Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) Doença de Kawasaki: doença rara ou mal diagnosticada? (Monografia) Roberta Calheiros Ramos Orientador: Dr. Jefferson A. P. Pinheiro Introdução Principal causa de cardiopatia adquirida em crianças nos países desenvolvidos; Vasculite extensa, comprometendo artérias de médio e pequeno calibre, com preferência pelas coronárias; Risco aumentado de estenose ou completa obstrução; Sendo de fundamental importância o diagnóstico precoce e intervenção médica adequada. Objetivo Fornecer aos profissionais de saúde informações atuais sobre a Doença de Kawasaki a fim de melhorar seu diagnóstico e evitar suas complicações. Metodologia Revisão da literatura nacional e internacional utilizando os bancos de dados MEDLINE, LILACSBIREME e COCHRANE. Artigos originais, artigos de revisão, editoriais e diretrizes escritos nas línguas inglesa e portuguesa. Publicados nos últimos dez anos, sendo selecionados de acordo com os critérios do Centro Oxford de Evidência. Histórico 1960, Tomisaku Kawasaki observou o 10 caso desta doença em uma criança de 4 anos de idade num hospital de Tóquio. 1967, trabalho com 50 pacientes japoneses. 1970, 1a pesquisa realizada em todo território japonês. 10 casos de autópsias de morte súbita; envolvimento cardíaco como seqüela em ~ 25% dos casos. 1974, 1a publicação em língua inglesa. Epidemiologia Mais prevalente no Japão e em seus descendentes. 150 por 100.000 em < de 5 anos. Nos E.U.A., 10 a 15 por 100.000 em < de 5 anos. Nos países desenvolvidos, já superou a febre reumática como a principal causa de cardiopatia adquirida na infância. A maioria dos casos, cerca de 85%, ocorre abaixo dos 5 anos. 1,5-1,7 meninos / 1 menina. Epidemiologia Rara antes dos 6 meses e após os 8 anos de idade (com um maior risco de aneurismas coronarianos). Maior número de casos no inverno e primavera. A taxa de letalidade é baixa. 0,08% no Japão; 0,17% nos pacientes hospitalizados nos E.U.A. Etiologia e Imunopatogênese Etiologia desconhecida. Dados clínicos e epidemiológicos sugerem fortemente uma causa infecciosa. doença auto-limitada, que se manifesta por febre, exantema, conjuntivite e adenopatia cervical. esforços para identificar um agente infeccioso como culturas bacterianas e virais ou sorologias falharam. Etiologia e Imunopatogênese Secreção de IgA associada à infiltração de células plasmáticas na parede de vasos e em outros tecidos. estariam ligadas à mucosa como porta de entrada para um antígeno convencional. Predisposição genética. O pico de incidência. passagem de anticorpos maternos transplacentários confere proteção; desenvolvimento da imunidade, causando uma infecção assintomática na maioria dos indivíduos. Etiologia e Imunopatogênese Alterações da imunorregulação seriam atribuídas a toxinas protéicas de bactérias, e até vírus, que agiriam como superantígenos. Muitas das manifestações clínicas da DK podem ser explicadas por esta ativação do sistema imune. Inflamação coronariana na fase aguda é caracterizada por uma infiltração transmural de LT CD8+. Patologia Extensa vasculite sistêmica. Predomínio pelas artérias de médio e pequeno calibre - coronárias. A camada média dos vasos afetados apresenta edema na musculatura lisa. Edema de endotélio e subendotélio. Patologia No início, o infiltrado é constituído de neutrófilos, os quais são substituídos rapidamente por células mononucleares. Nos vasos mais afetados, a inflamação envolve as três camadas da parede vascular. E caso estas lesões sejam intensas, levarão a perda da estrutura e enfraquecimento da parede vascular, com conseqüente formação de aneurismas. Diagnóstico Não há teste diagnóstico específico ou sinal patognomônico. Critério clínico, com base nas manifestações principais, foi desenvolvido pelo Comitê japonês de pesquisa em doença de Kawasaki e, subseqüentemente, pela American Heart Association. Diagnóstico Febre com duração de pelo menos 5 dias. Pelo menos 4 dos 5 parâmetros seguintes: Exantema polimorfo; Hiperemia