O CONSUMIDOR E SEUS DIREITOS DIANTE DE ERROS
MÉDICOS E FALHAS DE SERVIÇOS HOSPITALARES
Andréa de Almeida Brunhari e
Ênio Santarelli Zuliani
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Regime Jurídico da Responsabilidade Civil
na Área de Saúde; 2.1 Noções Gerais; 2.2 Médicos - Obrigação de Meio
e Responsabilidade Subjetiva; 2.3 Responsabilidade no Caso de
Cirurgia Plástica Embelezadora; 2.4 Hospitais e demais Prestadores de
Serviços - Responsabilidade Objetiva. 3 A Questão da Prova na
Responsabilidade Civil Médica; 3.1 Responsabilidade dos Médicos Obrigação
de
Meio
-
Ônus
da
Prova
é
do
Paciente;
3.2
Responsabilidade dos Hospitais - Responsabilidade Objetiva - Prova
das Excludentes. 4 Inversão do Ônus da Prova; 4.1 Conceito e
Cabimento; 4.2 Carga Dinâmica da Prova. 5 A Função do Perito. 6
Conclusão.
1 Introdução
A saúde é um valor que dignifica a vida de forma igual ou superior à
própria liberdade, e o homem, enquanto não consegue o milagre da
imortalidade, não se cansa de aprimorar, por meio de seus médicos, as
técnicas
que
lhe
assegurem
longevidade
qualificada.
Apesar
desse
elogiável esforço médico, há um aspecto que merece atenção e que tem a
ver com o crescente número de ações nas quais são relatados danos
suportados por aqueles que se submetem a tratamentos médicos e
intervenções cirúrgicas. Em 2008, uma pesquisa do STJ já revelava um
aumento de 200% no número de processos por erro médico. Em um só
1
ano, quase 400 novos processos foram autuados por esse motivo, a
maioria questionando a responsabilidade civil dos profissionais 1.
Ademais, estudos do Cremesp, concluídos em 2007, apontaram um
aumento, em sete anos, no número de médicos denunciados (75%) e de
processos em andamento (120%). Apurou-se que 35% das denúncias e
43% dos processos contra médicos estariam relacionados à suposta má
prática profissional (imprudência, imperícia ou negligência), sendo que, no
período, 1.250 médicos foram punidos após julgamento. Dentre as
especialidades médicas, a da cirurgia plástica figura como campeã das
reclamações. Em 2008, revelou-se que cerca de 97% dos médicos que
responderiam a processos ético-profissionais, relacionados a cirurgias
plásticas e procedimentos estéticos, não possuíam título de especialista na
área. A publicidade irregular ou enganosa deu ensejo a cerca de 67% dos
processos, enquanto as denúncias de má prática profissional responderiam
por cerca de 28% dos processos éticos que envolvem suposta má prática
(negligência, imperícia ou imprudência) 2.
É preciso observar que, dentre outros fatores, a falta de quantidade
suficiente de médicos e hospitais estruturados, as falhas na relação e na
comunicação entre os profissionais e seus pacientes e até os problemas de
formação acadêmica contribuem para a verificação crescente de pedidos
de indenizações dos danos morais, físicos e estéticos e, a cada dia, ficam
mais acentuadas as dificuldades para compor tais interesses. O CDC (Lei
nº 8.078/90), embora atue em favor dos pacientes, não é, ainda, solução
para o impasse.
Conforme já manifestado anteriormente por Ênio Santarelli Zuliani:
"Com o consumidor exigindo cada vez maior eficiência, estimulado,
1
Conforme
noticiado
no
site:
<http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89920>
.
2
De
acordo
com
notícia
do
site:
<http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=SaladeImprensa&acao=sala_imprensa&id=185>
2
também, pelo progresso dos aparelhos médicos e hospitalares que
garantem os resultados, a relação entre paciente e médico perdeu o
encanto que a credibilidade insuspeita outorgava. Não se sabe se, bem por
isso, ou pela má-formação deles, os erros médicos agravaram-se em
quantidade e variedade, assustando os juízes, que, perplexos com o
crescimento e com a complexidade da matéria, vacilam no exame de
alguns casos concretos e, com isso, perdem a oportunidade de construção
de uma jurisprudência saudável. A política de interesse do consumidor
deverá contagiar a função jurisdicional" 3.
Os Juízes não se esquecem da advertência de Spencer Vampré 4 no
sentido de que "o Direito Civil vê por trás do ato ilícito, não simplesmente o
agente, mas principalmente a vítima, e vem em socorro dela, para tanto
quanto lhe é permitido, restaurar o seu direito ferido" e, cônscios da
responsabilidade preconizada pelo art. 5º, XXXV, da CF, procuram atender
as reivindicações justas, sempre com a lembrança de que os médicos são,
na quase absoluta maioria, abnegados profissionais que lutam pela
conservação
condições
da
vida,
adversas.
atuando
Os
com
erros
indiscutível
cometidos
boa-fé,
não
mesmo
em
comprometem
a
essencialidade e o respeito da carreira médica e são pontuais, sendo que
as sentenças condenatórias servem às vítimas e à sociedade, esperando
que tais reprovações sirvam de estímulo para avanços da segurança aos
pacientes.
Ressalte-se que a responsabilidade civil na área de saúde é matéria
que está em constante desenvolvimento, na medida em que acompanha o
próprio progresso da medicina, e a jurisprudência não perde esse ritmo.
Era unânime, por exemplo, o entendimento de que o chefe da equipe
médica
e
o
hospital
poderiam
responder
pelo
erro
cometido
3
pelo
"Inversão do ônus da prova na ação de responsabilidade civil fundada em erro
médico", RT 811/2003, p. 52.
4
Código Civil brasileiro, p. 131.
3
anestesista, especialmente diante do vínculo de subordinação entre eles.
Cite-se, como exemplo, o REsp 53.104/RJ (STJ, Ministro Waldemar
Zveiter, DJ 16.06.97)
5
, a Apelação 994.08.016551-1 (TJSP, Rel. Ênio
Santarelli Zuliani, j. 13.05.2010)
6
e a Apelação 990.10.014137-6 (TJSP,
Rel. Francisco Loureiro, j. 09.09.2010) 7. Quando não se identifica a causa
específica do dano (anônimo), é razoável eximir a vítima de provar a culpa
de um ou de outro membro da equipe, principalmente por o paciente
5
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO
CIRURGIÃO (CULPA IN ELIGENDO) E DO ANESTESISTA RECONHECIDA PELO
ACÓRDÃO RECORRIDO. MATÉRIA DE PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ. I - O médico chefe
é quem se presume responsável, em princípio, pelos danos ocorridos em cirurgia, pois,
no comando dos trabalhos, sob suas ordens é que executam-se os atos necessários ao
bom desempenho da intervenção. II - Da avaliação fática resultou comprovada a
responsabilidade solidária do cirurgião (quanto ao aspecto in eligendo) e do anestesista
pelo dano causado. Insuscetível de revisão esta matéria a teor do enunciado na Súmula
nº 7/STJ. III - Recurso não conhecido."
6
"Agravos retidos não providos e provimento, em parte, dos recursos de apelação.
Hipótese de inexplicável e absurdo risco compartilhado por médicos (clínico, cirurgião e
anestesista) ao realizarem cirurgia de hemorroidas, com anestesia geral, permitindo, por
falta de prévia avaliação do paciente sobre reações adversas, que sucedesse parada
cardiorrespiratória no pós-cirúrgico. Responsabilidade dos membros da equipe,
notadamente do clínico que atuou como auxiliar cirúrgico e não advertiu o anestesista
(por ele escolhido) sobre as condições adversas do paciente (ansioso e com
antecedente de parada cardíaca), o que constitui falta grave pela imprudente, negligente
e imperita atuação do anestesista, considerado médico sem condições (idoso) de
cumprir a tarefa. Vínculo do cirurgião que permitiu a anestesia em tais condições.
Procedência do recurso dos autores para incluir o 13º salário na pensão, para admitir o
direito de acrescer com a maioridade do filho da vítima e para elevar a verba honorária,
anotado que a constituição de capital já houvera sido determinada na antecipação de
tutela. Provimento, em parte, dos recursos dos requeridos para fixar (reduzindo) o
quantum do dano moral em R$ 200.000,00 para cada um dos autos (companheira e
filho) com atualização a partir do presente julgamento e excluir a multa por litigância de
má-fé."
7
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. Filho dos autores que, ao ser submetido
a cirurgia para retirada de adenoide e amídalas nas dependências da ré, sofreu danos
neurológicos irreversíveis, em virtude de falta de oxigenação no cérebro durante a
cirurgia, segundo os laudos periciais carreados aos autos. Possível a responsabilização
do hospital pelos danos causados. Preposição fundada não em relação de subordinação
entre a instituição, o médico e o anestesista que realizaram a cirurgia, mas sim na
direção econômica e organizacional do hospital sobre os profissionais que nele atuam.
