Arq Bras Cardiol
2002; 79: 585-8.
Lima
Jr e cols
Artigo
Original
Estresse durante cursos de suporte avançado de vida
Estresse Durante Cursos de Suporte Avançado de Vida em
Cardiologia. É Importante no Aprendizado de Habilidades?
Emilton Lima Júnior, José Knopfholz, Carla M. Menini
Curitiba, PR
Objetivo - Determinar a influência do estresse no ensino de emergências médicas em um curso de Suporte Avançado de Vida em Cardiologia (SAVC), verificar essa influência no aprendizado e a eficiência do treinamento de cuidados de emergência.
Métodos - Dezessete médicos inscritos em um curso de
SAVC tiveram a pressão arterial e a freqüência do pulso verificados no 1º dia, antes do início do curso e no 2º dia, durante o teste teórico e prático (TTP). As variações na freqüência do pulso e na pressão arterial foram comparadas
com as notas dos exames obtidas pelos alunos, que haviam
respondido um questionário de variáveis (QV) a respeito da
quantidade de horas que dormiam nas noites dos dias de
curso, a quantidade de material de estudo e o tempo gasto
estudando para o curso, e um gráfico de escala do estresse.
Resultados - Sete alunos tiveram variação de pulso
menor do que 10% entre os dois períodos, e 10 tiveram variação de 10% ou mais. As notas do TTP foram, 91,4±2,4 e
87,3±5,2 (p<0,05) respectivamente. Seis alunos tiveram
variação da pressão arterial menor do que 20mmHg, e em
11 essa variação foi maior do que 21mmHg. As notas do
TTP foram 92,3±3,3 e 86,2±8,1, respectivamente (p<0,05).
Os dados do QV não influenciaram significativamente as
notas obtidas.
Conclusão - Estresse, como uma variável isolada, teve
uma influência negativa no processo de aprendizado e na
eficácia do treinamento de emergência nesta situação.
Recentemente, foram desenvolvidos cursos de cardiologia de urgência para um número maior de médicos socorristas ou não. Sabemos que o aprendizado de adultos é
diferente e que são necessárias técnicas pedagógicas diferentes. No ensino médico, apresentou-se um novo paradigma, aprendizado baseado em problemas (ABP). Trata-se
de uma técnica que estimula o aprendizado baseado em situações reais 1, e os cursos Suporte Avançado de Vida em
Cardiologia (SAVC) são um exemplo. Nos cursos de SAVC
da American Heart Association 2, em especial, observamos
que a metodologia do curso estimula os professores a aplicar uma certa carga de estresse durante o treinamento para
criar uma atmosfera real de serviço de urgência. Alguns professores do SAVC acreditam que o estresse em situações de
emergência deve ser controlado pelos médicos. Entretanto,
esta técnica foi criticada pelos alunos do SAVC, que dizem
que o estresse compromete o desempenho durante o curso.
O estresse é positivo e importante para a vida humana,
sendo responsável pela nossa capacidade de adaptação a
novas situações, boas ou ruins 3. As reações ao estresse
ativam mecanismos neuroendócrinos complexos, o estresse
pode afetar a memória 4, o aprendizado 5 e, também, às habilidades 6. Nos cursos de treinamento foi demonstrado que o
estresse pode afetar o aprendizado 7 em diferentes áreas 8,
com agentes estressantes diferentes 9,10. No ensino médico,
onde o estresse é parte do treinamento, pode passar desapercebido.
O objetivo deste estudo foi aumentar os conhecimentos sobre os efeitos do estresse induzido pelo professor, no
aprendizado dos alunos, durante cursos de treinamento em
SAVC.
Palavras-chave: estresse, SAVC, cardiologia, ensino
médico
Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR, Brasil
Endereço para correspondência: Emilton Lima Júnior - Rue Gilles Magnée, 1/25 - 4430
Ans - Liège - Belgium - E-mail: [email protected] - [email protected]
Recebido para publicação em 2/1/02
Aceito em 8/4/02
Métodos
Foram estudados 17 médicos inscritos em um curso de
SAVC. O livro de SAVC foi dado aos alunos, para que estudassem 4 semanas antes do início do curso, com uma carta
de orientação, reforçando a importância da leitura prévia de
seus principais pontos. O curso foi feito em um final de semana. Pressão arterial e freqüência cardíaca foram medidas
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pela primeira vez na manhã do 1º dia durante o café da manhã, antes de qualquer atividade pedagógica. Esse período
foi considerado o de menor nível de estresse. Os alunos receberam um questionário que devia ser completado e devolvido no final do 2º dia, com 5 perguntas: 1) quantas horas
você dormiu na noite anterior ao curso? 2) quantas horas
você dormiu na noite do curso? 3) quantas páginas você leu
do livro de SAVC? 4) quantas horas você trabalha por dia? 5)
com que antecedência do curso você começou a ler o livro
de SAVC? Com esses dados conseguimos identificar outros
fatores que poderiam influenciar a avaliação do SAVC.
