RE/EVOLUÇÃO DA CONTABILIDADE DOS ENTES PÚBLICOS José Luiz N. Fernandes Contador, Prof. Universitário Mestre em Contabilidade – FEA USP “ O 'Novo Modelo de Contabilidade Aplicada ao Setor Público' tem o objetivo de fortalecer a Contabilidade aplicada ao Setor Público, em especial quanto ao patrimônio da entidade pública.” PORTARIA N° 184 DE 25 DE AGOSTO DE 2008 I. II. III. Art.1° Determina a Secretaria do Tesouro Nacional - STN, órgão central do Sistema de Contabilidade Federal, o desenvolvimento das seguintes ações no sentido de promover a convergência às normas internacionais de contabilidade, publicadas pela International Federation of Accountants - IFAC e às normas brasileiras aplicadas ao setor público. Identificar as necessidades de convergências às normas internacionais de contabilidade publicadas pela IFAC e às normas brasileiras editadas pelo CFC; Editar normativos manuais , instruções de procedimentos contábeis e plano de contas nacional, objetivando a elaboração e publicação de demonstrações contábeis consolidadas, em consonância com as normas do Conselho federal de Contabilidade, aplicadas ao setor Público; Adotar os procedimentos necessários para atingir os objetivos de convergência estabelecido no âmbito do comitê gestor da convergência no Brasil, instituído pela Resolução CFC n° 1.103, de 28 de setembro de 2007. Art. 2° A Secretaria do Tesouro Nacional promoverá o acompanhamento contínuo das normas contábeis aplicadas ao setor público editadas pela IFAC e pelo Conselho Federal de Contabilidade , de modo a garantir que os princípios fundamentais da Contabilidade sejam respeitados no âmbito do setor público . Art. 3° Esta portaria entra em vigor na data de sua Publicação. Guido Mantega Ministro de Estado da Fazenda INTERPTRETAÇÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE CONTABILIDADE SOB A PERSPECTIVA DO SETOR PÚBLICO 1 - O Princípio da Entidade O Princípio da Entidade se afirma, para o ente público , pela autonomia e responsabilização do patrimônio a ele pertencente. A autonomia patrimonial tem origem na destinação social do patrimônio e a responsabilização pela obrigatoriedade da prestação de contas pelos agentes públicos. 2 – O Princípio da Contabilidade No âmbito da entidade pública, a comunidade está vinculada ao estrito cumprimento da destinação social do seu patrimônio, ou seja, a continuidade da entidade se dá enquanto pendurar sua finalidade. 3 – O Princípio da Oportunidade O Princípio da Oportunidade é base indispensável à integridade e à fidedignidade dos registros contábeis dos atos e dos fatos que afetam ou possam afetar o patrimônio da entidade pública, observadas as Normas Brasileiras de Contabilidade aplicadas ao setor público . A integridade e a fidedignidade dizem respeito a necessidade de as variações serem reconhecidas na sua totalidade, independentemente do cumprimento das formalidades legais para sua ocorrência , visando ao completo atendimento da essência sobre a forma. 4 – O Princípio do Registro pelo Valor Original Nos registros dos atos e Fatos Contábeis será considerado o valor original dos componentes patrimoniais. Valor Original, que ao longo do tempo não se confunde com o custo histórico, corresponde ao valor resultante de consensos de mensuração com agentes internos ou externos com base em valores de entrada – a exemplo de custo histórico, custo histórico corrigido e custo histórico corrente; ou valores de saída – a exemplo de valor de liquidação, valor de realização, valor presente do fluxo de benefício do ativo e valor justo. 