RESPONSABILIDADE SUBJETIVA COM PRESUNÇÃO DE CULPA DO
EMPREGADOR NOS CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO –
INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-SISTEMÁTICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Gustavo Teixeira Ramos1
Introdução
Com a vigência do Código Civil de 2002, que prevê em seu artigo
927, parágrafo único, a responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem, prontamente surgiram vozes na defesa
de que a obrigação do empregador de reparar o dano, nos casos de acidente de trabalho, não mais
depende da comprovação de culpa.
Com efeito, o mencionado dispositivo da lei civil vem sendo invocado
em diversas peças processuais, e em algumas decisões judiciais, como fundamento jurídico a
justificar a imposição de condenações, em ações acidentárias, independentemente da verificação de
culpa do empregador.
Não é objetivo deste artigo definir qual é o melhor modelo de
responsabilidade nos casos de acidente de trabalho. Pretende-se, inicialmente, por intermédio de
uma interpretação histórico-sistemática do ordenamento jurídico, identificar o tipo de
responsabilidade estabelecido atualmente no país para a infortunística laboral. Ao final, sugere-se a
adoção da teoria de presunção de culpa do empregador, o que não interfere no paradigma de
responsabilidade adotado no Brasil, mas é essencial em prol de se alcançar justiça em casos tais.
Será possível observar que o modelo proposto não significa nem mesmo a inversão do ônus da
prova, mas permite sua produção de modo mais amplo possível. Sua adoção implica, outrossim, na
justa distribuição da responsabilidade pela produção de provas nas ações acidentárias.
Cumpre mencionar, ainda a título introdutório, que a diligência dos
operadores jurídicos em identificar no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002 o
fundamento jurídico para sustentar a responsabilidade objetiva do empregador nos casos de acidente
de trabalho é motivada pela circunstância de que a grande maioria das ações indenizatórias são
julgadas improcedentes. Em geral, atribui-se ao modelo de responsabilidade subjetiva estabelecido
na Constituição Federal de 1988 (artigo 7º, XXVIII) a causa das derrotas judiciais dos acidentados,
haja vista a enorme dificuldade para o empregado em comprovar a culpa do empregador.
Neste trabalho, após examinar a evolução histórica dos sistemas de
responsabilidade adotados no Brasil para as ações acidentárias, propõe-se a correção da
desconformidade aos padrões de Justiça, demonstrada pela quase absoluta absolvição dos
empregadores, mediante o deslocamento do eixo de exame da questão do âmbito do direito civil
para o âmbito do direito processual do trabalho.
1
Advogado em Brasília, Sócio de Alino & Roberto e Advogados, Graduado pela Universidade de Brasília e
Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
1
Evolução do sistema indenizatório e de responsabilidade pelo infortúnio laboral no Brasil
De 1822 até 1967
Responsabilidade é o “dever jurídico de responder por atos que
impliquem dano a terceiro ou violação de norma jurídica”2.
A teoria da culpa ou da responsabilidade subjetiva, segundo a qual o
empregado deve provar que a culpa pelo acidente de trabalho é do empregador, prevaleceu no
Brasil desde a Proclamação da Independência (Ordenações Filipinas) até 1919, já na vigência do
Código Civil de 1916 (artigo 159).
Durante o período de vigência dessa teoria para os casos de acidente
de trabalho, muito raramente havia qualquer reparação ao trabalhador acidentado, que se via
diminuído em sua integridade física e também alijado do mercado de trabalho, sem qualquer fonte
de renda para si e para sua família. Os motivos eram bastante simples, como bem relata Helder
Martinez Dal Col:
“Todos os documentos relacionados à empresa, aos meios de produção, aos
procedimentos operacionais e demais registros encontravam-se em poder do empregador.
As testemunhas do fato quase sempre mantinham com aquele uma vinculação de
dependência econômica e subordinação, o que possibilitava mecanismos de pressão psicológica
para evitar que qualquer pessoa depusesse em desfavor da empresa.”3
Desse cenário de absoluta injustiça para o trabalhador acidentado,
evoluiu-se no Brasil para a teoria do risco profissional, segundo a qual a responsabilidade pelo
acidente de trabalho é objetiva, isto é, independe da comprovação de culpa do empregador. A
reparação indenizatória passa a ser devida ao empregado em qualquer circunstância em que o
acidente tenha ocorrido. Tal se deu com a edição da Lei nº 3.724, de 1919.
