INCLUSÃO: AÇÕES ESCOLARES POSSÍVEIS A PARTIR DA LEGISLAÇÃO NACIONAL E DA MUNICIPAL ROMERO, Rosana Aparecida Silva. SME/PMSP e-mail: [email protected] SOUZA, Sirleine Brandão de e-mail: [email protected] Área Temática: Educação: História e Políticas Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo No presente trabalho buscamos estabelecer um diálogo com a legislação e apontar os caminhos que uma escola pública pode trilhar para estabelecer um plano de trabalho para responder a uma situação-problema. Neste caso o desafio consistia em como atender aos educandos deficientes intelectuais matriculados no Ensino Fundamental numa escola municipal localizada na periferia de São Paulo. Os docentes sentiam-se muito angustiados e impotentes frente a essa situação. A escola buscou, em primeiro lugar abrir espaço para que este assunto fosse discutido, e em seguida firmou parcerias com a instância superiora (Supervisão e Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão - CEFAI), Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (SINPEEM), e, através das informações obtidas, percebeu que um caminho possível seria o de apoiar-se na legislação para propor ações. Deste processo destacamos: redução do número de alunos nas séries/anos que atendiam crianças que necessitavam de apoios intensos e a abertura da Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão – SAAI, para poder oferecer o atendimento educacional especializado para os educandos que dele necessitavam. Destacamos a necessidade da escola registrar estas ações em seu projeto Pedagógico, realizar as avaliações pedagógicas dos Educandos com Necessidades Educacionais Especiais de acordo com as diretrizes legais e realizar as discussões sempre envolvendo o coletivo da escola, considerando docentes, coordenação, direção, supervisão e demais instancias que respondam pela educação especial no sistema de ensino. Concluímos que a educação inclusiva faz parte de um processo de construção de uma nova postura de escola, não havendo modelos e respostas prontas, dependendo sim da organização de cada unidade educacional a fim de buscar atender as Necessidades Educacionais de sua clientela. Palavras-chave: Educação Especial; Legislação; Inclusão; Escola. Introdução As escolas encontram-se desafiadas a construir uma escolarização possível para atender aos educandos com Necessidades Educacionais Especiais, estejam elas atreladas ou não a alguma deficiência. Com as mudanças introduzidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN - 1996), os direitos dos alunos com deficiências foram 3968 ganhando mais destaque e seu lugar na sociedade defendido com mais ênfase, o que resultou na determinação da matricula de qualquer aluno no Ensino Regular. Até os dias atuais é difícil encontrar unidades escolares que consigam vislumbrar um trabalho pedagógico possível para esse alunado, sendo comum ouvirmos queixas sobre a falta de especialização docente e o apontamento sobre alguma evolução apenas na parte de sociabilização, ainda assim no que se refere a convivência com os demais alunos . Apesar da alegação de falta de preparo, as matriculas são feitas e estes educandos passam a freqüentar as aulas. No presente trabalho faremos uma breve exposição das ações pensadas e desenvolvidas por uma escola municipal da periferia de São Paulo voltadas para o inicio de uma organização institucional para o atendimento dos alunos com deficiência mental (intelectual) ou transtorno global do desenvolvimento. As ações estão baseadas no Decreto 45.415, de 18 de outubro de 2004 que estabelece as “diretrizes para a Política de Atendimento a Crianças, Adolescentes, Jovens e Adultos com Necessidades Educacionais Especiais no Sistema Municipal de Ensino” da cidade de São Paulo e na portaria 5718/04, que dispõe sobre a regulamentação do Decreto acima citado, além da Resolução CNE/CEB nº 02/2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e das legislações que tratam da Educação de maneira mais abrangente, como a LDB 9394/96 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA 8069/90), todas disponíveis em meio eletrônico e em publicações oficiais. Acreditamos que a sociedade conseguirá avançar na construção de propostas inclusivas se houver um movimento de apropriação ou contestação das idéias defendidas na legislação que está pronta, e entendemos que esse movimento é primordial inclusive para a proposição de revisões e/ou adaptações necessárias para uma melhor implantação da inclusão, pois, embora a discussão tenha sido iniciada em 1994 através da Declaração de Salamanca, ainda estamos numa etapa muito recente de reorganização social. As mudanças sociais