Cultura nos anos 1950 e
1960
História do Brasil Independente II
Marcos Napolitano
Universidade de São Paulo
Projeto moderno brasileiro” (“longo
modernismo” -1920 a 1960
• Convergência da vontade política de uma fração da elite política e
cultural (políticas, econômicas, culturais) - tentando articular
modernismo, modernização e modernidade (nos termos de Canclini)
na forma de um projeto cultural e estético (ação institucional e
simbólica), que orientasse um reposicionamento e atualização da
“cultura brasileira” perante si mesma e perante o mundo.
Cultura e Memória Histórica – anos 1950
• Sobre a primeira metade da década predomina a visão “idade das trevas”
situada entre duas “primaveras culturais” brasileiras: anos 20/30 e anos
60.
• Sobre a segunda metade da década, momento de uma segunda onda
modernista, predomina a visão de uma “nostalgia da modernidade”, tempo
idealizado no qual alguns valores tradicionais positivos (integração e
harmonia social, relações pessoais à base de honra e confiança, ritmo lento
da vida social) pareciam se harmonizar com as benesses da modernização
(novas oportunidades econômicas, otimismo diante do futuro,
enriquecimento material, cosmopolitismo e maior liberdade individual).
• Governo: JK, no plano da memória, representaria o encontro destes dois
tempos históricos idealizados.
Cultura, educação e modernização no
governo Juscelino Kubitscheck
• Lugar da cultura no governo JK – apesar do seu gosto pessoal pelas
artes, é bom lembrar que o corolário do desenvolvimento e afirmação
sociocultural, ou seja, a massificação da educação, não recebeu a
devida atenção, mesmo sendo uma das “metas” do Plano de Metas
(3,4% dos recursos totais); no conjunto, foi focado em 1 meta apenas
“Pessoal técnico: intensificação da formação de pessoal técnico e
orientação da educação para o desenvolvimento” (APUD, Gomes, p.
84).
• Ampliação do parque universitário brasileiro, mais ainda abaixo das
necessidades e demandas.
Problemáticas
• Categorias que a historiografia vêm utilizando para pensar o período:
“populismo” e “romantismo” (Velloso, Ridenti)
• As categorias acima citadas podem se diluir em generalidades,
encobrindo a percepção lutas e projetos estético-ideológicos
específicos.
• Tensões fundamentais no campo cultural: Tensão entre cultura
letrada tradicional e cultura moderna ; tensão entre cultura popular
tradicional e cultura popular urbana. Estas tensões foram
potencializadas pela ação dos intelectuais nacionalistas e folcloristas
(Vilhena)
Afirmação da cultura nacional-popular à esquerda
(trabalhista e comunista)
• Dimensão política: nacionalismo econômico, ampliação
dos direitos sociais, ampliação da cidadania (direitos
políticos), solidariedade terceiro-mundista, reformismo.
• Dimensão cultural: busca de um idioma artístico e cultural
policlassista, que afirmasse a consciência nacional
reformista e progressista.
• Dimensão estética: incorporação da cultura e dos signos
da “brasilidade”, do “popular” (rural e urbano), legados
pelo Modernismo e pela política cultural dos anos
1930/1940.
• Dimensão ideológica: nacionalismo que comportava o
conflitivo (diferente do nacionalismo “integrador e
orgânico” da direita autoritária)
• Afirmação da “Brasilidade revolucionária” (Marcelo
Ridenti).
Variáveis de ação / política cultural
• PCB: Realismo socialista e “frentismo cultural”; bases do futuro CPC/UNE; crise do
Realismo socialista jdanovista (1954), gênese do frentismo cultural, 1958 / 1960);
conceito de “povo”: conjunto das classes revolucionárias, conforme visão “etapista”
predominante.
• ISEB: Reformismo / nacional-desenvolvimentismo; povo: conjunto da sociedade civil,
orientado para o futuro, portador de uma proto-consciência nacionalista; afirmação
cultural como afirmação política da nação dirigida pelos intelectuais para superar a
“alienação”
• IBCC/ABL: Movimento Folclorista: cultura popular = identidade nacional; “povo”:
comunidades tradicionais, reservas de “autenticidade cultural” e identidade.
