Acórdão na Íntegra IMPETRANTE : MARIA HELENA MARTINS. IMPETRADO : SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE. RELATOR : DES. JOSÉ WANDERLEI RESENDE MANDADO DE SEGURANÇA. DOENÇA DEGENERATIVA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ESSENCIAL À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE, NEGADO PELO SECRETÁRIO ESTADUAL DA SAÚDE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INSCRITO NO ART. 196 DA CF. SEGURANÇA CONCEDIDA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 84.998-5, de Curitiba, em que é impetrante Maria Helena Martins e impetrado Secretário de Estado da Saúde. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Maria Helena Martins contra ato do Secretário de Estado da Saúde, consubstanciado no não fornecimento junto ao Sistema Único de Saúde dos medicamentos Interferon Beta e Copaxone. Aduziu nas razões que acometida da doença denominada Esclerose Múltipla Progressiva, necessita de fazer uso de medicação, tratamento contínuo, por tempo indeterminado; que o custo mensal para o tratamento em torno de R$ 4.057,75 (quatro mil, cinquenta e sete reais e setenta e cinco centavos), supera o orçamento da impetrante e seu esposo; que a autoridade coatora, em que pese prescrição médica de profissional do Sistema Único de Saúde (SUS), tem se mantido omissa no que concerne ao custeio de tal tratamento por parte do Estado, maculando entre vários dispositivos legais, o art. 196 da Lei Maior, os insertos na Lei nº 8.080/90 e a Portaria nº 17, de 22 de janeiro de 1997, posto que a saúde das pessoas é direito de todos e dever do Estado; que comprovado de plano o ultraje a direito líquido e certo o perigo na demora do provimento jurisdicional emerge cristalino, bastando verificar que a doença que acomete a impetrante é grave e necessita de uma resposta rápida através de tratamento contínuo e por período indeterminado, a não ser assim, o perecimento da saúde da mesma, a cada dia em que faltarem seus remédios, poderá ser irreversível. Pleiteou concessão de medida liminar inaudita altera pars, com a determinação à autoridade coatora no sentido de prover o tratamento médico-farmacêutico, ofertando os remédios necessários durante o tempo em que a impetrante necessitar. A autoridade apontada como coatora prestou informações (fls. 40) aduzindo que seria necessário maior esclarecimento quanto ao tipo de Inferferon a ser utilizado; informou que o fornecimento dos medicamentos é realizado pelo Centro de Medicamentos do Paraná/CEMEPAR pelas Regionais de Saúde. Pelo despacho de fls. 59/60 foi deferida a liminar pleiteada, no sentido de que fosse fornecido somente o medicamento Beta Interferon S/A. Diante disso, a impetrante formulou pedido de reconsideração no sentido de ser determinado o fornecimento concomitante do medicamento Copaxone, deferido pelo despacho de fls. 70. A autoridade apontada como coatora informou às fls. 75/81 que o não fornecimento de tais medicamentos em momento algum se deve ao descaso ou omissão; que tal fato justifica-se uma vez que o medicamento Copaxone não faz parte da lista de medicamentos fornecidos pelo CEMEPAR, contudo, para o tratamento da patologia da impetrante, tem-se utilizado o medicamento Beta Interferon, padronizado e comprado regularmente para os pacientes cadastrados; que a dificuldade maior em atender ao solicitado pela impetrante, reside no fato de que em momento algum esclarece qual das versões irá utilizar, se 1A ou 1B. A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou no sentido de ser concedida a segurança pleiteada, declarando o direito da impetrante ao recebimento dos medicamentos Beta Interferon 1A e Copaxone. É o relatório. Idêntica questão controvertida já foi apreciada por este Colendo Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, quando julgado o Mandado de Segurança nº 63.893-5, datado de 23 de abril do corrente ano, em que foi relator o eminente Desembargador Ângelo Zattar, tendo assim argumentado o seu voto: A matéria em exame, embora de manejo relativamente recente, porquanto de escassa discussão nos tribunais, não enseja maiores dificuldades no seu deslinde, em vista da sua singeleza, a qual restou exaustivamente analisa da pelo Doutor Procurador de Justiça Mauro Todeschini em seu judicioso opinativo, que ora se adota como parte integrante desta decisão. A documentação anexada aos autos, comprova a submissão da impetrante a atendimento por médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde, de tal sorte que a escusa apresentada pelo impetrado não corresponde á realidade fática. Como bem destacou o ilustre Procurador citado, in verbis. In casu, cabe ressaltar que há prova de escorreita indicação médica para utilização do medicamento lnterferon Beta 1ª na dosagem 3.000.000 UI, via parenteral, tanto que dois profissionais capacitados, inclusive um deles atendendo a impetrante pelo Sistema Único de Saúde, prescreveram sobredito fármaco, indicação terapêutica esta que se encontra reconhecida e recomendada nos próprios atos do Ministério da Saúde. Ainda que não fosse suficiente tal justificativa, a