Mister consignar que, antes do advento da adoção da teoria do risco
profissional, surgiu na França e na Bélgica, de autoria de Sauzet e Sainctelette, respectivamente, a
teoria do contrato4. Segundo essa teoria, que não chegou a ser instituída no ordenamento jurídico
brasileiro, apesar de algumas inclinações jurisprudenciais, cabia ao empregador zelar pela
segurança do empregado, por força do vínculo laboral. A idéia era que o empregado deveria ser
restituído, ao final da jornada de trabalho, com as mesmas condições físicas que possuía antes de
iniciá-la. Assim, a ocorrência de acidente no local de trabalho importava na presunção relativa da
culpa do empregador.
Em 15.1.1919, portanto, é editada no Brasil a Lei nº 3.724, que, além
de ser a primeira legislação a tratar especificamente de acidente de trabalho no país, adotou a teoria
da responsabilidade objetiva do empregador5. A teoria fundamenta-se na circunstância de que o
2
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol. 4. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 170.
DAL COL, Helder Martinez. Responsabilidade civil do empregador: acidentes do trabalho. Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
4
Idem, p. 165.
5
“A teoria da responsabilidade objetiva surge na França, com Saleilles e Josserand, que buscaram no direito
3
2
empregador beneficia-se do trabalho do empregado, expondo-o a certos riscos. Nada mais justo, por
conseguinte, que, em contrapartida, o operário seja indenizado pelo empregador caso venha a sofrer
acidente de trabalho.
Desse modo, não era mais necessário discutir de quem foi a culpa pelo
acidente de trabalho. O dever de reparar passou a ser imposto ao empregador, tratando-se de
“responsabilidade fundada no risco, sendo irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do
dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação
do agente para que surja o dever de indenizar”6.
Logo os empregadores instituíram o seguro de acidentes de trabalho,
de natureza privada. As seguradoras, por sua vez, criaram uma tabela, onde foram arbitrariamente
estabelecidos os valores de indenização, a depender da gravidade do acidente. Não importava se a
reparação não fosse plena ou se a incapacidade fosse permanente.
A teoria do risco profissional vigorou no Brasil até 1967. Entre 1919 e
1967 vigoraram ainda os Decretos-Lei 24.637/34, 7.036/44 e 293/67, que resultaram,
respectivamente, na ampliação dos beneficiários do seguro acidentário; na faculdade de acumulação
da indenização acidentária (cujo patamar era previsto no próprio Decreto-Lei nº 7.036/44) com
prestações da previdência social e indenização do direito comum, na hipótese de dolo ou culpa
grave do empregador (fundamento legal da Súmula nº 229/STF, ainda vigente); e na faculdade de o
Instituto Nacional da Previdência Social – INPS operar na área de seguros acidentários,
concorrentemente à iniciativa privada.
Ainda nesse período, a Constituição de 1934 assegurou o direito à
previdência nos casos de acidente de trabalho e determinou a instituição de seguro acidentário pelo
empregador, imposição esta que foi mantida pelas Cartas Magnas de 1946 e 1967.
De 1967 até 2002
Em 14.9.1967, com o desenvolvimento da Seguridade Social no
Brasil, é editada a Lei nº 5.316, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 61.784/67. Essa
nova legislação retirou do empregador a responsabilidade pelo acidente do trabalho. O fundamento
da modificação foi o surgimento de uma nova teoria sobre responsabilidade acidentária, intitulada
teoria do risco social.
A idéia que permeia a teoria do risco social é a de que a
“responsabilidade pelos riscos profissionais não é apenas do empregador, mas de toda a
sociedade, que irá contribuir coletivamente para seu custeio”7. Sustenta-se:
“Com efeito, não é apenas o empresário quem se beneficia dos lucros e dos
cômodos da atividade. A empresa concorre para o desenvolvimento social coletivo. Gera
empregos, faz circular a produção, desenvolve novas técnicas e produtos. É tributada e, de
seu lucro, extrai-se significativa parcela, na forma de impostos, que é direcionada ao custeio
dos serviços prestados pelo Estado a toda a população.
romano os fundamentos para uma nova concepção de responsabilidade, fundada na equidade.” Idem, p. 167.
6
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit, p. 181.
7
DAL COL, Helder Martinez. Op. Cit. p. 170.
3
Não pode, portanto, o empregador, suportar sozinho todos os ônus da atividade,
simplesmente por ter objetivo de lucro. (...).
