EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO E NA ATUAÇÃO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA Profª. Drª. Célia Maria Carolino Pires Coordenadora, pesquisadora e professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Resumo: Nesta conferência de abertura do “X Encontro Paranaense de Educação Matemática” apresentamos algumas reflexões sobre “Educação Matemática na formação e na atuação de professores que ensinam Matemática”, baseadas em investigações que vimos realizando no grupo de pesquisa “Desenvolvimento Curricular e formação de professores de Matemática”. Procuraremos evidenciar um dos grandes desafios para a Educação Matemática nos próximos anos, qual seja o de interferir na formação de professores que ensinam matemática e deixar patente o fundamental papel do professor na aprendizagem de seus alunos, obviedade que está sendo aparentemente esquecida. Palavras- chave: Educação Matemática- Formação de professores. Introdução Não há dúvida que as pesquisas na área de Educação Matemática tiveram grande avanço ao longo das últimas décadas. Nos eventos e nas publicações internacionais e nacionais surgem a cada dia novos pesquisadores e as linhas de pesquisa vão se multiplicando. Das primeiras investigações sobre os processos de aprendizagem matemática, centradas especialmente nas relações entre aluno-professor-conhecimento matemático, as equipes de pesquisa se dedicam hoje a questões mais amplas como pode ser observado, por exemplo, na organização de grupos do 11º. Congresso Internacional de Educação Matemática (ICME 11) que elegeu como temas: Desafios da pesquisa em Educação Matemática em relação ao desenvolvimento dos países; Desafios sociais para a Educação Matemática em diferentes países; Educação Matemática em contextos multiculturais e multilinguísticos. Outra temática que vem ganhando destaque é a da formação de professores que ensinam Matemática, apoiada inicialmente nas pesquisas 1098 produzidas no campo da Educação e que, aos poucos, ganha a especificidade de analisar o “ser professor de Matemática”. Em que pese o avanço das pesquisas nessas diferentes vertentes, uma questão intrigante refere-se ao fato de que os conhecimentos produzidos não chegam ao professor que atua, ou vai atuar, nas salas de aula, nos diferentes níveis da escolaridade, da educação infantil ao ensino superior. Como pesquisadora do tema “Desenvolvimento Curricular em Matemática e Formação de Professores”, embora defenda a existência de currículos prescritos em âmbito nacional, com as definições mais específicas em outros níveis (estadual, municipal), que tenham como finalidade provocar o debate nacional entre professores sobre a necessidade de garantir o acesso a todas as crianças aos conhecimentos básicos de uma área de conhecimento, identificando quais são eles e que expectativas de aprendizagem dos alunos podem orientar o trabalho em sala de aula, aponto como uma das questões centrais da educação brasileira no momento atual recuperar a figura do professor, seu papel essencial na aprendizagem das crianças e jovens de nosso país. Assim, na prática, observamos que apesar de os documentos curriculares trazerem propostas geralmente amplas e abertas, vislumbrando um espaço de decisões para a escola e seus professores, nos últimos anos alguns projetos de secretarias de educação se concretizam em materiais apostilados em que resta ao professor a função de “mero aplicador de tarefas”, provocando questionamentos referentes ao seu papel no processo de realização do currículo. O trabalho de mestrado de Beranger, concluído em 2007, por exemplo, buscou entender o fenômeno do mal-estar docente descrito por Esteve (apud Sacristán, 1995) e suas implicações como o desânimo no exercício da profissão e o desprestígio social que tem como consequência a baixa procura, pelas novas gerações, de cursos de formação de professores de Matemática. O pesquisador analisou como um grupo de professores de Matemática de escolas públicas de São Paulo se percebia na sociedade atual e em suas comunidades de atuação, como interagiam com orientações curriculares oficiais, como