tarefas em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares para as avaliações de Matemática do ENADE dos anos 2005 e 2008. 6.3.1. Análise e Comentários das tarefas sobre sistemas lineares de 2005 Na prova do ENADE de 2005 encontrou-se apenas 1 questão associada à noção de sistemas de equações lineares. 199 200 R: D Figura 111: Questão de situação contextualizada. Fonte: ENADE- Matemática 2005 Observa-se que se trata de uma situação contextualizada em que o sistema linear é dado explicitamente por meio do ostensivo de representação matricial, o que exige que o estudante disponha de conhecimentos sobre multiplicação e igualdade de matrizes para resolver a questão. Ele pode ainda aplicar o método do escalonamento 200 201 na matriz aumentada do sistema dado; basta completar a matriz dos coeficientes com a coluna da matriz dos segundos membros. Considerando que o estudante disponha do método do escalonamento ou método de Gauss, ele deverá ainda dispor dos conhecimentos sobre matrizes, suas operações e propriedades para passar o sistema de equações lineares dado do ostensivo de representação matricial para o ostensivo de representação algébrico de um sistema de equações lineares e aplicar o método acima. No caso de o estudante dispor de conhecimento sobre o escalonamento da matriz aumentada do sistema, ele poderá aplicar esse método que na realidade corresponde ao método do escalonamento ou de Gauss, em que as incógnitas só aparecem no final do processo. Para a mesma tarefa, os estudantes que dispõem da noção de determinante de uma matriz poderão aplicar a propriedade do determinante da matriz dos coeficientes do sistema de equações lineares dado, para verificar que o mesmo é diferente de zero e logo o sistema tem uma única solução, que poderá ser determinada por meio do método de Cramer. Dessa forma, verifica-se que a tarefa permite utilizar diferentes métodos que dependem das técnicas desenvolvidas no Ensino Médio e possivelmente revisitadas no Ensino Superior, portanto trata-se uma tarefa que os estudantes que estão no final do curso de Licenciatura em Matemática devem resolver sem dificuldades e os que estão no início do curso hipoteticamente estudaram pelo menos um dos métodos acima para resolver e estudar as condições de solução de sistemas de três equações e três incógnitas. Observa-se aqui a importância de desenvolver pelo menos um desses métodos no Ensino Médio. Sendo assim, segundo nosso ponto de vista, o método do escalonamento ou de Gauss é o mais adequado, mas é preciso considerar os diferentes ostensivos de representação de um sistema linear para que os estudantes sejam capazes de encontrar a representação algébrica ou matricial para escalonar. Certamente, como o sistema de equações lineares é dado por meio da representação matricial, o que se espera dos estudantes do primeiro ano é que eles 201 202 mobilizem seus conhecimentos sobre as noções de matrizes e determinantes e apliquem o método de Cramer ou o método da matriz aumentada do sistema. Mas, se esse conhecimento já é disponível para os estudantes do primeiro ano, pode-se utilizálos para motivá-los a aprender o método do escalonamento, que será mais adequado para o estudo das condições para que um sistema tenha solução e que corresponde apenas a carregar as incógnitas durante o escalonamento. O método de Cramer só se aplica a casos particulares, mas a propriedade do determinante da matriz dos coeficientes é importante para o estudo de sistemas com parâmetros. Ainda nesse caso, o método de Gauss se mostra mais adequado. A escolha fica a cargo do professor em função das possibilidades de seu curso, mas é importante mostrar todos esses recursos para os estudantes. É interessante observar que existe uma única questão associada diretamente à noção de sistemas de equações lineares e que a mesma não exige conhecimentos trabalhados apenas no Ensino Superior, mas trata-se de uma tarefa que se supõe já tenha sido bastante trabalhada no Ensino Médio. Observa-se aqui que essa tarefa é mais simples que as encontradas no vestibular da UNICAMP, o que permite supor que os estudantes do primeiro ano dessa universidade não terão dificuldades para resolver esse tipo de questão. Na sequência apresentam-se as duas questões sobre sistemas de equações lineares identificadas na avaliação do ENADE 2008. 