A empresa tem, portanto, uma função social e a sociedade financia o seguro de
acidentes, por intermédio da Previdência Social.”8
Portanto, a partir da vigência da Lei nº 5.316/67, a responsabilidade
objetiva nos casos de acidente de trabalho passou a ser atribuída ao Estado, por intermédio da
Previdência Social, e não mais ao empregador. Um pouco mais tarde, a Emenda Constitucional nº
1, de 1969, estabeleceu o direito ao seguro contra acidentes do trabalho mediante contribuição da
União, do empregador e do empregado (artigo 165, XVI).
Entre as vantagens do sistema de indenização automática pelo Estado,
destacam-se a maior celeridade e a segurança de pagamento para a vítima, que não mais precisa
esperar anos na Justiça para receber a prestação mensal substitutiva de sua remuneração.
Além disso, segundo a teoria do risco social, é irrelevante a culpa do
trabalhador, como já era na vigência da teoria do risco profissional. Quer isso dizer que “mesmo em
se tratando de culpa exclusiva do trabalhador, não ficará desguarnecido de cobertura securitária,
pois é beneficiário incondicional da previdência social, cujo dever de indenização é objetivo.
Nestes casos, o trabalhador fica segurado contra sua própria conduta culposa.”9
Sucederam-se as Leis 6.195/74 (que integrou o trabalhador rural ao
regime da Previdência Social - Funrural) e 6.367/76 (regulação geral sobre acidentes do trabalho),
sem que houvesse inovação no sistema de responsabilidade acidentária no Brasil.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, consagrou-se a
cumulatividade da reparação acidentária a cargo da Previdência Social (responsabilidade objetiva)
com a indenização devida pelo empregador nas hipóteses de dolo ou culpa (responsabilidade
subjetiva). Realmente, assim dispõe a Carta Magna de 1988:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
Outrossim, consoante se observa do dispositivo supratranscrito, a Lei
Maior ainda atribuiu ao empregador a exclusividade do financiamento do seguro acidentário e
eliminou a qualificação (grave) da culpa, prevista na Súmula nº 229 do Supremo Tribunal Federal10,
no tocante à responsabilidade subjetiva.
Pouco tempo depois, as Leis 8.212/91 e 8.213/91 são editadas para
estabelecer as regras para o segurado ter direito aos benefícios da Previdência Social.
Frise-se que a Lei nº 8.213/91, que incorporou a legislação acidentária
8
Idem, ibidem.
Idem, p. 173-174.
10
STF Súmula nº 229: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa
grave do empregador.”
9
4
à legislação de benefícios da Previdência Social, prevê em seu artigo 120 que, “nos casos de
negligência quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a
proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os
responsáveis”. Ademais, a referida Lei estabelece em seu artigo 8611 o direito do segurado ao
auxílio-acidente mensal e vitalício (até a aposentadoria), correspondente a 50% (cinqüenta por
cento) do salário-de-benefício, na hipótese de redução permanente da capacidade de trabalho do
segurado. Por seu turno, a Lei nº 8.212/91 fixou, entre outros aspectos, os valores que são devidos
pelo empregador para o financiamento dos benefícios acidentários12.
As legislações subseqüentes (Leis 9.032/95 e 9.528/97, Emenda
Constitucional nº 20/98 e Decreto-Lei nº 3.048/99), apesar de abordarem diversos aspectos
pertinentes à Previdência Social, mantiveram a sistemática de responsabilidade acidentária prevista
na Lei Maior, até o advento do Código Civil de 2002.
O advento do Código Civil de 2002
A controvérsia relativa à qualificação da responsabilidade do
empregador pelo acidente de trabalho ressurgiu recentemente, com a edição do Código Civil de
2002, cuja vigência deu-se a partir de 10 de janeiro de 200313.
O dispositivo que resgatou a discussão em torno do tema consigna:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Porque a grande maioria de ações indenizatórias são julgadas
improcedentes, diligentes operadores jurídicos prontamente identificaram no parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil de 2002 a solução para reverter esse cenário: a responsabilidade do
empregador, com a vigência do Novo Código Civil, teria se tornado objetiva, isto é,
independentemente da comprovação de culpa.
É desnecessário mencionar novamente o apuro do hipossuficiente na
busca de produzir as provas de culpa do seu empregador pelo acidente de trabalho sofrido.
11
“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das
lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o
trabalho que habitualmente exercia.”
12
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
(...)
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e
daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do
trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e
trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja
considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.”
13
Por força da vacatio legis de 1 (um) ano prevista no artigo 2.044 do Código Civil de 10 de janeiro de 2002.
5
Consoante registro anterior, tal aspecto culminou com a edição da Lei nº 3.724 em 1919.
