ARTIGO DE MONOGRAFIA APRESENTADO AO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM PEDIATRIA DO HOSPITAL MATERNO INFANTIL DE BRASÍLIA -HMIB/SES/DF Neurocriptococose em paciente pediátrico: relato de caso Ricardo Silva Filho Orientador: Dr. Jefferson Pinheiro www.paulomargotto.com.br Brasília, 26 de novembro de 2014 Introdução • Micose sistêmica causada pela inalação de basidiosporos do fungo Cryptococcus neoformans. • 5 sorotipos (A, B, C, D e AD) e 3 variedades: neoformans (sorotipos A, AD, D), gattii (sorotipos B, C) e grubii (sorotipo A). • A variedade neoformans tem distribuição cosmopolita e está relacionada a fontes ambientais como solos contaminados naturalmente com excretas de aves. Introdução • O primeiro caso de infecção humana foi relatado há aproximadamente 120 anos por Busse e Buschke, na Alemanha. • Relevância a partir da década de 60: terapias imunossupressoras. • Década de 80: SIDA (4º lugar no nº de mortes) Introdução • Acomete mais frequentemente homens, adultos entre 30 e 60 anos, sendo raro o grupo pediátrico. • Apesar de a transmissão ocorrer por via respiratória, sua apresentação clínica mais comum é a meningite criptocócica. • Mais de um milhão de casos e 600 mil mortes por ano. Introdução • Pode acometer outros órgãos e tecidos, com resposta variável à presença do fungo. • O comprometimento da imunidade celular é o principal fator predisponente para a infecção por C. neoformans var neoformans. Objetivos • Relatar o caso de um paciente portador de meningite criptocócica, que esteve internado no Hospital Materno Infantil de Brasília entre Maio e Junho de 2014, bem como revisar, analisar e discutir a bibliografia acerca do tema. Metodologia • Realizado análise do prontuário do paciente com a devida autorização pelo responsável, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), além de revisão da literatura nacional e internacional utilizando os bancos de dados MEDLINE, LILACS-BIREME e COCHRANE; sendo selecionados artigos publicados nos últimos 20 anos, abordando a criptococose em suas diversas manifestações, complicações e tratamento. Relato de Caso • Paciente, masculino, 4a 7m, procedente de zona urbana do Maranhão, sem histórico de comorbidades ou internações prévias, apresentou febre e cefaléia há 40 dias da internação, associada a 2 episódios convulsivos e perda progressiva das funções neurológicas (ataxia, afasia, disfagia e estrabismo convergente). • Procurou o HRPa, sendo internado e realizado punção lombar (glicose: 23mg/dL, cloro: 105mg/dL, proteínas: 54,5mg/dL e posteriormente cultura para bactérias negativa) e iniciado Ceftriaxona e Aciclovir. Relato de Caso • Realizou TC de crânio: acentuada hidrocefalia supra e infra-tentorial, sem obstrução identificável ao método, com sinais sugestivos de transudação ependimária. • Encaminhado à neurocirurgia do HBDF: submetido a uma DVE e análise liquórica, que evidenciou aumento de proteínas, redução da glicorraquia, celularidade com predomínio de mononucleares e cultura negativa para bactérias. Relato de Caso • Trocado esquema para Vancomicina e Cefepime, e líquor foi enviado para realização de cultura para fungos que evidenciou positividade para Cryptococcus neoformans var. neoformans. • Iniciado Anfotericina B e suspensos antibióticos. • Evoluiu com movimentos estereotipados em dimídio esquerdo e pouca responsividade, sendo então prescrito fenitoína e posteriormente fenobarbital. TC mostrou hidrocefalia e transudação ependimária. Relato de Caso • No 10º dia de terapia antifúngica, foi trocado esquema para Anfotericina B lipossomal e realizado nova análise liquórica com celularidade e bioquímica com as mesmas alterações anteriores e cultura para fungos e bactérias negativas. • No dia seguinte, obstruiu DVE, sendo submetido a uma DVP. • Obs: sorologias para HIV, toxoplasmose, Epstein-Baar e Citomegalovirus (CMV), todas não-reagentes. Relato de Caso • Transferido para UDIP após 33 dias no HBDF. • Seguiu apresentando febre diária e melhora discreta do estado geral, bem como das funções neurológicas. • Realizada nova pesquisa para imunodeficiência que evidenciou: IgA, IgE, IgM normais e IgG elevada (>p97); contagem de linfócitos CD4, CD8, CD3 e CD19 abaixo do percentil 10 e linfócitos CD56 normal. (obs: sorologias foram respetidas – NR). • Análises liquóricas seriadas, sempre com aumento de proteínas, redução