Psicologia do Testemunho Profª Marta Vanessa Oliveira HISTÓRICO DOS MEIOS DE PROVAS Sistema da Prova Legal Eram utilizados meios irracionais de prova: ordálias, duelos e juramento. Sistema do Livre Convencimento Chamado de livre convicção. O juiz tem total liberdade para apreciar as provas, sem ser obrigado a submeter-se à regras preestabelecidas. Sistema de Persuasão Racional Agrega os fundamentos do sistema da prova legal e do sistema do livre convencimento. O juiz tem liberdade de formar sua convicção com base na prova, usando o senso crítico, mas está condicionado à normas legais que limitam sua avaliação. Está fundamentado no art. 131 do Código de Processo Civil. MÉTODO DE REPRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL A figura da testemunha é muito antiga, na bíblia já ocorre menções sobre ela. A partir daí surgem os questionamentos sobre sua confiabilidade e seu valor. Atualmente as testemunhas têm valor de prova. Cabe, no âmbito do direito, estudar métodos que aproximem o depoimento das testemunhas à verdade pretendida. Não se pode atribuir a testemunha total responsabilidade de um bom depoimento. Uma boa testemunha pode não passar tudo que sabe porque o inquiridor não soube conduzir o depoimento. Para auxiliar o inquiridor temos dois métodos bem conhecidos, o centrífugo e o centrípeto. FASES QUE CONFIGURAM O TESTEMUNHO: Apreensão dos fatos se dá pela percepção. A percepção é chamada de aquisição dos dados e dá início ao processo testemunhal. A percepção envolve tudo que a pessoa percebe dos detalhes e circunstâncias dos fatos. A percepção é constituída por elementos intelectuais, afetivos e cognitivos, constituindo um ato psíquico. De dia a percepção funciona melhor. Conservação dos dados na memória da testemunha se dá pela retenção dos dados. É a etapa que ocorre após a percepção. Depende de condições orgânicas da pessoa. Reprodução dos dados é o relato do que a testemunha tomou conhecimento em relação aos fatos. O relato espontâneo é um bom método de inquirição, mesmo o relato podendo ser incompleto e ter falta de continuidade, podendo a pessoa entrar em detalhes irrelevantes, confundir a situação e formular seu juízo de valores. O método de reprodução dos dados parte do princípio da oralidade, que é o meio mais apropriado para se verificar a sinceridade da testemunha. Depende muito do nível cultural e capacidade de descrição da testemunha. MÉTODO CENTRÍFUGO E CENTRÍPETO CENTRÍFUGO - conduz o depoimento a partir do núcleo do acontecimento, dirigindo-se aos aspectos secundários do evento. CENTRÍPETO - se dá ao contrário, o inquiridor parte de circunstâncias diversas, aparentemente alheias ao fato principal, mas que levam até ele. Os dois métodos são úteis e devem ser usados de acordo com a conveniência. Ambos auxiliam para que a pessoa de “boa-fé” consiga expressar em palavras os fatos por ela percebidos e conservados em sua memória. MÉTODO CENTRÍFUGO Parte da ação principal para os acontecimentos secundários. A inquirição fica em cima do evento e dos antecedentes do autor. É análogo ao método dedutivo. A testemunha fica com dificuldade de negar o fato controverso. O exemplo adiante trata-se de um pai que depõe acerca da acusação sofrida por seu filho de ter furtado jóias da joalheria na qual trabalhava: Método Dedutivo (Descartes) Sua estrutura básica é visualizada no exemplo abaixo: Todos mamíferos são vertebrados -------> Premissa maior Ora, todos os homens são mamíferos ---> Premissa menor ________________________________________________ Todos os homens são vertebrados -------> Conclusão Na dedução se as premissas são verdadeiras a conclusão será sempre verdadeira. P. Crê você que seu filho praticou o roubo de que é acusado? R. De modo algum, meu filho é honrado e incapaz de tal ação. P. Por que não compareceu ao trabalho três dias na semana seguinte ao furto? R. Porque ficou de tal modo afetado pelas suspeitas que recaíram sobre ele, de momento, que caiu de cama e teve que guardar o leito. P. Como explica que nunca tivesse pressa de sair da loja, a não ser por seu desejo de ficar só por algum momento? R. Porque é muito cioso de sua obrigação e sempre gosta de exceder-se em cumprimento. P. Sabe que seu filho foi visto em uma casa de penhor e que foi ali perguntar se era preciso de um recibo de compra para poder penhorar jóias? R. Não o sabia, mas nada tem de particular que o fizesse para informar a algum amigo que lhe tivesse perguntado, tendo em conta sua colocação. P. Que classe de amizades seu filho tinha? R. As que nós conhecemos são muito dignas, embora modestas. P. Que quantia semanal entregava a seu filho para gastos pessoais? R. O produto integral de seu soldo menos 30 reais mensais com que contribuía para pagar a casa. P. Em que seu filho empregava esse dinheiro? R. Suponho que em coisas úteis e em alguma distração, mas isso ele responderá melhor que eu. P. É certo que seu filho freqüentava habitualmente os cabarés? R. Não o creio. P. É certo que sua mãe o mimava muito e satisfazia todos seus gostos? R. Se temos nos mostrado sempre amáveis com ele é porque o merecia. P. Como explica que desaparecesse a jóia quando seu filho estava só na loja naquele momento, se não foi ele quem a roubou? R. Em primeiro lugar não sei se a jóia desapareceu, então, pois