As dificuldades dessa interpretação do ordenamento jurídico nacional,
contudo, já se iniciam a partir de uma leitura atenta do próprio parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil de 2002. É que a atividade criadora de risco, segundo o mencionado dispositivo, deve
ser a preponderante do empregador, e não aquela realizada pelo empregado. Assim, mesmo quando
a função do empregado for perigosa, se a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador não
for, não haverá que se falar em responsabilização independentemente de culpa.
Se a intenção do legislador foi ou não essa, o fato é que, da forma
como está redigido o preceito legal, somente nas hipóteses de acidente sofrido no exercício de
atividade precípua e naturalmente perigosa do empregador haverá responsabilidade objetiva. Frisese, outrossim, que o Código Civil de 2002 não especificou quais atividades são consideradas
naturalmente perigosas. Portanto, esse aspecto deverá ser estabelecido pela jurisprudência.
Apesar dessa primeira dificuldade em prol do reconhecimento da
responsabilidade objetiva do empregador na totalidade dos casos de acidente de trabalho, as
principais e alternativas questões que se colocam em face da vigência do Novo Código Civil são as
seguintes, a depender do ponto de vista da relação jurídica:
1) pode-se admitir que o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002 prevaleça
frente ao artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal? (pergunta do ponto de vista patronal);
2) será o artigo 927 do Código Civil de 2002 compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Lei
Maior? (dúvida do empregado).
A resposta à pergunta patronal é, obviamente, negativa, haja vista o
princípio da supremacia da Constituição rígida frente às normas infraconstitucionais, consagrada no
ordenamento jurídico pátrio.
Quanto à pergunta do trabalhador, autorizadas vozes vêm defendendo
a perfeita compatibilidade do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002 com o artigo
7º, XXVIII, da Carta Magna.
Nesse sentido, apesar das várias teses levantadas em favor da
compatibilidade, o único argumento que coteja realmente os dispositivos é o de que o artigo 7º,
XXVIII, da Lei Maior está inserido no rol de garantias mínimas do trabalhador (artigo 7º, caput14),
e, por isso, não há impedimento constitucional a que determinada legislação infraconstitucional
consagre uma responsabilidade maior do empregador nas hipóteses acidentárias. O que não poderia
ocorrer seria o contrário, isto é, autorizar-se que uma lei ordinária prevalecesse frente à
Constituição, prejudicando justamente os valores que a Carta Magna buscou preservar (no caso, o
valor social do trabalho, da dignidade da pessoa humana etc).
Apesar das inclinações pró-acidentado deste autor, com a máxima
vênia, entende-se que a Constituição Federal não só buscou garantir o direito do trabalhador à
cumulação do seguro acidentário com a indenização patronal, mas também impôs a verificação da
culpa do empregador, na hipótese de infortúnio laboral, para fins indenizatórios.
14
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: (...) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
6
Como visto, a evolução histórica do sistema de responsabilidade
acidentária no Brasil evidencia que a responsabilidade objetiva, vigente de 1919 até 1967, visou à
proteção do trabalhador enquanto alijado completamente de qualquer política pública que o
protegesse na hipótese de incapacidade total ou parcial para o trabalho. De fato, nesse período, se
algum acidente incapacitasse sua força laboral, o trabalhador e sua família seriam relegados à fome
e à rua. Não havia um regime de Previdência Social que o albergasse na hipótese do infortúnio
laboral, razão pela qual era plenamente justificável a previsão legal da responsabilidade objetiva do
empregador. Atualmente, porém, a Previdência Social assegura, entre outros, os seguintes
benefícios para o trabalhador acidentado: auxílio-doença acidentário15, auxílio-acidente16 e
aposentadoria por invalidez17.
Sob outro prisma, não se pode desprezar, no contexto atual, a
vantagem social da criação de empregos no Brasil. Não se pode olvidar que o sistema de
responsabilidade acidentária vigente no país ancora-se justamente na teoria do risco social, que
considera de modo especial essa vantagem coletiva.
Lembre-se, outrossim, conforme já mencionado neste trabalho, que o
empregador, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, passou a ser o único
contribuinte para o seguro acidentário - sob responsabilidade da Previdência Social, mas com
contribuições exclusivamente patronais.
Considere-se ainda que o modelo atual determina a responsabilidade
objetiva da Previdência Social nos casos de acidente de trabalho. Desse modo, mesmo se vier a ser
comprovada a culpa exclusiva do empregado, a Autarquia Federal deverá pagar o benefício ao
segurado acidentado.