necessárias para a inclusão de todos na sociedade não pode limitar-se a proposições do governo através de leis. É necessário uma implicação da sociedade em todos os seus aspectos. Embora haja uma legislação que aborde a inclusão escolar são as pessoas que trabalham nestas instituições que poderão veicular condições para que ela ocorra. Essas condições, por sua vez, não são ações simples ou fáceis, pois se referem a uma população que é marginalizada ou deficiente, sendo que desta última temos pouco 3969 conhecimento, mesmo porque, até pouco tempo, permaneciam segregados da sociedade. Baseados na legislação disponível discutiremos, então, algumas ações que uma escola pública pode desenvolver visando a construção de uma proposta pedagógica que atenda algumas necessidades educacionais de seus alunos. Não temos a presunção de acreditar que os fatos relatados abaixo são a melhor opção para a inclusão. Longe disso, pretendemos apenas demonstrar que cabe a escola propor situações e avaliá-las, pois, permanecer apenas criticando a inclusão ou ficar preso às suas dificuldades não permite avanço nenhum, ao passo que a discussão do assunto no espaço coletivo da escola pode resultar em pequenos avanços que tragam ao corpo docente a sensação de que algo é possível. As ações descritas foram encabeçadas e desenvolvidas na EMEF Professora Philó Gonçalves dos Santos, situada no bairro de Perus, Município de São Paulo. Iniciaram-se em 2007 e até o final do referido ano já foi possível chegar a alguns resultados interessantes. Não consideramos pronto e acabado o trabalho de inclusão a ser realizado nessa unidade, pois esta construção é longa, será fruto de um processo, porém o que realizamos neste ano tem garantido à inclusão local de destaque nos estudos da escola e permitido avanços. Deste trabalho podemos concluir que a inclusão só avança e muito lentamente quando ganha importância dentro das discussões escolares e desde que atrelada às proposições legais, pois o apoio na legislação cria condições mais efetivas para a implantação das ações desejadas, além de que muitas dessas ações já estão previstas em lei, faltando apenas a garantia de seu cumprimento. Cabe à escola, enquanto expressão da sociedade civil, exigir que a legislação seja cumprida, pois o fato de alguns direitos constarem em lei não garante sua execução. Para que se tornem ações, será necessário muito trabalho da população. Um pouco do trabalho realizado na escola Na função de Coordenador Pedagógico da escola no período entre janeiro de dois mil e seis a fevereiro de dois mil e oito foi possível acompanhar a angústia sentida pelos professores no trabalho com os alunos deficientes. Em 2006 atendíamos sete alunos com deficiência mental em turmas de 1º e 4º anos do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Os docentes reclamavam afirmando não saber o que fazer com eles, não conseguiam visualizar um trabalho pedagógico, tinham dificuldades em compreender suas diferenças, e não 3970 conseguiam pensar em como avaliá-los ao final do primeiro ciclo do fundamental, pois nem alfabetizados estavam. Na avaliação do ano realizada em dezembro apontamos que a escola havia avançado no trabalho de alfabetização com as crianças “normais” mas que com os deficientes não havíamos conseguido mais do que a sua permanência na escola, pouco ou nada avançando na sua aprendizagem e este fato causava entre os docentes um sentimento de impotência e fracasso. Por essa razão, ao iniciarmos o ano seguinte (2007), para o horário de estudos coletivos nos propusemos a estudar textos sobre a inclusão e a legislação disponível. Também buscamos apoio fora da escola, convidando professoras do CEFAI da Diretoria de Ensino (antes denominada Coordenadoria de Educação) De Pirituba / Jaraguá e do Sindicato SINPEEM para que pudessem palestrar para a equipe escolar durante os horários coletivos, além dos estudos teóricos. Desta forma a inclusão foi se tornando um assunto sempre em pauta nas reuniões da escola. Ao longo do ano percebemos que apenas discutir esta questão no horário coletivo não bastava. As discussões eram necessárias, mas só elas não permitiam muitos avanços. O professor da sala regular continuava não conseguindo desenvolver um trabalho pedagógico que surtisse efeito sobre os alunos de inclusão. Foi na lei que pudemos nos informar sobre a possibilidade de garantir a redução do número de alunos (de 35 para 28) nas turmas que atendem alunos de inclusão que demandam grande atenção por parte do professor. E também foi através do estudo da legislação que a unidade se organizou para solicitar a abertura de uma Sala de Apoio ao Aluno de Inclusão – SAAI, (fevereiro/2008), duas