MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO KARINE GONÇALVES CEZAR CRIPTOCOCOSE EM FELINOS REVISÃO DE LITERATURA PORTO ALEGRE - RS 2012 KARINE GONÇALVES CEZAR CRIPTOCOCOSE EM FELINOS REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais, para obtenção do título de Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: M.Sc. Luzia Cristina Lencione Sampaio PORTO ALEGRE - RS 2012 Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA C424c Cezar, Karine Gonçalves. Criptococose em felinos – revisão de literatura / Karine Gonçalves Cezar -- Mossoró, 2012. 25f.: il. Monografia (Especialização em Clínica Médica de pequenos animais) – Universidade Federal Rural do SemiÁrido. Orientadora: Profa. M.Sc Luzia Cristina Lencione Sampaio 1.Felinos. 2.Criptococose. 4.Lesão nasal. I.Título. 3.Excretas de pombos. CDD: 636.8 Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva CRB15 120 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por estar sempre presente em minha vida; Ao meu marido por estar sempre ao meu lado em todas as horas; À minha filha por fazer parte da minha vida; Aos meus pais que sempre me apoiaram em minhas decisões; Às colegas Melissa, Marina e Bianca pela amizade construída; A minha orientadora pela atenção dedicada ao meu trabalho; Agradeço também aos animais que me fizeram ter certeza da minha escolha de ser médica veterinária! RESUMO A criptococose é uma doença fúngica, sistêmica, com distribuição mundial que acomete principalmente os felinos e é causada pelo Cryptococcus neoformans. A cápsula espessa que envolve este fungo é essencial para a patogenicidade deste. A infecção é adquirida através de fontes ambientais, especialmente a partir de inalação de propágulos provindos de excretas de pombos. A inalação de esporos acomete principalmente o trato respiratório superior dos felinos, podendo disseminar-se para diversos órgãos. Os sinais clínicos são infecções da cavidade nasal, sistema nervoso central, olhos e pele, sendo que as lesões mais características são os granulomas nasais, conhecidos popularmente como nariz de palhaço. Para um diagnóstico eficaz, é necessário além dos achados do exame físico, a realização de exames complementares como: o exame sorológico, citopatológico, histopatológico, isolamento fúngico e as técnicas moleculares. A disponibilidade de uma nova geração de medicamentos antifúngicos tem garantido sucesso no tratamento de micoses sistêmicas. A eleição da terapia adequada depende da disponibilidade da droga, da localização da infecção e dos efeitos colaterais que podem ser observado em cada indivíduo. O prognóstico favorável é dependente da localização da lesão, de um diagnóstico preciso e de um tratamento adequado. Palavras-chave: criptococose, felinos, excretas de pombos, lesão nasal. ABSTRACT Cryptococcosis is a fungal disease, systemic, with worldwide distribution that affects mainly cats and is caused by Cryptococcus neoformans. The thick capsule that surrounds this fungus is essential for the pathogenicity of this. The infection is acquired through environmental sources, especially from inhalation of propagules coming from the feces pigeons. Inhalation of spores affects mainly the upper respiratory tract of cats can spread to various organs. The clinical signs are: infections of the nasal cavity, central nervous system, eyes and skin, and the most characteristic injuries are nasal granulomas, popularly known as the clown nose. For an accurate diagnosis it’s necessary, in addition to the findings of physical examination complementary tests such as: serology, cytology, histopathology, fungal isolation and molecular techniques. The availability of a new generation of antifungal drugs has ensured success in the treatment of systemic mycoses. The choice of appropriate therapy depends on the availability of the drug, the site of infection and side effects that can be observed in each individual. The favorable prognosis depends on the lesion localization, an accurate diagnosis and appropriate treatment. Keywords: cryptococcosis, cat, feces pigeon, nasal injury. LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Felino apresentando lesões na cavidade nasal e na face. Figura 02 -- Felino apresentando lesões de pele nodulares e ulceradas. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9 2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 10 2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ............................................................................................ 10 2.2 ETIOLOGIA ....................................................................................................................... 10 2.3 EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................................. 12 2.4 TRANSMISSÃO ................................................................................................................ 12 2.5 PATOGENIA ..................................................................................................................... 13 2.6 SINAIS CLÍNICOS ............................................................................................................ 13 2.7 DIAGNÓSTICO ................................................................................................................. 16 2.7.1 Diagnóstico Presuntivo .................................................................................................. 16 2.7.2 Diagnóstivo Definitivo ................................................................................................... 17 2.7.3 Diagnóstico Diferencial ................................................................................................. 19 2.8 TRATAMENTO ................................................................................................................. 19 2.8.1 Anfotericina B ................................................................................................................ 20 2.8.2 Flucitosina ...................................................................................................................... 20 2.8.3 Cetoconazol .................................................................................................................... 20 2.8.4 Itraconazol ...................................................................................................................... 21 2.8.5 Fluconazol ...................................................................................................................... 21 2.9 PROGNÓSTICO ................................................................................................................ 21 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 22 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 23 9 1 INTRODUÇÃO As afecções dermatológicas em felinos são comumente encontradas na rotina da clínica veterinária. Os fungos são causadores de grande parte destas afecções. O fungo do gênero Cryptococcus é mais comumente observado em felinos do que em cães, causando a doença chamada criptococose. Esta doença está intimamente ligada à imunidade do hospedeiro (GRACE, 2009). A criptococose é uma infecção fúngica, sistêmica, cosmopolita, que pode acometer seres humanos, animais silvestres e mamíferos domésticos, principalmente o cão e o gato, sendo também conhecida como torulose ou blastomicose européia (STRADIOTO, 2010). A doença pode afetar o trato respiratório (especialmente a cavidade nasal), sistema nervoso central, olhos e pele (em particular, a face e o pescoço dos gatos) (BARTH et al., 2008). A doença no gato geralmente aparece de forma localizada, sendo que em caninos e humanos a doença tem apresentação generalizada. Não existe transmissão direta de animais para o homem (MONTOYA; ZAMORA, 2009). Apesar de existirem diferentes espécies do gênero, somente o cryptococcus neoformans tem sido isolado em casos clínicos no homem e nos animais (BARTH et al., 2008). Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura atualizada sobre a criptococose, afecção dermatológica fúngica que acomete principalmente os felinos. 