Senhoras e Senhores: Uso a palavra em nome de todas as entidades governamentais e nãogovernamentais parceiras do Programa Justiça para o Século 21. E não é sem razão. Esse é, para todos nós, um momento muito especial. Um momento de passagem, da informalidade para um lugar formal. Da periferia para o coração do sistema. Assim como do centro para a comunidade, do centro para a periferia. Da busca por reconhecimento para o lugar de responder pela responsabilidade decorrente de estar sendo reconhecido. Quem acompanha o movimento pela inauguração das práticas restaurativas entre nós, passos iniciados há mais de dez anos, passos com os primeiros sinais visíveis com a criação, no final de 2004, do Núcleo de Estudos em Justiça Restaurativa pela Escola da Magistratura, compreende perfeitamente do que estou falando. Quando firmamos os primeiros termos de cooperação, no início de 2005, com a formalização do Projeto Justiça para o Século 21, sabíamos das condições para caminhar, mas não sabíamos até onde seria possível seguir. Tínhamos bons aliados. Ao nosso lado, as Resoluções das Nações Unidas, de 99, 2000 e 2002, a recomendar a adoção da Justiça Restaurativa para a resolução dos conflitos de natureza penal. Do nosso lado, as sinalizações positivas das experiências em outros países. Do nosso lado, a plataforma de valores dos movimentos pela Educação em Direitos Humanos, da Educação em Valores, da Cultura da Paz e da Comunicação Não-Violenta. Do nosso lado, um marco teórico muito bem fundamentado, profundamente envolvente, crítico da cultura punitiva e das práticas do sistema de justiça penal, mas propositivo e de transformação, pela oferta de uma metodologia resolutiva, suscetível de experimentação, de validação e de confrontação. Um marco teórico para além do abolicionismo e das propostas da criminologia crítica, porque fundado em valores universais, de fortalecimento das práticas democráticas, de aliança com os princípios mais avançados das contemporâneas teorias pedagógicas e de reconhecimento das necessidades e potencialidades de toda pessoa humana. Um escopo que não presta atenção tão-só no ofensor, mas contempla a vítima e todos os demais interessados, cujas necessidades não têm lugar específico na nossa forma tradicional de responder aos comportamentos de natureza penal. Creio, no entanto, que esses pressupostos fundacionais não teriam sido suficientes para desencadear a experimentação das práticas restaurativas em Porto Alegre. O desenvolvimento da nossa caminhada encontrou outros aliados. Conquistamos o apoio de importantes parceiros institucionais, mas também avançamos porque tínhamos liderança. Apesar de comemorativo, sei que esse não é um evento para homenagens. No entanto, não tenho como deixar de registrar que a Justiça Restaurativa não teria encontrado o terreno fértil que encontrou na nossa Capital sem o empenho a criatividade, a dedicação, a fé e a exigência de Leoberto Brancher. Dele em particular, mas também de toda a equipe da Terceira Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude. E não vou citar mais nenhum outro nome, porque sei que através dele homenageio a todos os demais. Além da liderança, um conjunto de outros fatores contribuiu com a caminhada bem sucedida até aqui. Sem esses fatores, não teria sido possível que o Núcleo de Estudos em Justiça Restaurativa da Escola da Magistratura fosse, de longe, o Núcleo mais freqüentado, assíduo e ativo da Escola, não só pelo comparecimento de Magistrados e operadores do Direito, 2 mas pelo interesse e participação de pessoas de todas as matizes do conhecimento e das atividades profissionais. Sem a conjugação de fatores, não teriam sido possíveis as atividades do Fórum de Pesquisadores ou o consistente aporte de recursos através de organismos de financiamento do Governo Federal, através da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ou do Pnud e da Unesco. Sem liderança e conjugação de esforços teríamos o site, a Secretaria Executiva, os mais belos e consistentes materiais de formação e de mobilização social em Justiça Restaurativa do País? Teríamos nós a participação no Fórum Social de 2002 que tivemos? Teríamos realizado os inúmeros seminários, encontros, palestras, workshops de sensibilização, cursos de iniciação e cursos de formação de coordenadores de círculos que realizamos? Sem a conjugação de fatores, seriam hoje dentre nós as práticas restaurativas um dos principais objetos da pesquisa acadêmica para diversas áreas do conhecimento? Seríamos a referência que somos no País, a ponto de sermos constantemente buscados para o intercâmbio de experiências e para o apoio a iniciativas similares? Tivemos liderança, mas também tivemos participação. Os princípios, valores e forma de proceder da Justiça Restaurativa dialogam com diversas áreas das políticas públicas e das atividades humanas. Mas em nenhuma área a