TST ANULA ACORDO COLETIVO DE HOTEL SOBRE DISTRIBUIÇÃO DE TAXA DE SERVIÇO 24nov2014/Joandre Antonio Ferraz 1 O Tribunal Superior do Trabalho julgou nulo Acordo Coletivo pelo qual hotel podia reter, da taxa de serviço que cobra no setor de alimentos e bebidas, parte para cobrir quebras e parte para o sindicato laboral. A decisão foi proferida por unanimidade, em 13/11/2014, pela Sub-Seção Especializada I em Dissídios Individuais do TST, ao julgar recurso baseado na divergência jurisprudencial entre suas Turmas. Modificou, assim, decisão do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia e prestigiou os precedentes majoritários de diversas Turmas, pelos quais Acordo Coletivo dessa espécie contraria os arts. 457 e 9º, da CLT, além da Súmula 354, do próprio TST. Em síntese, considerou que, sendo a gorjeta componente da remuneração, quer a espontânea, quer a cobrada por meio de taxa de serviço, não pode sofrer qualquer redução ou retenção por meio de convenção ou acordo coletivo. O que não impede que a distribuição da taxa de serviço seja baseada em sistema de pontos atribuídos a cada função profissional, este, sim, passível de ser definido por meio de acordo coletivo. Tal entendimento, que tende a consolidar-se, deve reacender os debates relativos aos projetos de lei específicos sobre a matéria, que estão em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Segue o inteiro teor da decisão. 1 mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP, foi chefe da assessoria jurídica e diretor de planejamento da EMBRATUR e professor de Direito Empresarial da FGV/SP, é assessor jurídico da CLIA ABREMAR BRASIL, ABAV/SP e SINDETUR/SP, e advogado empresarial Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho PROCESSO Nº TST-RR-139400-03.2009.5.05.0017 - FASE ATUAL: E-ED ACÓRDÃO (SDI-1) GMMEA/mab EMBARGOS. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. GORJETAS. PREVISÃO DE RETENÇÃO. QUARENTA POR CENTO DO VALOR PARA O EMPREGADOR E O SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. INVALIDADE. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. Extrapola os limites da autonomia coletiva cláusula de acordo coletivo de trabalho mediante a qual se pactua a retenção de parte do valor das gorjetas para fins de indenização e ressarcimento das despesas e benefícios inerentes à introdução do próprio sistema de taxa de serviço bem como para contemplar o sindicato da categoria profissional, mormente se se constata que a retenção atinge mais de um terço do respectivo valor. A gorjeta, retribuição pelo bom atendimento, não se reveste de natureza salarial, mas integra a remuneração do empregado nos termos do art. 457 da CLT e da Súmula 354 do TST, segundo a qual “as gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado”, de modo que ajuste desse jaez reveste-se de nulidade e implica afronta ao art. 9º da CLT. Embargos de que se conhece e a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-139400-03.2009.5.05.0017, em que é Embargante BAHIAINVEST INVESTIMENTOS TURISTICOS LTDA. e Embargado(a) MÁRIO DE JESUS ALMEIDA. A Quinta Turma, mediante acórdão de fls. 870/878, complementado pela decisão de fls. 891/893, proferida em Embargos de Este documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tst.jus.br/validador sob código 1000CA992D1956A80D. Declaração, da lavra do Exmo. Ministro Emmanoel Pereira, conheceu do recurso de revista interposto pelo reclamante, por ofensa ao art. 9º, da CLT, e no mérito, deu-lhe provimento para deferir as diferenças salarias decorrentes da retenção da taxa de serviço (gorjeta), com os reflexos postulados na exordial, observados os limites da Súmula 354 do TST. A Reclamada interpõe Embargos, às fls. 895/917. Os Embargos foram admitidos pela decisão do Ministro Presidente da Quinta Turma às fls. 981/982. A Impugnação foi apresentada às fls. 984/987. É o relatório. VOTO 1. CONHECIMENTO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. GORJETAS. PREVISÃO DE DISTRIBUIÇÃO DE QUARENTA POR CENTO DO VALOR ENTRE O EMPREGADOR E O SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. INVALIDADE. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. 