conjuntival bilateral; Adenomegalia cervical; Alterações de extremidades; Alterações na mucosa oral ou lábios. Doença de Kawasaki clássica Febre: > 390C; com início abrupto; classicamente, tem duração > 5 dias (sem tratamento apropriado pode persistir por uma média de 11 dias). A febre prolongada é um dos preditores de coronariopatia, sendo que, quando superior a 14 dias o risco é maior. Doença de Kawasaki clássica Exantema: precoce; predomínio no tronco, podendo estender-se para face, extremidades e períneo, onde uma descamação precoce pode ocorrer; aspecto é variável, sendo o mais comum um rash eritematoso maculopapular; nunca como vesículas ou bolhas. Doença de Kawasaki clássica Rash na DK em uma criança de 7 meses, no 4o dia da doença. Fonte: Circulation, 2001. Doença de Kawasaki clássica Alteração da conjuntiva ocular: ocorre por conta da vasculite e, conseqüente, vasodilatação; precoce, logo após o início da febre; tipicamente bilateral. Nunca acompanhada de secreções, e sem sintomas associados, como dores, prurido ou fotofobia. Doença de Kawasaki clássica Hiperemia conjuntival bilateral não-exudativa. Fonte: KIM, Dong S., 2006. Doença de Kawasaki clássica Adenomegalia cervical: usualmente unilateral e confinada ao triângulo cervical anterior; classicamente aparece mais de 1 linfonodo e diâmetro > 1,5cm; freqüentemente firmes e não flutuantes e, eventualmente, nota-se certa hiperemia. Caso a supuração ocorra, é devido à infecção bacteriana concomitante. Doença de Kawasaki clássica Alterações de extremidades: são bem características e quando presentes facilitam muito o diagnóstico; edema de mãos e pés, endurado, muitas vezes doloroso; hiperemia palmoplantar; descamação laminar dos dedos das mãos e pés, que classicamente começa na região periungueal, quando a febre já desapareceu. Doença de Kawasaki clássica Eritema e edema de mãos em uma menina de 18 meses no 60 dia de doença. Fonte: Circulation, 2001. Doença de Kawasaki clássica Descamação dos dedos. Fonte: KIM, Dong S., 2006. Doença de Kawasaki clássica Alterações na mucosa oral e lábios: marcantes e precoce; lábios hiperemiados, secos, com fissuras e crostas, por vezes, sangüinolentas; língua em framboesa, indistinguível à da escarlatina; enantema na orofaringe, sem ulceração ou exsudato associado. Doença de Kawasaki clássica Edema labial em um menino de 2 anos de idade no sexto dia de doença. Fonte: Circulation, 2001. Doença de Kawasaki clássica Língua em framboesa. Fonte: KIM, Dong S., 2006 Doença de Kawasaki atípica ou incompleta Conceito novo. Especialistas encontravam diversos pacientes com desordens inflamatórias que não preenchiam a definição clínica de um caso de DK, mas com anormalidades coronarianas no ecocardiograma. O termo incompleto deve ser preferido ao atípico. Mais comum em crianças < 1 ano. Em 2004, a AHA, com Newburger et al., providenciou um novo algoritmo e proposta de tratamento. Febre ≥5 dias e 2 ou 3 critérios clínicos Albumina <3 Analisar características do paciente Anemia Consistente com DK Transaminases elevadas Exames laboratoriais Inconsistente com DK persistente Plaq. >Febre 450.000 VHS < 40mm/h e PCR < 3,0 mg/dl Leuc. > 15.000 Piúria DK improvável Seguimento diário VHS ≥ 40 mm/h e PCR ≥ 3,0 mg/dl Febre continua por 2 dias ≥ 3 critérios laboratoriais < 3 critérios laboratoriais Resolução da febre Ecocardiograma + tratamento Se descamação típica Ecocardiograma Ecocardiograma Eco - Eco + Se febre persistir Repetir Eco e consultar um especialista Melhora da febre DK improvável Tratamento Avaliação de DK incompleta suspeita. Fonte: NEWBURGER, J.W., 2006. Manifestações não cardíacas Artrite e artralgia: Manifestações neurológicas são raras: grandes articulações e predominantemente benignas e auto-limitadas. extrema irritabilidade é comum na fase aguda febril da doença; Queixas gastrointestinais: dor abdominal, diarréia e vômitos (~ 1/3 dos pacientes). Manifestações não cardíacas Vesícula biliar hidrópica: ~15% dos pacientes nas