Conceito funcional de preposição. Danos materiais e morais evidentes. Indenização por
danos materiais que abrange não apenas os gastos já efetuados com o tratamento do
menor, mas também as despesas futuras a este título. Necessária majoração da
indenização por danos morais, a fim de atender as funções reparadora e punitiva da
indenização. Devida ainda a atribuição de pensão mensal vitalícia, considerada a
incapacidade laboral permanente do menor e o fato de seus pais auferirem parcos
rendimentos. Incabível o acolhimento do pedido de indenização por lucros cessantes, a
fim de evitar duplo ressarcimento pelo mesmo fato. Responsabilidade civil contratual,
não aquiliana. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
Recurso da ré não provido e dos autores parcialmente provido."
4
desconhecer como os médicos se reuniram e como trabalharam, o que
justifica responsabilizar o chefe, anota Matilde Zavala de Gonzalez 8.
Acontece que, em data recente, a Segunda Seção do STJ decidiu de
forma inversa ao acolher embargos de divergência em virtude de julgado
da 4ª Turma 9, reconhecendo que o chefe da equipe médica não responde,
solidariamente, por erro médico cometido pelo anestesista que participou
do procedimento cirúrgico (EREsp 605.435/RJ, conforme noticiado no site
do STJ, aos 30.09.2011).
O caso era de paciente que se submeteu a cirurgia plástica e sofreu
parada cardiorrespiratória e graves danos cerebrais. De acordo com a
decisão, somente caberia a responsabilização solidária do chefe da equipe
médica se o causador do dano tivesse atuado na condição de subordinado
e sob seu comando, o que a digna Ministra Nancy Andrighi reconheceu e
fundamentou seu voto vencido com apoio na figura da cadeia de
fornecimento do serviço (art. 34 c/c art. 14 do CDC), sendo seguida pelos
Ministros Massami Uyeda, Luis
Felipe Salomão e Paulo
de Tarso
Sanseverino.
Por outro lado, os Ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio
Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi divergiram em parte, e o
relator para o acórdão (Ministro Raul Araújo) consignou que deveria
prevalecer a tese de que, se o dano decorre exclusivamente de ato
praticado por profissional que, embora participante da equipe médica, atua
autonomamente em relação aos demais membros, sua responsabilidade
deve
ser
apurada
de
forma
individualizada,
excluindo-se
aí
a
responsabilidade do cirurgião-chefe.
8
Responsabilidad por riesgo, 2. ed., p. 191, § 41.
O Acórdão da 4ª Turma foi alvo de comentários de Francisco Paulo de Crescenzo
Marino (O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do Direito Privado, p. 413)
eleito como um divisor de águas sobre a responsabilidade do cirurgião por ato do
anestesista.
9
5
O julgamento mencionado está em consonância com o entendimento
de que a noção de independência do anestesista 10 tem prevalecido sobre a
ideia de que o cirurgião-chefe seria responsável por todos os problemas
acontecidos durante a intervenção cirúrgica. Ótima diretriz para solução
desse tipo de conflito foi fornecida por Jaime Santos Briz
11
com base na
teoria da divisibilidade da prestação, argumentando que o anestesista
funciona com autonomia e, pela sua especialidade, passa a ser o único
responsável pelos danos de sua atividade; todavia, e na impossibilidade de
concretizar a divisibilidade, todos respondem solidariamente.
Trata-se,
portanto,
de
exemplo
da
constante
atualização
dos
conceitos em matéria de responsabilidade civil no campo médico e, sobre o
assunto,
convém
lembrar
que
o
magistrado
deve
estar
atento
às
circunstâncias do caso concreto, diferenciando hipóteses em que o
anestesista realmente atua de forma autônoma, diferente daquelas em que
a subordinação prevalece até mesmo pelo fato de a escolha do profissional
ter derivado exclusivamente do chefe da equipe, sem qualquer participação
do paciente (culpa in eligendo e in vigilando).
2 Regime Jurídico da Responsabilidade Civil na Área de Saúde
2.1 Noções Gerais
O cerne da responsabilidade civil está na ideia de que quem causa
um dano a outrem deve providenciar a sua integral reparação, não se
podendo perder de vista, portanto, os pressupostos da obrigação de
10
Nesse sentido, Hamid Charaf Bdine Júnior afirma que o cirurgião-chefe não pode mais
ser visto como responsável pela conduta do anestesista, já que cada qual tem sua
autonomia. ("Responsabilidade civil em infecção hospitalar e na anestesiologia". In:
Responsabilidade civil da área de saúde, Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 125).
11
La responsabilidad civil, 7. ed., vol. II, p. 919.
6
indenizar: ação, dano e nexo de causalidade, delineados no art. 927 do
CC.
No campo médico, pode-se dizer que a ação consiste em uma lesão
do direito à vida, à integridade física ou psíquica. Já o dano pode ser
material, moral ou estético, sendo que o art. 951 do CC estabelece: "O
disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização
devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho". O art.
948 do CC dispõe que, no caso de morte, devem ser pagas as despesas
com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, além dos
alimentos devidos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em
conta a duração provável da vida da vítima. O art. 949 do CC, por sua vez,
assegura
indenização
pelas
despesas
do
tratamento
e
dos
lucros
cessantes até o fim da convalescença, no caso de lesão ou outra ofensa à
saúde. Por fim, o art. 950 do CC garante pensão correspondente à
importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação sofrida,
na hipótese de defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício
ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho. Como terceiro
pressuposto, tem-se o nexo de causalidade entre a ação e o resultado
danoso, sendo que a sua investigação é o verdadeiro desafio na análise
das condutas e omissões médicas e das lesões sofridas pelos pacientes.
Acrescente-se que são variadas as formas que os profissionais da
área de saúde produzem danos indenizáveis a seus pacientes. A lesão à
vida e à integridade física pode ocorrer, não apenas em casos de erro
médico propriamente dito, mas também de falhas no dever de informação
(consentimento informado), ausência de recomendações e de exames no
pré e pós-operatório, erros de diagnóstico, omissão de socorro, etc.
7
Quanto
aos
seus
fundamentos,
convém
salientar
que
a
responsabilidade civil evoluiu e sofreu expansões em diversos aspectos,
como ensina Carlos Roberto Gonçalves
12
: "o surto de progresso, o
desenvolvimento industrial e a multiplicação dos danos acabaram por
ocasionar o surgimento de novas teorias, tendentes a propiciar maior
proteção às vítimas". Verifica-se notória evolução no tocante ao seu
fundamento, pois deixou de ser embasada apenas na culpa, que se
mostrou incapaz de gerar a reparação de todos os danos relevantes. Com
isso, a indenização passou a ter como base também o risco, possibilitando
uma tutela jurídica mais ampla às pessoas lesadas e a admissão de que o
desenvolvimento
de
atividade
arriscada
pode
dar
ensejo
à
responsabilidade civil. Houve, ainda, uma ampliação quanto a sua área de
incidência, com maior abrangência dos fatos que ensejam o ressarcimento,
de pessoas responsáveis e sujeitos beneficiados, com aceitação da culpa
presumida e responsabilidade pelo risco da atividade, além da indenização,
não só direta e por fatos próprios, mas também indireta e por fatos de
terceiros, animais e coisas. Ademais, constata-se avanço na latitude da
responsabilização, que deverá visar à total reparação dos direitos das
vítimas ou de seus herdeiros, através de uma restauração in natura ou pela
indenização do equivalente pecuniário.
Conforme lição de Caio Mário da Silva Pereira
13
, "campo fértil aos
debates e aos litígios, a responsabilidade civil tem procurado libertar-se do
conceito tradicional de culpa. Esta é, às vezes, constritora e embaraça com
frequência a expansão da solidariedade humana. A vítima não consegue,
muitas vezes, vencer a barreira processual, e não logra convencer a
Justiça
dos
extremos
da
imputabilidade
do
agente.
Desta
sorte,
continuando, embora vítima, não logra o ressarcimento. É verdade que a
tendência é o alargamento do conceito de culpa e consequente ampliação
do campo da responsabilidade civil, ou do efeito indenizatório".
12
13
Responsabilidade civil, 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6.
Instituições de Direito Civil, v. III, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 560.
8
Especialmente
quanto
aos
fundamentos,
quando
se
trata
de
responsabilidade civil na área de saúde, ganha destacada importância a
diferenciação entre responsabilidade objetiva e subjetiva, além do sentido
de ampla reparação de danos, ainda pela compensação em valor
pecuniário.
É de geral conhecimento ser a responsabilidade civil subjetiva (arts.
186 e 927 do CC) regra em nosso ordenamento jurídico, tendo como
fundamento a culpa e demanda a análise da existência de vontade de lesar
ou de conduta negligente, imprudente ou imperita. Por outro lado, a
responsabilidade civil objetiva é excepcional (art. 927, parágrafo único, do
CC e art. 14 do CDC), tem como fundamento o risco e exige apenas a
verificação de nexo causal entre a ação e a lesão, sendo irrelevante o
aspecto subjetivo ou o comportamento do ofensor.
A matéria também exige a distinção entre obrigações de meio e de
resultado. Nas obrigações de resultado, o devedor está obrigado a obter
um determinado objetivo e o lesado apenas tem de mostrar que a
finalidade não foi atingida, sendo presumida a culpa do primeiro. De outra
feita, nas obrigações de meio, o devedor está obrigado a empregar todos
os meios possíveis para alcançar a finalidade acordada, sendo que o
lesado deve provar sua culpa na frustração do negócio.
