CURSO TEMÁTICO DE EXTENSÃO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
PROF. LUIZ FLÁVIO GOMES
DA INFRAÇÃO BAGATELAR
Conceito de infração bagatelar: infração bagatelar ou delito de bagatela
ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ou
seja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao
bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da)
intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso.
O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do
Direito (civil, administrativo, trabalhista etc.). Não se justifica a incidência
do Direito penal (com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre o
fato verdadeiramente insignificante.
• Espécies de infração bagatelar: existem duas espécies de infração
bagatelar: a própria e a imprópria.
1. Infração bagatelar própria: é a que já nasce sem nenhuma relevância
penal, porque não há (um relevante) desvalor da ação (ausência de
periculosidade na conduta, falta de reprovabilidade da conduta, mínima
ofensividade ou idoneidade) nem tampouco um relevante desvalor do
resultado jurídico (não se trata de ataque grave ou significativo ao bem
jurídico, que mereça a incidência do Direito penal.
Durante muitos anos não tínhamos uma doutrina (nem jurisprudência)
bem definida sobre os requisitos válidos para a incidência do princípio da
insignificância. Depois de vários julgados hoje pode-se dizer que o STF,
em linha geral, acolhe os seguintes vetores: (a) ausência de periculosidade
social da ação, (b) a mínima ofensividade da conduta do agente – isto é:
mínima idoneidade ofensiva da conduta, (c) a inexpressividade da lesão
jurídica causada e (d) a falta de reprovabilidade da conduta (HC 84.412-SP,
rel. Min. Celso de Mello).
Depois de fixados esses contornos pelo STF, resta perguntar: os critérios
que acabam de ser expostos devem ser exigidos em bloco (todos
conjuntamente) ou podem ser separados? Três deles versam sobre a
conduta (desvalor da conduta); um deles versa sobre o resultado (desvalor
do resultado jurídico). Temos que necessariamente conjugar ambos os
grupos ou podemos desmembrar, para reconhecer a insignificância em
razão só do desvalor da conduta?
Apesar de todas as polêmicas, de acordo com nossa opinião, podemos e
devemos distinguir a insignificância da conduta da do resultado. Quando
uma conduta é indiscutivelmente insignificante, ainda que o resultado seja
relevante, não há como incidir o Direito penal. É o exemplo do copo d´agua
(que será analisado logo abaixo). Às vezes é o resultado que é
absolutamente insignificante (é o exemplo da subtração do palito de
fósforo, que será enfocado abaixo). E pode ainda haver insignificância
tanto da conduta como do resultado (culpa levíssima com lesão corporal
absolutamente ínfima, por exemplo).
Se se trata de um fato penalmente insignificante, a rigor não poderíamos
falar em “infração” (porque não sendo típico o fato, infração não existe).
De qualquer modo, para facilitar a compreensão do assunto, continuaremos
a utilizar a locução acima referida.
Há situações em que falta o desvalor da conduta; em outras falta o
desvalor do resultado; e ainda há um terceiro grupo em que faltam ambos
os desvalores. Nos três não se pode afastar, de plano, a incidência do
princípio da insignificância. Os critérios vetores desse princípio, admitidos
pelo STF, como se vê, devem ser bem compreendidos. Vejamos:
1. Quem atira um pedaço de papel amassado contra um ônibus coletivo
realiza uma conduta objetivamente não perigosa ou de periculosidade
mínima, ínfima (leia-se: de baixa idoneidade ofensiva). Logo, falta-lhe o
desvalor da ação. Em outras palavras, não se trata da ação desvalorada que
está prevista no tipo penal – CP, art. 264. Não há que se falar em
desaprovação dessa conduta. Numa inundação (muito grave), quem ajuda o
autor do fato com o derramamento de um copo d´água não pode ser punido
como co-autor. Um copo d´água que é agregado a 10 milhões de litros
d´água não significa absolutamente nada. O desvalor da ação, nesse caso, é
absolutamente indiscutível. Ainda que o delito (inundação) tenha sido
devastador (tendo prejudicado dezenas de moradores e de propriedades
vizinhas), a ação absolutamente ínfima do agente (copo d´água) afasta a
incidência do Direito penal.