ações que auxiliam na possibilidade de um trabalho educativo junto a essas crianças. Desde 2006 buscamos apoio junto ao CEFAI da Coordenadoria de Educação de Pitiruba / Jaraguá e à Supervisora da Escola para que participassem das avaliações que íamos realizando dos alunos com deficiência. Desta forma, conseguimos estabelecer parcerias com estas profissionais e também nos certificávamos de nossas ações. Durante estes dois anos buscamos desenvolver uma avaliação que abarcasse o aluno em sua totalidade, destacando: - como era seu envolvimento na escola: com os colegas, com os funcionários da escola e com o conhecimento; 3971 - como era seu envolvimento na sociedade: quais seus compromissos sociais, o que fazia em casa e nas horas livres, qual lugar sua família lhe atribuía, como brincava fora da escola, etc. - como estava a escola para lhe atender: espaço físico, mobiliário, disponibilidade de materiais, acessibilidade, etc. Com esta avaliação objetivávamos conhecer um pouco melhor o aluno, tendo alguma idéia do que poderíamos propor para ele num trabalho pedagógico e acabou sendo muito útil para a elaboração do projeto de abertura da Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão, pois uma das exigências era uma avaliação pedagógica feita pelo coletivo escolar. Junto a avaliação anexamos a documentação médica fornecida pela família dos alunos que fazem tratamento na saúde ou outras instituições, mas destacamos que nosso foco era pedagógico e que considerávamos como nossa tarefa decidir sobre o atendimento educacional que o aluno receberia, utilizando o material recebido de outras áreas como apoio. Sobre a legislação A Declaração de Salamanca propõe uma nova visão para a Educação Especial ao congregar sua incorporação pelos Sistemas de Ensino Regular, inclusive nos cursos de Formação de Professores. Desta maneira aponta para possíveis mudanças importantes, pois acabaria com a dicotomia entre Professor Generalista e Especialista. Como Bueno bem discute, a formação de professores precisa se adequar às exigências da educação que o país defende, pois, “Se por um lado a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular adquira algum tipo de especialização para fazer frente a uma população que possui características peculiares, por outro, exige que o professor de Educação Especial amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características” (p 24) É comum os professores do ensino regular afirmarem que não possuem condições e formação para trabalhar com alunos deficientes, necessitando do especialista. Este, por sua vez, está tão especializado que não consegue pensar numa educação comum. O que tanto Bueno quanto a Declaração de Salamanca vem propondo é que um conhecimento não prescinde do outro. Não há professor melhor entre um especialista ou um generalista, pois ambos se complementam. Os cursos de formação já deveriam estar incorporando a educação especial na formação do professor regular, e aqueles que já estão na ativa necessitam trabalhar 3972 em parceria, especialista com generalista, pois ambos podem contribuir para uma melhor prática docente. A Educação Especial deve sofrer adequações para se ajustar à nova proposta. Foi criada para responsabilizar-se pela parcela da população que ficava segregada, num tempo em que a deficiência era vista como perigosa, ameaçadora e atrelada à criminalidade. Hoje tentamos reconstruir a visão de deficiência como algo que faz parte da natureza humana, pois desde que o mundo é mundo já havia pessoas com deficiência mental. Destacamos, porém, que o lugar e o tratamento destinado a elas na sociedade está imbuído de valores sociais historicamente construídos. A Declaração de Salamanca tenta garantir espaço na sociedade para que estes valores possam ser reconstruídos, ao propor que os países adeqüem seus sistemas de educação especial para que estes passem a oferecer suporte e apoio às escolas regulares, principalmente para conhecimentos de métodos e conteúdos curriculares (ponto 6.) e defende a importância do serviço de apoio para alunos com Necessidades Educacionais Especiais que atinjam o maior número de pessoas possível. Este mesmo documento critica a maneira como a educação especial era feita antes, pois apenas uma pequena parcela da população, denominada de elite urbana é que acabava tendo acesso à educação. Aqueles que não podiam se deslocar até os locais onde havia escola ou classe especial ficavam privados desse direito. Desta maneira as escolas regulares seriam muito apropriadas para acolher a todos, até mesmo porque está disponível para um maior número de pessoas e possui melhor alcance, além disso, a