Note-se que a relação entre paciente e prestador de serviços na área
de saúde é uma relação de consumo. Contudo, não se pode invocar de
forma simplista a responsabilidade objetiva do prestador de serviços
prevista no art. 14 do CDC, justamente diante da necessidade de se
conferir se a obrigação assumida é de meio ou de resultado.
Mas, ainda que se esteja diante de uma obrigação de meio e
responsabilidade subjetiva, deve-se buscar o sentido da ampla reparação
9
dos danos, não se podendo conceber que, pela dificuldade probatória,
fique a vítima do mal injusto desprovida de qualquer compensação. Nessa
toada, a inversão do ônus da prova surge como ferramenta para minimizar
a vulnerabilidade do lesado, bem como para favorecer a segurança e
prevenção tuteladas pela ordem jurídica em uma sociedade de riscos,
como será visto.
2.2 Médicos - Obrigação de Meio e Responsabilidade Subjetiva
O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09), em seu
Capítulo III, dispõe o que obviamente se espera daqueles profissionais que
lidam com a saúde alheia: ou seja, que é vedado ao médico: "Art. 1º
Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como
imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade
médica é sempre pessoal e não pode ser presumida".
A regra geral é a de que os médicos têm responsabilidade civil
subjetiva,
ou
seja,
que
depende
da
demonstração
da
culpa,
nas
modalidades negligência, imprudência ou imperícia. Nesse sentido, dispõe
o art. 14, § 4º, do CDC: "A responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada mediante a verificação de culpa".
Sobre o tema, Maria Helena Diniz
14
esclarece que a responsabilidade
civil do médico é contratual e traduz uma obrigação de meio, de modo que
não contém o dever de curar o paciente, mas sim de prestar cuidados
atentos e conscienciosos, de acordo com os progressos da medicina.
E nem poderia ser diferente, diante da inviabilidade de se obrigar que
os profissionais da área de saúde garantam e obtenham a cura de seus
pacientes. O sucesso de tratamentos e intervenções médicas depende
14
Curso de Direito Civil brasileiro, v. 7, 23 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 309-310.
10
também de fatores genéticos, da condição de saúde dos pacientes e de
circunstâncias imprevisíveis. Desse modo, razoável é exigir que os
profissionais lutem pelo melhor resultado possível, sem responsabilizá-los
pelo imponderável.
Os médicos não podem responder pelo resultado da empreitada,
mesmo que diverso, porque a pessoa doente já corre o risco de sucumbir
por sua própria fragilidade, e seria absurdo exigir o salvamento e cura por
aquele que se dispõe a tratá-la, por mais competente que seja. Fábio
Konder Comparato
15
escreveu o seguinte: "O paciente que procura um
médico deseja obviamente o restabelecimento de sua saúde. Mas este
resultado, embora seja a causa essencial do contrato, não pode constituir o
objeto do pactuado. O que o paciente está no direito de exigir é que o
médico lhe dispense um tratamento consciencioso, diligente e conforme
aos progressos da ciência médica. Não pode, porém, exigir que o médico
obtenha infalivelmente a sua cura; nem pode este inculcá-la ou anunciá-la
como infalível, sob pena de até navegar nas águas do curandeirismo
(Código Penal, art. 283). Por outras palavras, o conteúdo da obrigação, na
hipótese, não é um resultado determinado, mas a própria atividade do
devedor, isto é, os meios tendentes a produzir o resultado almejado".
A responsabilidade desses profissionais, portanto, dependerá da
análise da sua conduta, e não propriamente da conclusão de seu trabalho.
Assim, ausente a prova da culpa, não se configura a obrigação de
indenizar. Esse é o caso do REsp 1.104.665/RS (Ministro Massami Uyeda,
DJe 04.08.09), que tratou do falecimento de uma mulher de 70 anos
durante a cirurgia. Considerou-se a ausência de prova da culpa do médico,
a inexistência de nexo de causalidade e inviabilidade de aplicação da
teoria da perda de uma chance
16
.
15
"Obrigações de meios, de resultado e de garantia". In: Ensaios e pareceres de Direito
Empresarial, p. 526.
16
"DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE DECORRENTE DE
COMPLICAÇÃO
CIRÚRGICA.
OBRIGAÇÃO
DE
MEIO.
RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA DO MÉDICO. ACÓRDÃO RECORRIDO CONCLUSIVO NO SENTIDO DA
11
Já no REsp 795.348/RS (Min. João Otávio de Noronha, DJe
26.08.2010), o STJ não manteve a decisão do TJRS que condenou o
médico por não ter informado os riscos de cirurgia para colocação de
válvula no cérebro do paciente (vítima com diagnóstico de hidrocefalia e
que acabou tendo acelerado estado degenerativo do Alzheimer). O STJ,
por maioria, entendeu que houve julgamento extra petita, pois o pedido
deduzido em juízo era de condenação do médico ao pagamento de
indenização por danos morais e materiais por ter submetido o marido da
recorrida a cirurgia tida por desnecessária, o que culminou no agravamento
do estado de saúde do paciente. A condenação, por sua vez, extrapolaria
os limites da lide, pois foi baseada no descumprimento, por parte do
médico, do dever de informar acerca dos riscos da cirurgia, fato não
suscitado no pedido exordial
17
.
AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO DE CAUSALIDADE. FUNDAMENTO SUFICIENTE
PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE. TEORIA DA PERDA
DA CHANCE. APLICAÇÃO NOS CASOS DE PROBABILIDADE DE DANO REAL, ATUAL
E CERTO, INOCORRENTE NO CASO DOS AUTOS, PAUTADO EM MERO JUÍZO DE
POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo
cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a
responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de
causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade
subjetiva.
II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de causalidade
entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente
para o afastamento da condenação do profissional da saúde.
III - A chamada ‘teoria da perda da chance’, de inspiração francesa e citada em matéria
de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo,
dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano
potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável.
IV - In casu, o v. acórdão recorrido concluiu haver mera possibilidade de o resultado
morte ter sido evitado caso a paciente tivesse acompanhamento prévio e contínuo do
médico no período pós-operatório, sendo inadmissível, pois, a responsabilização do
médico com base na aplicação da ‘teoria da perda da chance’;
V - Recurso especial provido."
17
"INDENIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165 E 458 DO CPC. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NS. 282 E 356/STF. CONTRARIEDADE AOS
ARTS. 128, 264, CAPUT, 282, III, E 460 DO CPC. OCORRÊNCIA. PREJUDICADA A
ANÁLISE DOS DEMAIS DISPOSITIVOS TIDOS COMO VIOLADOS.
1. Aplicam-se os óbices previstos nas Súmulas ns. 282 e 356 do STF quando as
questões suscitadas no recurso especial não tenham sido debatidas no acórdão
recorrido nem, a respeito, tenham sido opostos embargos declaratórios.
12
Cumpre referir, a bem da verdade, ser o dever de informação uma
atividade específica da atividade médica, constituindo, quando ausente ou
equivocadamente fornecida, fundamento próprio para exigir a indenização.
Contudo, e devido aos limites objetivos da lide, é obrigatório que conste da
causa petendi, sem o que não ocorrerá devido processo legal (art. 5º, LV,
da
CF).
O
médico
deverá
ter
oportunidade
para
responder,
especificamente, e provar que cumpriu a obrigação de esclarecer os riscos
do tratamento para obter a licença para realizar o ato médico, de modo que
condená-lo por isso e sem que conste da petição inicial essa increpação
constitui ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC.
2.3 Responsabilidade no Caso de Cirurgia Plástica Embelezadora
As cirurgias plásticas podem ser reparadoras ou embelezadoras. Nas
primeiras tem-se obrigação de meio, porque o médico nem sempre poderá
prometer a melhora, como, por exemplo, no caso de eliminação de marcas
de queimadura, de um defeito congênito ou de graves sequelas de
acidentes de veículos ou de atos violentos. Pode ocorrer, como aconteceu
na hipótese analisada pelo STJ (REsp 1.097.955/MG, Minª Nancy Andrighi,
DJ 03.10.2011) de um ato dúplice, o que permitiu o seguinte e escorreito
enunciado: "Nas cirurgias de natureza mista - estética e reparadora -, a
responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser
analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua
parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora".
2. Configura-se o julgamento extra petita quando o juiz concede prestação jurisdicional
diferente da que lhe foi postulada ou quando defere a prestação requerida, porém, com
base em fundamento não invocado como causa do pedido.
3. Constatado que o julgamento deu-se fora dos limites traçados pela parte, fica ele
sujeito à declaração de nulidade.
4. Recurso especial conhecido em parte e provido."
13
Já nas segundas, entende-se que a obrigação é de resultado, por se
tratar de intervenção eletiva, puramente estética, por meio da qual o
paciente legitimamente espera uma melhoria em sua aparência, eis que só
se submete a operação em virtude da garantia do resultado satisfatório.
Ninguém se expõe a uma cirurgia plástica se não for para obter
melhorias em seu aspecto físico. Sendo assim, se, após a operação, o
paciente adquire um efeito obviamente pior que o anterior, fica evidenciado
o dever de indenizar do cirurgião. Sobre o assunto, destaque-se a
jurisprudência:
26.08.2010)
REsp
118.0815/MG
(STJ,
Minª
Nancy
Andrighi,
DJe
18
e Apelação nº 9128284-68.2003.8.26.0000 (TJSP, Rel. Rui
Cascaldi, j. 16.08.2011)
19
.