Por tais motivos, não parece correta a exegese de que, com a vigência
do Código Civil de 2002, a responsabilidade patronal pelo acidente de trabalho passou a ser
objetiva, isto é, independentemente da comprovação de culpa. A evolução histórica-sistemática da
legislação constitucional e infraconstitucional do Brasil, pertinente à responsabilidade acidentária,
evidencia que a teoria vigente é a da responsabilidade subjetiva do empregador em casos tais.
Se o desfecho das ações acidentárias têm sido em grande medida
desfavorável aos empregados, a melhor maneira de aproximar a Justiça das decisões judiciais, com
a máxima vênia, não é elastecer o preceito constitucional a um ponto que resulte num
descompromisso com a evolução histórica do sistema de responsabilidade social e do regime
previdenciário vigente. Acredita-se que o melhor meio de se alcançar decisões justas seria mediante
uma melhor distribuição do ônus da prova, que, no particular, só pode ser feita mediante a
presunção de culpa do empregador nas ações acidentárias.
15
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de
carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15
(quinze) dias consecutivos.”
16
“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das
lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o
trabalho que habitualmente exercia.”
17
“Art. 44. A aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda
mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III,
especialmente no artigo 33 desta Lei.”
“Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra
pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).”
7
O modelo da culpa presumida do empregador no acidente de trabalho
Dizer que a responsabilidade do empregador nos acidentes de trabalho
é subjetiva, isto é, dependente da comprovação de culpa patronal, não significa que não se possa
presumir a culpa do empregador pelo infortúnio laboral. Aliás, sugere-se neste trabalho que a culpa
do empregador nas ações acidentárias deve ser presumida.
Ao se presumir a culpa do empregador, o que se faz é exigir dele, e
não mais do subordinado jurídico que se acidentou, a comprovação do cumprimento da legislação
de saúde e segurança no trabalho. Apenas isso. Não se trata de exigir do empregador a produção de
prova negativa, já que, v.g., os cuidados com o ambiente de trabalho, a manutenção de máquinas, o
treinamento do empregado, a exigência de utilização de equipamentos de proteção individual etc
são fatos facilmente comprovados mediante documentos que são especificamente produzidos para
esses fins ou por intermédio da produção de prova testemunhal facilmente obtida, considerando-se
que as testemunhas serão os próprios empregados da empresa-ré.
Sob outro prisma, quando não se adota o modelo da culpa presumida
do empregador, o trabalhador é quem deve produzir a prova testemunhal, pois não possui acesso
aos documentos da empresa. Essa exigência, com a máxima vênia, é extremamente prejudicial ao
hipossuficiente, já que as testemunhas, em geral, são empregadas do Reclamado e, num contexto de
desemprego alarmante, sentem-se psicologicamente pressionadas a não depor em desfavor de seu
empregador, o que poderia prejudicar, senão seu emprego, sua carreira profissional.
Ademais, quando o trabalhador acidentado consegue uma testemunha
destemida para depor, na maioria das vezes ela desconhece os detalhes que a legislação de saúde e
segurança no trabalho exige do empregador, podendo relatar, no máximo, o não-fornecimento ou a
não-fiscalização da utilização de equipamentos de proteção , ou ainda a ausência de treinamento.
De outro lado, a justificar o modelo da culpa presumida está a
obrigatoriedade legal que tem o empregador de evitar a ocorrência do acidente de trabalho. Tal o
que determina o artigo 157 da CLT, in verbis:
“Art. 157. Cabe às empresas:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções
a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional
competente;
IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.”
O simples fato de o empregador contribuir sozinho para o Seguro de
Acidentes de Trabalho, fonte do direito ao benefício previdenciário acidentário, não é suficiente
para reparar o acidente que, além de incapacitar, mutila o empregado física e psicologicamente.
Outrossim, o empregado afastado pelo Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS em decorrência do acidente de trabalho percebe apenas 91% (noventa e um por
8
cento) de seu salário-de-contribuição18, menos, portanto, que sua remuneração na empresa, e ainda
deverá desembolsar numerário com deslocamentos, medicamentos e consultas médicas.
Com efeito, o intuito da legislação de segurança e saúde no trabalho,
prevista na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, nas Normas Regulamentares do Ministério
do Trabalho e Emprego e nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho adotadas pelo
Brasil, é o de prevenir os acidentes de trabalho, preservando, com isso, a saúde e a integridade
física e psíquica do trabalhador.
