Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
DOENÇA DE ALZHEIMER E DE PARKINSON: ESTUDO
COMPARATIVO DE FUNÇÕES EXECUTIVAS
Maria Fernanda Ali Mere
Lineu Corrêa Fonseca
Faculdade de Medicina
Centro de Ciências da Vida
[email protected]
Neuropsicofisiologia em cognição e epilepsia
Centro de Ciências da Vida
[email protected]
Resumo: A DA tem como expressão fundamental a
demência enquanto a DP apresenta manifestações
essencialmente motoras, mas com ocorrência elevada de distúrbios cognitivos e comportamentais. Existem, na literatura, controvérsias quanto às diferenças
entre o acometimento das FE nas DA e DP.Foram
avaliados 34 pacientes que atenderam aos critérios
diagnósticos de DA, 39 com diagnóstico de DP, e um
GC constituído por 31 indivíduos sem qualquer comprometimento neuropsiquiátrico prévio. Todos foram
submetidos a anamnese, exame clínico-neurológico,
exames laboratoriais de rotina, avaliações neurocognitivas e comportamentais, bateria CERAD e os seguintes testes de FE: fluência verbal fonológica e
semântica, desenho do relógio, trilhas formas A e B
(Trail making test – TMT 1938), cores e palavras de
Stroop Color-Word Test, Torre de Hanói e do Labirinto.Nos testes de FE, os pacientes com DA obtiveram
o pior desempenho, seguidos pelo grupo DP, e com
melhor desempenho, o GC. Na comparação entres
os grupos DP e GC houve significativamente pior
desempenho no grupo DP trilhas, fluência verbal semântica e fonológica; na comparação entre os grupos
DA e GC o desempenho do grupo DA foi pior em todos os testes; na comparação direta entre os grupos
DA e DP este grupo teve pior desempenho.As FE
estão comprometidas mais acentuadamente nos pacientes com DA do que nos pacientes DP, mas nestes também estão comprometidas. Tal achado tem
importantes repercussões quanto a conduta e tratamento desses pacientes.
Palavras-chave: Doença de Alzheimer, Doença de
Parkinson, funções executivas
Área do Conhecimento: Grande Área do Conhecimento: Ciências da Saúde – Sub-Área do Conhecimento: Medicina – CNPq.
1. INTRODUÇÃO
As doenças de Alzheimer (DA) e de Parkinson (DP)
constituem os processos neurodegenerativos mais
comuns do idoso.
A prevalência da doença de Alzheimer tende a dobrar a cada 5 anos, a partir dos 65 anos, chegando a
mais de 50% dos indivíduos acima dos 90 anos [13]
e, com o aumento progressivo da vida media da população, tende a ser cada vez maior no Brasil.
A expressão básica da doença de Alzheimer é um
quadro demencial, de declínio cognitivo e/ou comportamental crônico e geralmente progressivo, que causa restrições graduais nas atividades da vida diária e
que não pode ser explicado por modificações na
consciência, na motricidade ou no sensório [29].
Por outro lado, na doença de Parkinson (DP) as manifestações são essencialmente motoras, crônicas e
progressivas, tais como tremor de repouso, rigidez
muscular, bradicinesia e anormalidade postural. No
entanto, a ocorrência de distúrbios cognitivos é freqüente e a prevalência media de demência esta em
torno de 31% [4, 18].
Na DA, as alterações iniciam-se pelo córtex entorrinal e região parahipocampal para depois atingir o
neocortex [5].
Funções Executivas
O termo funções executivas (FE) designa o conjunto
das capacidades que possibilitam ao indivíduo engajar-se de maneira independente e autônoma em atividades dirigidas a metas. As FE ditam a maneira e a
ordem em que devem ser empregados os recursos
básicos de um sistema funcional para alcançar um
objetivo específico. Essas funções superiores de
controle podem ser divididas em etapas: de início,
uma meta deve ser antecipada e estabelecida, e então um plano precisa ser formulado; enquanto isso,
uma série de enunciados avalia os desfechos potenciais. A ação, uma vez iniciada, é executada numa
ordem própria, e seus resultados são avaliados e
monitorados [38].
Na DP são comuns alterações cognitivas [4,18] e,
dentre estas, as FE estão frequentemente comprometidas [19,36,27] por vezes de modo precoce [17] e
com influência do nível de escolaridade [15].
Na predição de demência em pacientes com DP os
testes de Stroop e de fluência verbal parecem ter
algum valor preditivo [25] e mesmo nos pacientes
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com transtorno cognitivo amnéstico leve, já existe,
associado, um desempenho inferior em FE [34].