10 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS A criptococose é uma doença infecciosa fúngica, diagnosticada em todo o mundo. Acomete diferentes espécies animais, inclusive o homem e é causada por uma levedura saprófita (COELHO et al., 2009; STRADIOTO, 2010). É a micose sistêmica mais comum em gatos, porém, ainda assim é uma doença rara em felinos (BARTH et al., 2008). A doença se caracteriza como uma micose sistêmica e apresenta diversas formas, dentre elas a respiratória, tegumentar e nervosa, o que faz derivar inúmeros sinais e sintomas. As lesões mais características desta doença nos gatos são lesões granulomatosas localizadas na cavidade nasal, também chamadas popularmente como “nariz de palhaço” (PETRAGLIA, 2008). 2.2 ETIOLOGIA O agente causador da criptococose é um fungo da classe Bastomycetes, família Cryptococcaceae, gênero Cryptococcus, espécie Cryptococcus neoformans (COELHO et al., 2009; STRADIOTO, 2010). A espécie está subdividida em três variedades e cinco sorotipos: C. neoformans var. grubii (sorotipo A), C. neoformans var. neoformans (sorotipos D e AD) e C. neoformans var. gattii (sorotipos B e C). Essas variedades diferem quanto à apresentação clínica, habitat e características epidemiológicas (JULIANO et al., 2006) . Embora o gênero Cryptococcus contenha cerca de 37 espécies, somente o C. neoformans produz infecções oportunistas (BARTH et al., 2008). As duas principais espécies que causam doença no homem e nos animais são Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii (PEDROSO; CANDIDO, 2006). O C. neoformans variedade neoformans possui uma distribuição mundial, enquanto o C.neoformans variedade gattii possui uma distribuição mais limitada e está associado com muitos casos descritos na Austrália (GRACE, 2009). No entanto, Queiroz et al., (2008) afirmam que o C. neoformans variedade gattii teria alcançado várias partes do mundo através de sementes do Eucaliptus camaldulensis oriundos da Austrália. Kidd et al., (2007) relata que a criptococose por C. gattii possui localização geográfica mais restrita, predominando em regiões tropicais e subtropicais. Porém, esse paradigma, atualmente, foi quebrado, uma vez 11 que foi relatada a ocorrência de Cryptococcus gattii em regiões de clima temperado (STEPHEN et al., 2002). Segundo Cabana et al., (2009) a variedade C. neoformans é cosmopolita e frequentemente isolada de excretas das aves, especialmente pombos urbanos (Columbia livia) e a variedade gatti tem relação ecológica com espécies diversas de eucaliptos. C. neoformans e C. gattii são encontrados no ambiente associados principalmente a excrementos de pombos, material vegetal em decomposição e tocos de árvores, fazendo interação ainda com outros microrganismos do solo, como amebas e nematóides (COSTA, 2009; LAPPIN 2006), onde pode permanecer viável por mais de dois anos (MARCASSO et al., 2005). É frequentemente relatado que as excretas envelhecidas de aves oferecem um substrato orgânico mais favorável para o desenvolvimento do fungo, pois possuem menor quantidade de bactérias e, desta forma, a competição pelo crescimento é reduzida, contribuindo assim para a elevada densidade populacional de células de C. neoformans neste substrato (REOLON et al., 2004). O C. neoformans var. gattii ocupa um habitat específico. No Brasil, foi isolado de árvores típicas das matas das regiões Norte e Nordeste, porém, no ambiente antrópico, pode ter se adaptado a crescer em pedaços de madeira. Produz infecção principalmente em indivíduos imunocompetentes (JULIANO et al., 2006). A espécie mais comum é o Cryptococus neoformans. Entre os animais acometidos estão os cães, furões, psitacídeos e principalmente os gatos, especialmente os de vida livre. Nestes, geralmente ocorre em associação com doenças que causem um comprometimento imunológico do organismo do paciente como, por exemplo, FIV (imunodeficiência viral felina) e FeLV (leucemia felina). A variedade grubii é considerada cosmopolita, costuma ser encontrada no solo, em frutas e pode estar presente na mucosa oronasal e na pele de indivíduos sadios (PETRAGLIA, 2008). Morfologicamente, Cryptococcus neoformans é uma levedura arredondada, ovalada ou elipsóide, geralmente envolta por cápsula de mucopolissacarídeo (PEDROSO; CANDIDO, 2006). Essa cápsula espessa é essencial para a patogenicidade deste fungo, por inibir a função plasmocítica, fagocitose, migração leucocítica e ação das moléculas do sistema de complemento (CLERC; BLODY, 1992). 