Ao descumprir as referidas normas, o empregador incorre em
contravenção penal, devendo arcar com o pagamento de multa, prevista tanto no artigo 19, §2º, da
Lei nº 8.213/9119 quanto no artigo 201 da CLT20. Porém, não é só. Se ocorrer um acidente de
trabalho por negligência do empregador, caberá ao INSS promover ação regressiva relativa aos
valores pagos em favor do segurado acidentado, a título de auxílio-doença acidentário21. Ainda, a
depender da gravidade do acidente, responderá o empregador por homicídio, tentativa de homicídio,
lesão corporal grave etc.
Ora, se a ocorrência de um acidente de trabalho tem reflexos tão
graves para o empregador na seara jurídica, nada mais natural que lhe exigir, em determinada ação
cujo objeto é a reparação de danos materiais e morais ao acidentado, a comprovação de observância
estrita da legislação preventiva constante do ordenamento jurídico pátrio.
Fazendo-se um paralelo com as hipóteses de acidente de trânsito, é
pacífico no meio social hoje em dia, por força da maciça jurisprudência a respeito, que se presume a
culpa de quem bate com seu carro na traseira do veículo imediatamente à sua frente. Isso porque a
legislação de trânsito prevê o dever do motorista de manter distância regulamentar do veículo da
frente, além da obrigação de observar o limite de velocidade máxima previsto para a rodovia. Cabe
ao motorista de trás, por conseguinte, provar que não teve culpa do acidente, vale dizer, provar que
observou a legislação de trânsito vigente. Sob idêntica linha de raciocínio, por que não são exigidas
do empregador provas de observância da legislação de saúde e segurança do trabalho nas hipóteses
de acidente de trabalho?
Na verdade, a busca da solução (justiça) para o grande número de
improcedências das ações acidentárias passa mais pelo sistema processual relativo ao ônus da prova
do que pela teoria da responsabilidade adotada para julgamento da ação acidentária.
Nesse particular, é relevante relembrar que, recentemente, ao
interpretar o artigo 114, VI, da Lei Maior na sessão de julgamento do Conflito de Competência nº.
18
“Art. 61. O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente de trabalho, consistirá numa renda mensal
correspondente a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III,
especialmente no artigo 33 desta Lei.”
19
“Art. 19. §2º. Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de
segurança e higiene do trabalho.
20
“Art. 201. As infrações ao disposto neste Capítulo relativas à medicina do trabalho serão punidas com multa
de 30 (trinta) a 300 (trezentas) vezes o valor de referência previsto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 6.205, de 29 de
abril de 1975, e as concernentes à segurança do trabalho com multa de 50 (cinquenta) a 500 (quinhentas) vezes o
mesmo valor.
Parágrafo único. Em caso de reincidência, embaraço ou resistência à fiscalização, emprego de artifício ou simulação
com o objetivo de fraudar a lei, a multa será aplicada em seu valor máximo.”
21
“Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas
para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.”
9
7.204 (Relator Ministro Carlos Britto, DJ de 9.12.2005), o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal
Federal proclamou a competência material da Justiça do Trabalho para julgar as ações de reparação
de danos moral e material, que envolvam empregado e empregador, por acidente de trabalho.
Ora, o direito à indenização acidentária é um direito tipicamente
trabalhista, previsto na Lei Maior (artigo 7º, XXVIII) no capítulo II, intitulado “Dos direitos
sociais”. Assim, o ônus da prova, nas causas acidentárias, deve ser regido pelo artigo 818 da CLT,
que dispõe, in litteris: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”.
Como bem observa Manoel Antônio Teixeira Filho:
“A CLT ao estatuir, no art. 818, que 'A prova das alegações incumbe à parte
que as fizer', demonstra, à evidência plena, que possui dicção expressa e específica sobre a
matéria, desautorizando, desta maneira, que o intérprete – a pretexto de que o art. 769 do
mesmo texto o permite – incursione pelos domínios do processo civil com a finalidade de
perfilhar, em caráter supletivo, o critério consubstanciado no art. 333 e incisos. Não seria
equivocado asseverar-se, portanto, que tais incursões são irrefletidas, pois não se têm dado
conta de que lhes falece o requisito essencial da omissão da CLT.”22
Com efeito, nas ações acidentárias em geral, o trabalhador narra
inicialmente como ocorreu o acidente (quase sempre incontroverso) e atribui a culpa ao
empregador. Que culpa seria essa? Culpa pelo descumprimento da legislação referente à saúde e
segurança no trabalho. Em sede de contestação, o empregador, quando não tenta atribuir a culpa
exclusiva pelo acidente ao empregado, no mínimo diz que observou a integralidade da legislação
protetiva. Em suma, o empregado diz que “não houve descumprimento da legislação” e o
empregador diz que “houve descumprimento da legislação”.