da glicorraquia e culturas negativas. Relato de Caso • A partir do 36º dia de terapia antifúngica, começou a apresentar melhora significativa. • Recuperou todas as funções neurológicas. • Permaneceu afebril a partir do 40º dia de uso da Anfotericina. • Não foram observadas sequelas oculares. Relato de Caso • Após 52 dias de uso da medicação, foi realizada transição do tratamento para fluconazol com boa resposta até então. • Recebeu alta em excelentes condições após 81 dias de internação, com orientação de acompanhamento ambulatorial com a infectologia e em uso de Sulfametoxazol + Trimetoprim (profilaxia), fenobarbital e fluconazol por tempo indeterminado. (Obs: TC normal). • Segue em investigação pela equipe de Imunologia. Discussão • Infecção fúngica oportunista (var neoformans). • A característica ubíqua do Cryptococcus no ambiente, leva a crer que as crianças devam se infectar de forma assintomática ou oligossintomática precocemente. Discussão • Meningoencefalite é a forma clínica mais comum (80% dos casos) – tropismo pelo SNC. • Ag circulante altera osmolaridade do LCR e aumenta inflamação dos ductos PIC • A ausência do fungo nas pesquisas liquóricas, em virtude deste compartimento poder tornar-se estéril mais precocemente não tem representação absoluta quanto ao parênquima. Discussão • Na faixa etária pediátrica, as apresentações clínicas são variadas, algumas de curso agudo ou subagudo, confundindo com etiologia viral; outras, que representam a maioria, com quadros de 2 a 4 semanas ou mais com predomínio linfo-monocitário, confundindo com tuberculose; outros com participação expressiva de polimorfonuclares no LCR confundindo com abscesso ou meningite bacteriana. • Média de 3 semanas a 3 meses da admissão. Discussão • O padrão-ouro para o diagnóstico do acometimento do SNC é a cultura do LCR. • Exames de Imagem: RNM e TC (pseudocistos, achados inespecíficos ou compatíveis com a normalidade). • Corrêa (2001) – comparação de achados tomográficos em 11 pacientes pediátricos - atrofia cerebral difusa, hidrocefalia e associação de hidrocefalia com atrofia cerebral difusa. Discussão • Os exames complementares obtidos permitiram a identificação de déficit da imunidade celular, verificado com as alterações na contagem das subpopulações de linfócitos. As dosagens de imunoglobulinas totais eram normais e deficiências de fagócitos foram excluídas. • A investigação do status imunológico do paciente segue no intuito de obter um diagnóstico etiológico. Discussão • Não existem dados consensuais na literatura em relação a melhor escolha terapêutica. • Tratamento inicial: anfotericina B associada ou não a 5fluorocitosina • A duração da terapêutica é variável podendo ser mais prolongada dependendo da gravidade do caso e da resposta do paciente. Discussão • A associação da 5FC à anfotericina não foi possível em decorrência da indisponibilidade no país. • O tempo do tratamento com fluconazol ainda é indeterminado tendo em vista o não estabelecimento de um diagnóstico etiológico para a imunodeficiência do paciente. Conclusão • Ressalta-se a relevância do caso diante da baixa incidência da criptococose em pacientes prépúberes, da história clínica pouco sugestiva de imunodeficiência até o momento do diagnóstico e da boa evolução do quadro apesar do elevado tempo decorrido entre o início dos sintomas e o tratamento específico. Conclusão • Trata-se uma doença de evolução insidiosa e geralmente relacionada a comprometimento do sistema imune. Portanto, é de extrema importância a suspeição e investigação de imunodeficiência em pacientes aparentemente hígidos, para um tratamento adequado e precoce, tendo em vista sua potencial letalidade e risco de sequelas neurológicas. Conclusão • Faltam ainda estudos na literatura que estabeleçam o tempo adequado de tratamento, alternativas terapêuticas disponíveis em nosso meio e parâmetros objetivos para nortear rotinas de seguimento ambulatorial da criptococose na faixa etária pediátrica. Bibliografia 1. Buchaman, KL; Murphy, J.W. 1998. Wath makes Cryptococcus neoformans a pathogen. Emerging Infectious Diseases 4 (1): 71-83. 2. Wickes BL, Mayorga ME, Edman U, Edman JC. Dimorphism and haploid fruiting in Cryptococcus neoformans: association with the alpha-mating type. Proc Natl Acad Sci U S A. 1996 Jul 9;93(14):7327-31. 3. 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