Eles também receberam uma escala gráfica de estresse
para registrar o nível de estresse em cada uma das 9 situações: 1) algorítmo universal/apoio vital básico; 2) desfibrilador automático externo; 3) fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso; 4) taquicardia estável e instável; 5) bradicardia e assistolia; 6) atividade elétrica sem pulso; 7) infarto agudo do miocárdio, choque, edema agudo de
pulmão; 8) situações especiais e 9) “megacode”.
É muito difícil determinar o nível de estresse observado e tornar objetivas as informações subjetivas. Utilizamos
uma escala de qualidade de vida modificada que consistia
em uma linha de 10-cm (sem valores) e um ponto de partida
lateral mediano. Os alunos tiveram que traçar uma linha
deste ponto até o nível de estresse observado, para cada situação prática de SAVC (fig. 1). Com esse método foi possível determinar, com maior precisão, os valores de estresse
percebidos.
Durante a avaliação teórica do SAVC, no final do 2º dia,
os alunos foram submetidos a uma avaliação prática, e ao seu
final, e antes de voltarem à avaliação teórica, a pressão arterial
e a freqüência cardíaca foram medidas novamente e esse momento foi considerado o período de estresse máximo.
Comparamos valores de estresse percebidos, sinais físicos de estresse (pressão arterial e freqüência cardíaca),
nota na avaliação teórica de SAVC, e as respostas às 5 perguntas do questionário.
Separamos os alunos nos seguintes grupos: 1) freqüência cardíaca maior ou menor do que 10% (11); 2) varia-
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ção da pressão sistólica arterial maior ou menor do que
20mmHg (12); 3) período de sono maior ou menor do que
70% do habitual; 4) leitura do livro de SAVC maior ou menor
do que 30%; 5) tempo de leitura do livro de SAVC maior ou
menor do que 2 semanas; 6) escala de estresse observado
maior ou menor do que 50%.
Realizamos a análise estatística com o teste t pareado
com nível de significância de 5% e fizemos a regressão linear comparando a freqüência cardíaca e a pressão sistólica arterial, diferença entre o tempo máximo e mínimo de estresse,
e nota na avaliação teórica do SAVC.
Resultados
A idade média do grupo foi 42±12,6; 9 homens (52,9%)
e 8 mulheres (47,1%); 12 clínicos (70,6%) e 5 cirurgiões
(29,4%).
Dez alunos tiveram variação da freqüência cardíaca >
10% e uma nota média na avaliação teórica do SAVC de
87,3±5,2. Sete alunos tiveram variação da freqüência cardíaca abaixo de 10% e notas de avaliação de 91,4±2,4
(p<0,05) (fig. 2).
Onze alunos apresentaram variações na pressão sistólica arterial > 20mmHg e uma nota média na avaliação teórica do SAVC de 86,2±8,1. Seis alunos apresentaram variações na pressão sistólica arterial < 20mmHg e notas na avaliação teórica de 92,3±3,3 (p<0,05) (fig. 3).
Seis alunos dormiram < 70% de seu período normal de
sono e a nota média na avaliação teórica do SAVC foi
88,6±7,7, e 11 alunos que dormiram < 70% de seu período
normal de sono tiveram notas 87,8±8,7 (p=0,96).
Sete alunos leram > 30%, e suas notas médias na avaliação teórica do SAVC foram 87,5±9,6 e 10 alunos que leram <
30% tiveram notas 88,8±7 (p=0,99).
Oito alunos estudaram mais de 2 semanas. Suas notas
médias na avaliação teórica do SAVC foram 87,9±8. Nove
alunos estudaram < 2 semanas e tiveram notas médias de
88,4±8,3 (p=0,66).
Nas 9 "estações" de habilidades práticas de SAVC, 91
Graduação do teste SAVC
Fig. 1 – Escala do gráfico de estresse.