6.3.2. Análise e Comentários das tarefas sobre sistemas de equações lineares de 2008 Na prova do ENADE de 2008 encontraram-se 2 questões associadas à noção de sistemas de equações lineares. 202 203 R.: E Figura 112: Questão de situação de contexto extramatemático. Fonte: ENADE- Matemática 2008 Esta questão é uma situação de contexto extramatemático, jogo de futebol no qual se articulam noções de matemática e física, em geral já desenvolvidos no primeiro ano do Ensino Médio nas disciplinas de Matemática e Física. Sendo assim, a noção de sistemas de equações lineares aparece como ferramenta para a sua solução, uma vez que para resolvê-la podemos recair num sistema de duas equações e duas incógnitas. Após mobilizar a noção de função quadrática e suas propriedades, obtém-se um sistema de duas equações lineares e duas incógnitas que permite determinar os coeficientes da função quadrática que representa o gráfico dado e assim se encontra a solução da tarefa ao calcular o valor numérico da função para x=8. Essa tarefa também é considerada como disponível para os estudantes que terminam o Ensino Médio, em particular para aqueles que entraram na UNICAMP, pois já se identificou esse tipo de tarefa no estudo das tarefas sobre sistemas de equações lineares desse vestibular. Apresenta-se a seguir a segunda tarefa sobre sistemas de equações lineares identificada no ENADE de 2008. 203 204 R: B Figura 113: Questão de sistema linear explícito. Fonte: ENADE- Matemática 2008 Trata-se de uma tarefa em que é dado explicitamente um sistema de equações lineares e em que se espera que os estudantes mobilizem as propriedades associadas à matriz dos coeficientes do sistema dado para respondê-la. Isso permite concluir que a tarefa pode ser resolvida pelos estudantes que ingressam no Ensino Superior, uma vez que essas propriedades são trabalhadas nas obras destinadas ao Ensino Médio analisadas no capítulo anterior. É interessante observar que nessas duas questões associadas à noção de sistemas de equações lineares, também se verifica que as mesmas não exigem conhecimentos trabalhados apenas no Ensino Superior, mas trata-se de tarefas que se supõe já tenham sido bastante trabalhadas no Ensino Médio e até mesmo no Ensino Fundamental II, no caso da questão 11. 204 205 6.4. Considerações finais Observa-se que na 1ª fase da UNICAMP, com relação às avaliações analisadas no período de 2005 a 2010, pouco se cobra de conhecimento da noção de sistemas lineares, com a exceção de 2009 e 2010, em que foi proposta uma tarefa em cada ano, sendo que em 2010 não seria um conhecimento necessário, uma vez que há outras maneiras de resolução. Já na segunda fase da UNICAMP foram encontradas 13 tarefas em que a noção de sistemas de equações lineares é exigida, mas em geral como ferramenta para determinar a solução de tarefas que exigem a articulação de diferentes noções matemáticas, de outras ciências ou do cotidiano, como já observado nas apresentadas. Dessa forma, a maioria dos sistemas de equações lineares encontrados são sistemas 2x2 ou 3x3 com uma única solução e assim necessitam apenas que os estudantes disponham de um método de solução desse tipo de sistema. Percebe-se que há um esforço grande empregado nas avaliações para que estas contemplem questões que envolvam situações de contexto extramatemático em que a noção de sistemas de equações lineares se faz presente, mas isso dificulta a introdução dos sistemas indeterminados e com parâmetros que serão utilizados nos cursos de Álgebra Linear. Os livros analisados atendem parcialmente às exigências da UNICAMP, pois nem todos exploram a representação matricial de um sistema de equações lineares e de forma geral pouco se trabalha com as articulações entre as funções numéricas e os sistemas de equações lineares. Pode-se dizer que as tarefas propostas no vestibular da UNICAMP não estão em conformidade com as relações institucionais existentes, aqui analisadas via alguns livros didáticos para o Ensino Médio. Mas, ao se considerar as tarefas do ENADE, pode-se considerar que os estudantes de Matemática que terminam o Ensino Superior dispõem dos conhecimentos prévios necessários para resolvê-las, uma vez que os mesmos são desenvolvidos no Ensino Médio e revisitados, em particular, nas disciplinas de Geometria Analítica e Álgebra Linear no Ensino Superior. 