• MCP: Gênese da ação cultural do catolicismo de esquerda (Recife, aprox.1959)– cultura
popular: valor em si mesma, base da ação cultural voltada para a construção de uma
consciência crítica da sociedade capitalista; comunidade popular como antítese da
desagregação dos valores e à anomia social provocada pela modernização.
• Concretismo/Vanguardas: arquitetura, artes plásticas, literatura (1956/1957) – artistas e
intelectuais críticos ao nacionalismo; Cultura brasileira vocacionada para a
universalidade; projeto de “aggiornamento”; conceito de povo = operariado moderno,
homem racional, organicidade funcional (e não romântica), produto dos veículos de
massa.
Engajamento e cultura – anos 1960
Balizas históricas
• “Aliancismo”, “nacionalismo” e “reformismo” – construção de um
projeto político pelas esquerdas entre o final dos anos 1950 e início
dos anos 1960
• Influência do nacionalismo - ISEB
• O “subdesenvolvimento” como tema e experiência histórica
• “Revolução” como horizonte de expectativa e dado fundamental de
cultura política à esquerda
• A “questão da resistência” (pós-Golpe) como imperativo ético,
político e estético aos artistas de esquerda.
Movimentos – anos 1960
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Movimento de Cultura Popular (Recife) – 1960-1964
Centro Popular de Cultura da UNE - 1961-1964
Teatro de Arena
Grupo Opinião
Teatro Oficina
MPB e Tropicália
Cinema Novo
Cinema Marginal
Música Nova
Nova Figuração
Nova Objetividade
Arte Conceitual
Debate historiográfico I
Textos seminais
• SCHWARZ, Roberto. “Cultura e política – 1964-69” IN: Cultura e Politica. Ed.
Paz e Terra, 2001, 7-58 (original de 1969, publicado na Revista Les Temps
Modernes)
• HOLLANDA, Heloisa B. Impressões de Viagem. São Paulo, Brasiliense, 1981
(2ªed.)
• AMARAL, Aracy. Arte para que?. A preocupação social na arte brasileira.
1930-1970. Itau Cultural/Studio Nobel. 2003 (3ª Ed.)
• MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de
Janeiro: Zahar, 1985
Debate historiográfico II
Revisões críticas anos 1980/1990
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CHAUI, Marilena. Seminários. Edi. Brasiliense, 1980
RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, estado e lutas culturais. São Paulo, Paz e Terra, 1983
MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo, Proposta, 1982
ZILIO,Carlos. “Da antropofagia à tropicália” IN: ZILIO, C. et alli. Artes Plásticas e Literatura.
O nacional e popular na cultura brasileira. São Paulo, Ed. Brasiliense1982, p.11-56
CONTIER, Arnaldo. Música, nação e modernidade. Tese de Livre Docência, USP, 1986
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema
marginal. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1991
FAVARETTO, Celso. Tropicália: alegoria, alegria. Cotia, Ateliê Editorial, 1995
COSTA, Iná C. A hora do teatro épico no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1996
PAIANO, Enor. O berimbau e o som universal. Lutas culturais e indústria fonográfica nos
anos 60. Dissertação de Mestrado em Comunicação, ECA/USP, 1991
Debate historiográfico III
Nova historiografia – anos 2000
• RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro, Record, 2000.
• PATRIOTA. Rosangela. Vianinha- um dramaturgo lançado no coração de seu tempo. São Paulo, Hucitec, 1999
• NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959/69). São Paulo: Annablume /
FAPESP, 2001
• REIS, Paulo Roberto O. Exposições de arte - vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970. Tese de Doutorado em História, UFPR,
Curitiba, 2005
• CZAJKA, Rodrigo. Páginas de resistência: Intelectuais e cultura na Revista Civilização Brasileira (1965-1968). Dissertação de
Mestrado em Sociologia, Unicamp, 2005
• GARCIA, Miliandre. Do Teatro militante à música engajada. A experiência do CPC da UNE. Editora Fundação Perseu Abramo, São
Paulo, 2007
• FREITAS, Artur. Contraarte: vanguarda, conceitualismo e arte de guerrilha - 1969/1973. Tese de Doutorado em História, UFPR,
Curitiba, 2007.