Contudo, não se pode esquecer que, como todo procedimento
médico, a cirurgia plástica também está sujeita a diversos fatores alheios à
conduta do profissional (condições orgânicas da pessoa, por exemplo) e
que a avaliação do resultado obtido envolve as opiniões e as expectativas
18
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA
PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE
RESPONSABILIDADE.
1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira
obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo
efeito embelezador prometido.
2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina
permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos
decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia.
3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui
força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de
causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional.
4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a
assinatura do paciente em ‘termo de consentimento informado’, de maneira a alertá-lo
acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. Recurso
especial a que se nega provimento".
19
"RESPONSABILIDADE CIVIL. Erro médico. Cirurgia estética. Redução de mamas.
Procedimento que acarretou significativa assimetria mamária e cicatrizes. Culpa do
médico caracterizada. Obrigação de resultado. Dever de indenizar. Danos morais.
Sofrimento caracterizado. Valor estipulado na sentença (R$ 80.000,00) que, no entanto,
se mostra exagerado. Fixação em R$ 20.000,00. Verba de sucumbência distribuída na
forma do art. 21, parágrafo único, do CPC, ante a sucumbência preponderante do réu.
Recurso da autora provido e parcialmente provido o do réu."
14
do paciente, possuindo, por vezes, um grau de subjetivismo que não pode
ser desconsiderado.
Mesmo que a obrigação seja de resultado, cabe ao cirurgião observar
o art. 333, II, do CPC, e provar que o resultado adverso decorreu de
reações
próprias
do
organismo
do
paciente,
circunstâncias
cuja
possibilidade de verificação deve ter sido previamente avisada ao lesado.
Sendo assim, é preciso verificar as situações caso a caso e, de toda
forma, ainda que se considere tratar de obrigação de meio, é adequada a
inversão do ônus da prova, demonstrando o profissional que não foi
negligente, imprudente e imperito antes, depois e durante o procedimento.
Aliás, outro ponto importante diz respeito justamente ao dever de
informação pelos médicos. Saliente-se o direito que o consumidor possui
quanto à informação adequada, nos termos do arts. 6º, III, 31 e 39, VI, do
CDC. O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/09), inclusive,
dispõe que é vedado ao médico: "Art. 22. Deixar de obter consentimento do
paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o
procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte".
No que tange às cirurgias estéticas, é especialmente significante a
observância de deveres anexos dos profissionais da área de saúde. Não
basta que o cirurgião desenvolva com diligência o procedimento em si. O
médico deve estar atento e informar claramente o paciente no pré e pósoperatório sobre todos os riscos inerentes à intervenção, pedindo-lhe
exames, analisando seu histórico e fornecendo, ainda, as recomendações
necessárias para minimizar potenciais problemas (como cicatrizes, por
exemplo).
Justamente por se tratar de intervenção cirúrgica eletiva e estética, é
direito do paciente obter todas as informações possíveis para exercer uma
15
escolha consciente ao se submeter ao procedimento. Nesse sentido,
também é fundamental o consentimento informado para que o cirurgião
seja
posteriormente
eximido
de
responsabilidade.
A
esse
respeito,
esclarece Ênio Santarelli Zuliani em estudo sobre omissão de socorro e
sigilo médico, que o "consentimento resulta da comunicação entre o
médico e seu paciente, constituindo o instrumento pelo qual se legaliza
uma atividade voltada a proteger a saúde e a vida da pessoa. Ciente da
importância do consentimento, o juiz deverá valorar com cautela o perfil
cultural do enfermo, seu grau de conhecimento sobre os avanços
tecnológicos da medicina, para, somente após exaustiva aferição da
relação médico-paciente, interpretar a ausência de consentimento contra o
médico, cumprindo, nesse caso, graduar a indenização com equidade (art.
944 do CC), mormente em situações em que os médicos observaram os
regramentos do Código de Ética Médica, a função social do trabalho e os
predicados da boa-fé no exercício médico"
20
.
O STJ, inclusive, reconhece a responsabilidade civil médica em
casos de falta de informação quanto aos riscos de cirurgia plástica, como
aconteceu no AgReg no AI 818.144/SP (Rel. Min. Ari Pargendler, DJ
05.11.07)
21
. Sobre o assunto, destaquem-se, ainda, os seguintes casos
submetidos ao TJSP: Apelação 994.09.035657-8 (Rel. Ênio Santarelli
20
"Omissão de socorro e sigilo médico". In: Responsabilidade civil da área de saúde,
Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 184.
21
"RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. DANO MORAL. O médico que
deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência e
responde civilmente pelos danos resultantes da operação. Agravo regimental não
provido".
16
Zuliani, j. 29.04.2010)
Zuliani, j. 24.04.08)
22
, Apelação 460.666.4/9-00 (Rel. Ênio Santarelli
23
.
2.4 Hospitais e demais Prestadores de Serviços - Responsabilidade
Objetiva
Em regra, os hospitais, laboratórios, clínicas e sociedades de
médicos respondem de forma objetiva pelos danos causados a seus
pacientes,
com
fulcro
no
art.
14
do
CDC.
Poderá
até
ocorrer
responsabilidade solidária do médico e da sociedade, valendo para o
primeiro a responsabilidade subjetiva e, para a segunda, a objetiva.
Porém, é preciso esclarecer: quando se trata de responsabilidade do
nosocômio, em razão da atuação dos profissionais de seus quadros, há
necessidade de prova de culpa (negligência, imprudência e imperícia) por
parte de seus prepostos. Em outras palavras, o hospital responde de forma
objetiva pela conduta culposa daqueles que agem como seus prepostos
(art. 932, III, do CC).
Na verdade, os hospitais responderão objetivamente, mesmo em
relação aos serviços inerentes ao seu estabelecimento comercial, tais
22
"RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. Cirurgia plástica para eliminar gordura
abdominal e flacidez (abdominoplastia) termina com resultado adverso (reinserção tardia
do umbigo, em virtude de falta de fixação no ato cirúrgico), provocando dano estético
irreversível. Na obrigação classificada como de resultado, o médico somente se exonera
dos efeitos nocivos da adversidade final provando consentimento da paciente, apesar
dos riscos esclarecidos (o que não aconteceu), caso fortuito ou culpa da vítima (também
inocorrentes), sob pena de indenizar os danos produzidos (moral, estético e gastos da
cirurgia corretiva). Provimento em parte."
23
"RESPONSABILIDADE CIVIL NA ÁREA DA SAÚDE. TRATAMENTO ESTÉTICO
CONTRA VARIZES CONHECIDO COMO ESCLEROSETERAPIA. Dever de indenizar
[reparar as lesões permanentes] e compensar os danos morais diante da frustração do
resultado, competindo ao médico [não esclarecimento sobre previsibilidade de fracasso
ou adversidades e por não ter provado que o fim desejado se alterou por culpa da
paciente ou por fatores imprevisíveis] e o plano de saúde [por ter credenciado o médico
escolhido pela paciente e que atua em clínica despida de condições para realizar o
serviço] responderem, em solidariedade. Aplicação da teoria da rede contratual e falha
do dever de prestar correta informação. Não provimento aos recursos."
17
como: instalações, enfermagem (ex. falha em administração de remédio via
oral, falha no manuseio do paciente), estada, exames e equipamentos.
Sobre tal diferenciação, destaquem-se os seguintes julgados: REsp
258.389/SP (STJ, Ministro Fernando Gonçalves, DJ 22.08.05)
24
e Apelação
9172543-12.2007.8.26.0000 (TJSP, Rel. Jesus Lofrano, j. 13.09.2011)
25
.
Como exemplo de responsabilidade objetiva decorrente de falha dos
serviços básicos hospitalares (manutenção e manuseio adequados de
equipamentos), convém relembrar de caso de parturiente que sofreu
queimadura em razão de curto-circuito em eletrocardiograma (Apelação
994.09.334833-4, TJSP, Rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. 29.04.2010)
24
26
. Em
"INDENIZAÇÃO. MORTE. CULPA. MÉDICOS. AFASTAMENTO. CONDENAÇÃO.
HOSPITAL. RESPONSABILIDADE. OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE.
1. A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos
médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja,
dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes.
Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1.521, III, e 1.545 do CC/1916 e,
atualmente, as dos arts. 186 e 951 do NCC, bem como a Súmula nº 341/STF (é
presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto).
2. Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas
colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a
responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte
de paciente.
3. O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado
que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente
caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente
relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles
que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos,
serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc. e não aos serviços técnicoprofissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de
preposição (culpa).
4. Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido."
25
"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
ERRO DE DIAGNÓSTICO MÉDICO E FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
EVOLUÇÃO DO QUADRO DE GRIPE PARA PNEUMONIA BACTERIANA EM ESTADO
AVANÇADO. ÓBITO DA CRIANÇA. PERÍCIA CONCLUIU QUE O PROCEDIMENTO FOI
ADEQUADO. ERRO MÉDICO NÃO COMPROVADO. RESPONSABILIDADE DO
HOSPITAL AFASTADA. AVERIGUAÇÃO DE EVENTUAL ABUSO SEXUAL. CONDUTA
NECESSÁRIA. RAZOABILIDADE. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DECISÃO
REFORMADA. Recurso dos réus provido para julgar improcedente a ação, prejudicado o
agravo retido e improvido recurso adesivo dos autores. A responsabilidade dos hospitais
somente será objetiva no que tange aos serviços relacionados com o estabelecimento
empresarial, como instalação e equipamento. No que tange aos serviços prestados
pelos médicos, a responsabilidade é subjetiva, vale dizer, depende da prova de erro
médico."