analisavam resultados das avaliações e como se posicionavam em relação a políticas públicas em desenvolvimento. Os resultados do estudo apontam na mesma direção das denúncias feitas pelo autor português Esteve no sentido de que a sociedade parece que deixou de acreditar na 1099 educação como promessa de um futuro melhor e que os professores enfrentam a sua profissão com uma atitude de desilusão e de renúncia, o que foi se desenvolvendo em paralelo com a degradação da sua imagem social. Esteve considera que o mal-estar generalizado entre os professores precisa ser enfrentado com a finalidade de ajudá-los a eliminar os desajustes introduzidos ao longo dos últimos anos. Para tanto, deveriam ser realizados estudos das influências resultantes de mudanças sociais sobre a função docente, estudos estes que deveriam subsidiar o delineamento de políticas de intervenção coerentes e que melhorassem as condições em que os professores desempenham a sua atividade e melhorassem sua formação, incluindo a valorização de seu papel na sociedade. Algumas observações decorrentes do desenvolvimento de projeto de pesquisa sobre formação de professores No Programa de Estudos Pós Graduados em Educação Matemática da PUC/SP coordenei um projeto de pesquisa denominado “Formação de Professores de Matemática”, no período de 2000 a 2007. O primeiro trabalho concluído pelo grupo que investigava a formação de professores foi dissertação de mestrado de Curi (2000) sobre o tema “Formação de professores de Matemática: realidade presente e perspectivas futuras” que permitiu delinear o perfil de um número significativo de professores de Matemática, suas concepções sobre Matemática e seu ensino e suas competências profissionais, evidenciando a necessidade de implementar mudanças na formação inicial e continuada, tanto no campo específico como no campo educacional. Posteriormente, em 2004, a mesma pesquisadora defendeu seu doutorado investigando a formação de professores polivalentes e os conhecimentos para ensinar Matemática, além de crenças e atitudes que interferem na constituição desses conhecimentos. Analisou cursos de formação de professores polivalentes no Brasil, ao longo de sua história, no que se refere à preparação para ensinar Matemática e de que modo, nas propostas mais recentes desses cursos, estão sendo contemplados os conhecimentos dos conteúdos dessa disciplina, os conhecimentos didáticos sobre eles e os conhecimentos sobre o currículo dessa disciplina A partir da análise de um curso de formação de professores polivalentes e de uma pesquisa de campo com doze alunas- 1100 professoras, que participaram desse curso, identificou impactos dessa formação e analisar suas crenças e atitudes relativas à Matemática e seu ensino. Apontou as implicações do fenômeno descrito por Shulman como “paradigma perdido” e ofereceu subsídios para que a construção de projetos curriculares de formação de professores polivalentes contemple, de forma articulada, as diferentes vertentes no conhecimento do professor, referentes ao conhecimento da Matemática, para ensiná-la. Outros trabalhos foram desenvolvidos pelo grupo encontram-se indicados no Anexo 1, com resultados que contribuem para identificar mudanças implementadas na formação em decorrência das demandas atuais do sistema educacional brasileiro e verificar em que medida a construção das diferentes competências profissionais de um professor de matemática são estimuladas ao longo desses processos de formação. Permitiram evidenciar as características do conhecimento do professor que ensina matemática e estimular a reflexão sobre os conhecimentos do professor, considerados essenciais e, também, sobre a influência de crenças e de concepções do professor. Mas também revelaram que as investigações da área de Educação Matemática ainda são pouco utilizadas na formação inicial e continuada de professores Algumas observações decorrentes do desenvolvimento de projeto de pesquisa em desenvolvimento Em 2007 iniciamos um projeto de pesquisa denominado “Construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem e implementação de inovações curriculares