205 206 Considerações Finais e Perspectivas Futuras Retoma-se o processo de pesquisa realizado para fazer algumas considerações finais e perspectivas futuras para as relações institucionais esperadas e existentes quando se consideram as noções de sistemas de equações lineares na transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior. O que se buscou fazer foi analisar os conhecimentos supostos mobilizáveis ou disponíveis pelos estudantes quando ingressam no Ensino Superior, buscando estudar por meio de diferentes olhares, isto é, por meio de novos modos de pensar, nova organização dos conhecimentos, nova linguagem e nova exigência de rigor e novas expectativas institucionais, a questão dessa transição referente a esta noção. Faz-se agora uma retrospectiva dos questionamentos que motivaram esta pesquisa e, longe de ser conclusiva, espera-se que as respostas obtidas possam de certa forma contribuir para pesquisas futuras. A partir das informações obtidas nos capítulos apresentados, busca-se então responder às seguintes questões que, como anunciado na introdução e no capítulo 1, iniciaram esse trabalho acadêmico. Os questionamentos foram estes: Com que finalidade estudar a transição entre Ensino Médio e Ensino Superior, considerando a noção de sistema de equações lineares? Por que se preocupar com essa noção? Como se dá a transição do Ensino Médio para o Superior, considerando essa noção? Quais os conhecimentos que podem ser considerados pelo menos mobilizáveis em relação à noção de sistemas de equações lineares para os estudantes que terminam o Ensino Médio? Quais as relações institucionais esperadas e existentes para o trabalho com a noção de sistemas de equações lineares, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior? As relações institucionais esperadas estão em conformidade com as existentes? Qual a relação pessoal esperada dos estudantes nas avaliações institucionais com o objeto sistema de equações lineares? A relação pessoal esperada dos estudantes está em conformidade com as relações institucionais existentes, ou seja, o tipo de tarefas e técnicas trabalhadas é adequado para o que se espera como conhecimento pelo menos mobilizável dos estudantes? Quadro 6: Questionamentos iniciais da pesquisa. 206 207 Houve uma preocupação com o referencial teórico para que pudesse não apenas fundamentar o trabalho a ser realizado, como também servir de ferramenta para as análises propostas. As diferentes ferramentas de análise didática expostas ressaltam a importância de um trabalho explícito de articulação entre os diferentes quadros em jogo, quando da introdução desta noção matemática, assim como da identificação dos tipos de tarefas relacionadas a esses quadros, das técnicas, tecnologias e teorias associadas a essas tarefas, assim como dos ostensivos e não ostensivos que permitem manipulálas e evocá-las. Observa-se que são os ostensivos que permitem visualizar o objeto matemático sob diferentes pontos de vista e manipulá-lo, obedecendo às regras e leis dos não ostensivos que os justificam. A primeira análise realizada foi a das relações institucionais esperadas para a introdução da noção de sistemas de equações lineares, considerando a transição entre o Ensino Médio e o Superior, via documentos oficiais, pois esta norteou as demais, inclusive para as conexões que foram estabelecidas. Verificou-se que existe todo um cuidado por parte dos documentos oficiais analisados nesta pesquisa em auxiliar o professor em suas práticas, destacando a importância das diferentes abordagens, fornecendo diversas sugestões, indicações e pistas, inclusive as metodológicas, ou seja, tenta-se instrumentar o professor para desenvolver o “topos” que lhe é proposto. Da mesma forma, considera-se importante a ênfase dada ao “topos” dos estudantes cuja orientação é colocá-los à frente de situações que possibilitem o desenvolvimento de competências e habilidades exigidas pela sociedade atual e que os tornem autônomos e responsáveis pela sua formação e progresso intelectual. Ainda com base na análise dos documentos e especialmente nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, pode-se observar que há outros atores que não apenas estudantes e professores no cenário educacional, em diferentes instâncias: alunos, professores, coordenadores e diretores de escolas; professores formadores e gestores nas universidades; gestores nas Secretarias de Educação e no MEC. Nota-se que em todos os documentos analisados há uma preocupação em 207 208 melhorar a qualidade do processo de ensino e aprendizagem como um