12 2.3 EPIDEMIOLOGIA A criptococose não é considerada como enfermidade de risco em potencial, ou seja, não se constitui em uma antropozoonose clássica, pois o agente não sofre aerolização a partir dos meios de cultivo ou de tecidos infectados (PETRAGLIA, 2008). A alta prevalência da levedura em isolados ambientais, aliada à rara transmissão homem-homem ou animal-animal, indica que a infecção é adquirida através de fontes ambientais do fungo, especialmente a partir de inalação de propágulos provindos de excretas de aves (LUGARINI, 2007). Diversos autores relataram a identificação do C. neoformans em fezes e ambientes frequentados por pombos. O principal problema é que o C. neoformans permanece viável nas fezes secas dessa ave durante muitos anos, tornando-se um reservatório de partículas infectantes passíveis de inalação (QUEIROZ et al., 2008). Segundo Petraglia (2008), a criptococose ocorre com menor frequência nos cães em relação aos gatos. No Brasil, a criptococose é mais frequente em gatos do sexo masculino (75%) e com idade superior a quatro anos (62%). 2.4 TRANSMISSÃO A doença não apresenta fonte de infecção característica, pois o fungo se mantém na natureza através da sua multiplicação no próprio ambiente, e não em um hospedeiro animal vertebrado (PETRAGLIA, 2008). A infecção é adquirida a partir de inalação de microrganismos originários do solo ou, geralmente nas áreas urbanas, de inalação dos microrganismos encontrados nas excretas dos pombos. As leveduras e/ou basidiósporos do fungo são inalados pelos felinos e atingem preferencialmente o trato respiratório superior (SHERDING, 2008), onde as grandes partículas são aprisionadas e as menores podem atingir os alvéolos pulmonares (PEREIRA ; COUTINHO, 2003), podendo produzir infecção pulmonar (SHERDING, 2008). A principal porta de entrada das leveduras e/ou basidiósporos do Cryptococcus neoformans nos gatos é o trato respiratório, mas há também a inoculação cutânea direta. A 13 partir de sua entrada, o fungo pode disseminar-se para diversos órgãos, acometendo todo o organismo (MENDONÇA et al., 2002). O organismo provavelmente se dissemina para sítios extrapulmonares via hematógena. O sistema nervoso central também pode estar infectado por extensão direta através da placa cribriforme da cavidade nasal (LAPPIN, 2006). A disseminação da infecção e a apresentação do quadro clínico estão intimamente relacionadas ao grau de imunidade do hospedeiro (HONSHO et al., 2003; LAPPIN, 2006 ). Estados de má nutrição ou tratamentos com corticóides também são fatores de maior susceptibilidade (MENDONÇA et al., 2002) . 2.5 PATOGENIA Vários fatores de virulência são importantes para patogenicidade do C. neoformans e C. gattii: cápsula polissacarídica, produção de melanina, capacidade de crescimento a 37º C, produção das enzimas fosfolipase, proteinase e urease (PEDROSO; CANDIDO, 2006). Ambas as espécies Cryptococcus gattii e Cryptococcus neoformans são capazes de produzir lacase, que permite a colonização da madeira, principalmente em avançado estado de decomposição (BALTAZAR; RIBEIRO, 2008). 2.6 SINAIS CLÍNICOS A doença se caracteriza como uma micose sistêmica e apresenta diversas formas, dentre elas a respiratória, tegumentar e nervosa, se caracterizando por uma diversidade de sinais clínicos (PETRAGLIA, 2008). A forma ocular também pode estar presente em alguns casos (QUEIROZ et al., 2008). Os pássaros raramente desenvolvem criptococose clínica, pois sua alta temperatura corporal inibe a replicação do fungo (LAPPIN, 2006). A doença no gato geralmente aparece de forma localizada em comparação com caninos e humanos em que a doença é generalizada. O motivo para essa diferença é que os 14 seios nasais dos gatos possuem uma filtragem mais eficiente de pequenas partículas (MALIK, 2003). Segundo Sherding (1998) e Kerl (2003), a infecção por cryptococcus em felinos tem predileção pela cavidade nasal, onde os microrganismos aerógenos depositam-se inicialmente, sendo responsáveis pela rinite e sinusite granulomatosas crônicas observadas em pelo menos 50% dos gatos com a doença. A criptococose pode apresentar lesões oronasais com presença de crostas ou úlceras, assim como espirros, descarga nasal, ruídos respiratórios e/ou massas subcutâneas (BEATTY, 2000; GRACE, 2009). O corrimento nasal ocorre de forma variável. Outros apresentam a formação de massas firmes ou pólipos no tecido subcutâneo, principalmente sobre a região nasal, (Fig. 1) conferindo um aspecto característico de “nariz de palhaço” (HAWKINS, 2004; PEREIRA; COUTINHO, 2003). Figura 1- Felino apresentando lesões na cavidade nasal e na face. Fonte: Cezar, 2009. 