em Matemática no Ensino Médio”, que tem como motivação principal, analisar a participação de professores, incluindo os professores pesquisadores, na tarefa de construir, analisar e avaliar situações de aprendizagem em relação a diferentes expectativas de aprendizagem do ensino médio, a partir da construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem (THA). Essa denominação, proposta por Simon (1995), refere-se a de objetivos para a aprendizagem dos estudantes, de tarefas matemáticas que serão usadas para promover a aprendizagem dos estudantes e do levantamento de hipóteses sobre o processo de aprendizagem dos estudantes. O objetivo geral é o de contribuir para compreender o papel do professor no planejamento e no desenvolvimento de atividades que visam as aprendizagens dos 1101 alunos do Ensino Médio em tarefas que envolvem resolução de problemas, investigação, uso de tecnologias, abordagens contextualizadas e interdisciplinares. As questões de pesquisa que orientam o trabalho do grupo são: (1) Que atuação pode ter um professor de Matemática no que se refere às atividades de planejamento do ensino, de forma compatível com uma perspectiva construtivista de aprendizagem? (2) Como compatibilizar perspectivas construtivistas de aprendizagem com o planejamento do ensino? (3) Como as pesquisas na área de Educação Matemática, que trazem resultados importantes sobre a aprendizagem, podem contribuir para a organização de um ensino que potencialize boas situações de aprendizagem dos alunos? Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, tendo em vista que o desenvolvimento das THA na sala de aula, as entrevistas e discussões com os professores acontecem em seu local de trabalho e o ambiente escolar é a fonte direta de dados. Os dados coletados são predominantemente descritivos e organizados a partir dos relatórios elaborados para todas as aulas desenvolvidas e acompanhadas. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto, uma vez que o interesse principal da investigação não é o de mostrar que a THA elaborada funciona, mas sim de verificar qual a atuação do professor e sua interação com os alunos, tendo como base uma THA elaborada por um professor que é o pesquisador, mas que é debatida com ele. Há uma grande preocupação em capturar a perspectiva dos professores, ou seja, compreender sua prática e os conhecimentos profissionais que têm a respeito do tema ensinado e a análise dos dados segue um processo indutivo, pois não se procura buscar evidências que comprovem hipóteses definidas no início dos estudos, mas o compromisso é o de capturar evidencias que vão emergindo. O objetivo das teses de doutorado desenvolvidas no grupo1 é o de elaborar fundamentos teóricos sobre diferentes aspectos dos currículos de matemática tais como: contextualização, interdisciplinaridade, eleição de critérios de avaliação de currículos, 1 Doutorandos e seus temas: Márcio Antonio da Silva – Currículos de Matemática no Ensino Médio: estabelecendo critérios para escolha e organização de conteúdos; Arlete Aparecida Oliveira de Almeida - Da polarização entre aplicações e especulações teóricas nos currículos de matemática do Ensino Médio, às possibilidades de articulação. Harryson Junio Lessa Gonçalves – A Interdisciplinaridade no Currículo de Matemática de Ensino Médio; Márcia Maioli – Contextualização no Currículo de Matemática de Ensino Médio; Denise Franco Capello Ribeiro – Trajetoria histórica dos livros didáticos de geometria editados para os primeiros cursos do ensino médio brasileiro; Maryneusa Cordeiro Otone Silva – Currículos de Matemática do Ensino Médio no período de 1930 a 1960. 