presença de crianças “especiais” com as ditas “normais” resulta num processo lucrativo para ambas, pois as primeiras têm mais oportunidades de desenvolvimento e de adequação de comportamento social aprendido com os pares e as segundas acabam aprendendo a aceitar as diferenças como parte da sociedade, contribuindo para diminuir os preconceitos. Mas este documento não considera que a inclusão seja algo tranqüilo e fácil. Defendem que escolas inclusivas provêem um ambiente favorável à aquisição de igualdade de oportunidades e participação social, mas destacam que seu sucesso requer esforço da comunidade escolar e do entorno e depende de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõe a sociedade, pois, para obter sucesso, a escola inclusiva deve ser encarada como compromisso de todos. 3973 O governo brasileiro, para incorporar as proposições da Declaração de Salamanca inicia mudanças na legislação a partir de 1994. Em 1996 promulga a nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96) da Educação Nacional onde podemos encontrar um capítulo dedicado à Educação Especial (Capítulo V), o que já representa avanços, pois antes esta parte da educação ficava a parte da legislação da Educação Básica. Neste capítulo a educação Especial passa a ser oferecida preferencialmente na rede regular (Art. 58, grifos nossos), havendo, quando necessário serviço de apoio especializado. Este ponto é muito criticado, pois ao ser colocada como “preferencialmente” abre possibilidades para que não seja ofertada na rede regular, pois, como Minto aponta, “Preferencialmente pode ser o termo-chave para o não cumprimento do artigo, pois quem ‘dá primazia a’ já tem exceção arbitrada legalmente” (p.20). Na Resolução CNE/CEB nº 2 /2001 encontramos com mais precisão o que o governo espera da Educação Especial a partir da LDB. Por Educação Especial: “entende-se um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica” (Art. 3º). Esta modalidade da educação escolar deverá ser iniciada na educação infantil, sempre que for evidenciada sua necessidade, “mediante avaliação e interação com a família e a comunidade” (Art. 1º. Parágrafo único), sendo de responsabilidade dos sistemas de ensino a realização das matrículas e da escola a organização de seus serviços para o atendimento dessa clientela. Aqui encontramos alguns pontos que nos deixam dúvidas, como: Em quais casos a educação especial deverá substituir a educação comum? O que é considerado “Necessidade Educacional Especial”? A avaliação citada no parágrafo único do Art. 1º será de responsabilidade de quem: da saúde, como antes1 ou da escola? Quando se atribui à escola a responsabilidade por sua organização, se espera que ela realize quais tipos de mudanças? 1 Jannuzzi (1985) apresenta um belo trabalho sobre as concepções de Educação defendidas pelo poder público neste período de nossa história. Para cuidar dos “anormais” o estado de São Paulo criou o serviço de inspeção médico-escolar (1938), cuja função era formar as classes especiais e preparar as pessoas que trabalhariam com elas. 3974 No Art. 5º encontramos as seguintes considerações sobre os educandos com Necessidades Educacionais Especiais: I- Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) Aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) Aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II- Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III- Altas habilidades / superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. Em relação a avaliação no Artigo 6º a responsabilidade por sua realização é atribuída à escola, mas esta deverá contar com a experiência de todos os docentes, a direção, a coordenação e a supervisão, além do setor de educação especial do sistema e a colaboração da família e de outros serviços que atendam a pessoa avaliada. Ou seja, é um processo amplo, que envolverá a vida social e escolar, buscando levantar o máximo de informações possíveis, visando identificar as necessidades educacionais especiais para poder propor um atendimento educacional mais eficiente. Quanto à organização da escola, encontramos apontamentos sobre a necessidade de professores de classe comum e da educação especial capacitados e especializados, a distribuição dos alunos com Necessidades Educacionais Especiais por todas as classes do ano escolar em que estiverem matriculados, a possibilidade de flexibilizar e/ou adaptar o currículo escolar, a oferta de serviços de apoio especializado em salas de recurso, temporalidade flexível do ano letivo para atender as Necessidades Educacionais Especiais de alunos com deficiência mental ou com graves deficiência múltiplas (Art. 8º, incisos I ao XI) e