CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL
Maria Inês Muller – 2011
Até fins do século XIX, as oportunidades de escolarização eram restritas
às elites proprietárias e aos homens livres das vilas e cidades. O primeiro
recenseamento nacional brasileiro foi realizado durante o Império em 1872 e
constatou que 82,3% das pessoas, com mais de cinco anos, eram
analfabetas.
Com o início do processo de industrialização e a concentração
populacional nos centros urbanos, que se deu a partir de 1930, a questão
do analfabetismo, que até então “não atrapalhava”, passou a ser um entrave
para o desenvolvimento e para a organização da sociedade brasileira.
Foi criado então um sistema público de educação elementar que traçou
diretrizes educacionais, delegando aos Estados e Municípios a
responsabilidade de administrar e financiar a educação elementar para as
crianças. Somente na década de 40, o governo estendeu o ensino elementar
aos adultos.
Com o final da 2ªª Guerra Mundial foi criada a O. N. U. – Organização
das Nações Unidas com o objetivo de promover a paz e a democratização. O
governo brasileiro viu-se pressionado a implantar várias medidas políticas. Na
área da Educação, uma dessas medidas seria uma ação mais efetiva no
combate ao analfabetismo, uma vez que mais da metade da população era
analfabeta.
Nesse mesmo período, fatores internos também pressionaram o governo
a ações nesse sentido, tais como: a necessidade de aumentar a base
eleitoral, de promover a integração entre os imigrantes e de incrementar
a produção.
Em 1947 foi lançada Campanha de Educação de Adultos, primeira
política pública destinada à instrução de jovens e adultos, sob a coordenação
do professor Lourenço Filho. Nos primeiros anos a campanha conseguiu
resultados significativos; num curto espaço de tempo foram criadas várias
escolas supletivas e elaborado material didático específico para os adultos: o
“Primeiro Guia de Leitura” que orientava o ensino pelo método silábico a
partir de palavras-chaves selecionadas segundo suas características fonéticas.
O entusiasmo dessa campanha não durou muito, quando se constatou a
sua ineficiência nas ações desenvolvidas nas zonas rurais, já no início da
década de 50. Importante frisar que até esse período, o analfabetismo era
considerado uma vergonha nacional e uma das causas dos problemas
sociais. Segundo essa visão, o adulto analfabeto era incapaz, marginal e
identificado psicológica e socialmente como uma criança.
Em 1958 é lançada a Campanha Nacional de Erradicação do
Analfabetismo. Inúmeras críticas foram dirigidas a essas campanhas, devido
ao caráter superficial do aprendizado, em face do curto período de tempo
e da inadequação dos programas, modelos e materiais pedagógicos, que
não consideravam as características dos adultos e a diversidade regional.
Desse período sobreviveu apenas a rede de escolas supletivas, sob a
administração e financiamento dos Estados e Municípios.
No final da década de 50 e o início dos anos 60 o Brasil vivia um período
de liberdade política, crescimento industrial e investimentos externos em larga
escala, que acentuaram as diferenças sociais e impulsionaram a formação de
vários movimentos, conhecidos como Movimentos de Cultura Popular
(MEB – Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB; o CPC’s – Centros
de Cultura Popular – ligados a UNE- União Nacional dos Estudantes; os
Movimentos de Cultura Popular dos quais participavam artistas e intelectuais,
apoiados por administrações municipais).
Esses movimentos, inspirados pelos ideais pedagógicos de Paulo Freire
possuíam uma dimensão social, cultural, política e ética e implicavam numa
relação de profundo comprometimento do educador com os educandos, com
base no diálogo.
O analfabetismo agora era visto como uma conseqüência da precária
condição social da maioria do povo brasileiro. Para Paulo Freire, os
analfabetos deveriam ser reconhecidos como sujeitos produtivos, portadores
de uma cultura e toda ação educativa deveria valorizar a realidade
existencial dos educandos, através da identificação de seus problemas no
sentido de superá-los.
Paulo Freire aboliu as cartilhas, pois estas tratavam de uma realidade
alheia ao educando, e desenvolveu um conjunto de procedimentos
pedagógicos que ficou conhecido como Método Paulo Freire.
Com base nesses princípios, foram implantados diversos programas de
educação popular, no período de 1961 a 1964. Com o golpe militar, esses
programas passaram a ser vistos como uma ameaça a ordem social e política
do país. Inicia a perseguição política, pressionando o exílio político de muitos
brasileiros que lutavam por justiça social, inclusive Paulo Freire, que se exilou
inicialmente no Chile. Sobreviveram apenas os programas de alfabetização
de adultos de cunho assistencialista e conservador.
Mas, os ideais de Paulo Freire atravessaram as fronteiras e eram mais
fortes que a própria repressão, a ponto do governo militar adotar alguns
procedimentos sugeridos pelo educador para a implantação do programa que
seria o carro chefe da ditadura militar: o Mobral – Movimento Brasileiro de
Alfabetização, lançado em 1967. Esse programa propunha a alfabetização a
partir de palavras-chave, retiradas da vida simples do povo, mas
esvaziadas de qualquer sentido crítico e problematizador. O governo
militar investiu um significativo volume de recursos no combate ao
analfabetismo, lançando uma campanha massiva em 1969. Na década de 70,
o Mobral expandiu-se por todo o território nacional, diversificando-se em
vários programas. O mais importante, denominado de PEI – Programa de
Educação Integrada, uma condensação do curso primário, permitiu aos
recém alfabetizados e aos analfabetos funcionais, a continuarem seus estudos.