Como se observa, ambas as partes fazem alegações, só que inversas.
Seria correto, então, à luz do artigo 818 da CLT, atribuir o ônus da prova ao empregado, somente
porque ele é o autor da ação? Certamente que não. Isso não só em função dos argumentos de que o
artigo 818 da CLT não atribui ao autor da ação o ônus da prova e pela circunstância de o autor ser o
hipossuficiente na relação jurídica trabalhista, mas especialmente porque o empregador é muito
mais apto a produzir as provas pertinentes ao cumprimento da legislação de segurança e saúde no
trabalho, que, por força de lei, lhe compete observar.
Como já mencionado, o empregador é o detentor de toda a
documentação pertinente ao meio ambiente de trabalho, aos eventuais treinamentos e recibos de
aquisição de equipamentos de proteção individual, além de as testemunhas serem (maioria) ou
terem sido (minoria) seus empregados. Como é possível constatar, não se trata de inversão do ônus
da prova, razão pela qual não é necessário invocar-se o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do
Consumidor23 para se exigir do empregador tal conduta. Trata-se apenas de facilitação da produção
das provas, em busca da verdade real (não apenas formal, como no direito civil). O princípio da
razoabilidade denuncia a mesma conclusão.
Portanto, é absolutamente coerente o entendimento do professor
22
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 8ª ed. São Paulo: Ltr, 2003, p. 121.
“Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;”
23
10
Manoel Antônio Teixeira Filho, segundo o qual:
“Concluímos, portanto, que o art. 818 da CLT, desde que o intérprete saiba
captar, com fidelidade, o seu verdadeiro conteúdo ontológico, deve ser o único dispositivo
legal a ser invocado para resolver os problemas relacionados ao ônus da prova no processo
do trabalho, vedando-se, desta forma, qualquer invocação supletiva do art. 333, do CPC, seja
porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque há manifesta incompatibilidade com o
processo do trabalho.
Discordamos, por essa razão, dos que sustentam ser o art. 818 da CLT,
insuficiente para disciplinar a distribuição da carga probatória entre os litigantes (com o que
se insinua a necessidade de incidência complementar da norma processual civil). Interessante
é observar que essa insuficiência somente passou a ser alegada após a vigência do atual
CPC...
Admitamos, apenas ad argumentandum, que em determinado caso o art. 818 da
CLT, se revele, efetivamente, insatisfatório para resolver a matéria; nem por isso, todavia,
deverá o intérprete, ato contínuo, arremessar-se aos braços do CPC, buscando socorro no art.
333. Constatada que seja a insuficiência do dispositivo processual trabalhista, competirá ao
julgador verificar, em concreto, quem estava apto a produzir a prova, segundo os meios e
condições de que realmente dispunha, pouco importando que se trate de prova positiva ou
negativa ou de que o interesse fosse desta ou daquela parte.
Assim, o princípio da aptidão da prova, a que já se referira Porras López, deve
ser eleito como o principal elemento supletivo do processo do trabalho, em cujo âmbito
permanecerá em estado de latência, vindo a aflorar sempre que convocado para dirimir
eventuais dificuldades em matéria de ônus da prova, proscrevendo-se, em definitivo, a
presença incômoda do art. 333 do CPC, que nada mais representa – em última análise – do
que uma abstração da realidade prática do processo do trabalho.”24
Vale lembrar, outrossim, que a CLT, em seu artigo 8º,
determina que, na falta de disposições legais ou contratuais, deve-se decidir, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normais gerais do direito,
principalmente do direito de trabalho, ou ainda de acordo com o direito comparado. A decisão,
contudo, deve sempre ser feita “de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça
sobre o interesse público”25. E qual seria o interesse público, em eventual ação indenizatória por
acidente de trabalho, senão a verificação do cumprimento, por parte do empregador, da totalidade
da legislação de saúde e segurança no trabalho? Enfim, seja por eqüidade, seja por analogia, ou
mesmo por força do princípio protetivo, o fato é que o interesse público impõe que o empregador
prove a observância da legislação protetiva ao trabalhador, em eventual ação acidentária.
Por oportuno, registre-se o posicionamento deste autor de que o
melhor sistema de distribuição do ônus da prova, especialmente onde vige o princípio da busca da
verdade real, como na Justiça do Trabalho, seria aquele que atribuísse ao agente o ônus de provar a
prática do ato. Além disso, o confesso possuidor de determinado documento deveria ter o dever
apresentá-lo em juízo, se requerido pela outra parte. Tais sugestões ficam a título de lege ferenda.