impetrante encontra sustentáculo ao seu pleito em a norma do art. 196 da Carta Magna, que encerra: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário ás ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" Ora, este preceito é por demais elástico inadmitindo as restrições impostas pelo impetrado. Consequentemente, está caracterizada a violação ao direito líquido e certo da impetrante, havendo, portanto, que ser ele restaurado. Naquela oportunidade, participei da referida Sessão de julgamento, e acompanhei como todos os demais integrantes deste II Grupo de Câmaras, o voto do relator, o qual foi acordado por unanimidade de votos. Ainda mantendo aquele entendimento, agora com o reforço das judiciosas manifestações do ilustre Procurador de Justiça, José Antonio Pereira da Costa, emitido no parecer sob nº4037, nos autos de Mandado de Segurança nº 70.069-5, em que foi Relator o Des. Octávio Valeixo onde merece destaque o seguinte trecho: O direito à saúde não se reduz por ato unilateral daquele que devia prestá-lo, sendo qualquer modalidade de tratamento, desde que alicerçada em recomendação de profissional habilitado, incluída na amplitude do princípio da integralidade de atendimento, pois como bem adverte Sueli Gandolfi Dalíari: "Alguns outros princípios, que interessam igualmente à saúde, foram positivados na Lei Magna, explicitando e tornando imediatamente exigíveis os valores por eles expressos. É o caso da afirmação do Brasil como Estado Democrático de Direito, fundado na dignidade da pessoa humana, cujos objetivos incluem a redução das desigualdades sociais e promover o bem de todos (CF art. 1º, III, e art. 3º, III e IV). Mas, envolvem, igualmente, a obrigação de que toda propriedade atenda sua função social, a garantia de que todos os direitos e liberdades constitucionais serão sempre viabilizados e a segurança de que todos os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (CF art. 5º, XXIII, LXXI e § 1º). Portanto, qualquer aplicador do conceito jurídico de saúde está constitucionalmente obrigado a prestá-lo considerando a realização da função social da propriedade e a imediata exigência em todos os níveis do direito à saúde, definido como direito social (CF, art 6º). Isto significa que ninguém, legislador ou administrador, pode alegar a ausência de norma regulamentadora para justificar a não aplicação imediata da garantia do direito à saúde (in Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde, editora Hucitec, 1995, p. 31). Inobstante da impetração não se revestir dos elementos necessários à caracterização do ato administrativo eivado de ilegalidade ou de abuso de poder, a prova da existência de outra ação da mesma natureza e com a mesma finalidade, aliada à circunstância de estar o impetrante postulando seu direito no âmbito da administração através do Ministério Público, demonstra suficientemente a omissão do impetrado quanto à satisfação do interesse legalmente protegido, equiparando-se ao ato administrativo propriamente dito para os efeitos do mandamus, em face de acarretar lesão a direito subjetivo da parte. Tampouco pode obstar a pretensão do impetrante a circunstância de haver por primeiro procurado a rede particular de saúde, por não estar obrigado a valer-se exclusivamente do sistema público, sendo válida sua opção pelo atendimento privado, nos termos da citada Lei 8.080/90, até o limite de suas possibilidades. Se assim não fosse, evidente se consubstanciaria afronta aos princípios da universalidade e igualdade de todos os serviços públicos com a discriminação de quem, porventura, tenha lançado mão do serviço particular. Estando, pois, pelas disposições legais e constitucionais mencionadas, claro ser a saúde direito de todos, indiscriminadamente, não pode o Poder Público opor restrições quando o próprio texto legal determina sua amplitude. A jurisprudência não discrepa do mesmo entendimento. "Mandado de Segurança. O preceito do art. 198 da Carta Política deixou de ser meramente programático mercê da edição da Lei Federal nº 8.080/90. É dever do Estado contribuir para manutenção da saúde dos cidadãos inclusive prestando assistência farmacológica aos necessitados. O direito à vida é o mais fundamental dos direitos, sendo a assistência à saúde a via principal para assegurá-lo. Segurança concedida. (TJRJ, 5º Grupo de Câmaras Cíveis, MS 47/96, Rel. Des. Carlos Motta). Não há dúvida alguma, como se vê, de que os medicamentos devem ser fornecidos pela Central de Medicamentos do Paraná, a fim de garantir o tratamento adequado da doença de que a impetrante é portadora. Ante o exposto: ACORDAM os Desembargadores integrantes do II Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça, em conceder a segurança pleiteada, declarando o direito da impetrante ao recebimento dos medicamentos Beta Inferteron IA e Copaxone, na dosagem prescrita e por tempo indeterminado. Estiveram presentes à sessão e votaram com o Relator os Exmos. Srs. Des. Darcy Nasser de Melo, Altair Patitucci, Ângelo Zattar, Sidney Mora e Dilmar Kessler. Curitiba, 10 de agosto de 2000. JOSÉ WANDERLEI RESENDE - Relator