26
"RESPONSABILIDADE CIVIL. O hospital responde pelos danos de paciente que sofre
queimaduras de terceiro grau em seu tórax devido a curto-circuito ocorrido em aparelho
18
outro caso analisado pelo TJSP, a paciente sofreu queimaduras pela
indevida colocação de bolsa de água quente em suas pernas: (Apelação
0128377-82.2006.8.26.0000, TJSP, Relator Luiz Ambra, 13.07.2011)
27
.
Já no REsp 1.145.728/MG (Ministro Luis Felipe Salomão, DJe
08.09.2011), o STJ tratou de caso de menina portadora de paralisia
cerebral em virtude de falta de adequado atendimento no pós-parto. Foi
admitida a responsabilidade do hospital em virtude da ausência de médico
especializado na sala de parto, apto a evitar o quadro clínico, e também da
ausência de vaga no CTI, com espera de mais de uma hora, o que agravou
o estado da vítima
28
.
de eletrocardiograma durante cirurgia cesariana, por ter o dever de manter em ordem e
segurança equipamentos e instrumentos utilizados na prestação de seus serviços.
Danos morais que existem in re ipsa pela lesão física e danos estéticos reconhecidos,
diante de cicatriz permanente, embora discreta, alterando forma natural de parte de
reconhecido encanto do corpo feminino e cultuado pela vaidade (colo). Recurso do réu
não provido. Recurso da autora provido apenas para reconhecer também os danos
estéticos, arbitrando o valor da indenização total devida pelo réu em R$ 12.000,00."
27
"RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. FALHA HOSPITALAR. Paciente
anestesiada que, após cirurgia, veio a sofrer graves queimaduras nas pernas, em razão
da colocação de bolsa de água quente pela enfermagem, sem os cuidados inerentes à
boa técnica. Procedência da condenação bem decretada, apelo da ré improvido. Provido
em parte o da autora, para elevar a indenização pelos danos morais aos moldes
pleiteados e majorar a honorária advocatícia a 15% sobre o total da condenação."
28
"RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL POR ERRO MÉDICO E POR DEFEITO NO
SERVIÇO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 334 E 335 DO CPC. NÃO
OCORRÊNCIA.
DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL
NÃO
DEMONSTRADO.
REDIMENSIONAMENTO DO VALOR FIXADO PARA PENSÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DA
CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA DECISÃO QUE FIXOU O VALOR DA
INDENIZAÇÃO.
1. A responsabilidade das sociedades empresárias hospitalares por dano causado ao
paciente-consumidor pode ser assim sintetizada:
(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao
fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos
serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade
objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no
serviço prestado (art. 14, caput, do CDC);
(ii) os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de emprego ou subordinação
com o hospital são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade
hospitalar de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4º, do CDC), se não concorreu para a
ocorrência do dano;
(iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da
saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição
hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o
hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser
comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de
19
Na situação de dano decorrente de atuação profissional, uma vez
provada a culpa dos médicos atuantes nos nosocômios, cabe, em regra, a
responsabilização dos hospitais. Tal responsabilidade pode ser fundada no
art. 14 do CDC, em virtude da falta de qualidade do serviço prestado; no
art. 927, parágrafo único, do CC, em razão do risco da atividade; e também
no art. 932 do CC, cogitando-se de responsabilidade civil indireta na área
da saúde, o que se invoca, não só em caso de vínculo empregatício de
médico e hospital, mas também em situações de terceirização.
De acordo com Claudio Luiz Bueno de Godoy
29
: "Os exemplos
recorrentes são do hospital, clínica ou laboratório que terceirizam a
realização de serviços que lhes são afetos, chegando mesmo à questão
dos planos de saúde em relação aos profissionais que credencia. E ainda
situações assemelhadas recebem idêntico tratamento, como a do cirurgião,
em relação ao dano injusto causado por quem componha a equipe médica
sob sua direção. Repita-se, casuística que vem sendo enfrentada pela
jurisprudência com recurso à responsabilidade do comitente por ato do
preposto". Acrescenta que o conceito de preposição vem sendo ampliado
no campo da casuística do atendimento à saúde, visando responsabilizar: o
hospital, por erro de médico componente de seu corpo clínico, mesmo que
sem vínculo laboral; o chefe da equipe cirúrgica por falhas de seus
natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC), sendo cabível ao juiz, demonstrada a
hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do
CDC).
2. No caso em apreço, as instâncias ordinárias entenderam pela imputação de
responsabilidade à instituição hospitalar com base em dupla causa: (a) a ausência de
médico especializado na sala de parto apto a evitar ou estancar o quadro clínico da
neonata - subitem (iii); e (b) a falha na prestação dos serviços relativos ao atendimento
hospitalar, haja vista a ausência de vaga no CTI e a espera de mais de uma hora,
agravando consideravelmente o estado da recém-nascida, evento encartado no subitem
(i).
3. De fato, infirmar a decisão recorrida demanda o revolvimento de matéria fáticoprobatória, o que é defeso a este Tribunal, ante o óbice contido na Súmula nº 7 do STJ
(...)."
29
"Terceirização nos serviços prestados na área de saúde". In: Responsabilidade civil
da área de saúde, Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2007, p.
44 e 54.
20
auxiliares; e até os planos de saúde por atos de seus credenciados.
Ressalta o ilustre Professor e Desembargador Substituto que esses casos
encontram
melhor
fundamento
na
questão
da
existência
de
redes
contratuais e contratos coligados, vale dizer, de cadeia de fornecedores de
serviços de atendimento à saúde, concluindo que a finalidade comum e o
liame entre os prestadores de serviços caracteriza nexo funcional,
impedindo que um ou outro se furte da responsabilidade com base na
alegada falta de contrato específico com o lesado.
Em relação à responsabilidade do hospital por falha do profissional
que nele atuou, aliás, cumpre esclarecer que raramente será verificada a
completa ausência de vínculo. Como situação excepcional, poder-se-ia
cogitar na hipótese de médico que exerce compulsoriamente a prerrogativa
de internar ou assistir seus pacientes em hospitais privados ou públicos,
mesmo sem fazer parte de seu corpo clínico, invocando o direito previsto
no Cap. II, item VI, do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº
1.931/09).
Mas, em regra, a tendência é interpretar de forma ampla a relação
entre a sociedade ou plano de saúde e os médicos neles atuantes, para se
obter efetivas reparações aos danos causados e valorizar a situação do
consumidor.
Convém analisar, inclusive, como os tribunais enfrentam a questão
da existência ou não de vínculo entre o hospital e o profissional. São
comuns, por exemplo, os casos de falhas de plantonista ligado ao corpo
clínico do estabelecimento. No REsp 1.184.128/MS (Min. Sidnei Beneti,
DJe 01.07.2010), o STJ admitiu a responsabilidade objetiva do hospital por
ato de médico plantonista integrante de seu corpo clínico (óbito do
21
paciente poucas horas após ser encaminhado ao posto de saúde pelo
médico plantonista do pronto-socorro)
30
.
No REsp 696.284/RJ (Min. Sidnei Beneti, DJe 18.12.09), também foi
reconhecida a responsabilidade do hospital pelo erro de diagnóstico do
plantonista integrante de seus quadros (pneumonia bacteriana que deveria
ter sido abordada com antibiótico, e não com analgésicos e antitérmicos)
31
.
O TJSP também tem precedentes reconhecendo a responsabilidade
de hospitais pelas falhas de médicos que atuam em suas dependências:
Apelação 9219659-82.2005.8.26.0000 (Rel. Salles Rossi, j. 08.09.2011)
30
32
,
"1. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO DE DIAGNÓSTICO EM PLANTÃO, POR
MÉDICO INTEGRANTE DO CORPO CLÍNICO DO HOSPITAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO HOSPITAL. 2. CULPA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. 3.
TEORIA DA PERDA DA CHANCE. 4. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DA
PROVA PELO STJ. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A responsabilidade do hospital é objetiva
quanto à atividade de seu profissional plantonista (CDC, art. 14), de modo que
dispensada demonstração da culpa do hospital relativamente a atos lesivos decorrentes
de culpa de médico integrante de seu corpo clínico no atendimento. 2. A
responsabilidade de médico atendente em hospital é subjetiva, a verificação da culpa
pelo evento danoso e a aplicação da Teoria da Perda da Chance demanda
necessariamente o revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, de modo que
não pode ser objeto de análise por este Tribunal (Súmula nº 7/STJ). 3. Recurso especial
do hospital improvido."
31
"1. RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO
DE DIAGNÓSTICO DE SEU PLANTONISTA. OMISSÃO DE DILIGÊNCIA DO
ATENDENTE. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 2.
HOSPITAL.
RESPONSABILIDADE.