• CARDOSO, Maurício. O cinema tricontinental de Glauber Rocha: política, estética e revolução (1969-1974). Tese de Doutorado em
História Social, FFLCH/USP, 2007;
• HERMETO, Miriam. ‘Olha a Gota que falta’: um evento no campo artístico-intelectual brasileiro (1975-1980). Tese de Doutorado
em História, UFMG, Belo Horizonte, 2010
• COELHO, Frederico. Eu brasileiro, confesso minha culpa e meu pecado: cultura marginal no Brasil dos anos 60 e 70. Rio de Janeiro,
Ed. Civilização Brasileira, 2010
PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS – CENTRO POPULAR DE CULTURA
– UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES
• Movimento nacionalista brasileiro
• Partido Comunista Brasileiro (PCB)
• Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
• Movimento de Cultura Popular (MCP)
• Teatro de Arena de São Paulo
UMA CARTA DE INTENÇÕES:
O ANTEPROJETO DO MANIFESTO DO
CPC
De uma primeira apreciação sobre arte e
engajamento, que gerou mais
controvérsias que consenso, o
anteprojeto foi transformado por parte da
literatura sobre o CPC numa espécie de
síntese da produção artística engajada
dos anos 1960 que, por sua vez, foi
acusada de panfletária, isenta de
qualidade artística e reflexo do populismo
e nacionalismo políticos.
ARTE DO POVO = ATRASO
CULTURAL
“A arte do povo é predominantemente um produto das
comunidades economicamente atrasadas e floresce de
preferência no meio rural ou em áreas urbanas que ainda
não atingiram as formas de vida que acompanham a
industrialização. O traço que melhor a define é que nela o
artista não se distingue da massa consumidora. Artista e
público vivem integrados no mesmo anonimato e o nível de
elaboração artística é tão primário que o ato de criar não
vai além de um simples ordenar os dados mais patentes
da consciência popular atrasada”.
Carlos Estevam Martins, Anteprojeto do
manifesto do CPC (maio de 1962)
ARTE POPULAR = ALIENAÇÃO
CULTURAL
“A arte popular, por sua vez, se distingue desta não só
pelo seu público que é constituído pela população dos
centros urbanos desenvolvidos, como também devido
ao aparecimento de uma divisão de trabalho que faz
da massa a receptora improdutiva de obras que foram
criadas por um grupo profissionalizado de
especialistas. Os artistas se constituem assim num
estrato social diferenciado de seu público, o qual se
apresenta no mercado como mero consumidor de
bens cuja elaboração e divulgação escapam ao seu
controle”.
Carlos Estevam Martins, Anteprojeto do manifesto do
CPC (maio de 1962)
ARTE POPULAR REVOLUCIONÁRIA
= REVOLUÇÃO BRASILEIRA
Para Estevam “a declaração dos princípios artísticos
do CPC poderia ser resumida na enunciação de um
único princípio: a qualidade essencial do artista
brasileiro, em nosso tempo, é a de tomar consciência
da necessidade e da urgência da revolução
brasileira”. Com o propósito de conscientizar o povo e
promover a revolução, as experimentações estéticas
deveriam dar lugar às preocupações com o didatismo
na arte e os artistas deveriam priorizar o conteúdo em
detrimento da forma.
Carlos Estevam Martins, Anteprojeto do manifesto do
CPC (maio de 1962)
ARTISTA POPULAR
REVOLUCIONÁRIO = CPC = POVO
Ao optar por ser povo, por ser parte integrante do
povo, o artista revolucionário deveria abdicar dos
recursos formais que integravam o universo
burguês para ser entendido pelo público que
escolheu defender e que, privado de condições
materiais/culturais, não reconhecia as formas
mais arrojadas de criação artística.