O comprometimento motor da DP poderia ser um
fator no desempenho em testes congnitivos [21].
No estudo de sujeitos sadios que evoluem para DA,
as FE seriam marcadores precoces para o desenvolvimento de DA (Hutchison et al., 2010). Assim, as FE
teriam importância no diagnóstico de DA leve [39].
No curso da DA é frequente o aparecimento de apatia o que traz, por vezes, dificuldade diagnóstica
quanto à sua causa; poderia ser sintoma depressivo,
porém em vários casos a correlação não se dá com
outros sintomas depressivos, mas ocorre com o
comprometimento de FE, sugerindo, então, mecanismos cognitivos [28].
O conhecimento de FE na DA é importante, pois o
grau de seu comprometimento tem correlações com
qualidade de vida e, até, com tempo de sobrevida do
indivíduo [39].
A literatura é carente em estudos comparativos sobre
FE nas doenças DA e DP.
O estudo comparativo de FE nas DA e de DP justifica-se pela importância dessas funções no funcionamento dos sujeitos, pelos fatores envolvidos, seu
valor diagnóstico e prognóstico, assim como por trazer elementos para adequar estratégias de reabilitação, acompanhamento, e de melhor orientação de
cuidadores.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1. Sujeitos
Foram incluídos neste estudo 3 grupos de sujeitos:
(1) Grupo com doença de Alzheimer (GA), com 34
pacientes que atenderam aos critérios de demência
de acordo com o DSM IV [6] e do NINCDS/ADRDA
[30], conforme recomendações do consenso Nacional para o diagnóstico de doença de Alzheimer provável [35].
(2) Grupo com doença de Parkinson (GP), com 39
pacientes com diagnóstico clínico provável ou definitivo de DP, segundo os critérios de [9, 15]. Este grupo foi subdividido em dois: Parkinson com demência
(GPD) composto por 3 pacientes que atenderam os
critérios de demência do DSM IV. Parkinson sem
demência (GPSD) com 39 pacientes.
(3) Grupo controle (GC), composto de 31 indivíduos
sem nenhuma história de declínio cognitivo ou desordem neurológica ou psiquiátrica prévia.
Os pacientes dos grupos de DA e DP foram procedentes do ambulatório de Neurologia Clínica do Hospital e Maternidade Celso Pierro da PUC-Campinas e
com informante próximo disponível.
Os critérios de exclusão foram: comorbidades com
redução significativa da expectativa de vida; trata-
mentos com antidepressivos, anticonvulsivantes,
benzodiazepínicos, antipsicóticos típicos ou atípicos,
drogas anticolinérgicas e anticolinesterásicas.
Os participantes assinaram termo de consentimento
aprovado pelo comitê de ética e pesquisa em seres
humanos da PUC-Campinas.
2.2. Procedimentos
Os procedimentos de acordo com recomendações
da European Federation of Neurological Societies
(EFNS) [43] e da Academia Brasileira de Neurologia
[33] foram:
(1) Anamnese;
(2) Exame clínico-neurológico;
(3) Exames laboratoriais de rotina;
(4) Avaliações neurocognitivas e comportamentais,
constituídas por: Mini Exame do Estado Mental
(MEEM) - para rastreamento cognitivo, conforme
versão do Consenso Nacional [8] - e Bateria CERAD
(Consortium to Establish a Registry for Alzheimer´s
disease) - aborda itens para o diagnóstico de demência no idoso [5];
(5) Pensamento abstrato (CAMDEX);
(6) Inventários de depressão (Hamilton) e neurospiquiátrico (Cummings);
(7) Escala CDR (Clinical Dementia Rating) [29, 25];
(8) Eletrencefalograma digital (EEG)
(9) Testes de funções executivas (Teste de fluência
verbal, Teste do desenho do relógio, Teste de trilhas
formas A e B, Teste de cores e palavras de Stroop,
Torre de Hanói e Teste do labirinto).
2.3. Análise dos dados
Foi feito estudo comparativo entre os grupos DA, DP
(com ou sem demência) e grupo controle, quanto aos
resultados de testes de FE e avaliadas suas relações
com nível de escolaridade, aspectos motores e com
outros aspectos cognitivos básicos do CERAD.
Foram utilizadas análises estatísticas paramétricas
ou não-paramétricas, dependendo da situação em
estudo, com nível de significância para p<0,05.