CULPA
DE
PLANTONISTA
ATENDENTE,
INTEGRANTE DO CORPO CLÍNICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL
ANTE A CULPA DE SEU PROFISSIONAL. 3. MÉDICO. ERRO DE DIAGNÓSTICO EM
PLANTÃO. CULPA SUBJETIVA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA APLICÁVEL. 4.
ACÓRDÃO QUE RECONHECE CULPA DIANTE DA ANÁLISE DA PROVA.
IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO POR ESTE TRIBUNAL. SÚMULA Nº 7/STJ. 1.
Serviços de atendimento médico-hospitalar em hospital de emergência são sujeitos ao
Código de Defesa do Consumidor. 2. A responsabilidade do hospital é objetiva quanto à
atividade de seu profissional plantonista (CDC, art. 14), de modo que dispensada
demonstração da culpa do hospital relativamente a atos lesivos decorrentes de culpa de
médico integrante de seu corpo clínico no atendimento. 3. A responsabilidade de médico
atendente em hospital é subjetiva, necessitando de demonstração pelo lesado, mas
aplicável a regra de inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII). 4. A verificação da
culpa de médico demanda necessariamente o revolvimento do conjunto fático probatório
da causa, de modo que não pode ser objeto de análise por este Tribunal (Súmula nº
7/STJ). 5. Recurso Especial do hospital improvido."
32
"INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Demanda fundada na alegação de erro
médico. Danos oriundos de corpo estranho (gaze) deixado no interior da genitália da
autora por ocasião de parto nela realizado. Quadro de dor e odor fétido provenientes
22
Apelação
9231097-76.2003
(Rel.
Pedro
Baccarat
j.
31.08.2011)
Apelação 9069296-49.2006, (Rel. Silvério Ribeiro, j. 31.8,2011)
34
33
,
e
Apelação 9131966-89.2007.8.26.0000 (Relator Erickson Gavazza Marques,
03.08.2011)
35
.
Existem casos, porém, em que a jurisprudência não admite a
responsabilidade do hospital justamente em razão da ausência de relação
entre ele e o médico atuante. É a hipótese tratada no REsp 764.001/PR
daquela região. Retirada do material uma semana após o parto por outro profissional.
Negligência do médico que realizou o parto e integra o polo passivo. Responsabilidade
objetiva do hospital onde se realizou a cirurgia. Art. 14 do CDC, ainda mais porque
também administra o plano de saúde contratado pela autora. Condenação solidária
(hospital e médico). Danos morais. Ocorrência. Quantum indenizatório. Fixação em R$
10.000,00 (dez mil reais). Majoração. Cabimento. Fato grave, violador da intimidade da
ofendida em grande intensidade. Arbitramento em 250 (duzentos e cinquenta) saláriosmínimos, vigentes na data do efetivo pagamento. Inexistência de sucumbência
recíproca, ante o teor da Súmula nº 326 do C. STJ. Condenação dos réus nos encargos
da sucumbência. Sentença reformada. Recurso da autora provido em parte e negado
provimento aos apelos dos réus."
33
"ERRO MÉDICO. Autora que se submeteu a cesariana e dois meses depois retirou
atadura esquecida em seu útero por ocasião do parto. Negligência da médica
responsável pela cirurgia. Legitimidade passiva do hospital para responder pela
indenização por dano causado por seus prepostos. Autora que durante dois meses
sentiu dores, febre e exalou mau cheiro. Dano moral configurado. Indenização bem
arbitrada em 20 salários mínimos. Critério de correção monetária que deve obedecer à
Súmula Vinculante nº 4. Recurso da médica desprovido, e parcialmente provido o do
hospital."
34
"RESPONSABILIDADE CIVIL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Erro médico.
Julgamento extra petita. Inocorrência. Infecção causada por cirurgia para retirada de
cateter esquecido por médico. Negligência médica. Cirurgia desnecessária. Morte
prematura. Responsabilidade subjetiva do médico e objetiva do hospital. Fixação da
indenização em salários-mínimos como referência para arbitramento do dano moral, não
se confundindo como índice de reajuste. Afastado o vínculo do valor indenizatório ao
salário-mínimo. Termo inicial para contagem dos juros a partir da data da ocorrência do
dano. Obrigação oriunda de ato ilícito (art. 398 do CC e Súmula nº 54 do STJ). Sentença
mantida. Recurso não provido."
35
"INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PACIENTE QUE FOI INTERNADO
COM FORTES DORES NAS PERNAS COM SUPOSTA TROMBOSE VENOSA AGUDA.
EXAME REALIZADO SOMENTE TRÊS DIAS APÓS A INTERNAÇÃO CONSTATANDO
QUADRO DE ERISIPELA, EM ESTÁGIO AVANÇADO DE INFECÇÃO LEVANDO O
PACIENTE A ÓBITO CONJUNTO PROBATÓRIO QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE
ERRO MÉDICO. DEMORA NO DIAGNÓSTICO QUE ACABOU AGRAVANDO O QUADRO
CLÍNICO DO PACIENTE. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. AÇÃO PROCEDENTE
EM PARTE. VERBA DEVIDA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADA EM VALOR
APROPRIADO. VERBA HONORÁRIA QUE NÃO SE MOSTROU EXCESSIVA OU
IMODERADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS NÃO PROVIDOS."
23
(Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 15.03.2010), de cirurgia de vasectomia
malsucedida, culminando em posterior gravidez
No
REsp
1.019.404/RN,
Min.
João
36
.
Otávio
de
Noronha,
DJe
01.04.2011 (caso de intervenção cirúrgica realizada em espaço discal
distinto daquele diagnosticado nos exames), o STJ igualmente consignou
que o hospital não poderia responder por erro de profissional que não
apresenta nenhum vínculo com o nosocômio
37
.
Imperioso abordar a responsabilidade dos hospitais em situações de
infecção hospitalar, lembrando que "Só 1% dos hospitais têm normas
rígidas contra as infecções" (Folha de São Paulo - Saúde, 24.09.2011,
C10). A septicemia acontece quando o ambiente do hospital proporciona o
contágio infeccioso e pode caracterizar defeito do serviço prestado,
gerando, em regra, a responsabilidade objetiva do hospital (art. 14 do
CDC).
O
serviço, nesse caso, não
atende à esperada
segurança,
lembrando que deve ser essencial à atividade médica a busca de todos os
meios possíveis para minimizar contágios. O consumidor que procura o
36
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL.
I - Restando inequívoco o fato de que o médico a quem se imputa o erro profissional
não possuía vínculo com o hospital onde realizado o procedimento cirúrgico, não se
pode atribuir a este a legitimidade para responder à demanda indenizatória.
(Precedente: 2ª Seção, REsp 908.359/SC, Rel. p/acórdão Min. João Otávio de Noronha,
DJe 17.12.08).
II - Recurso especial não conhecido."
37
"INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 131 E
458 DO CPC. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL AFASTADA.
COMPROVAÇÃO DO DANO. SÚMULA Nº 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. BASES FÁTICAS
DISTINTAS. 1. Não há por que falar em violação dos arts. 131 e 458 do CPC quando o
acórdão recorrido dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões
suscitadas nas razões recursais. 2. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica
restrita ao profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com a
clínica - seja de emprego, seja de mera preposição -, não cabe atribuir ao hospital a
obrigação de indenizar. 3. É inviável, em sede de recurso especial, revisar a orientação
perfilhada pelas instâncias ordinárias quando alicerçado o convencimento do julgador
em elementos fático-probatórios presentes nos autos - interpretação da Súmula nº 7 do
STJ. 4. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados dissidentes
cuidam de situações fáticas diversas. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e
parcialmente provido."
24
nosocômio busca melhorar o seu estado de saúde, sendo legítima a
expectativa de não o ter agravado por uma epidemia hospitalar.
É
claro
que
é
difícil
se
alcançar
um
índice
de
absoluta
improbabilidade de infecção. Porém, os hospitais devem fazer de tudo para
conter o infortúnio, evitando operar pacientes antes da recuperação da
imunidade, ministrando antibióticos para combater processos infecciosos
previsíveis e adotando todas as medidas concernentes à limpeza e
esterilização de instrumentos, equipamentos e instalações. Sobre o
assunto, destaque-se a jurisprudência do STJ: REsp 629.212/RJ (Min.
Cesar Asfor Rocha, DJ 17.09.07)
Entretanto,
há
casos
38
em
.
que
não
se
pode
reconhecer
a
responsabilidade objetiva dos estabelecimentos de saúde, diante da
ausência de nexo de causalidade, podendo ser citado o exemplo de
paciente que adquiriu infecção previamente à internação. Discute-se,
também, a hipótese de a infecção ter sido causada por condutas e
instrumentos exclusivos do médico, sem relação com o hospital.
No AgRg no Ag 721.956/PR (Min. Carlos Fernando Mathias, DJe
15.09.08), não se acolheu a pretensão de responsabilização do hospital
por infecção contraída pelo fato de o médico não ter prescrito antibióticos
adequados, entendendo-se tratar de responsabilidade subjetiva
39
.
38
"RESPONSABILIDADE
CIVIL.
CONSUMIDOR.
INFECÇÃO
HOSPITALAR.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO MORAL.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. O hospital responde objetivamente pela infecção
hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si. O
valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou
desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional
intervenção desta Corte para revê-lo. Recurso especial não conhecido."
