Entrevista com Lygia Aires (CRP 05/1832), presidente da Comissão de Ética do
Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro
1) Lígia, como foi a reunião da APAF?
Bom, toda reunião da APAF costuma ser muito difícil, e essa teve uma característica
mais interessante porque contava com delegados novos. A maioria dos delegados é
formado por conselheiros eleitos na última eleição e que, na grande maioria, não tinham
participado de reuniões anteriores. E havia ainda temas muito complexos, como o
exame criminológico, a resolução 09 e a Escala Hare. Em relação ao exame, ele
infelizmente foi prorrogado por mais dois meses, para ser discutido na APAF de maio.
(os seis meses terminariam em março). Isso é uma medida muito despotencializadora da
categoria, uma vez que o posicionamento do governo Federal é de mais uma vez adiar a
discussão, ainda mais se tratando de uma questão tão séria e tão cara quanto a atuação
do psicólogo no sistema prisional. Uma coisa que eu percebi é que essa é uma discussão
que o 05 leva e que há uma concordância do plenário, mas na hora da votação os votos
não são condizentes com isso. Eles votam pelo adiamento, até por não terem se
apropriado dessa discussão, e isso é uma coisa para se pensar. E eu acho que não dá
para não se apropriar de uma discussão que vem de 2003. Então, mais uma vez, estamos
à mercê do judiciário.
2) Muitas pessoas, principalmente depois do fórum realizado em São Paulo,
disseram que não havia mais o que discutir. Você pensa dessa forma também?
Já está tudo debatido, já está tudo discutido. O posicionamento é claro, essa é uma
discussão que existe há anos. Primeiro: o psicólogo não tem poder de previsão.
Ninguém tem a capacidade de prever o comportamento do outro. Segundo: é uma
medida judicial, quer dizer, é um direito que o detento tem, e a gente não pode ser
contra um direito. E terceiro: não cabe ao judiciário dizer o que nós psicólogos temos
que fazer. Não há mais o que discutir, temos que bancar. Se é pra brigar, vamos brigar,
mas vamos brigar defendendo a nossa autonomia, pois senão daqui a pouco é uma
reedição do ato médico. Daqui a pouco o judiciário vai dizer o que a gente tem que
fazer, o administrador vai dizer o que a gente tem que fazer... Ou o a psicologia banca a
sua autonomia ou vai ficar à mercê de qualquer um.
3) O 05 vai trabalhar de alguma forma para tentar trazer essas pessoas para essa
luta?
A gente vai continuar essa luta junto aos psicólogos do sistema prisional... O fato de o
jornal ter esse tema como bandeira, é uma ação. Estamos dizendo que não morreu, que
vamos continuar brigando. Vamos tentar contato com os regionais mais novos, tentando
mobilizar, tentando fortalecer, para que realmente as pessoas comprem essa briga.
4) E a discussão propriamente dita em Brasília, como ela andou?
Ela foi prioridade, pois estava no final de pauta, e votamos para que fosse o primeiro
assunto de peso discutido, depois dos assuntos administrativos. Foi uma discussão de
mais de duas horas. Embora o Federal diga que não é contra a resolução, ele não banca
a resolução. Foi emblemático. A gente vê as pessoas dizendo que precisa de mais
discussão por que não é consenso, mas não vai ser consenso nunca! Se você for
perseguir um consenso, você não chega a lugar nenhum. O que você tem que perseguir
é a questão ética, a questão da autonomia do profissional de legislar sobre sua atividade.
5) Mais alguma coisa que você acha que tem que ser destacada?
Tem uma outra questão que também é importante e que de alguma maneira se atrela a
esse assunto, que é um teste, o PCL-R, ou Escala Hare, que é uma escala que se propõe
a determinar ou a diagnosticar se você é um psicopata. É uma escala que,
cientificamente, é bem construída, e até o Satepsi, que é um sistema que regula os testes
psicológicos legitima, mas que fere os princípios que hoje o CFP ou os regionais
abarcam, que é a questão dos Direitos Humanos. Primeiro porque é aplicada ao sistema
prisional, e vem sendo utilizada entre adultos e já vem sendo aplicada na população
infanto-juvenil. É um assunto que já vem sendo pautado há muito tempo, ela estava na
pauta da APAF do ano passado, foi discutido esse ano e novamente foi descredenciado,
com pedido de mais tempo para estudos. Mas enquanto você tem pareceres brilhantes, e
todos votam pela coerência dos pareceres, pode-se perceber claramente que o sistema
Satepsi não considera aspectos políticos, aspectos dos Direitos Humanos. Isso não é
uma questão ideológica. O teste discrimina homossexuais, discrimina a população
carcerária e fere os princípios básicos dos direitos humanos. Esse teste, a meu ver, está
muito atrelado ao exame criminológico, pois vai dar subsídios para dizer se uma pessoa
é psicopata ou não. E isso também não foi aprovado.
6) Ficou também para maio?
Ficou para a APAF de maio para ser mais estudado, mas você já tem todos os estudos,
já tem todos os pareceres que mostram que ele fere os direitos humanos. Então isso é
uma coisa para a gente pensar.
7) E você já tem alguma expectativa para maio? Acredita que isso vai ser discutido
ou, ao menos, pensado de outra forma?
Eu quero acreditar que sim. Se eu não acreditasse que a vamos conseguir que as
pessoas, os psicólogos, os conselheiros e os representantes do Sistema Conselhos
entendam a relevância e a importância desse tema, eu não estaria aqui. Acho que a gente
tem que trabalhar muito. A gente não pode mais pensar o sistema de uma forma
separada, como um somatório de coisas, em que a gente só se encontra e nada mais.
Acho que tem que ter um movimento muito mais consistente, de discussão contínua, e
não só nas APAFs.
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Lygia Ayres - CRP-RJ