até mesmo a possibilidade de criação de classes especiais “para atendimento, em caráter transitório, de alunos que apresentem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou condições de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos e demandem ajudas e apoios intensos e contínuos” (Art. 9º). Ainda encontramos, no Art. 15º, a atribuição da responsabilidade pela organização e a operacionalização dos currículos aos estabelecimentos de ensino, mas com a condição de que as proposições constem no projeto pedagógico da escola e que respeitem as diretrizes curriculares nacionais. Encontramos, também registros sobre a garantia de acessibilidade a todos, responsabilidade atribuída aos sistemas de ensino. Buscando atender as diretrizes nacionais a Secretaria de Educação do Município de São Paulo estabeleceu as Diretrizes para a Política de Atendimento a Crianças, Jovens e 3975 Adultos com Necessidades Educacionais Especiais no Sistema Municipal de Ensino (Decreto 45.415/04). Este decreto assegura a matrícula de toda e qualquer educando nas classes comuns, enfatizando a idade cronológica como base para definição do ano/ciclo em que a matrícula se dará e defende propiciará condições para que o atendimento educacional ocorra mediante as seguintes ações: I. Elaboração de projetos pedagógicos nas unidades educacionais que considere as mobilizações indispensáveis ao atendimento das necessidades educacionais especiais; II. Avaliação pedagógica, no processo de ensino, que identifique as necessidades educacionais e reoriente tal processo; III. Adequação do número de educandos e educandas por classe/agrupamento, quando preciso; IV. Prioridade de acesso em turno que viabilize os atendimentos complementares ao seu pleno desenvolvimento; V. Atendimento das necessidades básicas de locomoção, higiene e alimentação de todos que careçam desse apoio, ... VI. Atuação em equipe colaborativa dos profissionais vinculados aos serviços de Educação Especial e à Comunidade Educativa; VII. Fotalecimento do trabalho coletivo entre os profissionais da Unidade Educacional; VIII. Estabelecimento de parcerias e ações que incentivem o fortalecimento de condições para os educandos e educandas com necessidades educacionais especiais possam participar efetivamente da vida social. (Art. 3º, incisos I ao VIII) De acordo com o decreto são considerados serviços de educação especial os prestados pelo CEFAI (Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão), pelo PAAI (professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão), pela SAAI (Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão) e pelas EMEEs (Escolas Municipais de Educação Especial). Para ser encaminhado para os serviços de Educação Especial o educando deve passar por uma avaliação pedagógica que identifique suas Necessidades Educacionais Especiais que justifiquem tal medida. Esta avaliação deverá ser realizada por todos os profissionais da escola (professores, direção e coordenação), além da supervisão, do representante da Diretoria de Orientação Técnico – Pedagógica das Diretoria de Ensino, da família e de profissionais da saúde que atendam a pessoa avaliada, caso julgue-se necessário. A propósito, são considerados educandos com Necessidades Educacionais Especiais aqueles cujas diferenças educacionais “se relacionem com diferenças determinadas, ou não, por deficiências, limitações, condições e/ou disfunções no processo de desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação” (Art. 4º). 3976 Este Decreto ainda Institui os CEFAIs enquanto parte integrante das Diretorias de Ensino, determina as competências do Professor de Apoio e Acompanhamento a Inclusão (PAAI) e transforma as Salas de Atendimento aos Portadores de Necessidades Educacionais (SAPNE) em Salas de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (SAAI). Na portaria 5.718/04 as funções e competências das instâncias da educação especial no município são melhores especificadas, sendo detalhadas as atribuições do CEFAI e da SAAI, além de encontrarmos as diretrizes para a implantação de uma SAAI. O CEFAI é um parte integrante da Diretoria de Ensino e os (as) Professores (as) Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAIs) devem veicular a educação especial na sua região junto as escolas, auxiliando o professor da classe comum, realizando atendimentos aos alunos, participando das discussões em horários coletivos com o objetivo de sensibilizar os docentes, discutir práticas pedagógicas, participar de ações junto ao coletivo escolar que garantam a inclusão. As SAAIs (Salas de Apoio e Acompanhamento à Inclusão) resultam da organização da própria escola, uma