39
"AÇÃO INDENIZATÓRIA. INFECÇÃO HOSPITALAR POR CULPA DOS MÉDICOS.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. COMPROVAÇÃO DE CULPA. IMPOSSIBILIDADE DE
REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO.
1. Em casos como o dos autos, esta eg. Corte tem entendimento firmado no sentido de
que a responsabilidade do hospital é subjetiva.
2. A pretensão recursal objetiva o reconhecimento da responsabilidade do recorrido pelo
infortúnio, com a consequente verificação do nexo causal e reversão da conclusão
25
3 A Questão da Prova na Responsabilidade Civil Médica
3.1 Responsabilidade dos Médicos - Obrigação de Meio - Ônus da
Prova é do Paciente
A complexidade da ciência médica, das técnicas utilizadas e do corpo
humano
torna
especialmente
problemática
a
questão
da
prova
na
responsabilidade civil médica, sobretudo no que tange à demonstração do
nexo de causalidade entre a conduta ou omissão dos profissionais e o
dano suportado pelo paciente.
Se a obrigação é de meio, é necessário comprovar que o médico
deixou de dispor dos meios possíveis para obter o resultado favorável ao
paciente, ou seja, é preciso demonstrar conduta culposa, caracterizada
pela imprudência, negligência ou imperícia.
O
problema
é
que
o
paciente
encontra-se
em
situação
de
hipossuficiência econômica e técnica. Como pondera Carlos Roberto
Gonçalves
40
, na prática, a comprovação de negligência, imprudência e
imperícia por parte dos médicos constitui verdadeiro tormento aos lesados
pelo desmazelo e despreparo profissionais.
Assim, diante de deficiências probatórias, é comum que os pedidos
de indenização acabem sendo rejeitados pelos juízes, tendo as vítimas que
se conformar com a posição de desafortunadas do destino.
exposta no aresto impugnado, o que é vedado ao Superior Tribunal de Justiça em sede
de recurso especial, conforme a orientação da Súmula nº 7/STJ.
3. Para a comprovação e apreciação da divergência jurisprudencial, devem ser
mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos
confrontados, bem como juntadas cópias integrais dos julgados trazidos ou citado
repositório oficial de jurisprudência.
4. Agravo regimental a que se nega provimento."
40
Ob. cit., p. 361.
26
Mas, sob uma perspectiva de tutela do consumidor e ampla
reparação do dano injusto, é cabível se valer da inversão do ônus da prova
(art. 6º, VIII, do CDC) quando houver verossimilhança da alegação ou
hipossuficiência, como forma de atenuar tais obstáculos, conforme se verá
a seguir.
3.2 Responsabilidade dos Hospitais - Responsabilidade Objetiva Prova das Excludentes
Por outro lado, quando se trata de responsabilidade objetiva dos
hospitais e dos demais prestadores de serviços, já existe uma presunção
de culpa em virtude do dano, competindo à sociedade ou entidade produzir
a prova que exclui a sua responsabilidade. Aplica-se o art. 333, caput e II,
do CPC: "O ônus da prova incumbe: ao réu, quanto à existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".
Logo, a saída do hospital será essencialmente demonstrar ausência
de
nexo
de
causalidade
entre
o
atendimento
ocorrido
no
seu
estabelecimento e a lesão verificada. Nesse ponto, destacam-se julgados
do TJSP: Apelação 9190039-88.2006.8.26.0000 (Rel. Francisco Loureiro, j.
15.09.2011)
41
e Apelação 9215664-27.2006 (Rel. José Carlos Ferreira
Alves, j. 23.08.2011)
42
.
41
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO. Mãe dos autores ficou
internada no hospital réu para tratamento de lesões decorrentes de acidente
automobilístico e, após ter recebido alta, retornou ao nosocômio duas vezes, vindo a
falecer na segunda oportunidade em virtude de hemorragia interna causada por
perfuração pulmonar. Provas dos autos a indicar a inexistência de nexo causal entre a
conduta dos médicos que atenderam a paciente e seu falecimento. Sintomas
apresentados pela genitora dos requerentes até um dia antes de sua morte eram
incompatíveis com quadro de hemorragia interna. Impossibilidade de responsabilização
do hospital requerido pelo ocorrido, em virtude da ausência de culpa de seus médicos,
ou de que a lesão que levou à morte da paciente se encontrasse presente no período de
internação. Ação improcedente. Recurso não provido."
42
"Indenização por danos morais e materiais. Suposto erro médico por negligência no
tratamento de infecção hospitalar contraída após cirurgia cardíaca, que deixou
sequelas. Alegação de que a biópsia da região infeccionada foi realizada tardiamente.
Laudo pericial concluiu que as condutas adotadas pela equipe médica foram
27
4 Inversão do Ônus da Prova
4.1 Conceito e Cabimento
Na área médica, como visto, apesar da existência de relação de
consumo,
nem
sempre
se
poderá
aplicar,
de
forma
simplista,
a
responsabilidade objetiva mencionada no art. 14 do CDC, porque muitas
obrigações assumidas são de meio e requerem a apuração de conduta
negligente, imprudente ou imperita.
A verdadeira ferramenta utilizada para facilitar a defesa dos direitos
do consumidor-paciente é a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º,
VIII, do CDC. Havendo verossimilhança da alegação e hipossuficiência, é
cabível a inversão, passando a competir ao profissional a prova de que se
valeu de todos meios para alcançar o resultado mais favorável ao lesado.
Considerando
uma
realidade
de
procedimentos
médicos
massificados, a vulnerabilidade daqueles que expõem suas vidas aos
cuidados cirúrgicos de outrem e a necessidade de ampla reparação dos
danos causados, a inversão do ônus da prova surge como técnica para
superar certos absurdos vistos na responsabilidade civil médica e eliminar
o risco da dúvida que fundamenta as sentenças que deixam carentes de
justiça as vítimas das falhas médicas, sem que seja desrespeitada a
segurança do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF).
É notório o desafio do paciente de fazer prova quando lida com uma
ciência complexa e alheia à sua área de conhecimento, o que pode ser
agravado por dificuldades econômicas (para se valer da ajuda de
assistente técnico, por exemplo) e ainda por perícias que acabam sendo
condizentes com o quadro clínico apresentado pela paciente. Estado de saúde da
paciente que contribuiu para agravar a infecção. Obrigação de meio. Sentença mantida.
Apelo não provido."
28
pouco esclarecedoras sobre o problema ocorrido. O médico, por outro lado,
tem melhores condições de apresentar em juízo os elementos necessários
para apuração do que realmente aconteceu com o lesado. Inexiste
paridade de armas nesses processos, e a inversão do ônus da prova é uma
saída para esses entraves, lembrando que não se coaduna com o ideal de
justiça deixar de amparar uma vítima de erro médico em virtude de
deficiências probatórias.
A alteração na carga probatória se relaciona à função do magistrado
de ter papel ativo e propiciar um processo justo, chegando o mais perto
possível da verdade real. Nesse aspecto e recordando o que foi exposto
por Ênio Santarelli Zuliani: "Não basta, para comprovar o que parece ser
óbvio e que não se prova no sistema tradicional, requisitar prontuários
médicos, se não há possibilidade de ser designado um perito especialista
que
traduza,
desconexos
para o
que
juiz,
existem
a
verdade oculta
nessas
planilhas.
entre os
Ademais,
lançamentos
esses
papéis
unilaterais são facilmente manipuláveis e não outorgam confiança como
meio de prova de exclusão de responsabilidade médica. A única chance de
um doente inutilizado e miserável obter a reparação de danos por erro
médico é, data venia, invertendo o ônus da prova"
43
.
Com a inversão do ônus da prova, a presunção de culpa onera a
situação processual do médico, e compete a ele demonstrar que agiu de
forma prudente e diligente, bem como que o resultado adverso decorreu de
causas imprevisíveis. O momento oportuno para inverter é no despacho
que abre a fase de provas, propiciando ao réu, destinatário da inversão, a
real possibilidade de realizar as provas de acordo com essa nova realidade
do processo.
Se o dano é evidente e a experiência indica que a prestação de
serviços não atendeu ao que razoavelmente se espera, é adequada a
43
Ob. cit., p. 60.
29
inversão do ônus da prova na fase intermediária do processo (art. 331 do
CPC), com redistribuição da carga probatória e determinação para que o
profissional demonstre fato extintivo do direito invocado, ou seja, mostre
que desempenhou com regularidade e cuidado o seu trabalho.
No AgRg no Ag 969.015/SC (Minª Maria Isabel Gallotti, DJe
28.04.2011), por exemplo, o STJ tratou de erro médico em procedimento
cirúrgico e consignou que é cabível a inversão do ônus da prova ainda que
seja subjetiva a responsabilidade civil do médico atendente
44
.
4.2 Carga Dinâmica da Prova
A teoria da carga dinâmica da prova é utilizada em casos de
resultado adverso e que não se explicam. A vítima não tem mais nada a
provar, portanto quem tem que produzir a prova é o médico. Incide quando
se percebe que o profissional adota posição passiva quanto ao dever de
cooperação processual na descoberta da verdade, ficando na defensiva e
deixando de apresentar os prontuários e outros documentos que estão em
seu poder.