1102 polarização entre aplicações práticas e especulações teóricas, caracterização histórica dos currículos de Matemática. Já as dissertações de mestrado visam a construir, discutir e avaliar para diferentes expectativas de aprendizagem do ensino médio, trajetórias hipotéticas de aprendizagem (THA), que consistem de objetivos para a aprendizagem dos estudantes, de tarefas matemáticas que serão usadas para promover a aprendizagem dos estudantes e do levantamento de hipóteses sobre o processo de aprendizagem dos estudantes, segundo Simon (1995). Na primeira etapa da pesquisa, cada mestrando escolheu um tema2, dentre os abordados no ensino médio, e selecionou objetivos de aprendizagem para esse tema. Escolhido o assunto, os mestrandos fazem um levantamento das pesquisas disponíveis sobre esse tema, em particular as que se inserem no campo da didática da matemática. Também são debatidos estudos mais amplos como os que se referem às metodologias, de resolução de problemas e investigação, ao uso de tecnologias, às abordagens interdisciplinares, às aplicações em situações do cotidiano e em outras áreas de conhecimento, que são algumas das tendências sugeridas nos documentos curriculares oficiais do Ensino Médio. Com base em seus conhecimentos de professores, ampliados pelos estudos sobre o assunto, os mestrandos elaboram uma primeira versão de sua THA que é discutida pelo ao grupo de pesquisa. Na segunda etapa, o mestrando passa a trabalhar com um grupo de professores do Ensino Médio, que atuam em escolas publicas estaduais, que vão analisar a primeira versão da THA, propor alterações que julgam importantes e necessárias e finalmente, desenvolver as atividades com seus alunos. Para essa etapa, o mestrando elabora instrumentos para coletar dados sobre o perfil desses professores e de seus alunos e instrumentos para observação e coleta de dados durante a realização das propostas em sala de aula. O desenvolvimento da 2 Mestrandos e seus temas: Alexandra Garrote Angiolin – Funções exponenciais; Américo Augusto Barbosa – Funções trigonométricas; Ana Freitas Malengo – Isometrias e Geometria Plana; Antonio Celso Tonnetti – Estatística; Maria de Fátima Aleixo de Luna – Geometria Plana; José Manoel Vitolo – Variação de Grandezas e funções, funções polinomiais do 1º grau e funções constantes; Márcia Aparecida Nunes Mesquita – Funções polinomiais do segundo grau; Patrick Oliveira de Lima – Funções logarítmicas; Vivaldo de Souza Bartolomeu – Dos números naturais aos números reais; Denílson Gonçalves Pereira – Geometria Analítica; Rubens de Souza Cabral Junior – Combinatória e probabilidade; Alan de Carlo Antonio Silva – Sistemas de inequações. 1103 segunda versão da THA em sala de aula são acompanhadas pelo mestrando que, nas reuniões semanais do grupo de pesquisa, vai relatando ao grupo, o andamento de seu trabalho, as dificuldades que vão se apresentando, as soluções encontradas. Nessa etapa da pesquisa também são coletados dados referentes à aprendizagem dos alunos, com base em avaliações elaboradas pelo mestrando e o professor da turma. Na etapa final, o mestrando vai produzir a terceira versão de sua THA, com base em suas observações do que aconteceu em sala de aula, das discussões com os professores do ensino médio que desenvolveram as atividades e dos debates feitos no grupo de pesquisa em seminários organizados com essa finalidade. A partir de então, o mestrando finaliza a escrita de sua dissertação, produzindo sua análise e suas conclusões e considerações. A proposta de trabalhar com conceito de THA muitas vezes produz um entendimento de que se trata da mesma perspectiva dos trabalhos que se apoiam na engenharia didática que, como sabemos, é uma metodologia de pesquisa, que se caracteriza por um esquema experimental baseado em realizações didáticas em classe, sobre a concepção, a realização, a observação e a análise de sequências de ensino sequências didáticas, no sentido de Chevallard (1982). Artigue (1989) apresenta a Engenharia Didática comparando-a com o trabalho do engenheiro que realiza um projeto, apoiando-se sobre o conhecimento científico de seu domínio. As pesquisas na área da Didática da Matemática que se referenciam na engenharia didática trazem contribuições importantes sobre diferentes aspectos da aprendizagem na medida em que se caracterizam pela análise minuciosa da situação proposta, das condições da organização, da escolha de estratégias, da determinação de critérios de avaliação, da elaboração de questões que estejam de acordo com os critérios determinados e uma revisão de todo processo em função desta avaliação. Pela