vez que sua instalação depende de ações tomadas pela instituição, como levantamento da demanda, avaliação das necessidades educacionais especiais dos educandos que precisam do serviço de apoio, definição do espaço para a sala e elaboração do projeto. Por este decreto a criação da sala também deveria ser aprovada pelo Conselho de Escola. O Posicionamento da Escola Não há como negar que os educandos com deficiência intelectual (ou mental, como identificada em alguns livros), sejam um grande desafio para a escola, pois para atender a suas necessidades são necessárias muitas mudanças, uma verdadeira “revolução que a ponha do avesso em sua razão de existir, em seu ideário político-ideológico” (KUPFER e PETRI, 2000, p 112). Trazer para a sala dos professores as discussões necessárias para desconstruir alguns pontos da escola atual para que possam surgir novos posicionamentos que permitam aceitar as diferenças como característica da diversidade humana é uma tarefa bastante árdua e longa. Então, longe da presunção de resolver o problema, buscamos tirá-lo de baixo do tapete. Trouxemos as inquietações e angústias, antes sentidas caladas no fundo do peito, para cima da mesa. E fomos em busca de ajuda. 3977 Convidamos o CEFAI da Coordenadoria de Educação para vir até a escola, conhecer nossos alunos, orientar-nos sobre o trabalho com eles. Também pedimos apoio e orientação junto a supervisão e ao sindicato (SINPEEM). Tentávamos encontrar quem pudesse nos dizer o que fazer com os alunos com deficiência intelectual, e recebemos muita atenção e apoio, mas não a resposta esperada. Em contato com estas pessoas fomos adquirindo informações, conhecendo a legislação e constatando que embora houvesse muita vontade por parte das pessoas que nos atendiam, a ajuda que nos forneciam era limitada. Não havia como resolver nossos problemas, não havia como nos ensinar a trabalhar com esses alunos (não da maneira que queríamos) e fomos constatando que éramos nós que deveríamos construir esse trabalho possível, olhando para cada um deles e buscando enxergar um caminho possível. Nesse ponto o conhecimento da legislação foi primordial, pois pudemos perceber que a escola precisa sim organizar-se para determinar como irá atender os alunos com Necessidades Educacionais Especiais, estejam elas atreladas ou não a uma deficiência. Em primeiro lugar o projeto político pedagógico deve conter as diretrizes da escola para atender essa clientela. As Necessidades Educacionais Especiais dos educandos devem estar triadas e avaliadas pelo coletivo da escola, discutidas com a supervisão e comunidade escolar, pois esta avaliação garante maior fidedignidade às propostas da escola. A legislação também aponta uma série de direitos ao aluno com Necessidades Educacionais Especiais. Um deles é o atendimento especializado de apoio para sua escolarização. De que maneira isso se dá? Pode ser realizado por alguma instituição conveniada como APAE, AACD, LARAMARA e outros. Estes centros oferecem um atendimento de grande qualidade, mas infelizmente não atinge a todos, pois depende, dentre outras coisas, da possibilidade da família acompanhar a criança ao atendimento e nem sempre há essa possibilidade. As contribuições para a educação regular acabam sendo insuficientes, pois, devido a distancia, é difícil a comunicação entre a escola e a instituição convenicada. O CEFAI pode realizar o atendimento dos educandos através da PAAI. Porém, é difícil para este educador conseguir dar conta da demanda de uma diretoria, por várias razões e aqui destacaremos dois fatores de peso: seu deslocamento até a escola já tomará um certo tempo e cada PAAI responde por uma região muito grande (na Diretoria de Pirituba são 5 PAAIs para atender mais de 100 escolas). 3978 Um recurso para garantir o atendimento de apoio é a abertura na escola de uma SAAI. Esta sala fará o atendimento dos alunos da unidade e do entorno, garante a presença de um professor especialista na unidade para dialogar com o coletivo, oferecer apoio aos coordenadores e professores das classes regulares, e buscar desenvolver junto aos educandos o apoio necessário para sua escolarização. Os alunos são atendidos em grupo ou individualmente, numa carga horária que varia entre 4 e 8 horas/aula semanais. Este tempo de atendimento dificilmente poderá ser oferecido por uma instituição ou mesmo pela PAAI, o que coloca a SAAI em posição de vantagem para o atendimento do educando. O fato de o professor fazer parte do corpo docente da escola garante sua articulação com o coletivo e torna-o mais acessível. Esta escola resolveu lutar para conseguir instalar em suas dependências um SAAI que iniciou seu