2 O TRT da 5ª Região negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante, mantendo a sentença mediante a qual se indeferiu o pedido de diferenças salariais referentes à taxa de serviço, sob os seguintes fundamentos: “NULIDADE DOS ACORDOS COLETIVOS INVOCADOS PELA RECLAMADA. DIVISÃO ILEGAL DA TAXA DE SERVIÇO. ACORDO PREJUDICIAL AOS EMPREGADOS Investe o autor contra a decisão de base, na parte em que indeferiu o pagamento da diferença salarial, decorrente da redistribuição da taxa de serviço. Insiste que os acordos coletivos, que estipularam a divisão da referida taxa, devem ser declarados nulos, porque prejudiciais aos empregados e por contrariarem o disposto no artigo 457 consolidado. Afirma ter denunciado, desde a inicial, a ilegalidade do procedimento adotado pela ré de divisão de taxa de serviço. Vejamos. Na inicial o reclamante disse que: ‘na contratação foi acordada a divisão da taxa de serviço de 10% apenas entre os garçons, maitres, caixas e cozinheiros, mas de fato a rda. fazia uma divisão ilegal e imoral’ fls. 02. Sustentou que a taxa de serviço ‘era manipulada ilegalmente pela rda. em manifesto prejuízo à remuneração do rte. e colegas do setor de alimentos e bebidas, por volta de 10 garçons, dois maitres e dois caixas’. Afirmou ser credor de R$ 3.214,00 por mês a título de 10% de taxa de serviços. Em audiência, fls. 65, o autor arguiu a nulidade do acordo coletivo de trabalho ‘por flagrantemente prejudicial aos empregados...’. A ré se defendeu informando às fls. 73 que o procedimento utilizado na divisão de taxa de serviço está previsto nos Acordos Coletivos que firmou com o sindicato da categoria do reclamante e a Bahiainvest, documentos juntados autos às fls. 181/183 e 185/188. A Convenção Coletiva anexada às 17 prevê, na cláusula 14ª, que ‘Os empregadores somente poderão acrescer importância às notas de despesa dos seus usuários, a título de taxa de serviço ou gorjetas, quando amparados por acordo celebrado individualmente pela empresa e o Sindicato Profissional, do qual deverá ser encaminhada cópia ao Sindicato Patronal’. Ressalta, ainda, no parágrafo único, que ‘Da gorjeta cobrada aos seus usuários, os empregadores somente poderão reter o percentual que vier a ser ajustado no acordo celebrado com o Sindicato Profissional, entendendo-se que essa retenção, a título de ressarcimento por quebra, dano ou extravio de material, exclui qualquer dedução dos vencimentos sob o mesmo pretexto’. Nos autos constam os Acordos Coletivos firmados pela ré e o sindicato da categoria profissional do reclamante, que estabelecem, na cláusula segunda, a destinação do valor da taxa de serviço, apurada mensalmente, da seguinte forma: ‘A) Será destinado aos empregados da empresa 60% distribuídos conforme sistemas de pontos, e na forma de tabela de pontos anexa e parte integrante do presente acordo. B) Ficará retido 37% a título de indenização e ressarcimento das despesas e benefícios inerentes à introdução do presente sistema de taxa de serviço. C) 3% (três por cento) serão destinados ao Sindicato acordante, destinados à ampliação da sede própria e Assistência Social aos seus afiliados,...". In casu, o indigitado acordo foi pactuado, com participação do sindicato da categoria profissional do autor, não havendo prova da existência de vício capaz de macular a sua validade e desconstituir o quanto convencionado, sendo impertinente a nulidade suscitada. Conforme ressaltado pelo julgador de base: ‘a destinação da taxa de serviço para os empregados da categoria não é na forma aleatória pretendida pelo autor, mas conforme convencionado entre o Sindicato profissional e a reclamada, não havendo, portanto, nenhuma diferença de taxa de serviço contratada a ser deferida ...’. Procedendo a reclamada a divisão da taxa de serviços, segundo os critérios fixados através de Acordos Coletivos que firmou com o Sindicato da categoria profissional de seus empregados, Acordos estes previamente autorizados nas Convenções Coletivas da categoria, não há reparo a fazer na decisão. Mantenho.” (fls. 681/682) A Quinta Turma conheceu do recurso de revista interposto pelo reclamante, por ofensa ao art. 9º, da CLT, e no mérito, deu-lhe provimento para deferir as diferenças salariais decorrentes da retenção da taxa de serviço (gorjeta), com os reflexos postulados na exordial, observados os limites da Súmula 354 do TST, sob os seguintes fundamentos: 3 “Cinge a controvérsia em saber se tem validade o acordo coletivo que prever a retenção, pelo empregador, de parte do valor recebido dos clientes a título de taxa de serviço (gorjeta), repassando aos empregados apenas 60% do valor arrecadado, sendo os outros 40% divididos entre a empresa e o sindicato. Estabelece