15 Os linfonodos submandibulares podem aumentar. Linfadenopatia mandibular é detectada na maioria dos felinos com rinite (HAWKINS, 2004). Lesões pulmonares usualmente não resultam em sintomas, embora possam ser detectadas através de radiografias torácicas, tomografias ou necrópsia (MALIK, 2003). Com relação ao comprometimento orgânico, o sistema nervoso central e os olhos são os mais severamente afetados (QUEIROZ et al., 2008). Nota-se o envolvimento do sistema nervoso central em aproximadamente 25% dos gatos afetados e comumente resultam de disseminação hematógena. Foram descritas lesões no cérebro e medula espinhal causando meningoencefalite ou mielite granulomatosa respectivamente (COELHO et al., 2009). Quando o sistema nervoso central é afetado, os sinais geralmente são crônicos e podem incluir convulsões, cegueira e alterações comportamentais. A infecção da pele e tecido subcutâneo é considerada como uma manifestação de doença disseminada (GRACE, 2009). A forma cutânea ocorre principalmente no pescoço e cabeça e consistem de nódulos múltiplos, firmes, indolores, de crescimento rápido que tendem a ulcerar e drenar exsudato serosanguinolento (COELHO et al., 2009) (Fig. 2). Figura 2 – Felino apresentando lesões de pele nodulares e ulceradas. Fonte: Valdés, 2007. 16 Segundo Queiroz et al., (2008), a síndrome ocular inclui achados de uveíte anterior, coriorretinite granulomatosa, hemorragia de retina, edema papilar, neurite óptica, midríase, fotofobia, blefarospasmo, opacidade de córnea, edema inflamatório da íris e/ou hifema, e cegueira. 2.7 DIAGNÓSTICO Na clínica veterinária, além da anamnese e os achados do exame físico, a realização de exames complementares: - sorológico, citopatológico, histopatológico, isolamento fúngico (COELHO et al., 2009) e recentemente as técnicas moleculares auxiliam no diagnóstico (PEREIRA; COUTINHO, 2003). Porém, ainda apresentando aplicação restrita no diagnóstico clínico (PEDROSO; CÂNDIDO, 2003). 2.7.1 Diagnóstico Presuntivo As lesões macroscópicas não são diagnósticas, mas frequentemente são bastante características da enfermidade. Embora possam surgir na forma de nódulos típicos de outras moléstias granulomatosas, frequentemente as lesões consistem de massas expansivas de material translúcido mucinoso ou gelatinoso (PETRAGLIA, 2008). Em geral, os resultados do hemograma completo são frequentemente normais, exceto por neutrofilia ou uma eosinofilia ocasionais (SHERDING, 2008). Os perfis bioquímicos podem revelar hiperproteinemia, mas geralmente mostram-se alterados apenas quando há envolvimento sistêmico dos órgãos (STRADIOTO, 2010). No estágio inicial da doença, as radiografias revelam aumento na densidade do tecido mole em um ou ambos os lados da cavidade nasal. Devido e expansão de granulomas, o osso nasal pode estar destruído, causando distorção da cavidade nasal (MONTOYA; ZAMOURA 2009; SHERDING, 2008). 17 2.7.1.1 Sorologia Os testes sorológicos proporcionam um diagnóstico presuntivo com base na detecção do antígeno capsular no soro, no fluido cérebro espinhal ou na urina, usando-se aglutinação em látex ou ELISA (SHERDING, 2008; STRADIOTO, 2010). A detecção do antígeno capsular criptocócico pelo processo de aglutinação em látex é o teste mais amplamente utilizado. Os testes atuais detectam todos os sorotipos conhecidos. Eles fornecem um método de diagnóstico rápido em casos de suspeita em que os organismos não foram visualizados ou cultivados (MALIK, 2003). Segundo Sherding (2008), podem ocorrer resultados falsos negativos na forma localizada (não disseminada). Como nenhum método diagnóstico possui 100% de especificidade e sensibilidade, a combinação de exames se torna eficaz no diagnóstico da doença (LUGARINI, 2007). 