primeiras 2 semanas de doença (USG abdominal). Fonte: NEWBURGER, J.W., 2006. Manifestações não cardíacas Reativação da cicatriz do BCG: vacinação recente, há menos de 1 ano; sinal bem específico; hiperemia e endurecimento no local. Eritema da cicatriz de BCG. Fonte: TOMIKAWA, S.O., 2003. Manifestações cardíacas São marcantes na fase aguda da doença. Cardite. Durante a fase aguda, os miocárdio, endocárdio, pericárdio, válvulas e artérias coronárias podem estar envolvidos. Manifestações cardíacas As alterações coronarianas são as principais seqüelas da DK. podem ser encontradas em até 25% das crianças quando não tratadas; incluindo desde simples dilatação até a formação de aneurismas; em geral, são detectadas no 100 dia de doença; os aneurismas com 1 a 3 semanas do início da febre. Com o tratamento, menos de 5% desenvolvem aneurismas coronarianos. Manifestações cardíacas Fatores de risco: sexo masculino; idade menor que 1 ano; sinais e sintomas de envolvimento pericárdico, miocárdico ou endocárdico; febre por mais de 10 dias; recorrência da febre; baixas concentrações de hemoglobina e albumina; leucocitose; e altos níveis de PCR. Manifestações cardíacas A maioria dos aneurismas tem regressão. A estrutura e a função do endotélio vascular ficam permanentemente alteradas. Pacientes com aneurismas gigantes (> 8mm): prognóstico ruim; resolução é menor; maior risco para desenvolver trombose ou calcificações coronarianas, estenose, rotura ou infarto miocárdico. Exames laboratoriais Apesar de não existir um teste diagnóstico específico, existem alguns achados laboratoriais característicos. Hemograma completo; PCR; VHS; EAS; Transaminases; Albumina sérica. Ecocardiograma É parte importante da avaliação de todos os pacientes com suspeita de DK. Não-invasivo. Altas sensibilidade e especificidade, detectando mais de 90% dos aneurismas coronarianos proximais. Deve ser realizado assim que se faça a suspeita diagnóstica. Ecocardiograma Para os casos não complicados, a avaliação deverá ser realizada no momento do diagnóstico, com 2 semanas, e 6 a 8 semanas após o início da doença, quando a VHS estiver normalizada. Avaliações mais freqüentes são necessárias em crianças com um risco maior. Tratamento Não existe um tratamento específico. As intervenções terapêuticas iniciais se restringem a tentar diminuir o processo inflamatório que origina as alterações coronarianas. O uso de Imunoglobulina intravenosa associada à aspirina é a base do tratamento da DK há 25 anos. Tratamento A aspirina é usada para diminuir a intensidade da vasculite e inibir a agregação plaquetária. Altas doses: 80 a 100mg/kg/dia, ÷ 4. O momento em que a dose deve ser reduzida varia entre as instituições médicas. criança afebril durante 48 a 72 horas. 14o dia da doença associado a pelo menos 48 a 72 horas de defervescência. Tratamento Baixas doses: 3 a 5mg/kg/dia. se o paciente não mostrar alterações coronarianas - até 6 a 8 semanas após o início do quadro. caso a criança desenvolva alterações nas artérias coronárias – indefinidamente. Tratamento O uso da IVIG foi descrito pela primeira vez em 1984. Usado na fase aguda da DK para reduzir a prevalência das alterações coronarianas. Seu mecanismo de ação ainda é desconhecido. Tratamento Dose de 2g/kg em única infusão associada à aspirina. A terapia deve ser instituída, de preferência, nos primeiros 10 dias da doença e, se possível, dentro dos primeiros 7 dias. Tratamento O uso de corticóides na DK permanece controverso na DK. A AHA, em 2004, recomenda seu uso apenas em crianças que após 2 ou mais doses de IVIG não apresentarem resolução da febre. Pulso de metilprednisolona, 30mg/kg em 2 a 3 horas, administrada uma vez ao dia por um a três dias. Conclusão A doença de Kawasaki é uma doença de difícil diagnóstico. Não apresenta etiologia definida e método diagnóstico específico. Corticóide ainda é controverso. Espera-se que com adequado conhecimento dos médicos, o número de pessoas afetadas diminua consideravelmente. Obrigada!