2. Quem subtrai uma cebola pratica uma conduta desvalorada (furto; há
desvalor da ação; o ato de subtrair é altamente desvalorado), porém, o
resultado jurídico é absolutamente ínfimo (falta portanto o desvalor do
resultado, falta um ataque intolerável ao bem jurídico). Aqui estamos
diante de um caso em que só o desvalor do resultado jurídico é ínfimo.
Mesmo assim, não há como deixar de aplicar o princípio da insignificância,
apesar do desvalor da ação.
3. Num acidente de trânsito em que o agente atua com culpa levíssima e,
ademais, gera uma lesão totalmente insignificante, não há como afastar a
incidência deste princípio. Neste caso temos a combinação de ambos os
desvalores: da ação e do resultado. Nem a ação foi grave nem o resultado
foi relevante. Nesse terceiro grupo também não há como deixar de aplicar o
princípio da insignificância.
Conclusão: os critérios desenvolvidos pelo STF devem ser bem
compreendidos. Cada caso é um caso. O princípio da insignificância pode
ter incidência quando há puro desvalor da ação (caso do copo d´água) ou
puro desvalor do resultado (furto de uma cebola) ou a combinação de
ambos (caso do acidente de trânsito narrado). É assim que devemos
compreender a jurisprudência atual (predominante) no STF (de acordo com
nossa opinião).
Princípio da insignificância e infração bagatelar própria: para todas as
situações de infração bagatelar própria, o princípio a ser aplicado é o da
insignificância ou de bagatela (que tem o efeito de excluir a tipicidade
penal, mais precisamente a tipicidade material). Assim, se estamos diante
de uma infração bagatelar própria não há que se perquirir o animus do
agente, seus antecedentes, sua vida pregressa etc. O fato é atípico e não
incide o Direito penal.
Como veremos logo abaixo, é incorreto querer antecipar para o âmbito
da insignificância os critérios típicos do princípio da irrelevância penal do
fato (ínfimo desvalor da culpabibilidade, fatores post-factum que indicam a
desnecessidade da pena, bons antecedentes, reincidência etc.). Em se
tratando de infração bagatelar própria (ou porque não há desvalor da
conduta ou porque não há desvalor do resultado ou porque não existem
ambos), impõe-se a aplicação do princípio da insignificância, sem a
contaminação dos critérios subjetivizantes típicos do princípio da
irrelevância penal do fato.
Também é desacertado querer aplicar o princípio da insignificância onde
é o caso da irrelevância penal do fato (infração bagatelar imprópria). Cada
espécie de infração bagatelar tem seu princípio adequado e apropriado
(infração bagatelar própria: princípio da insignificância; infração bagatelar
imprópria: princípio da irrelevância penal do fato).
O sujeito, ainda que reincidente, que atira um pedaço de papel amassado
contra um ônibus, não deve nunca ser punido penalmente (porque seu fato
é atípico) (leia-se: infração bagatelar própria: princípio da insignificância).
E o que dizer de um ladrão reincidente, que furta um palito de fósforo? Do
mesmo modo, cuida-se de fato atípico. Lógico que contra ele algumas
medidas preventivas devem ser tomadas para que o fato não venha a se
repetir (fiscalização mais próxima do agente, aviso a potenciais vítimas,
uso de câmeras etc.), mas de modo algum (por força do princípio da
intervenção mínima) é o Direito penal o instrumento a ser utilizado.
Recordemos outro ponto importante: o sujeito deve ser punido pelo que
concreta e objetivamente faz, não pelo que é. Em Direito penal não
devemos nunca considerar ou reconhecer o delito pelo que o sujeito ostenta
(antecedentes, reincidência etc.), senão pelo que ele praticou
objetivamente, e na medida em que afetou o bem jurídico protegido.
Circunstâncias do caso concreto: para o reconhecimento da
insignificância e, em conseqüência, da infração bagatelar própria, é muito
importante a análise de cada caso concreto, da vítima concreta, das
circunstâncias do fato, local etc.
O furto de uma garrafa d`água, em princípio, é absolutamente
insignificante. Mas para quem está no deserto do Saara não o é. Como se
vê, ser insignificante ou não o fato depende de cada situação concreta.1
Uma bicicleta para um grande empresário é absolutamente insignificante.