2.7.2 Diagnóstivo Definitivo O diagnóstico definitivo da criptococose é realizado através de cultura do microrganismo, exame citológico, exame histopatológico ou através de técnicas moleculares. 2.7.2.1 Exame Citológico As principais vantagens do procedimento são a rapidez e a facilidade de execução. Quando bem realizado, permite a obtenção de um diagnóstico definitivo (FERREIRA et al., 2007; PETRAGLIA, 2008; STRADIOTO, 2010). O microorganismo é encontrado durante a avaliação citológica de lesões nasais, cutâneas, aspirados de linfonodos, líquor, e fluido de lavado bronco-alveolar. Já que o microrganismo pode ser cultivado da cavidade nasal de alguns animais assintomáticos, os resultados positivos nem sempre se correlacionam com a doença nessa região do corpo. A amostra é submetida à impressão em uma lâmina para posterior coloração e visualização (PETRAGLIA, 2008). Diversos métodos tintoriais podem ser utilizados, como o corante de Wright, o azul de metileno e a coloração por Gram (MALIK, 2003; PETRAGLIA, 2008). As preparações com nanquim ocasionalmente são úteis, pois o fungo aparece não corado em um fundo escuro, embora ele possa ser confundido com gotas de gordura ou linfócitos, especialmente se os brotos não estiverem presentes. 18 Com o corante de Wright Modificado ou Novo Azul de Metileno, os microrganismos aparecem como leveduras pequenas (3,5 a 7 µm) de cor azul clara ou escura, com cápsulas claras e espessas. Com o corante de Gram eles aparecem de violeta e com uma cápsula vermelho clara (GRACE, 2009). 2.7.2.2 Exame Histopatológico Quando existe dúvida nos resultados de citologia, outro método que pode ser realizado é o histopatológico de amostras teciduais. Elas podem ser coradas por métodos rotineiros ou por meio de corantes especiais para fungos como mucicarpina e coloração de Gridley (STRADIOTO, 2010). O Cryptococcus neoformans é facilmente evidenciado pelo halo claro, vazio, que aparece em torno dos elementos fúngicos representados pela cápsula, que não é corada. O mucicarmin de Mayer especial para fungos é o único corante que tem afinidade com a cápsula, tornando-a róseo avermelhada. Quando o fungo tem pouca ou nenhuma cápsula, há dificuldade ou impossibilidade do seu reconhecimento (PETRAGLIA, 2008). 2.7.2.3 Cultura Microbiológica Cryptococcus sp. pode ser cultivado em ágar-dextrose de Sabouraud, utilizando as mesmas amostras mencionadas para citologia. No entanto, o crescimento pode demorar desde alguns dias até seis semanas, limitando a utilidade diagnóstica da cultura (SHERDING, 2008). Microscopicamente, os organismos são caracterizados por corpo leveduriforme de paredes espessas, de forma ovóide ou esférica, que ocasionalmente exibe um brotamento solitário e é circundado por uma larga cápsula gelatinosa (STRADIOTO, 2010). 19 2.7.2.4 Técnicas Moleculares Os métodos de identificação moleculares são mais recentes e são úteis em estudos epidemiológicos, para a identificação da variedade, do sorotipo, e variações individuais de cepas (PEDROSO, 2006). Embora não seja a técnica mais empregada na rotina clínica, a reação em cadeia pela polimerase (PCR) tem sido utilizada com bons resultados em centros de pesquisa (PETRAGLIA, 2008). Esta técnica demonstrou níveis de sensibilidade e especificidade superiores à cultura e ao exame direto pela tinta da China (PEDROSO, 2006). 2.7.3 Diagnóstico Diferencial Deve ser realizado o diagnóstico diferencial com outras patologias que manifestem o mesmo quadro clínico, sejam elas infecciosas ou inflamatórias, como: encefalite viral, encefalite bacteriana, meningoencefalite protozoária e ricketsia, meningoencefalite granulomatosa e neoplasias (QUEIROZ et al., 2008). 2.8 TRATAMENTO Inúmeros protocolos terapêuticos são usados nas micoses sistêmicas de cães e gatos com resultados satisfatórios. Isso é devido à disponibilidade de uma nova geração de medicamentos antifúngicos adequados para administração por via oral a longo prazo e o desenvolvimento de novas formas de usar o antigo medicamento (anfotericina B) com mais facilidade e com segurança (MALIK, 2003). A eleição da terapia adequada depende da disponibilidade da droga, da localização da infecção e dos efeitos colaterais que pode ser observado em cada indivíduo (MONTOYA; ZAMOURA, 2009). Cães e felinos com criptococose têm sido tratados com anfotericina B, cetoconazol, itraconazol, fluconazol e 5-flucitosina isoladamente e em variadas combinações. Cetoconazol, itraconazol ou fluconazol são utilizados como agentes únicos em caninos ou felinos sem doença com risco de morte (LAPPIN, 2006). 