5 – O Princípio da Atualização Monetária Na hipótese de que o consenso em torno da mensuração dos elementos identifique e defina os valores de aquisição, produção doação ou mesmo, valores obtidos mediante outras base de mensuração, desde que defasadas no tempo, necessita-se de utilizá-lo monetariamente quando a taxa de inflação acumulada no triênio for igual ou superior a 100%nos remos da resolução CFC n° 900/2001. A Secretaria do Tesouro Nacional deverá dar início a um conjunto de ações para permitir a mudança a partir da publicação da portaria, que envolverá também uma ampla discussão com Estados e municípios. O processo, segundo Mantega, deverá estar completado até 2010. "Trata-se de uma evolução da contabilidade, que dá mais transparência e visão mais clara de quanto vale o Estado, qual é o seu patrimônio, qual o valor dos ativos públicos e assim por diante", resumiu o ministro. Nova contabilidade pública será adotada a partir de 2010 No Brasil, por determinação do Banco Central, as entidades do sistema financeiro adotarão os padrões internacionais obrigatoriamente a partir de 2010. O mesmo prazo é previsto para as empresas de capital aberto por determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao longo desses últimos anos o Banco Central e a CVM, cada um atuando dentro de sua competência, editaram vários normativos aderentes às NIC e em dezembro de 2007 a Lei 6.404/1976 foi alterada para adequação às normas internacionais, por meio da Lei 11.638/2007. Como será feita a mudança? Será semelhante a já feita pelo setor privado desde o ano passado. "Tudo ficará mais visível no setor público", disse o ministro, citando sobretudo as três maiores despesas da União, que são as da Previdência (cerca de R$ 180 bilhões estimados para 2008), juros (cerca de R$ 170 bilhões projetados para o final do ano) e folha de pagamentos (aproximadamente R$ 130 bilhões por ano). “Saindo da era fiscalista” A era de avaliação das contas públicas puramente "fiscalista" está terminando. No seu lugar, entra uma visão mais econômica de longo prazo da saúde financeira e patrimonial do setor público. É o que governo pretende com a decisão de mudar as regras de contabilidade do setor público e as estatísticas fiscais. Perguntas e respostas elaboradas pelo secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado referentes a mudança contábil Por que o governo quer mudar a contabilidade do setor público? Ainda estamos fortemente amarrados à Lei 4.320, de 1964, que regula a contabilidade pública. Essa lei tem 40 anos e nesse período se evoluiu muito. Hoje temos normas internacionais que se desenvolveram a partir da União Européia. Na contabilidade empresarial, há muito tempo temos um processo de separação da contabilidade para efeito de apresentação de resultados aos acionistas e investidores diferente dos registros para efeito tributário. Há regras tributárias que de alguma forma tolhem a informação mais adequada para os investidores e para os tomadores de decisão. As mudanças vão precisar de um projeto de lei? Em algum momento, teremos de fazer um projeto de lei. Mas a Lei 4.320 é abrangente o bastante para fazermos algumas alterações nas normas. Podemos trabalhar sem alterá-la integralmente. O ministro Mantega fixou prazos para as mudanças? É preciso ficar claro que uma coisa é a mudança contábil é outra é a alteração das estatísticas fiscais. O ministro tem colocado que temos de alterar o nosso foco, muito voltado para o superávit primário. Podemos fazer isso sem mudança na lei. São duas coisas distintas, mas fazem parte do mesmo grande processo. Não precisamos implantar tudo de uma só vez. Temos um processo de discussão de caminho para as normas de contabilidade e outro para estatísticas fiscais. São dois grupos de trabalho. Não preciso esperar terminar todas as normas para alterar as estatísticas fiscais. O que muda? Vamos mudar o foco, muito concentrado no fluxo de caixa (receitas menos despesas), e dar mais ênfase na questão patrimonial. Contabilizar a depreciação de máquinas e equipamentos, por exemplo, a contabilidade pública não faz. Quando se tem foco só no fluxo orçamentário, a preocupação é com saldo de caixa, o resultado primário. Quando se foca patrimônio, a preocupação é com o valor da entidade, da empresa. Qual a vantagem de focar o patrimônio? O Estado vai poder ser percebido melhor como uma empresa.Como todas as empresas e entidades, os governos também precisam ser avaliados, é preciso ver se conseguiram atingir os objetivos. Quando olhamos só o fluxo de caixa, temos uma visão de curto prazo e, portanto, tomamos decisões de curto prazo. Já quando olhamos as variações patrimoniais temos uma visão um pouco mais no longo prazo. Quando uma