SISTEMA PRISIONAL E A REDE DE SAÚDE*
O sistema de saúde do nosso país prevê atendimento integral a todos os
seus cidadãos. O SUS é instituído pelas Leis Federais 8.080/1990 e
8.142/1990, tem o horizonte do Estado democrático e de cidadania plena como
determinantes de uma saúde como direito de todos e dever do Estado previsto
na Constituição Federal de 1988 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Esse composto se embasa nas concepções de: acesso universal, gratuito e público às ações e serviços de saúde; integralidade do cuidado, ou seja,
atender o indivíduo como um todo e não como um monte de partes; equidade,
olhar para o sujeito sem desigualdades de direito, respeitando as diferenças de
cada um; a descentralização do acesso à saúde, para assegurar um cuidado
próximo aos usuários que precisam; controle social exercido pelos Conselhos
Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde com a representatividade dos usuários, organizações da sociedade civil, instituições formadoras, trabalhadores
em saúde, gestores e prestadores de serviços (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2004).
Desse modo, temos discutido como fazer com que o sistema de saúde e
o sistema penitenciário abram-se para o diálogo e para a construção da rede,
em prol da efetivação da Política Nacional de Atenção Integral a Saúde Prisional (PNAISP). É objetivo geral da PNAISP garantir o acesso das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional ao cuidado integral no SUS (PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1, DE 2 DE JANEIRO DE 2014). Assim, os atendimentos aos presos devem ser realizados em alguma unidade de saúde no
território e nos estabelecimentos prisionais que contam com Equipes de Saúde
Prisional. Ademais, os fluxos de referência e contrarreferência deverão ser pactuados entre as instituições envolvidas.
É de conhecimento geral que as pessoas privadas de liberdade acabam
ficando à margem do sistema de saúde. Isso se dá por vários motivos. E, por
isso mesmo, é urgente a construção de uma rede de modo a garantir o direito à
saúde e seu efetivo acesso, não negligenciando as condições clínicas e mentais das pessoas privadas de liberdade.
Sabemos também, que o aprisionamento acaba por adoecer as pessoas, de modo que vários sinais e sintomas surgem apenas após estarem priva-
das de liberdade. A condição de afastamento do ambiente doméstico e da família é fato relevante para situações e agravos em saúde mental. As condições
físicas e estruturais dos estabelecimentos penais também interferem diretamente na saúde.
O que presenciamos, atualmente, é ampliação do número de trabalhadores, tanto técnicos quanto da segurança, vindos de experiências de trabalho
com a saúde que desejam construir uma nova forma de trabalhar, pois compreendem que as pessoas privadas de liberdade têm direito ao mesmo atendimento que é garantido aos cidadãos que estão em liberdade. É importante
lembrar e frisar: as pessoas privadas de liberdade perderam somente o direito
à liberdade, os demais direitos estão preservados e precisam ser garantidos.
No entanto, tem sido difícil a construção desta rede, muitas vezes, em
decorrência do preconceito a que essa população está submetida. Os profissionais de saúde não conhecem a realidade do sistema prisional, por vezes, o
conhecimento fica limitado ao que é veiculado nas mídias de massa. De fato,
aproximar os setores de saúde e segurança e construir uma rede contribuirá
para a quebra de paradigmas, uma vez que a articulação entre diferentes setores proporcionará a problematização de diferentes visões de mundo.
A saúde mental precisa ser enfatizada, pois, através desta, outras problemáticas em relação à saúde e mesmo segurança serão contornadas. Para
isso é fundamental que ocorra acolhimento e desenvolvimento de dispositivos
de cuidado que facilitem o trabalho técnico, de acordo com os princípios do
SUS e da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216 de 2001). Contudo, o diálogo
entre saúde e segurança ainda tem muito a avançar, a fim de que o tratamento
ofertado às pessoas privadas de liberdade possa ser feito de forma adequada e
pautado nos dispositivos legais que amparam o cuidado em saúde.
O campo da saúde mental, por trabalhar com a subjetividade, exige o
estabelecimento de debates e a manutenção de práticas que mantenham sempre presente os princípios e diretrizes do SUS, uma vez que o sofrimento psíquico ora é negligenciado e entendido como uma tentativa de obter vantagens
ou benefícios, ora é tratado como um incômodo que precisa ser eliminado através de encaminhamento. Para que o sofrimento psíquico das pessoas privadas
de liberdade seja respeitado e para que seja ofertado um tratamento qualifica-
do é necessária sensibilização constante dos agentes de segurança para que o
tratamento penal possa ser efetivado em conjunto.
O trabalho nesse campo que mescla saúde e segurança coloca muitas
contradições quanto às possibilidades de intervenção do psicólogo. Contudo, a
ética e os direitos humanos precisam permear a conduta profissional sempre. É
fundamental ampliar a construção de redes que amparem o sujeito para que
seja possível buscar soluções que respeitem a singularidade e contribuam para
que as pessoas sigam suas histórias de maneira responsável em busca de autonomia.
* Texto escrito pelas psicólogas Débora Cristina O. Ferreira, Letícia Domingues
Zappelini, Pâmela Georg, Pauline Schwarzbold da Silveira e Rosane Gomez de
Castro, servidoras da Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE)
do Estado do Rio Grande do Sul e pela Conselheira Luciane Engel, componentes do Núcleo de Psicólogos do Sistema Prisional do Conselho Regional de
Psicologia
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