complexidade da análise que se propõem realizar, de modo geral, essas pesquisas focalizam questões bastante pontuais relativas a um aspecto particular envolvido na aprendizagem de um conteúdo bem específico, já assumido como relevante para a formação do estudante. No trabalho com THAs, nosso foco de investigação está no processo de desenvolvimento curricular em Matemática que ocorre no âmbito de salas de aula do ensino médio. Nosso propósito não está em investigar sequências didáticas para o ensino e aprendizagem de um dado conteúdo, de tal forma que as THAs construídas 1104 pelos pesquisadores e propostas para análise dos professores não têm a pretensão de se constituírem como “modelos didáticos”, mas constituem uma dentre muitas possibilidades de trabalho em sala de aula para atender aos objetivos de aprendizagem escolhidos. Esse processo é analisado em diferentes etapas: uma delas é aquela em que o professor, baseado em seus conhecimentos (matemáticos, didáticos e sobre o currículo) organiza uma trajetória, a partir de objetivos de aprendizagem para seus alunos, escolhendo tarefas que julga pertinentes para que esses objetivos sejam alcançados. Para organizar essa trajetória baseia-se em hipóteses que formula sobre como os alunos podem aprender tais conteúdos, quais são seus conhecimentos prévios e, de forma ideal, em resultados de pesquisa do campo da Didática da Matemática (como por exemplo as que se apoiam na Engenharia Didática). Numa segunda etapa, o professor vai desenvolver essa trajetória planejada junto a seus alunos e, na maior parte das vezes, precisará fazer ajustes, seja em relação aos próprios objetivos, seja em relação às atividades planejadas, o que evidencia o caráter predominantemente hipotético de uma trajetória, por mais que tenha sido detalhadamente planejada. Segue-se a etapa da reflexão sobre a aprendizagem dos alunos em que o professor avalia também o que foi planejado e realizado e modifica/acrescenta/amplia seus conhecimentos de professor (matemáticos, didáticos e sobre o currículo) que o subsidiarão na construção de novas trajetórias hipotéticas de aprendizagem. Na figura 1, que mostra o Ciclo de Ensino de matemática abreviado, apresentado por de Simon, podemos identificar os elementos que nos levaram a organizar a pesquisa na forma descrita. 1105 Figura 1: Ciclo de Ensino de Matemática abreviado (Simon, 1995) . No desenvolvimento desse projeto, estamos reunindo dados sobre o desenvolvimento do currículo na sala de aula que permitem analisar questões ligadas à relação do professor de Matemática com as prescrições curriculares envolvendo reflexão e decisão sobre objetivos de aprendizagem, escolha de conteúdos, abordagens metodológicas e às formas de atuação do professor em sala de aula, sua interação com os alunos e seu papel de mediação entre eles e os saberes matemáticos a serem ensinados e aprendidos. Conclusões preliminares Como coordenadora do grupo, no acompanhamento das diversas investigações, observamos uma grande preocupação dos mestrandos em propor trajetórias hipotéticas de aprendizagem compatíveis com perspectivas construtivistas de aprendizagem. No processo de elaboração eles destacam que, mesmo com os estudos que estão realizando no mestrado, não é tarefa simples organizar atividades considerando o pensamento do aluno e visando uma perspectiva construtivista e que em sua prática de professores essa tarefa praticamente nunca tinha sido vivenciada na medida em que trabalhavam com propostas de livros didáticos ou outros materiais, sem uma análise de quais éramos objetivos pretendidos e, menos ainda, do que estava sendo levado em conta a respeito das hipóteses de aprendizagem com os alunos. 