Prefácio Esta enciclopédia abrange, de maneira introdutória mas desejavelmente rigorosa, uma diversidade de conceitos, temas, problemas, argumentos e teorias localizados na área relativamente recente de «estudos lógico-filosóficos». O território teórico abrangido nesta área é extenso e de contornos por vezes difusos; inclui um conjunto de questões fundamentais acerca da natureza da linguagem, da mente, da cognição e do raciocínio, bem como questões acerca das conexões destes com a realidade não mental e extralinguística. Por um lado, estes estudos são filosóficos em virtude do elevado grau de generalidade e abstracção das questões examinadas (entre outras coisas); por outro, são lógicos em virtude de serem logicamente disciplinados, no sentido de se fazer um uso intenso de conceitos, técnicas e métodos provenientes da lógica. O agregado de tópicos que constitui os estudos lógico-filosóficos é já visível, pelo menos em parte, no Tractatus Logico-Philosophicus (1921), de Ludwig Wittgenstein. Uma boa maneira de ter uma ideia sinóptica do território disciplinar abrangido por esta enciclopédia, ou pelo menos de uma porção substancial dele, é extrair do Tractatus uma lista dos tópicos mais salientes aí discutidos. A lista incluirá certamente tópicos do seguinte género, muitos dos quais se podem encontrar nesta enciclopédia: factos e estados de coisas; objectos; representação; crenças e estados mentais; pensamentos; a proposição; nomes próprios; valores de verdade e bivalência; quantificação; funções de verdade; verdade lógica; identidade; tautologia; o raciocínio matemático; a natureza da inferência; o cepticismo e o solipsismo; a indução; as constantes lógicas; a negação; a forma lógica; as leis da ciência; o número. Deste modo, os estudos lógico-filosóficos abrangem não apenas aqueles segmentos da lógica propriamente dita (liberalmente concebida) que são directa ou indirectamente relevantes para a investigação filosófica sobre a natureza da linguagem, do raciocínio e da cognição (incluindo, por exemplo, aspectos da teoria dos conjuntos e da teoria da recursão), como também um determinado conjunto de segmentos disciplinares cuja relevância para aqueles fins é manifesta e que se caracterizam pelo facto de serem logicamente disciplinados (no sentido aludido). Entre estes, contamse os seguintes: os que foram originariamente constituídos como extensões da lógica, ou seja, segmentos da filosofia da linguagem, da filosofia da lógica, da filosofia da matemática, da filosofia da mente mais recente, etc.; aqueles cujo desenvolvimento foi de algum modo motivado ou estimulado por desenvolvimentos surgidos no interior da lógica, como certos segmentos da actual metafísica, ontologia, teoria do conhecimento, etc. Com respeito à lógica propriamente dita, procura-se abranger exaustivamente nesta enciclopédia as noções e os princípios mais elementares ou básicos. Em particular, não poderia deixar de se incluir o material nuclear (conceitos, princípios, regras de inferência, etc.) da lógica clássica de primeira ordem e da lógica aristotélica, como as leis de De Morgan, o princípio ex falso quod libet, os paradoxos da implicação material e a falácia da ilícita menor. Há um número substancial de artigos dedicados a esse fim e não parece haver lacunas significativas. Em relação ao restante material de lógica, o guia utilizado para a sua inclusão foi o da relevância ou significado, directo ou indirecto, do material para a investigação lógico-filosófica. 5 Prefácio As conexões existentes entre o território teórico abrangido e os domínios de muitas outras disciplinas científicas são bastante estreitas, fazendo a área de estudos lógico-filosóficos ser, por excelência, vocacionada para a investigação pluridisciplinar. Muitos dos segmentos da área são naturalmente convergentes com disciplinas que têm contribuído decisivamente para o estudo de aspectos importantes da linguagem, da mente, do raciocínio e da cognição; é o caso das ciências cognitivas, de disciplinas como a linguística teórica, a psicologia cognitiva e do desenvolvimento, as ciências da computação, a inteligência artificial, etc. A convergência em questão é, em muitos casos, bidireccional, com a investigação nas outras disciplinas simultaneamente a alimentar e a ser alimentada pela investigação