A mesma bicicleta para quem ganha R$ 50,00 por mês pode não ser. Cada
caso é um caso. Não existem critérios apriorísticos concretos que definem o
que é insignificante: tudo depende do caso real, da vítima concreta, das
circunstâncias, do local, do momento etc. Genericamente falando o STF
vem enfatizando que o princípio da insignificância requer: (a) ausência de
periculosidade social da ação, (b) a mínima ofensividade da conduta do
agente, isto é: mínima idoneidade ofensiva da conduta (c) a
inexpressividade da lesão jurídica causada e (d) a falta de reprovabilidade
da conduta (HC 84.412-SP, rel. Min. Celso de Mello).
Cuida-se, como se vê, de um conceito normativo, que exige
complemento valorativo do juiz. O princípio da insignificância tem tudo a
ver com a moderna posição do juiz, que já não está bitolado pelos
parâmetros abstratos da lei, senão pelos interesses em jogo em cada
situação concreta. Nesse novo Direito penal, que é um Direito do caso
concreto, a proeminência do juiz é indiscutível. Mas também, a chance de
se fazer justiça no caso concreto é muito maior que antes (quando o juiz
estava atrelado ao velho silogismo formalista da premissa maior, premissa
menor e conclusão). O fiat justitia et pereat mundus (faça-se justiça,
embora pereça o mundo) já não tem sentido nos dias atuais. O juiz já não
pode se contentar só com a aplicação formal da lei, ainda que o mundo
pereça. A ele cabe fazer justiça em cada caso concreto, isto é, fazendo uso
da razoabilidade, cabe sempre evitar que o mundo (do caso concreto) entre
em ruínas. O que vale hoje é o fiat justitia, ne pereat mundus (faça-se a
justiça, para que o mundo não pereça – Hegel).
Condutas cumulativas: essa constitui uma situação em que não parece
aplicável o princípio da insignificância. O sujeito furta diariamente R$ 1,00
1
Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejando. Derecho penal: parte general. Buenos Aires:
Ediar, 2001. p. 472.
do caixa. Depois de alguns anos aufere uma quantia significativa. Deve-se
reconhecer, nesse caso, o crime continuado (afastando-se a aplicação do
princípio da insignificância). O fato, globalmente considerado, não é
insignificante. Uma coisa é subtrair R$ 1,00 uma vez. Outra bem distinta é
fazer isso durante dois anos (por exemplo). A reprovabilidade dessa
conduta está mais do que evidente (de modo a não justificar a incidência do
princípio da insignificância). De outro lado, quando a conduta repetida é
reiterada muitas vezes, o fato deixa de ser insignificante em razão do
quantum da ofensa ao bem jurídico. A lesão deixa de ser de ninharia para
se tornar muito relevante.
Toda tentativa de furto seria uma infração bagatelar? Não
necessariamente. O que cabe considerar, para a aplicação do princípio da
insignificância, não é o dano físico (o resultado naturalístico), sim, a lesão
jurídica ou o perigo de lesão ao bem jurídico protegido. Quem furta uma
melancia, causa um dano ínfimo e a lesão ao bem jurídico (correspondente)
também é insignificante. Quem tenta furtar um cofre onde se guarda um
milhão de reais, não causa nenhum dano físico (o cofre e o dinheiro
permaneceram íntegros), mas o perigo para o bem jurídico não pode ser
considerado de pouca monta. O risco que correu o bem jurídico é deveras
relevante. Logo, não há espaço para aplicação do princípio da
insignificância.
Caso concreto. “Furto. Tentativa. Subtração de R$ 10,00 e de exemplar
do Novo Testamento. Adoção do princípio da insignificância.
Inadmissibilidade. É inadmissível a adoção do princípio da insignificância
na hipótese de tentativa de subtração de R$ 10,00 e de um exemplar do
Novo Testamento, uma vez que são bens que têm valor econômico e são
juridicamente relevantes, ademais, furtos de bens de valor inferior a um
salário mínimo podem, em princípio, ser tidos como privilegiados”
(TACrimSP, 4.ª Câm., Ap. 1.273.445/7/SP, rel. Devienne Ferraz, j.
09.10.2001, v.u. (Voto n. 5.542)).