funcionamento em fevereiro deste ano. Estando com a avaliação dos alunos já realizada e tendo a inclusão como um dos temas apontados em seu projeto pedagógico o processo de abertura da sala tornou-se um pouco mais simples. Foi necessário fazer o plano de trabalho para a sala, juntar a avaliação dos alunos, apresentar e aprovar a idéia no Conselho de Escola e encaminhá-la para a Diretoria de Ensino, já com o parecer favorável da supervisão. Atualmente a SAAI está em funcionamento atendendo aos educandos com Deficiência Intelectual da unidade e do entorno. Os professores permanecem com dificuldades e dúvidas para atender a estes alunos, pois é necessário mudar radicalmente a proposta pedagógica e isto não é tarefa fácil para ninguém, sejam professores, escola ou mesmo especialistas. Porém a inclusão continua presente nas discussões entre os docentes, continua incomodando, desafiando. Aos poucos, começam a surgir possibilidades de trabalho e podem ser observadas algumas mudanças no olhar dos professores. Por exemplo, antes havia uma grande angústia em torno da alfabetização. Parecia que se o aluno saia do segundo ano do ciclo I e não estava alfabetizado não tinha capacidade para aprender mais nada. Agora começam a perceber que, além da alfabetização, há outros pontos para olharmos para o aluno. Ele não está alfabetizado, mas quando iniciou o ano, não conseguia realizar marcas num papel e hoje já se preocupa em marcar os espaços próprios para a escrita numa folha de atividades. Estas pequenas aprendizagens, tão insignificantes quando trabalhamos com alunos do Ensino Fundamental, precisam ser destacadas e valoradas, 3979 pois são aprendizagens muito significativas para determinados alunos e apontam para o professor que sua voz está começando a surtir efeito sobre seu aluno. Conclusão O trabalho com crianças, jovens ou adultos com Necessidades Educacionais Especiais é bastante angustiante. Caso essa necessidade esteja atrelada a alguma deficiência essa angustia torna-se maior ainda. A legislação apresenta uma série de alterações para atender as determinações de uma escola inclusiva que seja capaz de ofertar uma educação de qualidade para todos os educandos. Essa educação de qualidade pressupõe todos aprendendo de acordo com suas possibilidades, recebendo os apoios e serviços necessários para sua escolarização, visando que venha a tornar-se uma pessoa autônoma. As escolas, independente do quanto possamos discutir sobre as cobranças feitas pelo sistema público e da falta de recursos e apoio destinados a educação no geral, podem e devem organizar-se para saber o que fazer com a inclusão, pois são estas instituições que recebem os alunos e se sentem perdidas frente seus desafios. Uma das maneiras de organizar-se é buscar na própria legislação seus direitos, os apoios previstos e lutar por eles, articulando-se com a comunidade que atende e buscando parcerias junto às instâncias superiores. Neste trabalho tentamos demonstrar um caminho possível encontrado por uma escola para organizar-se para lutar por condições de trabalho. Atender alunos com deficiência é difícil porque é novo para a escola regular, caso a escola não busque refletir sobre caminhos possíveis esta tarefa torna-se ainda mais árdua. Quando a escola começa a buscar um espaço de atuação consegue defender alguns direitos. No caso desta escola destacaria duas situações: - conseguir manter as turmas com número reduzido de alunos nos anos/series em que as crianças com Necessidades Educacionais Especiais requeriam um trabalho pedagógico mais intenso e demandavam mais apoio; - a abertura da Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão, garantindo o atendimento educacional especializado para os alunos com deficiência mental da escola e do entorno, além de possibilitar um apoio para o coletivo da escola, pois o professor especialista atende a todos estes educandos e pode dialogar com o professor da classe regular contribuindo para avançar na construção de uma proposta pedagógica. 3980 REFERÊNCIAS BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9394/96, de 20 dezembro de 1996. Institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, Diário Oficial da União, de 23 de dezembro de 1996. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Resolução CNE /CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001. 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Decreto Municipal nº 45.415, de 18 de outubro de 2004, Diário Oficial do Município de São Paulo, de 19 de outubro de 204, folha 1. ___________. Portaria nº 5.718, de 17 de dezembro de 2004, Diário Oficial do Município de São Paulo, 18 de dezembro de 2004, folha 15.