lógico-filosófica. Outra característica importante da enciclopédia, ou do modo de encarar a filosofia que lhe está subjacente, é uma maior atenção dada ao valor intrínseco das teorias, argumentos e problemas examinados, e uma concomitante menor atenção dada a quem propõe a teoria, o argumento ou o problema, ou às circunstâncias históricas e pessoais em que o fez. Isto explica em parte o facto de esta ser uma enciclopédia de termos e, logo, uma enciclopédia primariamente acerca de conceitos (os conceitos que esses termos exprimem). Por conseguinte, não se incluíram os habituais artigos sobre personalidades e grandes figuras do pensamento lógico e lógico-filosófico. Todavia, o facto de não conter qualquer artigo sobre uma dada figura (por exemplo, Gottlob Frege ou Willard Quine) não impede de modo algum que as principais ideias e teses dessa figura sejam contempladas Por exemplo, uma das mais célebres distinções de Frege, a distinção entre função e objecto, é o tema do artigo CONCEITO/OBJECTO; e um dos mais célebres argumentos anti-essencialistas de Quine, o ARGUMENTO DO MATEMÁTICO CICLISTA, é também contemplado. A outra razão para a exclusão de nomes é inteiramente contextual: o projecto não foi, desde o início, concebido nesse sentido; em particular, as competências a reunir para o efeito seriam outras. Na verdade, o plano inicial previa um modesto glossário, onde os termos fundamentais seriam definidos com brevidade. Mas o entusiasmo dos autores cedo ultrapassou em muito aquilo que estava previsto e muitos artigos constituem verdadeiros ensaios onde o estado actual da discussão de um tópico ou problema é minuciosamente descrito. A extensão dos artigos varia enormemente, podendo ir de poucas linhas a muitas páginas; mas a desproporção é em geral justificada, uma vez que resulta muitas vezes da natureza ou da importância actual do conceito ou tópico tratado. Os termos em versalete indicam a presença de artigos relevantes para o tema em causa, se bem que o verbete possa não ser exactamente igual ao termo destacado, mas uma variação gramatical. Por exemplo, apesar de o termo «universais» surgir em versalete em alguns artigos, não há um verbete «universais» mas sim UNIVERSAL, o que parece razoável. Procurou-se dar aos verbetes principais a sua designação mais comum, excepto quando uma inversão poderia ser informativa por agrupar várias definições, como é o caso dos paradoxos ou das teorias da verdade. Em qualquer caso, procurou-se dar conta de todas as variações possíveis, remetendo para o local adequado. Em geral, optou-se por não usar aspas ao mencionar símbolos, pois raramente tal prática dá lugar a ambiguidades, e tem a vantagem de evitar que as linhas de texto fiquem horrivelmente carregadas de aspas. Uma vez que a → não pertence à língua portuguesa, não há o risco, geralmente, de se pensar que está a ser usada quando está apenas a ser mencionada. Todavia, há situações em que tal ambiguidade pode surgir; nesses casos, recorre-se às aspas. O conteúdo dos artigos é da responsabilidade dos seus autores. As pequenas definições não assinadas são da responsabilidade dos organizadores portugueses do volume. Esta é uma edição revista e aumentada do volume publicado em 2001 (Lisboa: Gradiva), e que agora se publica simultaneamente em Portugal e no Brasil. Da edição original mantiveram-se todos os artigos, dos quais se eliminaram muitas gralhas tipográficas. Alguns artigos foram ligeira 6 Prefácio ou substancialmente revistos, tendo-se acrescentado cerca de cinquenta remissões e artigos inteiramente novos. A enciclopédia conta agora com 606 artigos. Entre os artigos novos contam-se os seguintes: a priori analítico argumento de autoridade argumento ontológico de Gödel argumentos bayesianos a favor da crença religiosa argumentos sobre a existência de Deus atomismo lógico behaviorismo radical definição filosofia analítica, história da juízo lógica dialógica lógica informal lógica paraconsistente, história da lógica paraconsistente, sistemas de modalidades número paradoxos epistémicos proposição, teorias da quase-verdade sofisma teoria da relatividade Inclui-se nesta edição uma lista completa de artigos, no final, assim como cabeças em todas as páginas, que facilitam sobremaneira a consulta. JOÃO BRANQUINHO DESIDÉRIO MURCHO NELSON GONÇALVES GOMES 7