todo; uma visão que em absoluto se fecha no conteúdo em si mesmo. Pela retrospectiva histórica que foi traçada e pela análise dos documentos citados, há indícios de que as mudanças “estruturais” na Educação, pelo menos no aspecto de sua concepção, têm ocorrido para atender à necessidade de adaptação frente a uma nova realidade que se coloca. O estudo das relações institucionais esperadas e existentes coloca em evidência uma nova perspectiva de trabalho com a Matemática, o que vem ao encontro da proposta deste trabalho, que é encontrar novos meios que auxiliem no processo de comunicação e aquisição de diferentes conteúdos, considerando suas especificidades e a etapa escolar a que se destinam. Para melhor identificar essas possibilidades, constrói-se uma grade de análise, inspirada na grade de Dias (1998), que foi decisiva, na medida em que viabilizou as análises feitas; ou seja, possibilitou a identificação das relações institucionais existentes em função das tarefas e das variáveis das tarefas encontradas nos livros didáticos analisados, que podem ser exploradas tanto com os estudantes do Ensino Médio como com os do Ensino Superior. Há um número relativamente reduzido de tarefas e suas diferenças estão associadas às possíveis variações das variáveis. Além disso, a grade permitiu a identificação das relações pessoais esperadas dos estudantes, que nesta pesquisa foram analisadas via avaliações institucionais. As questões que orientaram as análises foram: 1. Quais os quadros utilizados, tanto na apresentação teórica como nos enunciados das tarefas resolvidas e propostas, assim como nas soluções propostas? 2. Quais as técnicas desenvolvidas no processo de resolução dessas tarefas? 3. Quais os ostensivos utilizados na manipulação das técnicas? 4. Quais os não ostensivos evocados para sustentar a manipulação dos ostensivos? 5. Qual o nível de conhecimento esperado do professor e do estudante que será analisado em termos de tecnologias e das teorias que as justificam? Quadro 7: Questões que orientam a organização da análise. 208 209 Por meio dessas questões, foi possível verificar que no Ensino Médio a noção de sistemas de equações lineares é trabalhada nos quadros algébrico e geométrico e retomada no Ensino Superior, que enfatiza o quadro algébrico, pois se trabalha neste segmento com sistemas mxn que não possibilitam a representação geométrica. Ao serem consideradas as técnicas para solução de sistemas de equações lineares, nos livros analisados e no Caderno do Aluno na Nova Proposta Curricular para o Estado de São Paulo, o método de escalonamento de Gauss é o mais utilizado e recomendado na maioria dos casos. No entanto, de acordo com os conhecimentos disponíveis dos estudantes, há um método associado que se coloca mais adequado. Por exemplo: i) método de Gauss-escalonamento, com os conhecimentos sobre adições e multiplicações das linhas do sistema; ii) matriz aumentada, com os conhecimentos sobre as adições e multiplicações das linhas da matriz, mas que pode criar confusão no momento de nomear as incógnitas; iii) a Regra de Cramer, que serve apenas para um caso particular, exige conhecimento da noção de determinante e pode se tornar muito árduo do ponto de vista dos cálculos. A propriedade da matriz dos coeficientes é interessante para estudar sistemas com parâmetro, mas o método do escalonamento ou método de Gauss, se aplicado corretamente, permite estudar as possibilidades diretamente e necessita apenas das operações de adição e multiplicação sobre as linhas do sistema. Em geral, no Ensino Médio o nível de conhecimento esperado é o mobilizável, pois a noção de sistemas de equações lineares é introduzida enquanto ferramenta para solução de problemas cotidianos e de outras ciências, conduzindo à aplicação de diferentes técnicas de cálculo. Os pontos de vista cartesiano e paramétrico que correspondem à representação de um espaço vetorial por meio de equações ou de um conjunto minimal de vetores, 209 210 respectivamente, são apresentados e articulados apenas no Ensino Superior, por meio da explicitação das variáveis livres e ligadas. Observa-se que há uma incidência maior das tarefas que correspondem à aplicação das técnicas de resolução de sistemas de equações lineares, principalmente no Ensino Médio. Observou-se, também, que há uma ordem preferencial para se trabalhar com as noções matemáticas relacionadas aos sistemas de equações