Em 1971, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB 5692/71
contempla, pela primeira vez na história da educação do Brasil, um
capítulo dedicado a educação de jovens e adultos, sob o título “Ensino
Supletivo”. Importante frisar que essa lei dava ênfase ao tecnicismo e as
teorias comportamentalistas importadas principalmente dos Estados Unidos.
Com o início da abertura política na década de 80 e o gradativo
crescimento dos movimentos sociais, novos projetos de alfabetização e pósalfabetização foram sendo criados. Os Estados e Municípios maiores foram
conquistando autonomia, acolhendo educadores com propostas mais
progressistas que auxiliaram na reorientação dos programas de educação
básica de adultos vigentes.
O Mobral já não se enquadrava dentro da nova ordem que se instalava,
sendo extinto em 1985. O seu lugar foi ocupado pela Fundação Educar,
entidade que não executava diretamente os programas educacionais, apenas
apoiava técnica e financeiramente as iniciativas de governos, entidades
civis e empresas a ela conveniadas. A Fundação Educar representou um
retrocesso em relação ao Mobral, uma vez que foram reduzidos
drasticamente os recursos para a alfabetização de adultos.
A Constituição de 1988 restituiu o direito de voto aos analfabetos, em
caráter facultativo; concedeu aos jovens e adultos o direito ao ensino
fundamental público e gratuito e comprometeu os governos com a
superação do analfabetismo.
A década de 80 foi muito fértil na área da educação. Os postulados de
Paulo Freire e estudos da lingüística e da psicologia passaram a orientar as
práticas de alfabetização. Reforçam-se as críticas às cartilhas e ao método
silábico. Os trabalhos da psicopedagoga Emília Ferreiro (l983) apresentaram
grandes contribuições para a superação das limitações dos métodos baseados
na silabação. Com relação aos adultos analfabetos, Emília Ferreiro
mostrou que eles possuíam uma série de informações sobre a escrita e que
eles elaboravam uma série de hipóteses semelhantes as das crianças
(Ferreiro 1983). Novas propostas pedagógicas para adultos foram
apresentadas juntamente com a produção de materiais didáticos.
Os educadores brasileiros passam a estudar as relações entre pensamento
e linguagem, pensamento e cultura, cultura oral e cultura letrada, conceitos
espontâneos e conceitos científicos. Preocupam-se também em incluir nos
programas de educação de jovens e adultos o ensino da matemática e de
ciências sociais e naturais.
Em 1990, a Fundação Educar foi extinta, criando um enorme vazio em
termos de políticas educacionais para jovens e adultos, que agora dependiam
de recursos e da boa vontade dos estados e municípios ou das organizações
sociais, tais como a Alfabetização Solidária e os Movimentos de
Alfabetização (Movas). Ironicamente, esse ano foi considerado pela O. N.U.
– Organização das Nações Unidas, o Ano Internacional da Alfabetização.
Outro evento internacional importante foi a Conferência Mundial de
Educação Para Todos, em Jontien, que definiu como meta até o ano 2000
reduzir o analfabetismo pela metade em relação aos anos 90.
A “Declaração de Quito” em 1991, elaborada por ministros da
Educação da América Latina e do Caribe e a “Declaração de Salvador” em
1993, por representantes dos países ibero-americanos, revelam a necessidade
desses países de assumirem políticas mais efetivas no combate ao
analfabetismo.
Paralelamente a esses movimentos internacionais, estava em discussão no
Brasil, desde o final da década de 80, a nova LDB – lei 9394/96 que
contempla algumas alterações que serão alvo de muitas críticas por parte de
muitos intelectuais da educação. O artigo 208 suprimiu a obrigatoriedade
do Estado em relação à oferta do ensino fundamental para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria, mantendo apenas a gratuidade. A
implantação de programas de Educação de jovens e adultos passou a ficar
então condicionada a boa vontade dos Estados e Municípios ou de órgãos não-
governamentais. O Estado abre mão de sua responsabilidade de formação
limitando-se a garantir apenas os mecanismos de creditação e certificação.
A nova lei reduz a idade mínima para a realização dos exames
supletivos: 15 anos para o Ensino Fundamental e 18 anos para o Ensino
Médio.
No início do terceiro milênio, a alfabetização de jovens e adultos volta a
constar na agenda das políticas públicas nacionais com o lançamento, em
2003, do Programa Brasil Alfabetizado e a progressiva inclusão da
modalidade no Fundo de Financiamento da Educação Básica (FUNDEB),
a partir de 2007.
BIBLIOGRAFIA
HADDAD, Sérgio. A educação de pessoas jovens e adultas e a nova LDB.
In: BRZEZINSKI, I. (Org). São Paulo: Cortez, 1997.
HADDAD, Sergio e PIERRO, Maria Clara Di. Satisfação das necessidades
básicas de aprendizagem de jovens e adultos no Brasil: contribuições para
uma avaliação da década da Educação para Todos. São Paulo: Cortez,
1998.
UNESCO. Alfabetização de jovens e adultos no Brasil: lições da prática.
Brasília: UNESCO, 2008.
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