bem pode ter desaparecido antes. Além do mais, é possível que entrasse alguém no estabelecimento sem ser visto por meu filho, já que este se encontrava ocupado em limpar estojos durante o intervalo. Análise do Exemplo 1 Como se pôde observar, as perguntas são formuladas de tal forma que a testemunha tem total liberdade de transmitir ao magistrado a opinião pessoal que tem do acusado, seja no sentido de incriminá-lo ou inocentá-lo. No exemplo, o pai disposto a proteger seu filho acusado de furto, elabora respostas lógicas, com o firme propósito de inocentar o filho, trabalho facilitado pelo inquiridor. Este modelo pode impossibilitar que a testemunha refira elementos secundários, que poderiam levar à verdade. MÉTODO CENTRÍPETO A inquirição se dá a partir de aspectos secundários não só do fato delituoso como também da vida do acusado, que podem ser pertinentes para chegar à verdade. Circunstâncias que à primeira vista parecem não ter a menor importância para a elucidação dos fatos, mas que levam ao centro do acontecimento e dão margem à declarações que podem ser úteis. O método centrípeto se parece com a indução, visa chegar à verdade geral através de aspectos secundários importantes. O exemplo adiante se refere a mesma situação descrita anteriormente, do filho acusado de furto, tendo agora à mãe como testemunha. Método Indutivo (Bacon) Segue o caminho inverso da dedução Parte da experiência de casos particulares, percebe que esses casos se repetem sempre da mesma forma e daí infere que o que se aplica aos casos particulares pode ser estendido a todos os demais casos da mesma natureza, através de um processo de generalização. Este cisne é branco Aquele outro também o é Assim como os “n” os cisnes observados _____________________________________ Logo, Todos os cisnes são brancos. P. Que opinião faz a sra. do dono da joalheria onde esteve empregado seu filho? R. Parece-me no fundo muito boa pessoa, mas um pouco sugestionável e muito impressionável. P. Que opinião faz a sra. dos diversos companheiros de trabalho de seu filho? R. Não conheço todos eles, mas o que vi com mais freqüência, isto é, o sr. Pares, me parece muito formal. P. Crê a sra. que o trabalho de seu filho era suficientemente recompensado e era devidamente apreciado pelos que estava na joalheria? R. De um modo geral não davam o devido valor a meu filho. P Por que diz isso? R. Porque em mais de uma ocasião zombaram dele quando dizia que algum dia poderia ser patrão ao invés de empregado. Além do mais, nunca confiavam a ele trabalhos delicados e o tinham, em troca, atarefado em afazeres mais próprios a uma criada que a um rapaz que tem instrução. P. Estas aspirações de seu filho eram espontâneas ou foram inculcadas nele pela senhora? R. Meu filho é um tanto tímido, mas eu lutei quanto pude para fazê-lo sentir uma nobre ambição e, sobretudo, sentimento de dignidade, de que por ser pobre não deve deixar ser pisado. P. Qual o futuro que imaginava para seu filho? R. Creio que pode chegar a ser encarregado de uma boa joalheria e talvez encontrar então alguma pessoa que lhe empreste dinheiro para estabelecer-se. P. Como surgiu a idéia de empregá-lo em uma joalheria? R. Porque é o comércio mais distinto. P. Com quem acredita que seu filho se pareça mais de caráter, com seu marido ou com a senhora? R. Com meu marido, é claro. P. Perdoe a curiosidade, como é o caráter do seu marido? R. Muito bom, mas demasiadamente tímido e retraído. P. Isso quer dizer que lhe falta um pouco de força de vontade? R. Sim, senhor, infelizmente. Se assim não fosse, outra seria nossa posição, com o valor dele ... P. Qual é a maior demonstração de vontade que se lembra de seu filho? R. Ter aprendido de memória, apesar de não gostar, seu papel em uma comédia que fizemos na casa de uns amigos, há anos. O pobrezinho, para me satisfazer, fez tudo o que pôde e saiu-se muito bem no papel. Análise do Exemplo 2 Como se verifica, pelo método centrípeto se obtém respostas muito interessantes. Nota-se que a mãe é insatisfeita com a vida que tem, almejando uma melhor condição financeira, inserindo essa vontade em seu filho, a quem considera um tolo, tal como seu marido. Ressalta-se a influência que ela exerce sobre o filho, o qual procura satisfazer todas as vontades da mãe, mesmo que contra a sua própria vontade. O que se conclui dessas considerações é que o rapaz pode de fato ter cometido o furto do qual é acusado, como meio de ascender economicamente, satisfazendo o desejo de sua mãe e mesmo como forma de vingança contra os colegas de trabalho, os quais, de acordo com sua mãe, riam dele quando ele referia sua vontade de um dia ser patrão e não mais empregado. O método centrípeto privilegia perguntas alheias ao fato principal, tornando mais árdua a tarefa da testemunha que tiver por objetivo mascarar a verdade. Da mesma forma, esse método também é muito útil no que se refere a testemunha de boa-fé disposta a colaborar com a justiça, uma vez que as perguntas, como são mais amplas, favorecem a espontaneidade do depoente, que pode fazer referência a dados que, mesmo que não se refiram diretamente ao núcleo do fato, indicam a direção da verdade, apontando circunstâncias importantes no sentido de descobrir intenções e predisposições das partes ou do acusado.