lineares; ou seja, uma ordem em que as noções de matrizes e determinantes são introduzidas antes da noção de sistemas de equações lineares, quando se deseja utilizar como tecnologia e teoria para justificar as técnicas utilizadas o quadros das matrizes. Dessa forma, as tarefas nem sempre se encontram nos capítulos de sistemas lineares, o que pode colocar uma certa dificuldade para os estudantes e poderia ser explicitado e justificado pelos autores. Parece mais adequada a ordem seguida na obra de Dante (2008), por seguir uma sequência mais natural em termos do desenvolvimento dos conceitos matemáticos. Primeiramente, trabalha-se com as noções de matrizes, sua definição, suas representações, tipos diferentes de matrizes, operações com matrizes e equações matriciais. Feito isso, passa-se ao estudo dos determinantes das matrizes e só então se introduz a noção de sistemas de equações lineares. Dessa forma, a discussão dos sistemas com parâmetros teria como ser feita, assim como a introdução da Regra de Cramer, caso seja de interesse dos professores. Conclui-se que fica a critério do professor a escolha da ordem em que os tópicos devem ser ministrados, o que mostra a possível existência de um Grace número de relações institucionais, pois cada classe, em geral, representa uma nova relação que certamente depende do “topos” do professor e do estudante que se escolhe para o desenvolvimento do curso. As situações de contexto extramatemático em que se utiliza a noção de sistemas de equações lineares apareceram nas obras de Ensino Médio analisadas, com exceção do livro do Iezzi e Hazzan. Observa-se aqui que esse tipo de tarefa, em geral, exige o nível disponível, pois, após transformar os dados do enunciado em equações, é preciso 210 211 reconhecer que se trata de um sistema de equações lineares e dispor de um método para resolvê-lo. Especialmente nos livros do Dante (2008) e Smole e Diniz (2006), a ênfase é de introduzir a noção de sistemas por meio de situações de contextualização, conforme proposta dos documentos oficiais, para então se trabalhar de forma sistemática os processos de resolução com suas técnicas e propriedades, para posteriormente buscar a retomada das contextualizações, ou seja, a abordagem apresentada por esses autores está em conformidade com as propostas apresentadas nos documentos oficiais. Já no “Caderno do Aluno Nova Proposta” percebe-se uma intenção de explorar de forma diferenciada os conteúdos, buscando evidenciar os princípios norteadores do presente currículo, destacando-se também a contextualização dos conteúdos, as competências pessoais envolvidas, especialmente as relacionadas à leitura e à escrita matemática, bem como os elementos culturais intra e extramatemáticos. É importante destacar ainda que, em geral, nas obras destinadas ao Ensino Superior analisadas, existe uma preocupação em desenvolver tanto o caráter ferramenta como objeto da noção de sistemas de equações lineares, como mostraram as análises apresentadas no capítulo 5. Nas obras de Anton e Rorres (2001) e Kolman e Hill (2006), observa-se a preocupação de introduzir a Álgebra Linear em IRn trabalhando com equações e vetores e suas propriedades antes de introduzir a axiomática da noção de estrutura de espaço vetorial. Aplicações feitas nessas obras servem de justificativas para os estudantes quanto à aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares. Fica também evidente que, para que se tenha êxito no processo de ensino e aprendizagem da noção de sistemas de equações lineares, se faz necessário um trabalho bem articulado entre professores e estudantes, bem como entre estudantes e estudantes, pois há tarefas que ficam a cargo dos professores e outras dos estudantes. Pela análise das questões propostas nas macroavaliações, no que se refere ao tipo de tarefa a elas associadas, verificou-se que estão parcialmente em conformidade com as relações institucionais existentes, isto é, com os livros didáticos escolhidos para 211 212 análise e do Caderno do Aluno da Nova Proposta do Estado de São Paulo. Parece que fica faltando uma articulação das funções, especialmente as funções polinomiais do 2º grau com os sistemas lineares. As representações no quadro geométrico no Ensino Superior pouco aparecem, mas houve cobrança desses conhecimentos articulando com os diferentes quadros nas avaliações do ENADE. Aliás, esse conhecimento já é cobrado dos estudantes