empresa precisa fazer uma ampliação, de um alto-forno, por exemplo, é possível que com o seu fluxo de caixa não tenha dinheiro para comprá-lo. Mas, se a empresa mostra aos investidores quais as suas perspectivas de produção e o seu patrimônio, é possível encontrar investidores. Da mesma maneira é no setor público. Teremos uma visão melhor do Brasil. O presidente Lula, ao anunciar a mudança no congresso de contabilidade, disse que estava interessado no cálculo de custo das políticas de governo. Como será feito? É muito importante ter uma contabilidade de custo. Não é possível tomar uma decisão adequada sem ter uma medição adequada das políticas, nas áreas de educação, saúde, transporte... Se não sabemos o custo, é difícil tomar decisões. A contabilidade pública não apura custos, porque custos são diferentes de despesas. Os conceitos são diferentes. Qual é a diferença? Vou lhe dar um exemplo com uma campanha de vacinação. Em determinado período, o governo compra e paga um R$ 1 milhão por um milhão de vacinas. No fim do ano, calcula quanto custou a campanha, contabilizando todos os custos, e chega a R$ 1,3 milhão. O problema é que na vacinação foram usadas apenas 500 mil vacinas. O restante ficou no estoque. No ano seguinte, a mesma vacinação custou só R$ 300 mil. Onde foi parar o dinheiro? É que as vacinas já tinham sido compradas. O que se conclui: o administrador de um ano é tão eficiente e o outro não. Mas é que se apurou despesa, e não custo. Mas parece difícil calcular o custo? É difícil, mas não é impossível. E é isso que a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) manda fazer há mais dez anos. Os tribunais de contas cobram e não se faz, porque é difícil. Esse sistema vai permitir avaliar melhor os governantes? Com esse sistema, analisamos a eficiência do custo daquele bem, daquela política, do programa, vis-à-vis os resultados. Quão eficientemente os recursos foram utilizados. Nesse exemplo da vacinação, podemos ter crucificado o primeiro e endeusado o segundo administrador, quando na realidade pode ser o contrário. Com a mudança, acaba a fase "fiscalista" de avaliação das contas públicas? O termo fiscalista tem várias acepções. Pode-se imaginar do ponto de vista tributário e do ponto de vista apenas da política fiscal, de ver quanto se está recebendo ou gastando. Na contabilidade empresarial, o termo é utilizado quando ela registra os eventos tendo como norte a legislação fiscal. A contabilidade para informação aos investidores e à sociedade será com base em critérios que privilegiam o patrimônio. Nesse sentido, estamos saindo de uma era fiscalista para uma era voltada a uma visão econômica. Vamos caminhar para uma visão de mais longo prazo, levando em conta a política fiscal, a política monetária, o crescimento econômico. Nesse sentido, é menos fiscalista. Esse modelo será criado pelo governo? Nós já temos um grupo de trabalho que está discutindo a implantação de um sistema de avaliação de custo. É bastante trabalhoso. É preciso ganhar o coração e as mentes das pessoas. Mas o apoio do presidente Lula já foi dado. Analistas vêem nova contabilidade do setor público com receio "Vamos olhar daqui pra frente mais para o nominal do que o primário. Não vai se eliminar, evidentemente, nem o primário nem o operacional. São conceitos que ficam. Mas vamos valorizar o nominal. Vamos perseguir o superávit nominal até 2010", afirmou. "Nosso objetivo é dar mais importância ao superávit nominal. Em 2010, o meu objetivo é eliminar o déficit nominal e passar para superávit nominal", acrescentou Mantega. Segundo ele, o superávit nominal será atingido por meio da contenção dos gastos correntes e também pela redução dos juros pelo Banco Central, depois que o "surto inflacionário" for superado. O ministro destacou que os estudos para modificação da contabilidade pública vão "demorar algum tempo". "O objetivo é fazer o que já fizemos com o setor privado, que já editamos uma nova lei, as novas normas convergem com a contabilidade internacional. Do ponto de vista do setor público, o que nós queremos é dar mais importância para o conceito nominal", afirmou Mantega.