Se fossem aplicáveis, contudo, não seriam incompatíveis com a tese ora defendida, relativa à
presunção de culpa do empregador nos acidentes de trabalho, já que o empregador é o agente
24
Idem, ibidem, p. 126.
“Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais,
decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de
direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas
sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
25
11
incumbido de implementar a legislação protetiva do trabalhador, além de possuir toda a
documentação útil em casos tais.
Adote-se a linha de raciocínio aristotélico e a conclusão será a mesma.
Presume-se que a legislação de saúde e segurança no labor, elaborada pelos profissionais do
Ministério do Trabalho e Emprego, seja suficiente para evitar o acidente (premissa maior). Portanto,
se não se prova culpa exclusiva do trabalhador (premissa menor), presume-se o descumprimento da
norma protetiva trabalhista pelo empregador (ilação). Agora, se a premissa maior é equivocada, o
Estado é que será responsável por indenizar o trabalhador e, nesse caso, a responsabilidade será
objetiva, à luz do artigo 37, §6º, da Lei Maior26.
Em suma, cabe ao empregador comprovar que observou a totalidade
da legislação de segurança e saúde no trabalho, se for chamado a defender-se em eventual ação
acidentária, sob pena de ser condenado a indenizar o trabalhador vitimado.
Conclusão
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho - OIT, o
Brasil gasta 4% (quatro por cento) de seu Produto Interno Bruto (trinta e dois bilhões de reais) por
ano com despesas relacionadas a acidentes de trabalho. Segundo o Anuário da Previdência Social,
que desconsidera os trabalhadores informais, somente em 2005 ocorreram 2.700 (duas mil e
setecentas) mortes por acidente de trabalho no Brasil e 491.000 (quatrocentos e noventa e um mil)
trabalhadores sofreram lesões ou tiveram doenças por motivos ocupacionais27.
Esses dados revelam que a legislação de saúde e segurança do
trabalho vem sendo descumprida em grande medida no Brasil. A crescente ocorrência de acidentes
de trabalho no país nos últimos anos deve-se especialmente à responsabilização objetiva da
Previdência Social e ao quase insignificante número de condenações de empregadores nas ações
acidentárias, fatores esses que desmotivam as empresas à estrita observância da legislação protetiva
laboral.
Visando modificar esse cenário repugnante e vergonhoso, inclusive no
cenário internacional, um dos mecanismos propostos é a adoção, pelos operadores jurídicos,
especialmente pelos magistrados na condução da distribuição do ônus da prova nas ações
acidentárias, da teoria da culpa presumida do empregador.
A teoria da culpa presumida, conforme foi demonstrado neste
trabalho, não é incompatível com o sistema da responsabilidade subjetiva do empregador. Aliás,
consoante foi explicitado, o modelo de responsabilidade subjetiva, previsto no artigo 7º, XXVIII,
Constituição de 1988, não foi revogado pelo artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002.
Entende-se que a busca da solução (justiça) para o grande número de
improcedências das ações acidentárias passa mais pelo sistema processual relativo ao ônus da prova
26
“Art. 37. §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
27
Informações extraídas do seguinte endereço eletrônico, acessado em 21.8.2007:
www.cut.org.brhttp://www.cut.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=12528&sid=22.
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do que pela teoria da responsabilidade adotada para julgamento das ações acidentárias. Ainda,
sendo a indenização acidentária um direito de natureza tipicamente trabalhista, conforme previsão
constitucional (artigo 7º, XXVIII), o ônus da prova é regulado pelo artigo 818 da CLT.
Nesse particular, cumpre notar que a exegese correta do artigo 818 da
CLT, nos casos de ações em que se pleiteiam indenizações acidentárias, não apenas inviabilizam a
invocação do artigo 333 do CPC. Com efeito, a melhor interpretação do artigo 818 da CLT,
conjuminada, quando necessário, com o artigo 8º da CLT, possibilita ao operador jurídico,
especialmente aos magistrados, que a distribuição do ônus da prova seja feita do modo mais justo
possível, adequando-se, quando necessário, ao princípio da aptidão da prova, que atribui o ônus à
parte com maior capacidade de produzi-la – sem dúvida o empregador, nas ações acidentárias.
Destarte, com a adoção da teoria da responsabilidade subjetiva com
culpa presumida do empregador nos casos de infortúnio laboral, acredita-se, haverá maior respeito
tanto ao ordenamento jurídico em vigor quanto ao trabalhador acidentado que procura justa
indenização.
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responsabilidade subjetiva com presunção de culpa do empregador