3. RESULTADOS
3.1. Aspectos clínicos
Ao comparar os dados sócio-demográficos dos grupos de estudo, podemos observar que houve diferenças significativas quanto à idade, à escolaridade e
quanto ao gênero (Teste de Kruskal-Walllis ou teste
do Qui-quadrado, p<0,05).
Quanto à idade, o grupo DA diferiu significativamente
do grupo DP, já que os pacientes com DA foram os
que apresentaram idade mais elevada entre todos os
envolvidos no estudo e os pacientes com DP foram
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os mais novos. Não houve diferença significativa de
idade entre os grupos DP e GC (Teste U de MannWhitney p=0,088).
Quanto ao gênero, também houve diferença significativa (Teste do Qui-quadrado p<0,05) entre os grupos, com o gênero feminino mais prevalente nos
grupos DA e GC, e o gênero masculino mais prevalente no grupo DP.
Quanto à escolaridade, verificou-se que os grupos de
pacientes com patologias (grupos DA e DP) diferiram
significativamente (Teste de Kruskal-Wallis p<0,05)
do GC por apresentarem menor escolaridade.
3.2. Cognição e Funções executivas
Quanto à avaliação da cognição, houve diferenças
significativas entre os grupos DA, DP e GC no desempenho no Mini-Exame do Estado Mental, com
exceção da memória de fixação (Teste de KruskalWallis p<0,05). O GC apresentou melhor desempenho do que o grupo DP e este em relação ao grupo
DA.
Quanto à avaliação das FE, observou-se que, em
todos os testes, houve diferença significativa do desempenho dos três grupos (Teste Qui-quadrado
p<0,05), sendo que o pior desempenho foi do grupo
DA, o desempenho intermediário do grupo DP e melhor desempenho do GC. Os testes do Relógio e do
Labirinto demonstraram que houve diferença significativa (ANOVA p<0,05) entre os grupos quanto suas
médias de score: o grupo DA obteve pior desempenho, o grupo DP um desempenho intermediário e o
grupo GC o melhor desempenho. Esses dois testes
também demonstraram diferença significativa na
comparação direta entre os grupo DA e DP quanto a
suas médias de score (Teste Qui-quadrado p=0,000).
Os outros testes de FE seguiram o mesmo padrão.
4. TABELAS
Abaixo estão algumas tabelas utilizadas na interpretação do estudo:
Na tabela 1 encontram-se os valores referentes ao
desempenho dos grupos no Mini-Exame do Estado
Mental. Nota-se que houve diferenças significativas
entre os três grupos (Teste de Kruskal-Wallis
p<0,05), com exceção do teste de Memória de Fixação. O GC apresentou melhor desempenho do que o
grupo DP e este em relação ao grupo DA.
Tabela 1: Desempenho dos grupos no Mini-Exame do
Estado Mental.
Número
de
casos (N=117)
Orientação
temporal
Orientação
espacial
Memória
de
fixação
Atenção
e
cáculo
Memória
de
evocação
Linguagem
Praxia
con-
strutiva
MEEM total
DA
DP
GC
34
39
44
2,11
4,73
4,79
(1,78)
(0,76)
(0,51)
2,79
4,68
5,00
(1,49)
(0,70)
(0,00)
2,64
2,94
2,88
(0,69)
(0,22)
(0,44)
0,85
2,60
3,59
(1,43)
(1,76)
(1,48)
0,79
1,63
1,95
(1,06)
(1,07)
(0,98)
5,79
7,23
7,68
(1,51)
(1,02)
(0,77)
0,23
0,73
0,75
(0,43)
(1,02)
(0,44)
15,44
24,5
26,61
(5,35)
(4,17)
(2,48)
Valor
de p
0,000*
0,000*
0,073
0,000*
0,000*
0,000*
0,000*
0,000*
Quando são mostradas as médias, os desvios padrões
são mostrados entre parênteses (DP). *Teste de Kruskal-Walllis. p<0,05.
Na tabela 2 encontram-se os valores referentes ao
desempenho dos grupos no Teste do Relógio, segundo o score obtido pelos pacientes nesse teste,
sendo que quanto maior o score, melhor o desempenho no teste. Houve diferença significativa entre os
grupos (Teste Qui-quadrado p<0,05) com o pior desempenho no grupo DA, desempenho intermediário
do grupo DP e melhor desempenho do GC. Na comparação direta entre os grupos DA e DP também
houve diferença significativa com pior desempenho
do grupo DA (Teste qui-quadrado p<0,05). Dentre os
indivíduos que realizaram o teste, houve diferença
significativa (ANOVA p<0,05) entre os grupos quanto
suas médias de score: o grupo DA obteve pior desempenho, o grupo DP um desempenho intermediário e o grupo GC o melhor desempenho. Na comparação direta entre os grupo DA e DP quanto a suas
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médias de score, também houve diferença significativa (Teste Qui-quadrado p=0,000).
