Produção de Documentos e a Psicologia no Sistema Prisional Angélica Bomm – Conselheira e Coordenadora do Núcleo do Sistema Prisional Abel Serpa – Colaborador do Núcleo do Sistema Prisional Cristian Colovini – Colaborador do Núcleo do Sistema Prisional A psicologia vem, historicamente, ocupando espaços e discussões que vão além das questões individuais. A assunção do compromisso social como projeto político da Psicologia enquanto ciência e profissão têm provocado grande mudança na perspectiva dos fazeres e saberes da Psicologia. Os psicólogos/as buscam, gradativamente, intervenções para além das questões individuais, produzindo movimentos junto ao campo das políticas públicas, nas mais variadas áreas, sempre orientadas pela visão da garantia dos Direitos Humanos. Este novo cenário tem posto muitos desafios para a profissão. No contexto do Sistema Prisional o desafio se coloca na (des)construção de uma prática historicamente ligada à avaliação sobre o indivíduo em privação de liberdade para fins de concessão de benefícios/direitos judiciais, como a progressão de regime e o livramento condicional. Não diferente dos movimentos da reforma sanitária e da luta anti-manicomial, a atuação do psicólogo dentro do Sistema Prisional vem se distanciando da produção de estigmas, afim de que seu trabalho seja efetivo enquanto promoção de saúde e novas possibilidades de relação para o indivíduo preso. Como referem as diretrizes para a atuação do psicólogo no sistema prisional (CFP), o trabalho da psicologia neste contexto é, sobretudo, com vistas a vida em liberdade do egresso, no estimulo a autonomia e na expressão da individualidade, reduzindo os danos causados pela prisão, e, junto com os demais profissionais, na construção de projetos que garantam os direitos e a promoção da saúde, possibilitando, assim melhores condições para a reintegração social. Para isso, também torna-se necessário uma atuação extramuros, visando desconstruir conceitos de que o crime está relacionado unicamente ao indivíduo, sem considerar o contexto social no qual o mesmo está inserido. Deste modo, a Psicologia está para muito além da tarefa de elaboração de documentos para subsidiar decisões judiciais, embora o passado da atuação profissional junto às pessoas privadas de liberdade seja pautado pela questão da avaliação e do exame criminológico. O que temos como movimento, principalmente no Estado do Rio Grande do Sul é a divisão de psicólogos entre equipes, de acordo com as especificidades do trabalho que exercem. Tem-se desta forma as equipes de tratamento penal, que atuam na rotina cotidiana dos estabelecimentos prisionais, acompanhando e servindo de referência às pessoas presas e as Equipes de Observação Criminológica (EOC), para a realização das avaliações solicitadas pelo Judiciário. As EOCs são equipes itinerantes, externas ao estabelecimento prisional, que atuam em território regional, e realizam então as entrevistas de avaliação e a elaboração de pareceres por solicitação judicial. Já a equipe de tratamento penal, no que se refere à elaboração de documentos, restringese a elaboração de relatórios quanto à viabilidade e ao andamento da implementação das sugestões apontadas pela EOC, na individualização da pena. Assim, à luz do artigo 2º do Código de Ética, a produção de documentos escritos com a finalidade de instruir processo de execução penal não pode ser realizada por psicólogo/a que atua como profissional de referência para o acompanhamento da pessoa em cumprimento da pena ou medida de segurança, em quaisquer modalidades como atenção psicossocial, atenção à saúde integral, projetos de reintegração social, entre outros, que possam afetar o vínculo estabelecido na relação profissional de acompanhamento psicológico. Neste sentido muitos movimentos já aconteceram, afim de garantir e regulamentar a atuação do psicólogo(a) no âmbito do sistema prisional. O Conselho Federal de Psicologia já editou duas importantes resoluções: a Resolução nº 009/2010 e a Resolução nº 012/2011. Recentemente, em 30 de abril de 2015, por sentença judicial em primeira instância, na Justiça Federal do RS, houve a suspensão da Resolução 012/211 do CFP. Contudo, a elaboração da resolução baseou-se no Código de Ética, e, embora a resolução esteja por hora suspensa, a atuação profissional e a elaboração de documentos no âmbito do sistema prisional devem se manter alinhados com o Código de Ética. Nesta perspectiva, na elaboração de quaisquer documentos escritos com a finalidade de subsidiar a decisão judicial na execução das penas e das medidas de segurança, ficam vedadas ao psicólogo(a) a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-delinquente. Para discutir estas e outras questões o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul tem hoje um Núcleo do Sistema Prisional que atua de forma descentralizada, acontecendo encontros mensais e promovendo eventos para discutir a atuação do psicólogo neste contexto. Este espaço possibilita que possamos discutir e (re) pensar as práticas dentro deste contexto, alinhadas ao código de ética e aos movimentos da psicologia enquanto ciência e profissão. Referências: -Diretrizes para a atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro, http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/depen_cartilha.pdf