1106 Na sequência, transcrevemos alguns depoimentos de mestrandos apresentados nas reuniões do grupo de pesquisa ou em suas dissertações: Não foi nada fácil elaborar a THA, nós professores de Matemática não estamos acostumados a elaborar trajetórias de aprendizagem que consistem da relação entre os objetivos de aprendizagem, as atividades de aprendizagem e a consideração do pensamento que os alunos podem trazer em sua participação nessas atividades. (MM) A princípio tivemos muitas dificuldades como: por onde e como começar a THA? Como propor atividades que envolvessem uma abordagem contextualizada e interdisciplinar? Como propor uma THA com uma perspectiva construtivista de ensino-aprendizagem? Nesse processo adquirimos algumas aprendizagens que com certeza contribuíram para mudarmos nossa postura em sala e principalmente na elaboração de nossas aulas, pois passamos a ter a necessidade de construir trajetórias de aprendizagem levando em consideração os resultados de pesquisa e diferentes fontes de consulta.(AG) Na maior parte das vezes usamos atividades de livros ou outros materiais, sem refletir adequadamente sobre quais seus objetivos, que pressupostos metodológicos estão orientando cada atividade, que conexões deveriam ser feitas com conhecimentos que os estudantes já têm ou o que seria necessário trabalhar antes para que eles pudessem compreender o que estamos querendo comunicar. Com isso, a perspectiva de construção de trajetória, que em termos de desenvolvimento curricular é uma tarefa importante e inerente ao trabalho do professor, é bastante complexa.(AG) Percebemos que algumas atividades da THA inicial não proporcionavam a efetiva compreensão de alguns conceitos. Acreditamos que a cada aplicação de uma nova trajetória de hipotética de aprendizagem o professor precisa realizar modificações nas atividades, pois sempre novas interações surgem acarretando novas hipóteses sobre o aprendizado dos estudantes e, consequentemente, em novos objetivos e novas atividades. (MM) Para superar nossas próprias dificuldades, o que realmente nos ajudou a elaborar uma THA que atendesse minimamente uma perspectiva construtivista de ensino-aprendizagem, foram os estudos que fizemos no mestrado e no grupo de pesquisa sobre pesquisas existentes sobre o assunto, mostrando obstáculos didáticos e epistemológicos e processos de construção de alguns conceitos e procedimentos matemáticos. Mas esses resultados não estão ao alcance dos professores e, nas conversas com eles, observamos que a “Educação Matemática” é uma grande desconhecida.(AG) 1107 Outra fala recorrente é a de que não foi simples “comunicar” intenções aos colegas professores do Ensino Médio, sobre o que pretendiam com a THA, mesmo realizando reuniões com eles. Cada professor tem suas concepções sobre as melhores formas de ensinar. A mesma THA desenvolvida por dois professores tem resultados muito diferentes. Percebemos que na turma em que o professor constantemente proporcionou um espaço maior de comunicação em sala de aula criou-se um ambiente em que os estudantes puderam interagir com o professor e com as atividades, mostrando assim, o caráter reflexivo do professor em relação á aprendizagem do aluno. No entanto, na turma do outro professor, a maneira como desenvolveu a THA provocou, em alguns momentos, o desinteresse dos estudantes em resolver as atividades, pois sentiamse inseguros e até mesmo desmotivados em realizá-las sem auxílio do professor.(AG) As atividades envolvendo a resolução de problemas, investigação, contextos interdisciplinares, o uso de softwares e aplicação de conceitos e procedimentos matemáticos a situações do cotidiano e em outras áreas de conhecimento podem favorecer a compreensão dos temas de estudo, mas ainda há muita dificuldade dos professores em trabalhar dessa forma em sala de aula, pois ainda predomina a idéia de que os estudantes só podem aprender mediante exposições e explicações dos professores.