o artigo 457 da CLT, verbis: “Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (...) § 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados”. De outro lado, o artigo 9º da CLT dispõe que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. Esta Corte, visando dar concretude ao mandamento constitucional (artigo 7º, XXVI, da CF), tem reconhecido validade aos instrumentos normativos, como forma de composição pacífica dos conflitos trabalhistas, priorizando a autonomia dos interessados para negociar, desde que condicionados à preservação dos direitos fundamentais do trabalhador. Assim, na seara trabalhista, a autonomia da vontade das partes encontra limites nos direitos mínimos previstos na legislação de regência, de forma que não há como reconhecer validade a negociação coletiva em que estabelecida a retenção pela empresa de parte dos valores arrecadados a título de taxa de serviço (gorjeta), visto que colide com o disposto nos artigos 9º e 457 da CLT. Nesse contexto, é inválida a cláusula coletiva que autorizou o repasse aos empregados de apenas 60% do valor arrecadado a título de taxa de serviço (gorjeta), sendo os outros 40% retidos e divididos entre a empresa e o sindicato. Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes: “RECURSO DE REVISTA DIFERENÇAS SALARIAIS. TAXAS DE SERVIÇO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. PREVISÃO DE RATEIO. É inválida a norma coletiva realizada com a participação do sindicato da categoria do autor por meio da qual ficou estabelecida a divisão da taxa de serviço cobrada dos clientes no percentual de 10%, na medida em que, por expressa dicção legal, incluem-se na remuneração do empregado as quantias pagas, espontaneamente ou não, pelos clientes como forma de reconhecimento pelo bom serviço prestado. Não se pode, pois, permitir a supressão de direito previsto em norma imperativa irrenunciável, não sujeitos, portanto, à negociação coletiva. Recurso de revista conhecido e provido” (RR - 291-16.2010.5.05.0024, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT 23/11/2012); “RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. GORJETA. ACORDO COLETIVO. REPASSE AOS EMPREGADOS DE 64% DO VALOR LÍQUIDO MENSAL ARRECADADO. RETENSÃO. Conquanto no Direito do Trabalho se admita certa margem de flexibilização, em que se permite a obtenção de benefícios pelos empregados com concessões mútuas, as normas que possibilitam essa flexibilização não autorizam a negociação para a retenção pela empresa de valores arrecadados a título de taxas de serviço pagas espontaneamente pelo cliente ao empregado ou cobradas pela empresa ao cliente. Isso porque o art. 457 da CLT, ao prever que as gorjetas, dadas espontaneamente pelo cliente ao empregado ou cobradas pela empresa ao cliente, integram a remuneração do empregado, deixa clara a previsão legal sobre a matéria, não abrindo espaço à negociação coletiva para piorar a condição do empregado. Assim, negociação que autoriza a retenção, pela empresa, de valores arrecadados a título de taxas de serviço, atenta contra o princípio insculpido no art. 9º da CLT e sonega o direito à integralidade de tais valores aos empregados. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento” (ARR - 65000-31.2008.5.01.0060, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 19/10/2012); “GORJETA. ACORDO COLETIVO. REPASSE AOS EMPREGADOS DE APENAS 64% DO VALOR LÍQUIDO MENSAL ARRECADADO. RETENSÃO. Conquanto no Direito do Trabalho se admita certa margem de flexibilização, em que se permite a obtenção de benefícios pelos empregados com concessões mútuas, as normas que possibilitam essa flexibilização não autorizam a negociação para a retenção pela empresa de valores arrecadados a título de taxas de serviço pagas espontaneamente pelo cliente ao empregado ou cobradas pela empresa ao 4 cliente. Isso porque o art. 457 da CLT ao prever que as gorjetas, dadas espontaneamente pelo cliente ao empregado ou cobradas pela empresa ao cliente, integram a remuneração do empregado, deixa clara a previsão legal sobre a matéria, não abrindo espaço à negociação coletiva para piorar a condição do empregado. Assim, negociação que autoriza a retenção, pela empresa, de valores arrecadados a título de taxas de serviço, atenta contra o princípio insculpido no art. 9º da CLT e sonega o direito à integralidade de tais valores aos empregados (nos termos do art. 457 da CLT). Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR - 94700-08.2008.5.01.0010, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 03/08/2012). “RECURSO DE REVISTA. GORJETA. ACORDO COLETIVO. REPASSE AOS EMPREGADOS DE APENAS 64% DO VALOR LÍQUIDO MENSAL ARRECADADO. RETENSÃO INDEVIDA. PROVIMENTO. Não obstante os acordos coletivos de trabalho sejam amplamente reconhecidos e privilegiados pela Constituição Federal, o sistema de proteção e prevalência da autonomia privada coletiva encontra limites nos princípios e normas que compõem o ordenamento jurídico como um todo. Limita-se, assim, a atuação dos sindicatos no tocante a cláusulas que tenham como consequência a supressão de direitos do trabalhador. Mesmo porque, a Constituição Federal, ao reconhecer a validade das negociações coletivas, em nenhum momento autorizou que fossem restringidos direitos legalmente instituídos. Resta claro, no caso dos autos, que a cláusula do acordo coletivo que autoriza a retenção, pela empresa, de valores arrecadados a título de taxas de serviço sonega o direito à integralidade de tais valores aos empregados, nos exatos termos do artigo 457 da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR - 91500-61.2008.5.01.0052, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma, DEJT 20/04/2012). Assim, conheço do recurso de revista por ofensa ao artigo 9º da CLT. II – MÉRITO DIFERENÇAS SALARIAIS. TAXA DE SERVIÇO (GORJETA). ACORDO COLETIVO. RETENÇÃO. REPASSE AOS EMPREGADOS DE APENAS 60% DO VALOR ARRECADADO. Conhecido o recurso de revista por violação ao artigo 9º da CLT, dou-lhe provimento para deferir às diferenças salariais decorrentes da retenção da taxa de serviço (gorjeta), com os reflexos postulados na exordial, observados os limites da Súmula nº 354 do TST. Inalterados os valores das custas e da condenação.” (fls. 873/876) Nas razões de Embargos, a Reclamada alega que não se beneficia da retenção de parte do valor das gorjetas, e que a cláusula prevê justo critério de rateio entre os demais empregados de parcela remuneratória e não salarial. Entende inserir-se a negociação coletiva, ainda que culmine em redução salarial, na autorização contida nos arts. 7º, VI, XXVI, da Constituição Federal, e 457, 3º, da CLT. Argumenta que a Turma reexaminou fatos e provas. Transcreve arestos e aponta contrariedade à Súmula 126 do TST. O aresto paradigma de fls. 940, proveniente da Oitava Turma, estampa conclusão diversa no sentido de validade de cláusula de norma coletiva que preveja a retenção de parte do valor das gorjetas, conforme se extrai: “Constata-se que o Regional, embora não tenha consignado o período de vigência da norma coletiva que estabelecia a possibilidade da retenção de percentual das gorjetas, emitiu tese acerca da questão, afastando expressamente a aplicação das normas coletivas invocadas porque, ainda que consideradas vigentes, afrontariam norma de ordem pública. A Constituição Federal, no artigo 7°, XXVI, garante o reconhecimento das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, que constituem instrumento do qual as partes podem se valer para regulamentar as relações de trabalho. Esse dispositivo não valida normas coletivas das quais decorra afronta a dispositivo de ordem pública vinculadas a regras de proteção ao trabalho e da dignidade da pessoa humana. Esse não é o caso dos autos, em que se trata de norma coletiva que alcança tão somente a chamada taxa de serviço ou pontos hoteleiros.” Conheço por divergência jurisprudencial. II – MÉRITO 5 ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. GORJETAS. PREVISÃO DE RETENÇÃO. QUARENTA POR CENTO DO VALOR PARA O EMPREGADOR E O SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. INVALIDADE. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS Conforme o art. 457 da CLT, a gorjeta, seja decorrente de liberalidade do cliente, seja cobrada de forma compulsória, tal como previsto na cláusula, constitui acréscimo remuneratório. Conquanto não integre o salário, tem destinação expressa como contraprestação paga diretamente pelo cliente, não podendo ser destinada a outra finalidade que não seja a remuneração do empregado. Nesses termos, a Súmula 354 do TST ao determinar que: “GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES. As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servido de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.” Ao pactuarem instrumentos coletivos de trabalho, reconhecidos como direito social do