Comentários. O primeiro questionamento possível (em relação a esse
julgado) diz respeito à confusão que alguns ainda fazem entre furto
privilegiado (coisa de pequeno valor) e infração bagatelar própria. Abaixo
do que se pode considerar furto privilegiado (que é um conceito aberto,
valorativo) está a infração bagatelar própria. O furto de R$ 10,00 e um
Novo Testamento pode configurar coisa de pequeno valor (há crime) ou
mesmo infração bagatelar própria (não há crime), tudo dependendo de cada
caso concreto, de cada vítima concreta. Em geral, não há dúvida que se
trata de situação muito mais próxima da infração bagatelar própria que do
furto privilegiado.
Na eventualidade de que não se tratasse de vítima paupérrima, de
miserabilidade incontestável, seria o caso de se aplicar o princípio da
insignificância (em razão da inexistência do desvalor do resultado). De
qualquer modo, entendendo o juiz que se achavam presentes o desvalor da
ação e do resultado, poderia ter se valido do princípio da irrelevância penal
do fato (e afastado a punição concreta). Ainda que fosse típico o fato, não
se tratava seguramente de um fato “necessitado” de pena (era o caso de
dispensa da pena, fundada no art. 59 do CP). Instaurou-se um processo
contra o agente (pelo que se depreende da ementa do acórdão). Aliás, é de
se supor que o processo tenha demorado muitos meses (porque chegou
inclusive ao antigo e já extinto TACrim). Cuidou-se, ademais, de fato
tentado. Isso significa que houve restituição dos objetos materiais do furto.
Achavam-se presentes no mínimo os requisitos do princípio da irrelevância
penal do fato.
Resumindo: todas as vezes que nos depararmos com uma infração
bagatelar em sentido próprio, o certo é pedir o arquivamento das
investigações (fundamentando o pedido no princípio da insignificância, que
é caso de atipicidade). E se houver denúncia? Cabe ao juiz absolver
sumariamente o acusado (CPP, art. 397, III: se o fato narrado
evidentemente não constitui crime). E se o juiz não absolveu sumariamente
o réu? Cabe HC para o trancamento da ação penal (que no caso de infração
bagatelar própria é juridicamente impossível). Quando contamos com uma
infração bagatelar em sentido impróprio, cabe ao juiz na sentença final
(com fulcro no art. 59 do CP) reconhecer a desnecessidade da pena,
deixando de aplicá-la (essa sentença, como se vê, equivale ao perdão
judicial).
2. Infração bagatelar imprópria: é a que nasce relevante para o Direito
penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado),
mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto
apresenta-se totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena
conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato).
A doutrina e a jurisprudência brasileiras já conhecem e aplicam o
princípio da insignificância, que está coligado com a infração bagatelar
própria. Mas até agora pouquíssima aplicação houve do princípio da
irrelevância penal do fato, que se coliga com a infração bagatelar
imprópria. Impõe-se dominar todos esses conceitos que acabam de ser
expostos para que a aplicação do Direito penal não seja equivocada. Numa
histórica Apelação Criminal (2003.70.03.009921-6-PR) a 8ª Turma do TRF
4ª Região, em acórdão relatado pelo Des. Élcio Pinheiro, admitiu (pela
primeira vez no Brasil, até onde sabemos) o princípio da irrelevância penal
do fato num caso de descaminho (adotando o limite de R$ 2.500,00 para a
incidência de tal princípio). Um outro caso que deve ser lembrado foi o
relatado pelo Des. Romero Osme Dias Lopes (TJ-MS), onde o princípio da
irrelevância penal do fato foi reconhecido num caso de roubo.
Acompanharam o relator os desembargadores Claudionar Miguel Abss
Duarte e João Batista da Costa Marques.
Sintetizando: o princípio da insignificância está para a infração bagatelar
própria assim como o da irrelevância penal do fato (e da desnecessidade da
pena) está para a infração bagatelar imprópria. Cada princípio tem seu
específico âmbito de incidência. O da irrelevância penal do fato está
estreitamente coligado com o princípio da desnecessidade da pena. Esse
fenômeno é o que explica, por exemplo, o perdão judicial. Logo, não há
dúvida que o princípio da irrelevância penal do fato, quando aplicado, tem
muita semelhança ao perdão judicial.