(PL) Nas escolas em que trabalhamos estão sendo usadas as atividades que a Secretaria de Educação envia, a chamada nova proposta, em que cada professor recebe um caderno contendo as atividades do conteúdo que deverá ser trabalhado e, com isso, o professor fica responsável de cumprir o que está sendo proposto sem grandes reflexões e tornando difícil o uso de outros recursos para aprendizagem . (MM) Mas, certamente, acompanhar as THA que haviam concebido sendo trabalhadas por outros professores, trouxe aos mestrandos experiências bastante significativas sobre a prática docente, como verificamos em alguns depoimentos. Ao acompanharmos o desenvolvimento da THA, sentimos muitas vezes vontade de interferirmos nas aulas dos professores, pois assumimos o papel de professor pesquisador e conhecíamos os objetivos de cada atividade e os fundamentos didáticos que as sustentavam e tínhamos como intuito apoiar o trabalho do professor. Gómez e Lupiáñez (2007) destacam que, em seus trabalhos, Simon e Tzur (2004, p.93), mostram um desafio: como fazer compatível o propósito de que seja o professor quem construa a revisão da THA com o fato que a totalidade dos exemplos que se tem de THA foram 1108 desenvolvidos por investigadores que assumiram o papel de professor?(MR) Os professores que trabalharam conosco foram muito envolvidos, mas no desenvolvimento das atividades, de modo geral, evidenciaram conhecimentos e prática bastante tradicionais, seja mostrando fórmulas prontas, seja não se dispondo a usar softwares propostos nas atividades, seja dirigindo as tarefas sem dar aos alunos possibilidades de reflexão ou discussão.(AL) Embora isso já tenha sido dito inúmeras vezes, ainda é preciso falar que, de modo geral, a formação insuficiente e inadequada dos professores e as condições de trabalho a que estão submetidos são entraves para qualquer tipo de avanço e em particular, para a preparação e elaboração de trajetórias de aprendizagem. (PL) Não foi tudo negativo, eles fizeram algumas mudanças em sua prática de ensino. Alguns se interessaram em trabalhar com o uso de softwares, outros quiseram saber mais sobre a aplicabilidade de conceitos matemáticos em diferentes áreas de conhecimentos; acho que ficou evidente a importância em elaborar atividades partindo de hipóteses de aprendizagem dos alunos e de ter objetivos para construir um caminho de aprendizagem para os estudantes mais acessível e com uma compreensão significativa das idéias matemáticas. (MM) Não conseguimos fazer compatível este propósito, pois os professores não se envolveram com a trajetória, não refletiram sobre suas práticas e sobre as modificações em seu conhecimento de professor, desse modo não realizaram alterações, modificações e nem construíram a revisão da THA e por muitas vezes os professores não conduziram a aula da maneira como tínhamos planejado em conjunto.(MM) Ao refletirmos sobre as interações que ocorreram entre o professor e os alunos nas aulas, repensamos alguns aspectos de nossa prática em função dessa vivência e concluímos que uma sequência de atividades, por mais interessante que possa ser, não garante a aprendizagem dos estudantes pois isso depende de como o professor atua em sala de aula.(PL) Considerações finais Com base nas investigações realizadas, avaliamos que o grande desafio para a Educação Matemática nos próximos anos, além de continuar suas importantes investigações em sua grande diversidade de linhas de pesquisa é, sem dúvida, interferir 1109 na formação de professores que ensinam Matemática e deixar patente o fundamental papel do professor na aprendizagem de seus alunos, obviedade que está sendo aparentemente esquecida. Em face dos trabalhos concluídos e dos que estão em andamento, temos procurado estabelecer relações entre o Ciclo de Ensino de Matemática e os domínios de conhecimento do professor, com base no esquema apresentado por Simon (1995) mostrado na Figura 2. Figura 2: Ciclo de Ensino de Matemática e domínios de conhecimento do professor (Simon, 1995) Nas análises realizadas fica bastante evidente que o “conhecimento de Matemática”, no caso desses professores é bastante fragmentado e aparentemente insuficiente para propor atividades que não aquelas já consolidadas em livros didáticos e outros materiais. As concepções dominantes constituem barreiras para perspectivas metodológicas como resolução de problemas, investigações e até mesmo para o uso de tecnologias. O conhecimento dos professores sobre como pode se processar a aprendizagem dos alunos em relação a um dado conteúdo é outro ponto crucial. É como se construir conhecimentos algébricos, geométricos, estatísticos, entre outros, seguisse um mesmo processo, sem qualquer tipo de especificidade. Da mesma forma, as 1110 