trabalhador, nos termos do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, as partes podem dispor sobre todos os temas de interesse da relação bilateral, decorrente das relações de trabalho, desde que não sejam afrontados dispositivos imperativos do ordenamento jurídico, e, em particular, direitos inalienáveis do trabalho. Nem mesmo se revela próprio considerar que a negociação coletiva em torno da gorjeta estaria inserta na autorização constante do art. 7º, VI, da Constituição Federal. Com efeito, a gorjeta, paga em retribuição ao bom atendimento, não é salário propriamente, mas integra a remuneração. Conquanto pactuada em acordo coletivo de trabalho, a cláusula em exame opõe-se à previsão legal, modificando a destinação da verba remuneratória. Caracteriza-se a burla a dispositivo tutelar do Direito do Trabalho, o que enseja a nulidade da cláusula, conforme disposto no art. 9º da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” Não por outra razão, tramitam projetos de lei que pretendem alterar a redação do art. 457 da CLT para impor que a gorjeta seja integralmente repassada, facultada, mediante negociação coletiva, pactuar a repartição do respectivo valor entre os funcionários do estabelecimento (PL 1873-2007 e PLS 725-2007). A alegação da reclamada no sentido de que a cláusula encontra amparo no art. 457, § 3º, da CLT, por prever justo critério de rateio dos valores da gorjeta entre empregados exercentes de funções que em princípio não estariam alcançados pelas gorjetas não encontra amparo nos autos. Com efeito, das provas registradas no acórdão regional e da Turma, consta a transcrição da cláusula que expressamente dispõe que a parte a ser distribuída aos empregados corresponde a sessenta por cento, trinta e sete por cento do valor ficará retido para fins de indenização e ressarcimento das despesas e benefícios inerentes à introdução do próprio sistema de taxa de serviço e três por cento serão destinados ao Sindicato acordante, destinados à ampliação da sede própria e Assistência Social aos seus afiliados. Alterar esse quadro fático encontra óbice na Súmula 126 do TST. As Turmas do Tribunal Superior do Trabalho tem decidido no sentido da invalidade de cláusulas semelhantes conforme se verifica: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. GORJETAS. RETENÇÃO AUTORIZADA EM ACORDO COLETIVO. 1. Prevalece nesta Corte Superior o entendimento de que a retenção, pela empresa ou pelo sindicato, de parte dos valores arrecadados a título de gorjetas, autorizada por acordo coletivo de trabalho, viola o direito à integralidade dos valores, previsto no artigo 457 da CLT. Isso porque não há outra destinação possível desta parcela remuneratória que não seja a entrega espontânea pelos clientes ou a distribuição integral dos valores aos empregados pelo empregador. O reconhecimento constitucional das convenções e acordos coletivos de trabalho não chancela a atuação abusiva dos sindicatos, com a 6 consequente supressão de direitos do trabalhador, notadamente daqueles previstos expressamente em lei. 2. Na hipótese, o Tribunal Regional, com base no princípio da intangibilidade salarial, afastou a validade do acordo, que destinava ao empregador 20% dos valores recebidos, para, segundo a tese de defesa, custear encargos e custos operacionais. 3. Incidência da Súmula 333 e do artigo 896, § 4º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido. Processo: AIRR - 752500-18.2009.5.12.0037 Data de Julgamento: 06/08/2014, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014. GORJETAS. TAXA DE SERVIÇO DE 10%. REPASSE DE APENAS 3% AO RECLAMANTE. IMPOSSIBILIDADE. No caso dos autos, ficou registrado, no acórdão regional, que a gorjeta era cobrada dos clientes no importe de 10% sobre o valor da conta, mas que somente 3% eram repassados aos garçons, já que o restante era dividido entre os demais empregados da reclamada. A gorjeta é a importância paga pelo cliente, de forma espontânea, em contraprestação ao serviço prestado. Não é considerada salário stricto senso, visto que se trata de parcela paga por terceiro, estranho ao contrato de trabalho, e não pelo empregador. Todavia, deve ser considerada salário e, portanto, a média das gorjetas habitualmente recebidas integra a remuneração para todos os efeitos legais, conforme dispõe o artigo 457 da CLT, não servindo, contudo, como base de cálculo apenas para o aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado (Súmula nº 354 do TST). Nesse contexto, por ser retribuição ao bom atendimento prestado pelo empregado, ou seja, ao trabalho efetivamente realizado, a ele pertence e dele não pode ser subtraída. Embora o § 3º do artigo 457 da CLT realmente considere gorjeta, para todos os efeitos legais, não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, mas também aquela que for cobrada pela empresa do cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinadas a distribuição aos empregados, isso não significa que esse dispositivo autoriza o empregador, como ocorria nesse caso, conforme registrou o acórdão regional, a ratear o valor global das gorjetas entre os demais empregados do estabelecimento que não tinham nenhum contato com os seus clientes e, principalmente, a reduzir de 10% para 3% o percentual daquelas gorjetas repassadas ao reclamante e aos demais garçons, o que não atende à teleologia desse dispositivo legal. Assim, sendo a gorjeta elemento integrante da remuneração do trabalhador, não pode o empregador efetuar o repasse a menor aos empregados a quem ela foi dirigida, sob pena de ofensa aos princípios da intangibilidade salarial e da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Ademais, no caso, o montante a ser repassado ao reclamante a título de gorjeta fornecida pelos clientes do estabelecimento deve observar aquilo que foi acordado no contrato de trabalho, no qual, segundo consta dos depoimentos transcritos no acórdão regional, havia previsão de pagamento de 10% sobre o valor do serviço, e não de 3%, como ocorrida na hipótese vertente. Portanto, o empregador não pode dispor da gorjeta para remunerar outros empregados, que não sejam aqueles que, como os garçons do estabelecimento, prestem serviços remunerados dessa forma, sob pena de a ele transferir os riscos ao empreendimento. Deve o montante correspondente ser repassado, integralmente, ao trabalhador ou trabalhadores que, em virtude de suas funções, prestaram aos clientes os serviços por eles diretamente remunerados. Esta Corte tem adotado o entendimento de que, mesmo havendo previsão em negociação coletiva, é inviável o fracionamento da gorjeta recebida. Assim, diante do exposto, o procedimento adotado pela reclamada, consistente no repasse aos garçons de apenas 3% das gorjetas recebidas e na redistribuição do restante aos demais empregados, acarretou a alteração unilateral do contrato de trabalho, com consequente prejuízo ao reclamante, em desatendimento ao disposto no art. 468 da CLT. São devidas, portanto, as diferenças de remuneração pleiteadas, com seus reflexos. Recurso de revista não conhecido. Processo: RR - 162-36.2010.5.09.0012 Data de Julgamento: 26/03/2014, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/04/2014. TAXA DE SERVIÇO (GORJETA). ACORDO COLETIVO. REPASSE APENAS PARCIAL DO VALOR ARRECADADO. RETENÇÃO INDEVIDA. LIMITES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS À NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA. Embora o art. 8° d a Constituição Federal de 1988 tenha assegurado aos trabalhadores e empregadores ampla liberdade sindical, com reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7°, inciso XXVI), tal circunstância não autoriza a criação de norma coletiva dirigida à retenção, pela empresa, de valores arrecadados a título de taxas de serviço pagas espontaneamente pelo cliente ao empregado ou cobradas pela empresa ao cliente. É que falece à negociação coletiva poderes 7 para restringir ou eliminar direitos fixados por lei, salvo autorização inequívoca desta. Ora, o art. 457 da CLT dispõe que integram a remuneração do empregado as gorjetas dadas espontaneamente pelo cliente ao empregado ou cobradas pela empresa ao cliente. Assim, a existência de previsão legal sobre a matéria não abre margem à negociação coletiva para a supressão de direitos do trabalhador. Desse modo, é inválida a cláusula do acordo coletivo que autoriza a retenção, pela empresa, do rateio de parte das gorjetas entre o empregador e o sindicato profissional, pois viola o direito à integralidade de tais valores aos empregados, nos exatos termos do art. 457 da CLT. Precedentes de cinco turmas do TST. Ademais, a cláusula que autorizava a retenção das gorjejas - que, segundo o Regional, foi negociada em 1993 para viger por dois anos - não deveria mais reger o contrato de trabalho no período imprescrito, haja vista o disposto no art. 614, § 3º, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. Processo: RR - 92700-67.2008.5.01.0064 Data de Julgamento: 30/04/2014, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/05/2014. RECURSO DE REVISTA. GORJETAS. NORMA COLETIVA. RETENÇÃO. 