O fundamento da desnecessidade da pena (leia-se: da sua dispensa)
reside em múltiplos fatores: ínfimo desvalor da culpabilidade, ausência de
antecedentes criminais, reparação dos danos, reconhecimento da culpa,
colaboração com a justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato de
ter sido preso ou ter ficado preso por um período etc. Tudo deve ser
analisado pelo juiz em cada caso concreto. Lógico que todos esses fatores
não precisam concorrer conjugadamente. Cada caso é um caso.
Fundamental é o juiz analisar detidamente as circunstâncias do fato
concreto (concomitantes e posteriores) assim como seu autor.
O princípio da irrelevância penal do fato tem como pressuposto a não
existência de uma infração bagatelar própria (porque nesse caso teria
incidência o princípio da insignificância). Mas se o caso era de
insignificância própria e o juiz não a reconheceu, nada impede que incida
“a posteriori” o princípio da irrelevância penal do fato. Há, na infração
bagatelar imprópria, um relevante desvalor da ação assim como do
resultado. O fato praticado é, por isso, em princípio, penalmente punível.
Instaura-se processo contra o agente. Mas tendo em vista todas as
circunstâncias do fato (concomitantes e posteriores ao delito) assim como o
seu autor, pode ser que a pena se torne desnecessária.
Em outras palavras: as circunstâncias do fato assim como as condições
pessoais do agente podem induzir ao reconhecimento de uma infração
bagatelar imprópria cometida por um autor merecedor do reconhecimento
da desnecessidade da pena. Reunidos vários requisitos favoráveis, não há
como deixar de aplicar o princípio da irrelevância penal do fato
(dispensando-se a pena, tal como se faz no perdão judicial). O fundamento
jurídico para isso reside no art. 59 do CP (visto que o juiz, no momento da
aplicação da pena, deve aferir sua suficiência e, antes de tudo, sua
necessidade).
Do exposto infere-se: infração bagatelar própria = princípio da
insignificância; infração bagatelar imprópria = princípio da irrelevância
penal do fato. Não há como se confundir a infração bagatelar própria (que
constitui fato atípico – falta tipicidade material) com a infração bagatelar
imprópria (que nasce relevante para o Direito penal). A primeira é
puramente objetiva. Para a segunda, importam os dados do fato assim como
uma certa subjetivização, porque também são relevantes para ela o autor,
seus antecedentes, sua personalidade etc.
No direito legislado já contamos com vários exemplos de infração
bagatelar imprópria: no crime de peculato culposo, v.g., a reparação dos
danos antes da sentença irrecorrível extingue a punibilidade. Isto é, a
infração torna-se bagatelar (em sentido impróprio) e a pena desnecessária.
No princípio havia desvalor da ação e do resultado. Mas depois, em razão
da reparação dos danos (circunstância post-factum), torna-se desnecessária
a pena. Essa mesma lógica é válida para as situações de perdão judicial,
para o pagamento do tributo nos crimes tributários etc. São situações em
que a pena se torna desnecessária. Do mesmo modo, também explica os
casos dos colaboradores da justiça (delator etc.) quando o juiz deixa de
aplicar a pena (isso é possível, por exemplo, no caso da lavagem de
capitais).
Princípio da irrelevância penal do fato e perdão judicial: quando o juiz
reconhece o princípio da irrelevância penal do fato não está concedendo
perdão judicial extra-legal. Não é o caso. Referido princípio não é extralegal, ao contrário, tem amparo legal expresso (no art. 59 do CP). O juiz
reconhece a dispensa da pena (ou seja: sua desnecessidade) no caso
concreto e isso é feito com base no art. 59 do CP (que diz que o juiz só
aplica a pena quando for necessária para reprovação e prevenção do delito).
Se em relação ao princípio da insignificância ainda há doutrinador (ou
julgador) que hesita em admiti-lo por falta de base legal explícita (o que é
incorreto, porque o ordenamento jurídico é integrado de regras e
princípios), quanto ao princípio da irrelevância penal do fato essa carência
de amparo legal não existe. A sua base legal está no art. 59 do CP.
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Conceito de infração bagatelar: infração bagatelar ou delito de