hipóteses dos professores sobre os conhecimentos de seus alunos reais, elemento essencial para a se pensar trajetórias de aprendizagem, geralmente são por demais genéricas e pouco utilizadas por eles. Esses conhecimentos deveriam pautar os cursos de Licenciatura em Matemática que oferecem uma formação inicial ainda muito distante do que já sabemos sobre formação de professores. Referências bibliográficas Gómez, P. y Lupiáñez, J. L. (2007). Trayectorias hipotéticas de aprendizaje en la formación inicial de profesores de matemáticas de secundaria. PNA, 1(2), 79-98. Pires, C. M.C. Perspectivas construtivistas e organizações curriculares: um encontro com as formulações de Martin Simon. Educação Matemática Pesquisa, v. 11, p. 10-30, 2009. ______________Formulações basilares e reflexões sobre a inserção da matemática no currículo visando a superação do binômio máquina e produtividade. São Paulo. Educação Matemática Pesquisa. V.6, p. 29-61, 2004. Pires, C. M. C., Beranger, M. O fenômeno do mal-estar docente: o caso do “professor de matemática”. REVEMAT, V4.7, p. 78-89, UFSC, 2009. Sacristán, J. G. Consciência e Acção sobre a Prática como Libertação Profissional dos Professores. Profissão Professor. Organização de António Nóvoa. Colecção Ciências da Educação, Vol. 3, 2.ª Edição, pp. 63 - 92. Porto: Porto Editora. 1995. Simon, M. A. (1995). Reconstructing mathematics pedagogy from a constructivist perspective. Journal for Research in Mathematics Education, 26(2), 114-145. Simon, M. A. y Tzur, R. (2004). Explicating the role of mathematical tasks in conceptual learning: an elaboration of the hypothetical learning trajectory. Mathematical Thinking and Learning, 6(2), 91-104. Anexo 1: Teses e Dissertações concluídas no âmbito do Projeto “Formação de Professores de Matemática”. Teses de Doutorado 1111 1. Curi, E. (2004): “Formação de professores polivalentes: conhecimentos para ensinar Matemática, crenças e atitudes que interferem na constituição desses conhecimentos”. 2. Pietropaolo, R. (2005): “(Re)significar a demonstração nos currículos da Educação Básica e da formação de professores”. 3. Traldi Júnior, A (2006): “Formação de formadores de professores de matemática: identificação de possibilidades e limites da estratégia de organização de grupos colaborativos”. Dissertações de Mestrado 1. Curi, E. (2000): “Formação de professores de Matemática: realidade presente e perspectivas futuras”. 2. Mabuchi, S. T. (2000): “Transformações geométricas: a trajetória de um conteúdo ainda não incorporado às práticas escolares, nem à formação de professores”. 3. Cerqueira, D. S. (2003): “Implementação de inovações curriculares no Ensino Médio e formação continuada de professores: as lições de uma experiência” 4. Christino, E. S. (2003): “O Exame Nacional de Cursos de Matemática: polêmicas e indagações”. 5. Silva, M. A. (2004): “A atual legislação educacional brasileira para formação de professores: origens, influências e implicações nos cursos de licenciatura em Matemática”. 6. Santos, R. C. (2005): “Os saberes matemáticos enfatizados nos cursos de licenciatura”. 7. Ribeiro, R. M. (2005): “Formação de professores de Matemática: abordagem reflexiva sobre a prática, num contexto de formação continuada, focalizando funções polinomiais do primeiro grau”. 8. Rogeri, N. K. O (2005): “Um estudo das perguntas no discurso do professor de Matemática”. 9. Ramos Santos, C. (2005): “Formação continuada de professores e o ensino de Estatística e Probabilidade”. 10. Nobre, J. C. (2006): “Estudo sobre propostas de formação de professores para ensinar matemática às crianças das séries iniciais”. 11. Rodrigues, I. C. (2006) “Resolução de problemas em aulas de matemática para alunos de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental e a atuação dos professores”. 12. Oliveira, E.C. (2007). “Concepções, crenças e competências referentes à leitura, reveladas por professores(as) de matemática e o desenvolvimento de práticas de leitura em suas aulas. 13. Santos, L. (2008). “Mudanças na prática docente: um desafio da formação continuada de professores polivalentes para ensinar Matemática” 1112