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Fig. 2 – Regressão linear – diferença na freqüência cardíaca: tempo máximo/mínimo de
estresse.
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Graduação do teste SAVC
Fig. 3 – Regressão linear – diferença na pressão sistólica: tempo máximo/mínimo de
estresse.
notas foram maiores que 50% para nível de estresse observado e 62 foram menores do que 50%. As notas médias na
avaliação teórica do SAVC foram 87,5±1,3 para o grupo acima de 50% e 90,1±2,3 para o grupo abaixo de 50% (p<0,05).
Discussão
O objetivo do estudo foi avaliar o impacto do estresse
no aprendizado durante o curso de SAVC. Estudamos variáveis fisiológicas (freqüência cardíaca e pressão sistólica
arterial), variáveis ambientais (tempo e quantidade de estudo), e variáveis comportamentais (período de sono e estresse observado), e essas variáveis foram comparadas com o
desempenho do aluno no curso de SAVC.
Em décadas recentes, muitos estudos foram feitos sobre os mecanismos patofisiológicos do estresse 13-15, nos
quais observamos que o sistema neuroendócrino desempenha um papel importante 16. Assim, como sabemos que a
ativação do sistema nervoso simpático é importante na resposta fisiológica aguda nas situações de estresse 17, o aumento da freqüência cardíaca 18 e da pressão arterial 19 também são partes importantes dessa reação homeostática.
Nas variáveis fisiológicas, achamos correlação significante entre a elevação da freqüência cardíaca e menor nota
na avaliação teórica do SAVC. Nas situações de estresse,
ocorreu um aumento na freqüência cardíaca basal 18. Podemos concluir que: nas nossas observações, o estresse influencia o desempenho dos alunos na avaliação teórica do
SAVC. Quando avaliamos pressão arterial sistólica, observamos uma correlação significante entre níveis mais elevados de pressão sistólica arterial e notas mais baixas na ava-
liação teórica do SAVC. Observando os mesmos mecanismos patofisiológicos 19 da freqüência cardíaca, pudemos
concluir também que o estresse pode desempenhar um papel no desempenho do aluno na avaliação teórica do SAVC.
Nas variáveis ambientais, curiosamente, não encontramos correlação significante entre o montante de estudo
(tempo e/ou quantidade) e o desempenho do aluno na avaliação teórica do SAVC. Essas variáveis não influenciaram
ou foram causa de viés no estudo. Provavelmente, porque
durante o curso de SAVC, nas aulas teóricas, os alunos receberam a informação teórica necessária, para apresentarem
melhor desempenho.
Nas variáveis comportamentais, não houve diferença
significativa entre o período de sono e o desempenho na
avaliação teórica do SAVC. Entretanto, achamos diferenças
significativas entre a escala de estresse observado e o desempenho dos alunos. Isso significa que o estresse observado pelos alunos, no curso de SAVC, foi um determinante
nos desempenhos.
A escala de estresse observado, apresentada neste
estudo, é uma boa ferramenta para pesquisar estresse observado, e pode ser melhor do que um questionário 20, porque essa escala transforma os dados qualitativos em dados
quantitativos. Para provar isso, são necessárias mais pesquisas que utilizem essa escala em oposição a modelos diferentes de questionários de estresse observado.
Os desempenhos dos alunos nas avaliações práticas
não foram considerados para análise, porque são inconsistentes com essa amostra de dados binários (ie, aprovado ou
não), e poderíamos ter um viés nesta avaliação.
Com estes dados, podemos começar a discussão sobre estresse e aprendizado nos cursos de SAVC. Talvez seja
necessário pensar em remodelar as técnicas pedagógicas
dos cursos de SAVC, e de outros cursos que utilizem este
tipo de técnica de estresse, para melhorar o desempenho
dos alunos. Entretanto, não devemos esquecer que o
estresse é uma variável presente no serviços de urgência, e
os médicos devem saber como lidar com o fator estresse
para atingir um melhor desempenho e melhor segurança no
atendimento do paciente de urgência.
Sugerimos que sejam incluídos nos cursos de SAVC e
em outros cursos de tratamentos de urgência informações e
treinamento de habilidades na administração do estresse 21
e, assim, talvez consigamos, de uma melhor maneira , alcançar os objetivos dos cursos de urgências. Mais estudos devem ser conduzidos para melhor serem entendidos os efeitos do estresse, o treinamento de habilidades e o aprendizado na medicina.
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Luiza Guilherme
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