Para Estevam, os artistas pertenciam “a um
estrato distinto e superior ao do seu público”.
Carlos Estevam Martins, Anteprojeto do manifesto
do CPC (maio de 1962)
ADESTRAMENTO ESTÉTICO
“Desejando acima de tudo que sua arte seja eficaz, o
artista popular não pode jamais ir além do limite que lhe é
imposto pela capacidade que tenha o espectador para
traduzir, em termos de sua própria experiência, aquilo que
lhe pretenda transmitir o falar simbólico do artista”.
“Cabe-lhe ainda realizar o laborioso esforço de adestrar
seus poderes formais a ponto de exprimir corretamente na
sintaxe das massas os conteúdos originais de sua intuição,
sem que percam todo o seu sentido ao serem
convencionalizados e transplantados para o mundo das
relações inter-humanas em que a massa vive sua
existência cotidiana”.
Carlos Estevam Martins, Anteprojeto do manifesto do CPC
(maio de 1962)
REAÇÕES CONTRÁRIAS: CRÍTICA À
DISTINÇÃO ENTRE ALTA CULTURA E
CULTURA POPULAR
“Não é possível reunir as grandes obras ou fazer
uma identidade única que as separa das obras
populares, das obras efêmeras. As grandes
obras, as realizações artísticas mais acabadas e
densas se dividem quanto à sua perspectiva do
problema do homem – são reacionárias ou
progressistas. O mesmo acontece com as obras
correntes, com o abastecimento cultural
constante e cotidiano das grandes massas”.
Oduvaldo Vianna Filho, dramaturgo brasileiro e
membro-fundador do CPC (out. 1962)
REAÇÕES CONTRÁRIAS: A PRODUÇÃO
DO CPC NÃO É ARTE POPULAR
“Não acho que o teatro que a gente faz seja um
teatro do povo. Tudo pode ser feito com essa
intenção de chegar ao povo, um teatro para o
povo, uma música que busque a participação, a
integração popular. Mas, classificá-los como arte
popular, aí já é outra história”.
Carlos Lyra, músico da Bossa Nova e membrofundador do CPC
REAÇÕES CONTRÁRIAS: CRÍTICA AO
DESPREZO PELA CULTURA BURGUESA
“Há o perigo de se atribuir à divulgação popular um
valor exclusivo, o perigo de se impor unicamente uma
arte plebéia, mudando “popular” em “populista”; o
perigo de instituir, como conceito de arte empenhada,
um desprezo geral pela nossa comum cultura
burguesa, erro dos mais fáceis, dos mais sedutores
para a ignorância e para o improviso, e que repousa
na cândida idéia de que o mundo começa com o
socialismo; o perigo sectário, que pode substituir ao
alargamento político e estreitamento partidário; o
perigo de estabelecer um “dirigismo” cultural às
custas da livre crítica e da criação desimpedida”.
José Guilherme Merquior, crítico de arte e escritor
(mar. 1963)
Che – Ruben Gerchman 1967
Lindonéia – Rubem Gerchman - 1966
Nelson Leirner – Porco Empalhado - 1966
Lute – Carlos Zilio - 1967
Para um jovem de brilhante futuro – Carlos
Zílio- 1973
Trouxas ensanguentadas – Artur Barrio - 1970
Imagens do Show Opinião: Zé Keti, Nara Leão e João do Vale
O Rei da Vela – Teatro Oficina - 1967
Terra em Transe – Glauber Rocha - 1967
Filmografia – anos 1960
• Cinco vezes favela, 1962
• SANTOS, Nelson Pereira. Vidas Secas, 1963
• GUERRA, Ruy. Os fuzis. 1964
• ROCHA, Glauber. Deus e o Diabo na Terra do Sol. 1964
• SARRACENI, Paulo Cesar. O desafio, 1965
• JABOR, Arnaldo. Opinião Pública, 1966
• ROCHA, Glauber. Terra em Transe, 1967
• SGANZERLA, Rogério. O Bandido da Luz Vermelha, 1968
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