Tabela 2: Desempenho dos grupos no Teste do Relógio
Teste do
Relógio
DA
DP
GC
35***
41
(89,74%)
(93,18%)
(score)
Valor
de p
0
N casos
que conse-
19***
guiram reali-
(55,88
zar o teste
%)
(%)
0,000
N casos
**
0
que não
15***
consegui-
(44,12
ram realizar
%)
4***
3
(10,26%)
(6,82%)
3,35
7,18
8,34
0,000
(3,09)
(3,03)
(2,18)
*
o teste (%)
Média (DP)
dos casos
em que o
teste foi realizado
*Teste
de
ANOVA.
p<0,05.
**Teste
qui-quadrado
p<0,05. ***Teste qui-quadrado comparação entre DA e
DP, p=0,002
5. DISCUSSÃO
Neste trabalho, os pacientes com Alzheimer apresentaram a idade mais elevada, o menor grau de escolaridade enquanto que os pacientes com Parkinson
não diferiram significativamente nem na idade nem
em escolaridade. Como o grupo DA teve escolaridade mais baixa, seu desempenho cognitivo inferior em
relação aos demais indivíduos pode ter sido em parte
relacionado a esse fator.
O estudo de FE reveste-se de grande importância
prática pois constituem-se em fundamentos da atua-
ção dos indivíduos de modo independente e autônomo em atividades dirigidas a metas [24].
Nesta pesquisa utilizamos testes tradicionais de FE.
Funções executivas e DP
Observaram-se neste estudo diferenças significativas
entre os grupo DP e GC no desempenho nos testes
de FE de Trilhas, fluência verbal semântica e fluência
verbal fonológica. No teste de Stroop maior número
de pacientes com DP não conseguiu realizar a prova,
mas a diferença não atingiu significância estatística.
Tais comprometimentos de FE estão em acordo com
a literatura [19,36,27]. Seriam resultantes de ruptura
na circuitaria frontoestriatal devido a transtorno na
modulação dopaminérgica [1].
A ocorrência de distúrbio de FE nas fases iniciais da
DP ainda não é bem compreendida [2]. Seu achado
teria valor preditivo de desenvolvimento de demência
[25] especialmente se estudado em associação com
a tomografia computadorizada de foton único [3].
As FE podem ser o elemento principal do distúrbio
comprometimento cognitivo leve na DP [34].
Funções executivas e DA
No grupo DA do presente trabalho todas as FE avaliadas, ao lado de outras funções cognitivas, estavam
alteradas. Tal achado sugere que na DA seu comprometimento já ocorre nas fases iniciais, ao lado
dos transtornos de memória que são proeminentes.
A baixa escolaridade deve ter sido fator de piora para
as FE.
As FE seriam marcadores precoces para o desenvolvimento de DA [22] e teriam importância no diagnóstico de DA leve [39].
O conhecimento de FE na DA é importante, pois o
grau de seu comprometimento tem correlações com
qualidade de vida e, até, com tempo de sobrevida do
indivíduo [39].
Comparação DA x DP
Segundo revisão de [10] a fluência verbal estaria
comprometida na DP quando há demência associada
e parece não haver diferença em relação à DA. Para
[10] não haveria diferença em fluência verbal na
comparação entre DA e DP com demência.
Na presente casuística, a fluência verbal esteve
comprometida na DA e em menor nível na DP. Como
no grupo DP poucos pacientes tinham demência
constata-se que o comprometimento de fluência
verbal deu-se também sem a associação com demência.
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Não se notou diferente comportamento face as fluências semântica e fonológica em cada um dos grupos DA e DP.
O teste de trilhas foi outro instrumento de pesquisa
de FE que evidenciou alterações na DP confirmando
as recomendações de [37] na detecção precoce de
alterações cognitivas na DP.
O desenho do relógio bastante comprometido na DA
não revelou diferenças entre DP e GC, provavelmente por se tratar de DP com poucos casos com demência.
O desenho do relógio parece revelar diferenças nos
resultados de acordo com o tipo de demência [23].
O estudo comparativo de FE nas DA e de DP revelou
comprometimento importante nos dois grupos de
doenças degenerativas do sistema nervoso central
(DA e DP) que certamente interfere com o funcionamento dos sujeitos e requer orientação adequada.
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