44
"A responsabilidade subjetiva do médico (CDC, art. 14, § 4º) não exclui a
possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII,
do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações
técnicas aplicáveis, adotando as cautelas devidas. Observo que a decisão proferida no
acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, a
qual tem firmado o entendimento de que ‘a responsabilidade de médico atendente em
hospital é subjetiva, necessitando de demonstração pelo lesado, mas aplicável a regra
de inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII)’ (REsp 696.284/RJ, Rel. Min. Sidnei
Beneti, Terceira Turma, DJe 18.12.09). (...) A inversão do ônus da prova não implica a
procedência do pedido; significa apenas que o juízo de origem, em face dos elementos
de prova já trazidos aos autos e da situação das partes, considerou presentes os
requisitos do art. 6º do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência),
requisitos estes insusceptíveis de revisão na via do recurso especial, cometendo ao
médico o ônus de demonstrar que exerceu sua profissão dentro dos protocolos técnicos
aplicáveis. A atribuição deste ônus deverá ser levada em consideração, na análise do
conjunto probatório, ao final da instrução, sendo o médico responsabilizado apenas se
demonstrada a sua culpa, ao contrário do que ocorreria caso se cuidasse de
responsabilidade objetiva, em que bastaria a comprovação do nexo de causalidade.
Assim, evidenciado o nexo, mas comprovado pelo médico que agiu sem culpa, de
acordo com as normas técnicas aplicáveis, não haverá imposição a ele de
responsabilidade civil pelo evento."
30
O adequado é que as partes ajam com lealdade processual e que os
médicos colaborem com a formação da cognição judicial, juntando aos
autos todos os exames, prontuários e eventuais vídeos atinentes ao caso.
Mas, por vezes, há réus que sonegam dados e elaboram manifestações
que estimulam laudos periciais não conclusivos. Nessas hipóteses, a
inversão do ônus da prova detém essa tendência nociva e força o
demandado a se concentrar na demonstração de sua conduta regular na
prestação do serviço.
Não se pode mais exigir que os lesados por intervenções médicas se
conformem no papel de "vítimas do destino". Daí a importância da ampla
investigação sobre a conduta dos profissionais da área de saúde e da
prova de que atuam de forma consciente, atenciosa e prudente em relação
a seus pacientes, o que se espera legitimamente daqueles que escolhem
lidar com a vida e a integridade física das pessoas.
5 A Função do Perito
A
prova
pericial
é
extremamente
importante
na
apuração
da
responsabilidade civil médica e exige-se que o expert atue com total
imparcialidade, apesar de ter de averiguar a conduta de uma pessoa
pertencente à sua classe profissional. Nesses termos, o Código de Ética
Médica dispõe que é vedado ao médico: "Art. 98. Deixar de atuar com
absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como
auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua
competência".
Tanto é assim que, no REsp 1.135.150/RS (Minª Nancy Andrighi, DJe
26.04.2011), o STJ destacou a imprescindibilidade da perícia em casos de
31
erro médico, anulando a sentença em razão da suspeição do perito em
hipótese de falha de cirurgia de hérnia inguinal em recém-nascido
45
.
A importância da perícia na formação da convicção judicial também
foi tratada pelo TJSP na Apelação 9203203-18.2009.8.26.0000 (Rel. James
Siano, j. 14.09.2011)
46
.
45
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LAUDO PERICIAL. PERITO SUSPEITO. ERRO MÉDICO.
IMPRESCINDIBILIDADE DA PERÍCIA. ANULAÇÃO DO PROCESSO.
1. Nos termos do art. 400, II, do CPC, não é possível produzir prova exclusivamente
testemunhal a respeito de fatos que só por documento ou por exame pericial podem ser
provados. A existência de erro médico cometido em cirurgia de hérnia inguinal em
recém-nascido, por suas peculiaridades técnicas, é questão que só pode ser aferida
mediante perícia.
2. A reconhecida suspeição do perito que trabalhou no processo, por sua íntima relação
com o hospital réu declarada no processo, obriga a repetição da perícia. Não é possível
considerar inexistente a obrigação de indenizar com base na prova testemunhal, a
despeito da suspeição.
3. Recurso especial conhecido e provido para o fim de anular a sentença prolatada,
determinando-se a repetição do laudo pericial."
46
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Sentença de procedência. Ação
ajuizada contra o médico e o hospital. Ação proposta pelo marido e filha da falecida, em
razão de fatos ocorridos nas dependências do hospital réu, por suposto erro médico em
cirurgia com complicações pós-operatórias. Recurso do hospital alegando cerceamento
de defesa pelo prematuro. Encerramento da instrução, asseverando que o laudo pericial
é parcial, superficial e foi baseado em suposições; a sentença baseou-se no depoimento
de testemunha ouvida sem o compromisso legal; o valor da indenização é exagerado; os
juros não poderiam incidir desde o óbito, mas sim da sentença; prequestionou a matéria.
Agravo retido do hospital (f. 146/147), asseverando que não mantém vínculos
contratuais com os médicos, arguindo a preliminar de ilegitimidade passiva. Sendo o
hospital o prestador de serviços, objetiva é a sua responsabilidade pelos danos
decorrentes dos atos praticados em seu estabelecimento, por médico credenciado.
Preliminar rejeitada. Agravo improvido. Agravo retido do hospital (f. 633/640), arguindo
cerceamento de defesa pelo prematuro encerramento da instrução. Necessidade de
complementação da perícia e oitiva de prova oral. Cerceamento de defesa. Inocorrência.
O Juiz é o destinatário das provas e a ele cabe selecionar aquelas úteis e necessárias à
formação do convencimento. Preliminar rejeitada. Agravo improvido. Recurso do médico
sustentando que não houve descaso nem negligência de sua parte, mas sim a eclosão
de um processo infeccioso atípico; toda cirurgia pode resultar em complicações
infecciosas, o relatório da autópsia e o parecer médico legal excluem a sua
responsabilidade; o valor arbitrado não guarda proporção com sua capacidade
financeira; pugna pela improcedência da ação. Prova pericial e testemunhas apontam
para a conduta negligente e imperita do médico cirurgião. Reconhecimento da culpa por
negligência e da responsabilidade do hospital por ato de médico credenciado,
negligência e inobservância das regras de conduta. Fixação razoável (R$ 207.500,00),
considerando-se a gravidade dos fatos. Juros de mora. Contagem a partir do óbito
(evento danoso). Aplicação do art. 398 do CC. Sentença mantida. Recursos (agravos
retidos e dos réus) improvidos."
32
Apesar da importância que o laudo técnico possui para o julgamento,
é preciso lembrar que a perícia é um elemento de prova e não vincula
necessariamente o magistrado (art. 436 do CPC), que deve considerar a
totalidade do conjunto probatório produzido. Ademais, e sem intenção de
afirmar que há corporativismo em prol da impunidade, não se pode
esquecer que as incertezas e imprevisibilidades da ciência médica aliadas
às dificuldades do caso concreto podem levar o expert a priorizar uma
resposta incompleta ou fundada no risco inerente, servindo para justificar
um non liquet injusto.
O juiz deve estar atento às peculiaridades do caso concreto e ao
conjunto das provas trazidas aos autos, não se esquecendo, porém, que o
livre convencimento deve ser motivado, mormente quando se rejeita a
prova técnica produzida. Foi o que se consignou no AgRg no AREsp
14.705/RS (Min. Humberto Martins, DJe 21.09.2011)
47
.
6 Conclusão
Drauzio Varella
48
falou aos estudantes de Medicina ser função
primordial do médico "aliviar o sofrimento humano", e ao encerrar o texto
os subscritores reconhecem que os profissionais da saúde cumprem o
47
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ACÓRDÃO CONTRÁRIO À
CONCLUSÃO DA PERÍCIA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO DO
ART. 131 DO CPC. OCORRÊNCIA. 1. Determina o art. 131 do CPC que o ‘juiz apreciará
livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda
que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe
formaram o convencimento’. (grifo)
2. Na hipótese em que a ação proposta tem fundamento na existência de erro médico,
uma vez que realizada perícia, deve o julgador indicar os motivos pelos quais resolve
concluir pela obrigação de indenizar, tomando posição oposta às conclusões do perito.
3. In casu, o acórdão recorrido não se manifestou a respeito da prova pericial realizada,
pautando-se apenas nas provas testemunhais e documentais.
4. Violação do art. 131 do CPC ocorrida, pois o agravante foi condenado sem a análise
da prova pericial, o que acarreta a nulidade do acórdão recorrido, por não ter indicado
integralmente os motivos que lhe formaram o convencimento. Agravo regimental
provido."
48
"Aos estudantes de medicina", Folha de São Paulo, 24.09.2011, E11.
33
encargo com desempenho exemplar, superando as dificuldades da falta de
estrutura dos hospitais e departamentos, bem como a falta de recursos
financeiros para exames que fechariam diagnósticos. Os erros acontecem
e a esperança é que as sentenças não arrefeçam o compromisso médico,
mas, sim, que estimulem o desejo de aperfeiçoamento em busca da
dignidade do ser humano (art. 1º, III, da Constituição Federal).
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na anestesiologia". In: Responsabilidade civil da área de saúde, Coord.
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34
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da área de saúde, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo:
Saraiva, 2007.
35
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o consumidor e seus direitos diante de erros