identidade é tão próxima do que entre as áreas da Justiça e da Educação. Também por isso a profunda identidade entre a Justiça Juvenil e os sistemas de ensino. Trata-se de um encontro fundamentado na circularidade, na superação da disciplina pela imposição hierárquica ou pelo dito unilateral daquele com lugar 3 de poder. A revisão do discurso messiânico da cultura punitiva sugere a revisão da funcionalidade de todas as organizações sociais, notadamente àquelas que atendem à juventude. A abertura dessa fresta no sistema tradicional que a Justiça Restaurativa representa provoca a revisão dos modos de conviver. O que, obrigatoriamente, repercute no ânimo das nossas institucionalidades, com passagem obrigatória pelas áreas da Justiça, da Educação, da Segurança e dos programas de atendimento à criança e ao adolescente. A conquista de espaço para a nossa identidade, a afirmação da plataforma de valores da base de sustentação do movimento restaurativo, tudo o que até conquistamos, pode, no entanto, significar pouco para responder ao desafio que nos aguarda. A estrada, além de longa, estará bem sedimentada por obstáculos. Há pedregulhos, desvios e sinalizações de retorno ou de invalidade de seguir adiante. Por isso, o desafio. É o que nos convoca. Prosseguir. Agora, com a responsabilidade oficial. Como a do Poder Judiciário, instituída a partir da Resolução 822, de 29 de janeiro próximo passado, do Conselho da Magistratura, declaratória da existência da Central de Práticas do Juizado da Infância e da Juventude e do estabelecimento de indicadores para o monitoramento do trabalho desenvolvido. Ou do Ministério Público e de todas as demais instituições financiadoras ou parceiras, de executar o Projeto Justiça Juvenil Restaurativa na Comunidade, iniciativa experimental, de descentralização do atendimento dos conflitos de natureza infracional em quatro comunidades da periferia de Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro, na Vila Bom Jesus, na Vila Cruzeiro e na Restinga. Trata-se de atividade complementar às iniciativas do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, no contexto das 4 múltiplas ações a serem desenvolvidas nas citadas comunidades com vistas à prevenção da violência. Na condição de gerente desse Projeto, que responde a um dos objetivos do Mapa da Gestão Estratégica do Ministério Público, quero, de público, agradecer ao apoio irrestrito que tenho recebido da ProcuradoraGeral de Justiça, assim como de toda a equipe da Administração Superior. Seguir adiante também é o desafio da Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social, em prosseguir com a utilização da metodologia do círculo de compromisso para a passagem do adolescente da medida de privação da liberdade para o programa de apoio ao egresso, nos termos do Eixo II do RS Socioeducativo. Assim como de todas as demais instituições parceiras do Justiça para o Século 21. O desafio é da continuidade das ações de mobilização, de sensibilização, formação, estudo, pesquisa, avaliação e expansão da cultura restaurativa no âmbito dos sistemas de atendimento à criança e ao adolescente. Os compromissos interinstitucionais são de prosseguimento. Mas também são mais do que isso, porque de reforço e de fortalecimento de tudo o que já se vem fazendo e de abertura de portas para outras e novas possibilidades. Dito isso, no permeio dos agradecimentos pela liderança, pela participação, pelo apoio, pelo protagonismo que coloca Porto Alegre na parte mais visível e consistente do mapa das iniciativas em Justiça Restaurativa no Brasil, um espaço que, de um lado, nos orgulha, de outro no impõe obrigações, renovo o convite para a compreensão do verdadeiro sentido do que estamos fazendo. Em uma sociedade como a nossa, em que a injustiça permeia o cotidiano das relações sociais, as nossas ações só farão sentido se estiverem efetivamente a serviço da necessidade de justiça. Por esse modo de pensar, 5 consolidar o objetivo das Centrais de Práticas e os demais propósitos de cooperação aqui pactuados significa a adoção de uma ética-política que nos investe no cumprimento de objetivos de transformação. Transformação aqui é sinônimo de mudança. Na visão de que o conflito, mesmo aquele de natureza penal, nos interessa principalmente como oportunidade para seguir adiante, como o mote indispensável para promover a mudança. Por isso, a cultura da não-violência, do diálogo e do respeito aos direitos fundamentais de todo cidadão são os nossos valores de referência, uma plataforma de justificação das ações e de novos movimentos. Trata-se de uma outra ética. A ética é de responsabilidade. Ética aqui como sinônimo de justiça em realização. Justiça em todos os sentidos, justiça para nós como justiça para com o outro que nós. Muito Obrigado. Afonso Armando Konzen, Procurador de Justiça, Coordenador do Programa Justiça para o Século 21. 6