20 2.8.1 Anfotericina B É um potente medicamento antifúngico de amplo espectro e início de ação rápido. Contudo, deve ser aplicado por via parenteral e frequentemente é nefrotóxico. Além disso, como medicação única ele é moderadamente efetivo contra criptococose. Por isso, geralmente não é indicado, exceto nos casos de doença disseminada com risco à vida (SHERDING, 2008). A administração de anfotericina B por via intravenosa possui maior potencial de nefrotoxicidade do que a administração via subcutânea (GRACE, 2009). 2.8.2 Flucitosina Flucitosina é um medicamento antifúngico utilizado exclusivamente para induzir sinergismo à anfotericina B, no tratamento de criptococose. É utilizado principalmente quando há envolvimento do sistema nervoso central. Quando utilizada sozinha pode induzir rapidamente à resistência fúngica (SHERDING, 2008). 2.8.3 Cetoconazol O cetoconazol é eficiente em alguns felinos, mas comumente leva à inapetência, vômito, diarréia, perda de peso e aumento nas atividades das enzimas hepáticas em alguns felinos e cães. Este medicamento é mais eficaz contra outras micoses, tendo menos eficácia terapêutica contra criptococose. Em geral, é pouco efetivo no tratamento de micose ocular e do sistema nervoso central (SHERDING, 2008). 21 2.8.4 Itraconazol É o tratamento inicial de escolha para cães e gatos (GRACE, 2009; SHERDING, 2008) quando não há risco iminente de morte e tampouco de envolvimento no sistema nervoso central. Itraconazol é mais efetivo que o cetoconazol, com menos efeitos colaterais, porém é mais caro (SHERDING, 2008). 2.8.5 Fluconazol Esse agente possui melhor penetração no sistema nervoso central do que o itraconazol e pode ser uma alternativa útil quando o sistema nervoso está envolvido. Ele é eliminado por excreção renal e deve ser usado com cautela nos pacientes com prejuízo da função renal (GRACE, 2009; SHERDING, 2008). A desvantagem é o alto preço (SHERDING; 2008). 2.9 PROGNÓSTICO Em geral, o prognóstico é bom para gatos sem envolvimento do sistema nervoso central, sendo reservado para pacientes com envolvimento neurológico (SHERDING, 2008). O prognóstico também é favorável para felinos submetidos ao tratamento com itraconazol ou à combinação de anfotericina B e flucitosina (GRACE, 2009). A criptococose nasal e cutânea geralmente são resolvidas sem tratamento. Animais clinicamente doentes devem ser tratados até que estejam clinicamente normais e os títulos no teste de aglutinação em latéx estejam menores do que 1 (um) ou o título diminua 32 vezes ou mais. Os títulos de antígeno não diminuem em alguns animais sem evidência clínica da doença, sugerindo persistência do microrganismo nos tecidos ou resultados falso-positivos (LAPPIN, 2006). 22 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A criptococose é uma enfermidade dérmica de etiologia fúngica, que pode atingir outras partes do organismo e originar sintomatologia sistêmica e, quando não tratada adequadamente, pode causar lesões irreversíveis. Através desta revisão de literatura, é possível concluir que a medicina veterinária tem a cada dia evoluído no que diz respeito às técnicas de diagnósticos mais precisas. Também a indústria farmacêutica oferece uma diversidade de princípios ativos com eficácia terapêutica comprovada e menor toxicidade quando comparado aos tratamentos mais antigos. O amplo conhecimento sobre o quadro clínico da doença, associado aos exames complementares e diagnósticos e a uma terapia eficaz, contribuem para que esta enfermidade atualmente apresente menor probabilidade de cronicidade ou prognósticos desfavoráveis. 23 REFERÊNCIAS BALTAZAR, L.M; RIBEIRO, M.A. Primeiro isolamento ambiental de cryptococcus gatti no Estado do Espírito Santo. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.41, n.5, p.449-453, set-out. 2008. BARTH, R. R. S.; BRUCH, W. S.; CASTRO, R. C. C.; HEIDJEN, K. M. V. 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