1. O reconhecimento, em tese, de convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal) não implica a validade de cláusula de acordo coletivo de trabalho que importe patente desrespeito a direitos mínimos assegurados aos trabalhadores, elevados à dignidade constitucional. 2. Pronuncia-se a invalidade, -incidenter tantum- (CPC, art. 469, III), de cláusula de acordo coletivo de trabalho no que se prevê a retenção pela empresa de valores arrecadados a título de taxa de serviço (gorjetas) e o rateio entre o empregador (37%) e o sindicato profissional (3%). 3. À luz do art. 457 da CLT, as gorjetas integram a remuneração do empregado. Conquanto pagas por terceiro, titulares do direito, derivante de um serviço prestado, são unicamente os empregados. Nem o sindicato, nem o empregador, portanto, têm poder de disposição em negociação coletiva sobre os valores a tal título auferidos pelos empregados responsáveis pela prestação do serviço. 4. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Processo: RR - 136-79.2010.5.05.0002 Data de Julgamento: 02/04/2014, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/05/2014. RECURSO DE REVISTA. 1. TAXA DE SERVIÇO/ GORJETA. ACORDOS COLETIVOS. RETENÇÃO. Observa-se, da leitura do art. 457, § 3º, da CLT, que se incluem na remuneração do empregado, além do salário devido, as gorjetas que receber do cliente, espontaneamente, como forma de retribuição pelo serviço que lhe foi prestado, e também aquela decorrente da cobrança da empresa, como adicional nas contas. Tanto os valores recebidos espontaneamente dos clientes, quanto aqueles cobrados como adicional nas contas pertencem aos empregados, razão pela qual não podem sofrer nenhuma retençãoa título de -indenização e ressarcimento de despesas- ou para o sindicato com a finalidade de -ampliação de sede própria e assistência social dos filiado-. Nesse contexto, é ilícita essa retenção salarial, mesmo porque, com a retenção de 37% a título de -indenização e ressarcimento de despesas-, o empregador estaria transferindo ao empregado os riscos da atividade econômica, em evidente ofensa ao art. 2º da CLT. Ademais, o art. 457 da CLT é claro ao dispor que integram a remuneração do empregado as gorjetas, dadas espontaneamente pelo cliente ou cobradas pela empresa e não prevê nenhuma outra destinação dessa verba. Assim, com fundamento nos arts. 9º e 457 da CLT, é inválida a cláusula do acordo coletivo que autorizou a retenção, pela reclamada e pelo sindicato, de parte das gorjetas arrecadadas. Portanto, tem o reclamante direito à devolução dos valores que lhe foram retidos, referentes às gorjetas. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Processo: RR - 33700-26.2009.5.05.0021 Data de Julgamento: 29/10/2013, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/02/2014. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. DIFERENÇAS SALARIAIS. PAGAMENTOS DE -PONTOS- (GORJETAS). É cediço que a Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXVI, elevou os instrumentos coletivos ao patamar constitucional, prestigiando e valorizando a negociação coletiva. Assim, com fulcro no citado dispositivo constitucional, este Tribunal Superior tem privilegiado as disposições contidas nas normas coletivas, desde que não configure afronta aos direitos trabalhistas previstos em norma cogente. In casu, verifica-se que a norma coletiva teria buscado legitimar verdadeira redução salarial por meio da retenção de percentual de taxa de serviço que compunha a remuneração dos trabalhadores, sem 8 nenhum benefício em contraposição à medida, o que se revela inaceitável. 2. MULTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Evidenciado o intuito protelatório, a imposição da multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do CPC não caracteriza ofensa ao artigo 5º, XXXV, LIV e LV, da CF. Agravo de instrumento conhecido e não provido. Processo: AIRR - 8600-56.2008.5.01.0008 Data de Julgamento: 20/11/2013, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/11/2013. Ante o exposto, nego provimento aos embargos. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhes provimento. Brasília, 13 de novembro de 2014. MÁRCIO EURICO VITRAL AMARO Ministro Relator 9