que se encontram na transição no vestibular da UNICAMP. Com relação às avaliações analisadas no período de 2005 a 2010, na 1ª fase da UNICAMP, observa-se que pouco se cobra de conhecimento da noção de sistemas lineares, com a exceção de 2009 e 2010, em que foi proposta uma questão em cada ano, sendo que em 2010 não seria um conhecimento imprescindível, uma vez que há outras maneiras de resolução. Já na segunda fase da UNICAMP foram encontradas 13 questões de um total de 72, no período analisado, em que a noção de sistemas de equações lineares é exigida. Isso corresponde a aproximadamente 18% do número total de questões, o que mostra ser essa noção bastante exigida quando se considera todo o leque de noções matemáticas existentes. As avaliações analisadas têm buscado envolver questões de contexto extramatemático em que a noção de sistemas de equações lineares é utilizada. Podese dizer que, de certa forma, isso restringe a abordagem de sistemas indeterminados e com parâmetros que são utilizados nos cursos de Álgebra Linear. Os livros analisados atendem parcialmente às exigências da UNICAMP, pois nem todos exploram a representação matricial de um sistema de equações lineares e de forma geral pouco se trabalha com as articulações entre as funções numéricas e os sistemas de equações lineares. Pode-se dizer que as tarefas propostas no vestibular da UNICAMP não estão em conformidade com as relações institucionais existentes, aqui analisadas via alguns livros didáticos para o Ensino Médio. Ao se considerar as tarefas do ENADE, pode-se considerar que os estudantes de Matemática que terminam o Ensino Superior supostamente dispõem dos conhecimentos prévios necessários para resolvê-las, uma vez que os mesmos são desenvolvidos no Ensino Médio e revisitados, em particular, nas disciplinas de 212 213 Geometria Analítica e Álgebra Linear no Ensino Superior. A grande maioria dos sistemas que foram utilizados nas avaliações consideradas é de fácil resolução, necessitando que o estudante tenha domínio especialmente do método de escalonamento e disponha dos conceitos básicos para as discussões das soluções, em particular as com parâmetros. As etapas planejadas para a execução desta pesquisa foram realizadas a contento, mas obviamente não se esgotam naquilo que foi desenvolvido. É, sim, apenas um movimento na tentativa de compreender melhor o que ocorre na transição dos segmentos citados em relação a essa noção matemática. Dessa forma, parece que, nas escolhas atuais, existe a preocupação de se levar em conta tarefas que atendam às recomendações dos documentos oficiais, bem como aquelas que dêem cobertura para as exigências das avaliações. Há casos muito pontuais, como já mencionados. De qualquer forma não fica claro como deve ser a distribuição daquilo que fica a cargo do professor e aquilo que fica a cargo dos estudantes. Qual a medida ideal? Fica um ponto para reflexões! É importante que haja uma motivação para o desenvolvimento de outras pesquisas que possam contribuir nesta linha de investigação; isto é, de como de fato se dá essa transição quando nos referimos a essa noção matemática. Há toda uma articulação da noção escolhida nesta pesquisa com outras noções da própria matemática ou de outras ciências, tanto no Ensino Médio como no Ensino Superior, o que faz com que este estudo seja relevante. Há, portanto, uma necessidade de valorização deste conhecimento, pois isto certamente implicará nas articulações não apenas intramatemáticas como extramatemáticas, ou até mesmo na modelagem das mais diversas situações do cotidiano e das outras ciências. 213 214 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, S. N. Possibilidades de articulação entre as diferentes formas de conhecimento: a noção de função afim. Dissertação (Mestrado) — Unicsul, São Paulo, 2006. ARTIGUE M. ; DIAS M. A. Articulation problems between different systems of symbolic representation in linear algebra. In: Proceedings of the 19th annual meeting of international group for Psychology of Mathematics Education (PME), v. 3, Recife Brazil, 1995. p. 34-41. ARTIGUE, M. Apprendre les mathématiques, ce qui nous enseignent les recherches dans ce domaine. Cahier de Didactique des Mathématiques. IREM Paris 7, 2004 ARTIGUE M. “First Joint Canada-France meeting of the mathematical sciences”. Tolouse.12 a 15 de julho de 2004. AUSUBEL, D. 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